A decisão concessiva deveria declinar de forma clara e precisa as razões de convencimento. Desta forma, todos os aspectos acima deveriam ser analisados pelo magistrado, ainda que sob o foco da sumariedade.
Havia previsão, no parágrafo quarto do artigo 273, de que a decisão poderia ser modificada ou revogada a qualquer momento em decisão fundamentada. Embora a lei não o dissesse, não era (e não é) de bom alvitre a modificação ou revogação sem modificação no quadro fático ou jurídico. O julgador deve decidir com firmeza e convicção, não sendo produtivo ou profícuo ao exercício da jurisdição e da segurança jurídica almejada pela jurisdição enquanto serviço estatal, que o mesmo quadro fático-jurídico fique sendo reapreciado ao sabor dos humores do julgador e modificado ao seu talante.
Mas a antecipação estava sujeita à limitações. A primeira dizia respeito à irreversibilidade dos efeitos antecipados. A lei falava em irreversibilidade do provimento antecipado. Mas a redação era equivocada, pois o provimento é a decisão, e ela estava ressalvado pelo proprio artigo 273 como revogável a qualquer momento. Os efeitos empíricos antecipados é que poderiam ser irreeversíveis.
Esta limitação cedeu, porém, passo a situações onde os efeitos, ainda que irreversíveis, diziam respeito a um direito de envergadura maior, e onde a irreversibilidade, total ou parcial, foi admitida, como o direito à vida ou a saúde[46].
Também surgiram limitações à concessão de liminares contra a Fazenda Publica. Isso ocorreu com as cautelares na Lei nº 8.437/92, e, quanto à antecipação de tutela, na Lei nº 9.494/97[47].
Posteriormente, a Lei nº 10.444/02, introduziu dois novos parágrafos ao artigo 273.
O parágrafo 6º estipulou a possibilidade de antecipação em caso de pedidos cumulados onde um ou mais deles fossem incontroversos, total ou parcialmente. Isso pressupunha a apresentação de contestação que fosse parcial, deixando um ou mais pedidos sem impugnação ou parte de cada um dos pedidos na mesma condição. Note-se que isso era somente para caso de cumulação de pedidos.
O parágrafo 7º criou expressamente a possibilidade da fungibilidade cautela- antecipação. Ele surgiu porque, nos primeiros momentos da introdução da antecipação de tutela, houve muita dúvida acerca do instituto e notórias dificuldades em se diferenciar a antecipação das cautelares.
O citado parágrafo permitia que, quando solicitada como antecipação de tutela medida que era cautelar, o julgador pudesse, se presentes os requisitos, deferir esta última. Veja-se que a fungibilidade era para deferir cautelar em lugar de antecipação, e não o contrário.
Na época já salientei que não se poderia ter uma fungibildiade ampla de forma a se pertmitir que se pudesse deferir antecipação de tutela no lugar de medida cautelar[48].
Isso porque o ajuizamento de pedido de cautelar em caso claro de antecipação de tutela caracterizaria erro grosseiro ou má-fé e não teria permissão na lei, que é específica acerca da possibilidade de fungibilidade somente para deferir cautelar. Erro grosseiro ou má-fé afastam a fungibilidade.
Todavia, a jurisprudência caminhou para uma fungibilidade de mão-dupla e ampla.
9.4) Sistemática do CPC atual e Regras Gerais
O novo CPC extingiu o livro das cautelares e unificou a disciplina da antecipação de efeitos da tutela[49] e das medidas cautelares sob o signo das Tutelas Provisórias. A disciplina vai dos artigos 294 a 312.
Para denominar o gênero de tutelas, preferiu, o legislador, valer-se do caráter temporal de sua eficácia e não da profundidade da cognição. As tutelas provisórias são tutelas de cognição sumária, e a provisoriedade decorre do fato de estarem fadadas a serem substituidas por uma decisão definitiva que lhes confirma, revoga ou extingue.
Elas terão eficácia na pendência do processo (art. 296, caput), inclusive período de suspensão (parágrafo único do artigo 296), mas podem ser revogadas ou modificadas a qualquer momento por decisão fundamentada. Valem aqui os preceitos antes referidos no que diz respeito à modificação da tutela ou sua revogação sem fatos novos.
Elas podem ser lastreadas na evidência ou na urgência e podem ser incidentais ou antecedentes (exceto a da evidência, que somente pode ser incidental)[50].
Da ausência de definição legal, é de se entender que, quanto à definição e diferenciação dogmática de antecipação de tutela e cautelar, continua vigente tudo quanto se construiu na doutrina e na jurisprudência. Isto significa que a diferenciação entre uma e outra se faz a partir do que é objeto de pedido ou seu efeito direto e daquilo que não é.
Segundo o art. 297 do CPC, o juiz poderá determinar as medidas que achar adequadas para efetivação da tutela provisória. Nisso hauriu o poder geral de cautela, previsto no artitgo 798 do revogado CPC. Agora, esta felexibilização que pertmite ao julgador determinar medidas não expressamente postuladas será possivel também nos casos de antecipação de tutela[51]. Esta autorização permite a determinação de medidas não socilitadas mas logicamente compatíveis e necessárias, bem como a modulação e adequação de medidas requeridas. É imperativo não se olvidar da excepcionalidade da atuação oficiosa, pois, em contraponto, está em jogo o princípio da imparcialidade e da inércia da jurisdição[52].
9.4.1) Tutela da Evidência
A tutela provisória lastreada na evidência tem previsão no artigo 311 do CPC, e contempla quatro hipóteses.
A primeira diz respeito à caracterização de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório. É incompatível com a concessão de liminar. Vale tudo quanto já se disse acerca destas situações quando se tratou da antecipação de tutela do inciso II do artigo 273 do revogado CPC.
A segunda diz respeito aos casos onde exista prova documental como única a comprovar as alegações de fatos ou exista súmula vinculante ou tese firmada em caso de julgamentos repetitivos[53]. Na primeira situação temos queles casos onde a prova documental é da essência de um ato[54], mas é importante lembrar que isso não afasta posterior discussão acerca da validade do documento. Porém, apresentado documento, nestes casos tem-se comprovada a veracidade da alegação até prova em contrário. Na segunda situação, temos questões fático-jurídicas ou jurídicas que já foram sedimentadas jurisprudencialmente em condições específicas. Pode ser deferida liminarmente.
A terceira hipótese concerne às ações reipersecutórias[55] fundadas em prova documental de contrato de depósito[56], prevendo-se o mecanismo das astreitnes para descumprimento da ordem de entrega[57]. Pode ser deferida liminarmente.
A quarta situação refere-se a prova documental do direito do autor em vista da qual o réu não contraponha prova capaz de gerar dúvida razoável[58]. Não pode ser deferida por liminar.
A tutela de evidência como já referido é incompativel com a tutela antecedente e não se escuda na avaliação de potenciais ou efetivos danos à eficácia do processo ou ao direito do autor pela demora.
9.4.2) Tutela da Urgência
Ao contrário das hipóteses acima mencionadas, a tutela de urgência tem como fundamento evitar danos colaterais da demora processual, inclusive porque, hoje, o direito a uma tutela de duração célere e razoavel é previsto na CF/88 (art. 5º inciso LXXVIII), e no CPC ( art. 4º).
Conforme o caput do artigo 300 do CPC, a tutela lastreada na urgência escuda-se na presença de elementos que evidenciem probabilidade do direito do autor e existência de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
O conceito de elementos que evidenciam probabilidade do direito do autor está muito mais próximo do conceito do fumus boni iuris das cautelares do revogado CPC do que o do artigo 273 daquele CPC. De fato, não se fala mais em prova inequívoca. Logo, hoje a concessão da antecipação de tutela está sujeita ao mesmo fumus boni iuris da cautelar e não se exige mais o mesmo grau de solidez da prova que fundamenta as alegações. O grau de plausibilidade é menor.
Já o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo não se trata mais de um perigo adjetivado com a difícil repação ou irreparabilidade antes prevista no artigo 273 do revogado CPC. Tampouco se fala em fundado receio deste perigo como antes. Mesmo quando comparamos com o processo cautelar do revogado CPC, parece haver um abrandamento, pois lá, no artigo 798, se falava em lesão grave e de difícil reparação.
Está evidente que a atual redação do artigo 300 tornou mais fácil a concessão de medidas de cognição sumária, e isto não pode ser ignorado pelos julgadores, que devem se desapegar dos paradigmas tornados praxis na vigência do anterior CPC. Cuida-se de uma opção clara pela celeridade e pela diminuição do dano marginal que o tempo de duração do processo representa em detrimento do dogma da certeza.[59]
No que diz respeito à probabilidade das alegações e plausibilidade do direito do autor, o grau de certeza exigido diminuiu, e se abriu mais espaço ao subjetivismo do julgador.
Já no que diz respeito ao dano (que é ao direito material do autor), não mais se exigindo que seja irreparável ou de dificil reparação, se demandará um sopesamento mais acurado do julgador demonstrando a extensão potencial deste dano em vista da probabilidade de danos à esfera do réu. A balança da justiça não mais precisa apontar de forma saliente para o direito do autor para que a medida lhe beneficie.
O resultado útil do processo deve ser entendido como o resultado jurídico e fático almejado com a tutela da decisão final. O resultado útil se vê pereclitado, tanto quando o status jurídico como quando o quadro fático se torna inócuo ao autor pela consolidação de um estado irreverssível. Em síntese, a tutela almejada tem um prazo para ser obtida sob pena da inocuidade. Também este requisito não mais carece de fundado receio, de forma que a clareza e evidência da situação que respaldam a conclusão pela presença dele não mais precisa do mesmo grau de probabilidade que antes.
É importantíssimo que estes novos paradigmas sejam compreendidos para que a legislação seja corretamente aplicada sem sombras das anteriores disposições que ainda assolam as decisões a despeito de vários anos passados.
Podemos concluir dizendo que a tutela da urgência é a tutela do tempo útil do processo, e a tutela que apreende o tempo como um fator fundamental para a eficácia da tutela jurisdicional.
9.5) Tutelas Antecedentes e Incidentais
As tutelas podem ser antecedentes ou incidentais conforme haja um processo de conhecimento em curso, assim entendido como ajuizado.
A tutela provisória incidental pode ser requerida a qualquer momento antes do julgamento final de primeiro grau, havendo tutelas de natureza provisória específicas para a fase recursal, e que serão oportunamente avaliadas.
A tutela incidental não está sujeita ao pagamento de custas (art. 295), e se materializa em petição acostada aos próprios autos se não constar da propria inicial como liminar.
Se não ajuizada ainda demanda, temos a tutela provisória antecedente, que pode ser tanto antecipatória como cautelar. Aqui o CPC inova em relação ao anterior, pois aquele diploma somente previa a possibildiade de cautelares antecedentes à lide principal.
A tutela antecipatória antecedente está prevista nos artigos 303 e 304 do CPC. Quando observamos a estrutura do instituto vemos da sua pouca aplicabilidade prática.
Diz o artigo 303 que, quando a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.
Ora, se temos indicação do pedido final e da lide (causa de pedir), já temos a rigor uma inicial apta. Isso nada tem de antecedente. O artigo 303 está se referindo é a um pedido de liminar e não a uma verdadeira demanda antecedente.
Mas o que poderia faltar para diferenciar então, esta tutela antecedente de um simples pedido de liminar feito na inicial? O inciso I do parágrafo 1º deste mesmo artigo menciona que, concedida a tutela, deve o autor fazer um aditamento (emenda) nos mesmos autos para complementação das alegações, juntada de outros documentos e confirmação dos pedidos finais em 15 dias ou prazo maior que for fixado.
Se o autor já expôs a lide, já fez os pedidos e já deve ter juntado documentos, pois a concessão de tutela provisória carece de prova (ainda que não mais inequívoca, conforme acima visto), qual o sentido deste aditamento?
A aplicação do instituto somente parece ter azo quando faltarem provas ou documentos no momento do ajuizamento e somente depois puderem ser juntados. Mas se para concesssão de tutela provisória há necessidade de uma prova minimamente robusta, verifica-se que esta tutela antecedente é verdadeiramente inócua e irreal. O que haverá no mais das vezes é o ajuizamento de uma ação com pedido de liminar, até porque documentos obtidos posteriormente podem ser juntados normalmente sem necessidade de procedimento antecedente e complementar.
Um instituto inócuo e inútil, sobretudo quando vemos que custas tem que ser pagas, valor de causa indicado, enfim, já é a inicial. A única diferença que constará realmente é que o autor estará indicando querer valer-se do benefício do artigo 303 e que se cuida de tutela provisória antecedente.
Terá rara aplicação prática e ainda pode permitir sérios problemas de burlas, chicanas e fraudes, conforme se verá em tópico adiante.
Já a tutela cautelar antecedente (arts. 305 a 310), tem feições muito semelhantes à tutela cautelar inominada do CPC de 1973, sendo apenas feita nos mesmos autos, sem necessidade de um novo processo de conhecimento ulterior.
Assim como acontecia nas cautelares inominadas no CPC de 1973, a parte deve expor na inicial a lide e fundamento (causa de pedir), o direito a ser acautelado e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
O réu é citado com prazo de 05 dias para contestar e com pena de revelia, a qual implicará decisão em 05 dias. Se contestado, o procedimento segue o rito comum.
Se deferida a cautelar e depois que efetivada, o pedido principal deve ser apresentado nos mesmos autos em prazo de 30 dias. Pode ser formulado o pedido principal e aditada a causa de pedir para complementação. Com apresentação do pedido principal, o rito passa a ser o mesmo da tutela antecipada antecedente após a citação do réu, vale dizer, é marcada audiência de conciliação[60], a qual inexitosa abre ensanchas ao prazo contestacional (no caso da cautelar em relação ao pedido principal).
Indeferida a cautelar pode o autor propor, desde já, o pedido principal, exceto se o motivo for decadência ou prescrição[61].
À semelhança do que ocorria com as cautelares do revogado CPC, as cautelares estão sujeitas à caducidade e seguem o destino do pedido acautelado ou principal. Assim ela se extingue se não houver o ajuizamento do pedido principal no prazo assinalado, se não efetivada em 30 dias depois de deferida, e se o pedido principal for rejeitado.
Em caso de extinção é defeso o ajuizamento do mesmo pedido cautelar antecedente salvo por motivo diverso, ou seja, causa de pedir diferente.
9.6) Aspectos Processuais
Alguns aspectos processuais das tutelas provisóorias carecem tratativa separada. O primeiro deles diz respeito à competência.
Segundo consta do artigo 299 do CPC, a tutela provisória é pedida ao juiz da causa em caso de incidental (até porque feita nos mesmos autos), ou ao juizo competente para o pedido principal em caso de antecedente. Nada de mais nisso, mas ai surge o dispositivo com sérios problemas. Trata-se do parágrafo único deste mesmo artigo.
Diz ele que ressalvada disposição especial, na ação de competência originária de tribunal e nos recursos a tutela provisória será requerida ao órgão jurisdicional competente para apreciar o mérito.
Veja-se que o citado disposivo admite tutela provisória nos recursos, a qual deve ser dirigida ao orgão ad quem.
Já o artigo 932, inciso II, diz ser competência do relator apreciar pedidos de tutela provisória nos recursos[62].
Por fim o artigo 1.012, §3º, referindo-se a pedido de efeito suspensivo em apelo, menciona, em seu inciso I, que entre a interposição do apelo e sua distribuição ao orgão ad quem, o pedido deve ser socilitado ao Trubunal, que designara relator, o qual ficará prevento.
Mas onde está o problema? O problema está em que, em sendo admissível tutela provisória em caso de recurso, e em sendo competente o relator para apreciá-la, o CPC não dispôs a quem compete o pedido entre a interposição do recurso e sua subida ao Tribunal. Neste caso, a analogia com a situação do artigo 1012, §3º, relativa ao caso do efeito suspensivo seria óbvia, ainda que tutela provisória não se confunda com efeito suspensivo em apelo.
Ocorre que há julgados que desconhecem aplicar esta analogia e afirmam que somente pode o Tribunal conhecer de pedido de tutela provisória depois que o processo lhe for distribuido.[63]
Ou seja, segundo o escólio sufragado, por exemplo no âmbito do TJRS, entre a interposição do apelo e sua subida ao Tribunal, não cabe àquela Corte apreciar pedido de tutela provisória.
A quem competiria então? Ao juiz de primeiro grau, dir-se-á. Pois bem, escudando-se em princípios erigidos à luz do CPC de 1973 em sua redação original[64], magistrados, invocando o atual artigo 494, asseveram que não podem conhecer de pedido de tutela provisóoria depois da sentença. Isso está ocorrendo por exemplo no processo nº 060/1.16.0001208-3, que tramita na comarca de Panambi-RS. Considerado mês de setembro de 2022, a apelação deste processo já foi interposta a 35 meses e ainda não subiu ao TJRS[65].
Tem-se assim, que foi criado um hiato de tutela jurisdicional, uma solução de continuidade na inafastabilidade do controle jurisdicional, um período onde nem o juiz de primeiro grau e nem o Tribunal podem conhecer de pedido de tutela provisória, segundo suas proprias interpretações.
Se estivessemos falando em um peróodo de dias ou quiçá semanas entre a interposição do apelo e sua subida ao Tribunal, até se poderia dizer que este hiato de jurisdição seria tolerável ou razoável. Mas nada há de razoável quando estamos falando de meses ou anos.
Porém, a rigor, o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da CF/88, e no artigo 3º do CPC, não admite prazo algum onde direito ameaçado de lesão ou efetivamente exposto a gravame fique sem a devida tutela, mormente quando ela existe prevista em lei, havendo divergência entre os orgãos acerca de quem deve exercê-la e enquanto prejuizos podem se acumular em vista do apelante.
Resta violado, igualmente, por este conflito de interpretação alhures indicado, o direito a uma duração razoável do processo e a uma tutela jurisdicional célere e efetiva, previsto nos artigos 5º, inciso LXXVIII, da CF/88, e 4º do CPC.
Restam infrigidos os princípios da razoabilidade e eficiência, preconizados no artigo 8º do CPC.
Qual solução? A primeira, e mais lógica, é aplicação analógica do artigo 1.012, § 3º, inciso I, do CPC, de forma a admitir que, em caso de apelo ainda sendo processado em primeiro grau, o pedido de tutela provisória possa ser feito ao Tribunal, que designará relator para apreciá-lo, com prevenção.
A segunda solução é o juiz de primeiro grau apreciar pedidos de tutela provisória, mesmo após a sentença e enquanto ao apelo ainda não está distribuido ao Tribunal. Mas isso não viola o artigo 494 do atual CPC?
Não. Note-se bem: A redação do CPC de 1973 é que falava em o juizo, após a sentença, acabar o ofício jurisdicional de forma a estar impedido de decidir, salvo nos casos de embargos de declaração ou para correção de erros da sentença passiveis de corrigenda de ofício, ou, ainda, não constando no texto legal, no caso de recebimento ou não de apelo.
Ocorre que esta redação foi alterada pela Lei nº 11.232/05, que não mais falou em fim do ofício jurisdicional. Esta premissa, portanto, é errônea.
Outrossim, a decisão acerca de uma tutela provisória não implica alteração da sentença. Cuida-se de outra tutela, de outra decisão. Isso tanto mais é válido quando o pedido de tutela provisória se escudar em fato novo, posterior à sentença.[66]
Mas e se o pedido de tutela provisória atingir a eficácia da sentença ou contrariá-la? A pergunta já traz a resposta. Estamos falando de plano da eficácia, não da existência ou validade. O provimento provisório não interfere na existência e validade de uma sentença, apenas poderá lhe tolher parte da eficácia.
Esta solução porém, tem um inconveniênte. É que resta ilógico fazer um julgador manifestar-se em cognição sumária acerca de lide que ele acaba de julgar em cognição exaurirente. A partir desta premissa, tem que somente fatos novos poderiam ser alegados.
Outrossim, importa não olvidar que o motivo da tutela provisóoria pode ser uma nulidade da própria sentença, não competindo ao magistrado de primeiro grau deliberar sobre esta causa de pedir.
Desta forma, a conclusão é que a melhor solução é a aplicação analógica do artigo 1012, º3º, inciso I, do CPC, ou seja, entre o ajuizamento da apelação e sua distribuição no Tribunal, o pedido de tutela provisória deve ser feito ao Tribunal, que designara relator. O que não pode haver é um hiato jurisdicional.
Outra questão importante reside na previsão do artigo 304 do CPC, que se refere à estabilização da tutela antecipada. O caput do citado dispositivo refere que a tutela concedida torna-se estável se não interposto recurso, que no caso é o agravo de instrumento, ex vi do art. 1015, inciso I, do CPC.
Consoante se depreende da redação dos seis parágrafos deste artigo, uma vez não interposto o recurso de agravo, o processo é extinto, restando a decisão estabilizada. O processo é arquivado.
No periodo de dois anos, qualquer das partes poderá ingressar em juizo com demanda visando a anulação, revisão ou revogação da tutela, inclsuive podendo postular o desarquivamento da tutela antecipada antecedente com o fito de instruir o feito. Se não ingressada a demanda em prazo de 02 anos, a tutela estabiliza-se, embora o CPC diga que não se forma coisa julgada.
Ora, o que é esta estabilidade senão coisa julgada? O CPC diz que não forma coisa julgada mas é precisamente o que ele determina depois de passados dois anos.
O que o CPC fez foi criar coisa julgada embasada em uma tutela de cognição sumária. Nada dentro do sistema impede esta opção. Todavia, parece-me que o uso do prazo de 2 anos, o mesmo para a ação rescisória[67], foi um pouco exagerado, e se deveria ter tomado por base o prazo prescricional mínimo de 02 anos ou o que fosse pertinente ao direito material em voga.
É preciso recordar que a disciplina atual da tutela antecipada não mais se escuda em prova inequivoca e que, no caso da tutela de urgência, não mais é necessário fundado receio de dano ou periclitação do resultado útil do processo.
Uma tutela que apresenta tamanho elastério de consequencias e que se tornou de concessão muito mais facilitada deveria ter, por questão de cautela, um mecanismo mais extenso de controle para chegar até a estabilização concedida somente com a tutela exauriente.
O receio é que com prazo exiguo, possa o instututo ser usado como verdadeiro sucedâneo da demanda ordinária para fins de buscar resultado equivalente.
Terceiro ponto a ser versado reside na possibilidade de inversão do ônus de prova para efeito de se conceder tutela provisória. É induvidoso que a disciplina do ônus da prova e da prova em geral incide igualmente quando da avaliação da tutela provisóoria, a começar pelo artigo 374, que disciplina os fatos que não dependem de prova.
Os incisos I e IV do artigo 374 tem aplicação em todo curso do processo, inclusive para efeito de liminar, ao passo que os incisos II e III poderão ter aplicação durante o curso do processo mas não via liminar. Todavia, é certo que, invocado fato que se enquadre em uma das hipoteses ali porevistas, está o autor desobrigado de produzir prova.
Questão mais dificil é estipular se é possivel aplicar a inversão do ônus da prova por ocasião da tutela provisória. A priori, a regra do artigo 373, §1º, do CPC o qual albergou a teoria da carga dinâmica da prova, deve ter aplicação em qualquer momento do processo. Todavia, em se tratando de cognição sumária isto também é possivel? Ou, por outras palavras, a cognição sumnária, que exige maiores cuidados, é compatível com a inversão do ônus da prova?
E dai surge outra questão: em sendo possível esta inversão, ela está abrangida pelo artigo 9º, parágafo único, inciso I, do CPC, que prevê que a tutela provisória não carece de oitiva da parte contrária para análise? Ou, por outra forma, a inversão do ônus da prova está incluida dentre as questões da tutela provisóoria ou deve ser considerada como algo separado?
Antes de ingressarmos na avaliação destas duas questões, é mister uma rápida digressão acerca da inversão do ônus da prova e sua previsão legislativa.
A possibilidade de redistribuição do ônus da prova com sua inversão, já havia surgido na doutrina e jurisprudência, com a denominada teoria da carga dinâmica da prova, segundo a qual o ônus de prova pode ser alterado diante da presença de dificuldades incomuns de produção de uma prova, ou, ao revés, da facilidade patente para sua produção por uma das partes. Não havia previsão legal para isso. Cuidou-se de uma construção doutrinária e pretoriana que, portanto, tinha aplicação segundo orientação de cada julgador.
A possibilidade legal surgiu com o CDC, cujo artigo 6º, inciso VIII, passou a prever a possibilidade de inversão do ônus da prova quando a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências. A versossimilhança aqui tem o mesmo conteudo daquela exigida para a tutela provisória. Já a hipossufiência significa uma posição de discrepância, de disparidade, que pode ser econômica, técnica ou jurídica, em vista da qual uma das partes litigantes se encontra em relação à outra.
A regra da possibilidade de inversão do ônus probatório teve acolhimento do CPC no artigo 373, §1º, o qual estipula que nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
Veja-se que a parte final do dispositivo fala em dar à parte possibilidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuido. Mas no caso de tutela provisória, eventual a aplicação do dispositivo implica, em verdade, em subtrair o autor da prova para fins de tutela provisória que poderá ser julgada inaudita altera pars. Haveria, ai, um conflito? É mais uma questão. Passemos a avaliá-las.
Conforme escólio que já externei em outra ocasião[68], creio que a disciplina inversão do ônus da prova pode ser aplicada à tutela provisória para o fim de eximir o autor do ônus da prova de determinados fatos, carreando-se ao réu sua prova.
A técnica da inversão do ônus da prova seja ope legis, seja ope judicis não interfere em nem se incompatibiliza com a cognição sumária. Esta última diz respeito somente à profundidade de investigação e a ausência ou mitigação temporária de contraditório, e isso pode ser feito independentemente de quem tenha o ônus de prova.
No caso, a inversão do ônus de prova poderá servir para atenuar a necessidade de provas a respaldar a tutela provisória ou mesmo para afatar a necessidade de prova acerca de uma circunstância ou fato[69]. Nestes casos, pode ser invertido ônus da prova para efeito de se considerar por ora provados os fatos ou dispensada prova, sobretudo pelo caráter transitório da tutela provisória, que poderá ser revista a qualquer momento.
O réu não precisará ser ouvido a respeito desta inversão, salvo se houver tempo hábil para tanto.A presença deste tempo hábil também pode ser utilizada para oitiva expedita do réu sobre o próprio pedido de tutela provisória.
A parte final do parágrafo primeiro do artigo 373 não é impeditivo. Ela fala em se deferir possibilidade de produção da prova pela parte a quem este ônus foi carreado, mas isso não significa que tal ônus deve ser objeto de atividade imediata e anterior à avaliação da inversão do ônus de prova em decisão.
O quarto aspecto a ser considerado reside na submissão das tutelas provisórias ao regime das exeuções provisórias diante do fato de que, em alguns casos, há irreveribilidade da tutela deferida.
A antecipação da tutela já tinha estas limitações, conforme se pode verificar do parágrafo 3º do artigo 273 do revogado CPC, inserido pela Lei nº 10.444/02, a qual reportava à execução das medidas aos artigos 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A.
Hoje, o artigo 297, parágrafo único, do CPC, determina submissão da tutela provisória às normas da execução provisória, prevista nos artigos 520 a 522 do CPC.
Neste caso, dois aspectos chamam atenção pelo alcance de suas consequências. O primeiro é o inciso IV do artigo 520, que estipula que o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem transferência de posse ou alienação de propriedade ou de outro direito real, ou dos quais possa resultar grave dano ao executado, dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos.
A transferência da posse de algo é objeto direto ou consequência de muitas demandas, tornando-se muito frequente. E em quase todos os casos se pode alvitrar algum dano ao executado provisório, em boa parte deles se podendo dizer que é grave. A caução torna-se medida a ser aplicada.
E a importância dela cresce quando vemos o parágrafo 4º do mesmo artigo, o qual estipula que a restituição ao estado anterior a que se refere o inciso II não implica o desfazimento da transferência de posse ou da alienação de propriedade ou de outro direito real eventualmente já realizada, ressalvado, sempre, o direito à reparação dos prejuízos causados ao executado.
Se não fixada e prestada a caução, pode ocorrer destas perdas e danos encontrarem um autor, agora devedor, que não terá condições de repor o status quo ante.
Aqui surge a questão nodal: e se o autor não tiver condições de prestar caução mas o quadro lhe for favorável o dano sofrido por ela com a demora considerável? Quid inde?
Esta é uma situação dificil. Há uma saída legalista que seria simplesmente indeferir a tutela provisória. Mas isso não condiz com ditames de justiça. Aqui o julgador terá de mesclar cautela, precisão e coragem moral de decidir e tomar a decisão conforme a situação, inclusive deferindo a tutela provisória.
Nestes casos, a imagem icõnica da justiça, a balança, mais do que nunca tem pertinência, cabendo optar por um dos seus pratos, e o juiz, mais do que perícia jurídica, terá de se valer das máximas da experiência e de conhecimentos gerais da realidade social.