O alcance do conceito de accountability e sua relação com a administração pública

24/09/2022 às 16:36
Leia nesta página:

Uma análise da necessidade de transparência e accpuntabilitty da administração pública.

 

 

O alcance do conceito de accountability e sua relação com a administração pública

                                              

 

 

Resumo

Através de um levantamento bibliográfico sobre a nova lei de improbidade administrativa, baseada nas alterações promovidas pelo diploma de nº 14.230 de 2021, e as questões superadas do diploma legislativo pela redação anterior, busca-se fazer uma avaliação sobre os avanços e a importância da accountability nas instituições públicas, como forma de concretização dos objetivos constitucionais expostos na carta de 1988.

Palavras-chave: Improbidade administrativa; accountability; transparência; moralidade pública.

1. Introdução

Em 2021 aconteceu a aprovação da Lei nº 14.230 que trouxe para o ordenamento jurídico alterações significativas na lei nº 8429 de 1992, com a inclusão de novos preceitos em matéria de responsabilização através da regulamentação do artigo 37 da Constituição Federal. A quantidade de alterações foi tão efetiva que o diploma passou a ser conhecido como nova lei de improbidade administrativa.

Dentre diversas questões relacionadas à nova lei, no presente ensaio busca-se destacar qual a noção de natureza da sanção de improbidade e quais os requisitos para sua configuração que passam a ser mais restritos em razão da necessidade de um reforço do conceito de accountability, sendo necessário estudar o seu conceito, seu alcance e sua importância no funcionamento moral e ético das instituições públicas.

 

2. A Accountability e a administração pública

Antes de mais nada é importante destacar o que significa o Accountability, que consiste em um conjunto de mecanismos que permitem que os gestores de uma organização prestem contas e sejam responsabilizados pelo resultado de suas ações. Esse termo não tem uma tradução específica para o português, mas pode ser relacionado com responsabilização, fiscalização e controle social.

Essa transparência pode ser aplicada em organizações privadas, mas é utilizada especialmente no contexto das organizações públicas, sendo um conceito relevante quando debatida a natureza democrática da sociedade e a participação de todos na coisa pública. No campo das instituições, o exercício da accountability tem como objetivo reduzir os riscos da concentração de poder e garantir que a população participe da tomada de decisão dos governos, isso contribui para uma gestão democrática e exige que os gestores públicos sejam transparentes com a sociedade em relação ao seus atos.

Assim, os agentes públicos e as organizações como um todo devem mostrar para a população quais são as políticas públicas desenvolvidas, onde os recursos estão sendo utilizados e quais os resultados dessas ações para a sociedade, nesse campo é importante a reverência ao valor de transparência através de mecanismos como os Portais da Transparência: páginas na internet onde os órgãos públicos devem disponibilizar as informações sobre suas receitas e despesas e a Lei de Acesso à Informação (LAI): obriga os órgãos públicos a fornecerem informações de interesse coletivo à qualquer cidadão, salvo poucos casos de sigilo.

Ainda em sede de accountabillity, é importante que existam canais de denúncia e mecanismos de responsabilização para os casos em que os gestores públicos não atuem em prol do interesse coletivo ou em desacordo com as normas. Essa possibilidade de fiscalizar e de exigir explicações, aproxima a sociedade da administração pública e permite que a democracia seja fortalecida.

As ferramentas de accountability podem ser exercidas por um indivíduo independentemente ou por organizações da sociedade civil, que representam grupos de pessoas organizadas em prol de um objetivo comum. No que diz respeito às relações de poder, existem dois tipos de accountability, a verticaç e a horizontal.

accountability vertical acontece quando há uma relação hierárquica entre aquele que detém o poder e aquele que faz a fiscalização e exige a prestação de contas. Ou seja, do ponto de vista de poder, há uma relação desigual, pois a accountability é exercida entre superiores e subordinados. Por outro lado, a accountability horizontal acontece quando há um controle mútuo de instituições. Não há diferença de hierarquia, pois essas organizações têm poderes em mesmo nível, na administração pública a accountability horizontal acontece entre órgãos públicos.

No campo das empresas e pessoas jurídicas privadas em geral, a transparência e o controle são feitos através de programas de compliance, que visam justamente não apenas resguardar, mas também prevenir eventuais problemas judiciais ou até sanções oriundas de ações penais. É imprescindível que tanto a administração pública quanto as empresas privadas adotem posturas de compliance e accountability, ou seja, possuindo órgãos internos de aferição de integridade, de legalidade, eficiência, transparência, com controles eficazes internos e externos, políticas e diretrizes claras estabelecidas para os servidores, dirigentes e colaboradores.[1]

Conforme destacado no capítulo anterior, a retirada especialmente da chamada improbidade culposa do leque de possibilidades da legislação foi ocasionada pela necessidade de reforço de programas que responsabilizem as falhas classificadas como culposas em outros campos e que as instituições busquem mecanismos de prevenção e de transparência, que possibilitem controle social e outras formas de sanção que não a de improbidade.

Busca-se assim, assegurar o cumprimento das regras legais e estatais, constituídas em nossa Constituição Federal com rigoroso controle interno e transparência dos atos administrativos, visando uma participação maior da sociedade no acompanhamento dessas ações fortalecendo o princípio democrático que deve reger as relações.

 

A ausência de controle e transparência dos atos da administração pública acaba por difundir uma ideia de corrupção que somente seria resolvida e combatida através de ações judiciais, que demandam tempo, dinheiro e acabam produzindo baixa efetividade de resposta à sociedade:

Nos ambientes sociais essa ausência de transparência também alimenta a desconfiança social, incentiva o funcionamento parcial das instituições governamentais e, em última instância, produz uma corrupção enraizada e onipresente que é muito difícil de combater. Dessa forma, naqueles sistemas políticos em que as políticas governamentais são ineficientes, parciais e corruptas, o desenvolvimento de um senso de solidariedade social é impossível e a confiança particularizada em diferentes grupos sociais é estimulada acima da confiança generalizada em toda a sociedade (SANCHES, 2022). Não aparecem nessas sociedades regras informais que promovam a produção de bens públicos, como o respeito aos espaços públicos ou as regras básicas de convivência social. Em vez disso, criaram uma prática social predatória do "salve-se quem puder" que impossibilita o poder público de ter os recursos e incentivos necessários para a realização de políticas que promovam a solidariedade social necessária para se sentirem envolvidas na mesma comunidade. Pelo contrário, as políticas governamentais serão incentivadas por uma lógica particularista e parcial que abundará na espiral do círculo vicioso (SANCHES, 2022).[2]

 

A baixa efetividade da responsabilização através unicamente da via judicial com as ações de improbidade, a desproporção relacionada à responsabilização, com destaque aos atos culposos, culminava com a ausência de mecanismos internos de controle e aumento de transparência da coisa pública e com níveis cada vez maiores de atos de corrupção.

A corrupção generalizada causa graves danos à sociedade e ao Estado, prejudica o desenvolvimento econômico e fragiliza a democracia, devendo existir novos instrumentos que permitam o controle, a prevenção e a resposta efetiva das instituições à práticas de atos de improbidade, de maneira proporcional. É nesse campo, que soma-se uma lei de improbidade construída em bases ponderadas que incentive a criação de maiores ferramentas de accountability em suas ações, pois: "[...] A noção de accountability encontra-se relacionada com o uso do poder e os recursos públicos, em que o titular da coisa pública é o cidadão, e não os políticos eleitos" (PALUDO, 2020, p. 238). Uma nova forma de gerir a coisa pública e a privada.

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4. Conclusão

Desde a Constituição Federal de 1988 inaugura-se a preocupação com a moralidade administrativa e a accountabillity surge nesse campo como uma ferramenta que vai permitir construir, nesse sistema de responsabilização, outros meios de controle e transparência dos atos administrativos, trazendo racionalidade e, especialmente, eficiência para as instituições públicas, fomentando o combate à imoralidade administrativa e também incrementando o princípio democrático que rege a nossa constituição federal.

 

5. Referências

BERTI, Marcio Guedes. A natureza penal da lei de improbidade administrativa. Revista Jurídica JusVox Ano 1, N.02. jul. 2016. Disponível em:http://www.jusvox.com.br/revista/edicoes-anteriores/item/151-a-natureza-penal-da-lei-de-improbidade-administrativa.html. Acesso em: 13 de set de 2022.

BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13 set 2022.

BRASIL. LEI Nº 8.429, DE 2 DE JUNHO DE 1992. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8429compilada.htm>. Acesso em: 13 set 2022.

BRASIL. LEI Nº 14.230, DE 25 DE OUTUBRO DE 2021. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14230.htm#art2>. Acesso em: 13 set 2022.

BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionário da língua portuguesa. São Paulo: FTD, 1996.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Brasília: Positivo. 2007.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

MARTINS, Robson; MARTINS, Érika Silvana Saquetti. A moralidade e seus reflexos de compliance e accountability na Administração Pública da União, dos Estados, Distrito Federal e municípios. Disponível em: < https://www.migalhas.com.br/depeso/338485/a-moralidade-e-seus-reflexos-de-compliance-e-accountability-na-administracao-publica-da-uniao--dos-estados--distrito-federal-e-municipios >. Acesso em: 13 set 2022.

MARTINS, Robson; FREITAS, Warley. O reflexo nas empresas dos acordos de não persecução penal. Disponível em:< https://www.conjur.com.br/2020-dez-31/lima-martins-empresas-acordos-nao-persecucao-penal>. Acesso em 30 set 2022.

MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa: comentário à Lei nº 8.429/92. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

 MONTORO, Isabela. Accountability e a responsabilidade dos agentes públicos na Administração Pública. Disponível em: < https://radar.ibegesp.org.br/accountability-e-a-responsabilidade-dos-agentes-publicos-na-administracao-publica/ >. Acesso em: 13 set 2022.

PALUDO, Augustinho Vicente. Administração Pública. 9 ed. rev. ampl. e atual - Salvador: Editora JusPodivm, 2020.

 

SANCHES, Rogério. Manual de direito penal- parte geral volume único. 11. ed. Salvador: Juspodivm, 2022.

SILVA, Antônia Maria da. A responsabilização dos agentes públicos por atos de improbidade administrativa. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/74978/a-responsabilizacao-dos-agentes-publicos-por-atos-de-improbidade-administrativa>. Acesso em: 13 set 2022.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2005.

 


[1] MARTINS, Robson; FREITAS, Warley. O reflexo nas empresas dos acordos de não persecução penal. Disponível em:< https://www.conjur.com.br/2020-dez-31/lima-martins-empresas-acordos-nao-persecucao-penal>. Acesso em 30 set 2022.

[2] MARTINS, Robson; MARTINS, Érika Silvana Saquetti. A moralidade e seus reflexos de compliance e accountability na Administração Pública da União, dos Estados, Distrito Federal e municípios. Disponível em: < https://www.migalhas.com.br/depeso/338485/a-moralidade-e-seus-reflexos-de-compliance-e-accountability-na-administracao-publica-da-uniao--dos-estados--distrito-federal-e-municipios >. Acesso em: 13 set 2022.

Sobre o autor
Luciano Leite Pereira

Delegado de Polícia Federal. Ex Agente de Polícia Legislativa – Câmara dos Deputados, Ex Técnico Judiciário do MPU e do Tribunal Regional Eleitoral do Amapá.; Especialização em Direito Constitucional pela Faculdade de Tecnologia e Ciências do Alto Parnaíba – FATAP; Especialização em Ciências Criminais pela Universidade Estácio de Sá – UNESA e Especialista em direito internacional aplicado pelo EBRADI.

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