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O processo integracionista do Mercosul:

algumas notas sobre o seu sistema de solução de controvérsias entre Estados-partes

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Foi no contexto da chamada "agenda de relançamento do Mercosul" que foi revisado o sistema de solução de controvérsias, como uma medida jurídica capaz de assegurar maior estabilidade ao bloco.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Considerações indispensáveis ao estudo do Sistema de Solução de Controvérsias do Mercosul: 2.1 Antecedentes do Mercosul; 2.2 Tratado de Assunção; 2.3 Protocolo de Ouro Preto: consolidação da união latino-americana: 2.3.1 A estrutura institucional do Mercosul: a) Âmbito executivo; b) Âmbito legislativo; c) Ausência de âmbito jurisdicional; d) O caráter provisório das instituições; 2.3.2 Sistema de Solução de Controvérsias – 3. O Sistema de Solução de Controvérsias (entre Estados Partes) do Mercosul: 3.1 Protocolo de Brasília: 3.1.1 Negociações diretas; 3.1.2 Intervenção do Grupo Mercado Comum (como órgão conciliador); 3.1.3 Procedimento arbitral; 3.1.4 Conclusão; 3.2 Protocolo de Ouro Preto: a criação da Comissão de Comércio do Mercosul e os procedimentos (de consultas e de reclamações): 3.2.1 Conclusão; 3.3 Protocolo de Olivos: breves notas acerca de algumas inovações: 3.3.1 O Tribunal Permanente de Revisão (TPR): a) Acesso direto ao TPR; b) Outras considerações; c) Conclusão; 3.3.2 A escolha por outro foro de solução de conflitos – 4. Conclusão5. Bibliografia.


            "

O pensador nunca pode libertar-se totalmente do quadro histórico onde se move; mas não se defronta apenas com parâmetros sociais, políticos e económicos: situa-se em determinado clima cultural, formado pelo conjunto de concepções e valores, comuns à sua época e que, por ser vago, nem por isso se apresenta como menos condicionante." (Almeida Garrett [01]).

1. INTRODUÇÃO

            Foi no contexto da chamada "agenda de relançamento do Mercosul", cujo objetivo não foi outro senão o fortalecimento do bloco – afetado que estava pelo grave menoscabo das relações entre os seus sócios [02] –, que um pacote de decisões veio à tona no cenário mercosulino, trazendo em seu bojo a revisão do sistema de solução de controvérsias (Decisão CMC n.º 25/00) como sendo uma medida jurídica capaz de assegurar maior estabilidade ao bloco. O Protocolo de Olivos irrompeu naquele cenário como a expressão diáfana de tal desiderato; veio à cena, pois, como uma injeção de otimismo que se fazia premente [03].

            Com efeito, diante daquele momento de crise que obnubilou o cenário do processo integracionista do Mercosul, com implacáveis efeitos sobre a certeza acerca da sobrevivência do bloco, a atitude dos quatro Estados Partes (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) foi assaz providencial para o reforço e aceleração da integração mercosulina, tanto mais que é indubitável a importância de um sistema de solução de controvérsias para a credibilidade do Mercosul perante os olhos do mundo desenvolvido [04]. Neste passo, a criação do Tribunal Permanente de Revisão pelo Protocolo de Olivos foi extremamente oportuna ao fortalecimento do bloco, já que veio trazer "maior segurança jurídica à construção de uma união aduaneira, prevendo, para o futuro, uma revisão do atual sistema de solução de controvérsias com vistas à adoção do Sistema Permanente de Solução de Controvérsias para o Mercado Comum, segundo o disposto no art. 53" [05]. Este artigo prescreve que: "Antes de finalizar o processo de convergência da tarifa externa comum, os Estado-partes efetuarão uma revisão do atual sistema de solução de controvérsias, a fim de adotar o Sistema Permanente de Solução de Controvérsias para o Mercado Comum a que se refere o numeral 3 do Anexo III do Tratado de Assunção".

            Do que se depreende desse artigo do Protocolo de Olivos é fácil de perceber que o sistema de solução de controvérsias contemplado no mesmo não vem cumprir o estabelecido no artigo 44 do Protocolo de Ouro Preto (POP) e no Anexo III do Tratado de Assunção, o que quer dizer que tal sistema de solução de controvérsias não veio para ficar. Trata-se, pois, de um sistema provisório cuja vigência adveio do Decreto 4.982, de 9 de Fevereiro de 2004 (Brasil), sendo, por isso, um acicate para o debate da copiosa doutrina interessada na adequada estrutura para a solução de controvérsias no Mercosul [06].

            Nestes termos, o presente estudo tem como escopo uma breve análise do Sistema de Solução de Controvérsias (entre Estados Partes – frise-se) do Mercosul, como sendo uma das manifestações da opção demonstrada pelo POP aquando da sua assinatura, qual seja: a intergovernabilidade.

            Os limites do Mercosul, bem como as suas reais possibilidades frente ao lento – porém necessário – amadurecimento do processo integracionista do Cone Sul, serão o fio condutor do presente estudo.

            Nesse sentido, teceremos, ab initio, alguns comentários sobre os antecedentes históricos daquele bloco, demonstrando que a opção pela intergovernabilidade restou patente desde a sua origem. Em sequência, será feita uma apreciação da sua estrutura institucional, salientando, desta feita, a natureza do mencionado bloco.

            Por derradeiro, adentraremos no estudo do Sistema de Solução de Controvérsias do Mercosul, evidenciando, neste passo, o porquê da opção do referido bloco regional pelo sistema arbitral e, sobretudo, a razão da modificação trazida pelo Protocolo de Olivos.

            É isso que deixaremos transparecer: novas modificações se desenham no horizonte, pois o Mercosul é apenas um jovem bloco regional inserido no tempo. Daí que a pluralidade de decisões a serem tomadas no seio do bloco externará o gradual amadurecimento (ou não) do mesmo. Como exemplo dessa evolução (?) podemos citar a chegada da Venezuela ao bloco [07]. Outrossim, há que ser sublinhada a instalação do Parlamento do Mercosul (em Montevidéu) como exemplo de "maturidade política" (nos dizeres do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim) [08].


2. Considerações iniciais ao estudo do sistema de solução de controvérsias

            2.1. Antecedentes do Mercosul

            Preocupados com a constatação da diminuição do intercâmbio comercial entre países da região, os países da América Latina desenvolveram um projeto de criação de uma zona de livre comércio, o qual resultou na criação da chamada Associação Latino Americana de Livre Comércio (ALALC), em 18 de fevereiro de 1960, através do Tratado de Montevidéu.

            Tendo como participantes iniciais a Argentina, o Brasil, o Chile, o México, o Paraguai, o Peru e o Uruguai, com a ulterior adesão de países como a Colômbia, o Equador, a Venezuela e a Bolívia; o referido Tratado foi um plano desses países "para alcançar, por meio de procedimentos e em prazos específicos, um certo grau de integração económica" [09][10].

            Contudo, a tentativa restou infrutífera em decorrência de alguns motivos [11], nomeadamente as diferenças de desenvolvimento entre os países que compunham o dito Tratado.

            Não obstante o caráter destoante do processo integracionista originado por esse Tratado, não há que se olvidar da importância do mesmo para a continuação da animosidade conducente à integração, podendo ser considerado como "o marco legal básico de esforços de integração da maioria dos países latino-americanos" [12].

            Conscientes das imperfeições cometidas no primeiro projeto, e jungidos pelo escopo maior de atingir um nível de integração econômica, os onze países supracitados desenvolveram outro projeto, criando, por meio do segundo Tratado de Montevidéu (celebrado em 12 de agosto de 1980), a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI). Todavia, o resultado desse Tratado não foi diferente do primeiro, já que o mesmo manteve as mesmas condições estruturais [13]. Como Manuel Diez de Velasco salienta [14], a ALADI afigura-se como "uma organização intergovernamental de feição clássica, tanto por sua estrutura institucional, como por seus mecanismos de atuação, que não renuncia, contudo, a objetivos de integração regional a longo prazo (...)" [15].

            Na esteira desses movimentos de integração latino-americanos [16] nasceu o Mercado Comum do Sul, instituído pelo Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991, no qual figuraram como Estados signatários – doravante denominados de Estados Partes – a República Federativa do Brasil, a República da Argentina, a República do Paraguai e a República do Uruguai. Era, portanto, "um novo marco no processo de integração regional e consistia, como os próprios Estados Partes reconheciam, um novo avanço tendente ao desenvolvimento progressivo da integração da América Latina" [17].

            Ainda com relação ao nascedouro do Mercosul, é mister enfatizarmos a relação entre os governos brasileiro e argentino no sentido de uma aproximação adequada à conjugação de esforços em matéria econômica, após as hostilidades que se fizeram presentes até o término da década de 70 [18]. Com supedâneo na doutrina de Amaral Júnior [19], podemos afirmar que o marco que tornou possível a aproximação entre os dois países foi a transição dos governos autoritários para os regimes democráticos, resultando, pois, na passagem do conflito para a cooperação entre ambos. Tal passagem resta enunciada nos eventos citados acima, mormente naquele que é considerado pela doutrina como "o embrião do bloco regional no Cone Sul" [20], qual seja: a Declaração de Iguaçu, firmada em 30 de novembro de 1985 por José Sarney e Raúl Alfonsín, Presidentes do Brasil e da Argentina, respectivamente.

            Dessarte, com receio das consequências que poderiam advir da estreita relação patenteada pelos dois países acima mencionados, como seja, exempli gratia, o afastamento de uma nova unidade econômica; a República do Paraguai e a República do Uruguai buscaram uma aproximação diplomática [21], unindo-se, via de consequência, ao processo de integração planejado que acabou por culminar na assinatura do Tratado de Assunção, em 1991. Desta feita, e na esteira da lição de Wanderlei Rodrigues [22], podemos afirmar que o Tratado de Assunção teve como objetivo a integração do Paraguai e do Uruguai ao Brasil e à Argentina para, juntos, implementarem o projeto de formação de um Mercado Comum [23].

            Nesse diapasão, e parafraseando Elizabeth Accioly [24], podemos concluir que a origem do Mercosul é essencialmente bilateral, já que se deu a partir do relacionamento entre o Brasil e a Argentina, países que até o termo da década de 70 viviam de costas um para o outro [25].

            2.2. Tratado de Assunção

            Deflui da perfunctória análise acima promovida a amostra de um lento processo de amadurecimento histórico que, no decorrer do tempo, levou os Estados Partes a substituir o conceito de conflito pelo ideal de integração, culminando, consequentemente, no "Tratado para a Constituição de um Mercado Comum", comumente denominado como Tratado de Assunção, em alusão à cidade onde foi firmado, em 26 de março de 1991.

            Com o advento do referido Tratado, foi desencadeado o período de transição [26], durante o qual os Estados Partes deviam implementar as necessárias condições para o estabelecimento do mercado comum no prazo definido no seu artigo 1, ipsis verbis: "Os Estados Partes decidem constituir um Mercado Comum, que deverá estar estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que se denominará ‘Mercado Comum do Sul’ (Mercosul)" [27].

            No que tange aos objetivos do Tratado em epígrafe, dimana do mencionado artigo exordial – pertencente ao Capítulo I ("Propósito, Princípios e Instrumentos") – que o Mercado Comum implica:

            1- "A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente";

            2- o "estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados, e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais";

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            3- a "coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes – de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem -, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes";

            4- e o "compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração" [28].

            Após estabelecer que o "Mercado Comum estará fundado na reciprocidade de direitos e obrigações entre os Estados Partes" (artigo 2.º), resta disposto, no artigo 3.º, que durante "o período de transição, que se estenderá desde a entrada em vigor do presente Tratado até dezembro de 1994, e a fim de facilitar a constituição do Mercado Comum, os Estados Partes adotam um Regime Geral de Origem, um Sistema de Solução de Controvérsias e Cláusulas de Salvaguarda, que constam como Anexos II, III e IV ao presente Tratado" [29].

            Desse modo, o Anexo III (que versa sobre a Solução de Controvérsias) adota um sistema por etapas, sendo a primeira delas realizada mediante negociações diretas. "No caso de não lograrem uma solução, os Estados Partes submeterão a controvérsia à consideração do Grupo Mercado Comum" que formulará as recomendações cabíveis. "Para tal fim, o Grupo Mercado Comum poderá estabelecer ou convocar painéis de especialistas ou grupos de peritos com o objetivo de contar com a assessoramento técnico". Não obtendo uma solução para o litígio no âmbito do Grupo Mercado Comum, "a controvérsia será elevada ao Conselho do Mercado Comum para que este adote as recomendações pertinentes" [30][31].

            A respeito ainda do Anexo supracitado, torna-se imperioso transcrevermos os itens 2 e 3, que assim prescrevem: "2. Dentro de cento e vinte (120) dias a partir da entrada em vigor do Tratado, o Grupo Mercado Comum elevará aos Governos dos Estados Partes uma proposta de Sistema de Solução de Controvérsias, que vigerá durante o período de transição" [32]; "3. Até 31 de dezembro de 1994, os Estados Partes adotarão um Sistema Permanente de Solução de Controvérsias para o Mercado Comum" [33].

            Já do Capítulo ulterior (relativo à Estrutura Orgânica do Mercosul) deflui a criação de apenas dois órgãos para aquela organização internacional, quais sejam, o Conselho do Mercado Comum e o Grupo Mercado Comum (artigo 9) [34]. "O Conselho é o órgão superior do Mercado Comum, correspondendo-lhe a condução política do mesmo e a tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos e prazos estabelecidos para a constituição definitiva do Mercado Comum" (artigo 10). "O Grupo Mercado Comum é o órgão executivo do Mercado Comum e será coordenado pelos Ministérios das Relações Exteriores" (artigo 13) [35]. O artigo 16 dispõe que durante "o período de transição, as decisões do Conselho do Mercado Comum e do Grupo Mercado Comum serão tomadas por consenso e com a presença de todos os Estados Partes".

            A propósito de remate do segundo capítulo, insta lançar luz sobre o artigo 18: "Antes do estabelecimento do Mercado Comum, a 31 de dezembro de 1994, os Estados Partes convocarão uma reunião extraordinária com o objetivo de determinar a estrutura institucional definitiva dos órgãos de administração do Mercado Comum, assim como as atribuições específicas de cada um deles e seu sistema de tomada de decisões" [36]. Assim ocorreu com o advento do Protocolo de Ouro Preto, de 17 de Dezembro de 1994, que, conquanto tenha institucionalizado o Mercosul (como veremos infra), seguiu o disposto no seu preâmbulo e, conseqüentemente, acabou adiando a decisão final sobre esse assunto.

            O Capítulo III cuida da vigência do Tratado de Assunção, dispondo que ele "terá duração indefinida e entrará em vigor 30 dias após a data do depósito do terceiro instrumento de ratificação", que ocorreu em 29 de novembro de 1991.

            Por derradeiro, o Capítulo VI refere-se às "Disposições Gerais". No seu artigo preliminar resta batizado o "Tratado para a Constituição de um Mercado Comum" como sendo o "Tratado de Assunção". Do seu artigo subseqüente procede a criação de uma Comissão Parlamentar Conjunta, com o "objetivo de facilitar a implementação do Mercado Comum" [37].

            Munidos dos substanciais elementos até aqui declinados podemos concluir que o Tratado de Assunção foi celebrado dentro dos moldes clássicos, como uma simples cooperação entre os Estados Partes, sem previsão de outorga de poderes a uma organização supranacional.

            2.3. Protocolo de Ouro Preto: consolidação da união latino-americana

            À luz do que se deixou assinalado supra, o dia 17 de Dezembro de 1994 foi a data em que, mediante a assinatura do POP, o processo de integração completou seu primeiro ciclo, dando cabo ao período de transição iniciado com o Tratado de Assunção. "Claro, então, que para esta primeira fase o Mercosul buscou os ajustes econômicos, políticos e jurídicos para que a engrenagem que move esta integração pudesse funcionar a partir da data estabelecida: 1.º de janeiro de 1995. A partir daí, passou-se para a fase definitiva, com a consolidação dessa união latino-americana, rumo ao mercado comum" [38].

            2.3.1. A estrutura institucional do Mercosul

            Conforme a previsão do artigo 18 do Tratado de Assunção, os Estados Partes deveriam convocar uma reunião extraordinária com o fito de determinar a estrutura institucional definitiva dos órgãos de administração do Mercosul, assim como as atribuições específicas de cada um deles e um sistema de tomada de decisões. Para tanto, como era de se esperar, os Estados Partes se reuniram na cidade de Ouro Preto, no dia 17 de dezembro de 1994, para realizarem a VII Reunião do Conselho do Mercado Comum, onde firmaram o "Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção sobre a estrutura institucional do Mercosul", promulgado em 9 de maio de 1996, vulgarmente denominado como "Protocolo de Ouro Preto".

            O resultado da Reunião de Ouro Preto foi a inovação concernente à estrutura institucional do Mercosul que, anteriormente, era composta apenas pelo Conselho do Mercado Comum e pelo Grupo Mercado Comum. Para além da manutenção desses dois órgãos do Tratado de Assunção, o Protocolo Adicional de Ouro Preto inovou ao institucionalizar o Mercosul com a seguinte estrutura orgânica (artigo 1.º):

            I. o Conselho do Mercado Comum (CMC);

            II. o Grupo Mercado Comum (GMC);

            III. a Comissão de Comércio do Mercosul (CCM);

            IV. a Comissão Parlamentar Conjunta (CPC);

            V. o Foro Consultivo Econômico-Social (FCES); e

            VI. a Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM).

            Como Elizabeth Accioly [39] assevera, ainda "poderão ser criados, suprimidos ou modificados órgãos que forem necessários para a consecução dos objetivos do processo, poder este atribuído ao Conselho e ao Grupo Mercado Comum (arts. 1.º, 8.º, VII e 14, V)".

            Do seu dispositivo posterior dimana não só a previsão dos órgãos com capacidade decisória, bem como, e sobretudo, a natureza intergovernamental dos órgãos do Mercosul. Assim reza o artigo 2.º: "São órgãos com capacidade decisória, de natureza intergovernamental, o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do Mercosul" [40].

            Portanto, e no que toca à natureza jurídica do Mercosul, é lídima qualquer afirmação que lhe inclua dentre as Organizações Internacionais clássicas, e não dentre as Organizações de cariz comunitário, como sejam a União Européia (EU) e a Comunidade Andina de Nações (CAN) [41].

            a) Âmbito executivo

            In limine, vale trazer à colação a lição de Gustavo Monaco [42], segundo a qual os órgãos de âmbito executivo são aqueles "órgãos que, dotados de capacidade de decisão e competentes para emanar normas jurídicas, o fazem na esfera de regulamentação das fontes jurídicas de Direito Originário da Organização, ainda que como instrumentos de consecução dos objetivos a ser alcançados pelo Mercosul, ou de caráter meramente opinativo".

            O órgão superior no âmbito executivo do Mercosul, tal como previsto no Tratado de Assunção, é o Conselho do Mercado Comum (CMC). Ele é "integrado pelos Ministros das Relações Exteriores; e pelos Ministros da Economia, ou seus equivalentes, dos Estados-Partes" (art. 4.º do POP), competindo-lhe a condução política do processo de integração e a tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo Tratado de Assunção. Suas funções e atribuições estão previstas no artigo 8.º, do qual podemos extrair, verbi gratia, o exercício da titularidade da personalidade jurídica do Mercosul [43]. O CMC se reúne duas vezes por ano e se manifesta por meio de Decisões [44].

            O Grupo Mercado Comum continua com a sua posição de órgão executivo do Mercosul, exatamente como estava expresso no artigo 13.º do Tratado de Assunção, tendo em seu seio membros ligados aos Ministérios das Relações Exteriores, dos Ministérios da Economia (ou equivalentes) e dos Bancos Centrais, cabendo aos Ministérios das Relações Exteriores, em conjunto, coordenar os trabalhos do Grupo [45]. Louvando-nos, mais uma vez, dos ensinamentos de Elizabeth Accioly [46], vale ressaltar que o GMC "reúne-se, normalmente, quatro vezes por ano e se manifesta por meio de Resoluções".

            Com a mesma composição do Grupo Mercado Comum, e coordenada pelos Ministérios das Relações Exteriores, a Comissão de Comércio do Mercosul é o órgão assessor do Grupo Mercado Comum, com a tarefa de "velar pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados-Partes para o funcionamento da união aduaneira, bem como acompanhar e revisar os temas e matérias relacionados com as políticas comerciais comuns, com o comércio intra Mercosul e com terceiros países" (artigo 16.º do POP). "Reúne-se mensalmente e manifesta-se por Diretrizes" [47].

            Ademais, o artigo 21.º do mesmo Protocolo estabelece que, "além das funções e atribuições estabelecidas nos artigos 16 e 19 do presente Protocolo, caberá à Comissão de Comércio do Mercosul considerar reclamações apresentadas pelas Seções Nacionais da Comissão de Comércio do Mercosul, originadas pelos Estados-Partes ou em demandas de particulares – pessoas físicas ou jurídicas –, relacionadas com as situações previstas nos artigos 1 ou 25 do Protocolo de Brasília, quando estiverem em sua área de competência".

            Com atribuições de recomendar políticas ao Grupo Mercado Comum, o Foro Consultivo Econômico e Social é composto por representantes do setor privado (empresários e sindicatos de trabalhadores), em igual número de representantes de cada estado Parte. Tem função consultiva e manifesta-se por meio de Recomendações ao Grupo Mercado Comum [48][49].

            In terminis, a Secretaria Administrativa do Mercosul, cujas principais funções consistiam na guarda de documentos e comunicações de atividades do Grupo Mercado Comum [50], transformou-se em órgão da estrutura orgânica do Mercosul, já que foi alçada, pelo Protocolo de Ouro Preto, ao patamar de órgão de apoio operacional daquela organização internacional, sendo responsável pela prestação de serviços aos demais órgãos do Mercosul, e cuja sede está localizada em Montevidéu [51]. Além disso, as funções de tradução e guarda dos documentos oficiais, bem como de publicação do Boletim Oficial do Mercosul lhe são destinadas [52].

            De todo o exposto acima, devemos concordar com Gustavo Monaco [53] quando ele afirma que o âmbito executivo no Mercado Comum do Sul é desempenhado por órgãos de representação estatal, composto, na maioria das vezes, por pessoas ligadas aos Ministérios da Economia e das Relações Exteriores dos Estados Membros, quando não pelos próprios titulares das referidas pastas de cada um dos Estados parte, o que denota a escolha institucional pela tomada de decisões em caráter intergovernamental e não supranacional, caracterizando-se, pois, pela independência dos membros desses mesmos órgãos em face de seus governos nacionais, como ocorre com a União Européia.

            b) Âmbito legislativo

            Tendo sido criada na vigência do Tratado de Assunção, a Comissão Parlamentar Conjunta destaca-se como sendo o único órgão pertencente a este âmbito, após a sua integração à estrutura orgânica do Mercosul por meio do Protocolo de Ouro Preto, podendo ser definida como "o órgão representativo dos Parlamentos dos estados" (artigo 22.º) [54], possuindo dezesseis parlamentares por Estado [55][56].

            c) A ausência de âmbito jurisdicional

            Não há órgão jurisdicional no quadro institucional encetado pelo protocolo sob comento, pois que este não o contemplou.

            Como veremos logo abaixo, o POP não alterou o "Protocolo de Brasília para Solução de Controvérsias" (PB), assinado em 17 de Dezembro de 1991, em cujo âmago restou previsto um mecanismo provisório para dirimir as controvérsias no Mercosul.

            d) O caráter provisório das instituições

            Corroborando o que foi dito acima, os Estados Partes deviam convocar uma reunião extraordinária com o objetivo de determinar a estrutura institucional definitiva dos órgãos de administração do Mercosul [57]. Como corolário lógico, houve a propagação do desejo atinente à efetiva definição daquela estrutura. Mas, todavia, tal reunião retardou tal anseio ao ser criado um dispositivo que insofismavelmente afirma o caráter provisório das instituições do Mercosul. Trata-se, pois, do artigo 47.º que, sub censura de alguns pensadores [58], assim prescreveu: "Os Estados-Partes convocarão, quando julgarem oportuno, conferência diplomática com o objetivo de revisar a estrutura institucional do Mercosul estabelecida pelo presente Protocolo, assim como as atribuições específicas de cada um de seus órgãos".

            Todavia, seria de todo incompreensível se o conteúdo do referido artigo fosse outro que não aquele, já que, além de contradizer o disposto no seu preâmbulo [59], abalroar-se-ia com o regular desenvolvimento do processo de integração. Neste sentido, Cláudia Trabuco [60] assim professa: "é preciso não esquecer que um conjunto de organismos que aparentam estar adaptados ao desenvolvimento da integração durante o período transitório da sua evolução, onde, como se sabe, se exige ainda um baixo nível de institucionalização, devem ser alvo de uma nova análise quando se atingem estádios mais avançados do processo".

            Hodiernamente, o Mercosul é uma união aduaneira em formação, isto é, encontra-se numa das fases preliminares do projeto Mercosul, o que, nas palavras de Elizabeth Accioly [61], "enseja a antevisão de que ainda se está demasiadamente distante da conformação de um Mercado Comum", já que a constituição deste dar-se-á após a efetiva concretização da união aduaneira. Restam, por isso, alguns degraus para atingir a configuração de espaço economicamente integrado sob a forma de Mercado Comum [62].

            Neste passo, a toda evidência, se afigura descabido concluir que a institucionalização do Mercosul denotou a implantação de um mercado comum, não obstante a expressa utilização dessa denominação

.

            Deste modo, a opção pelo caráter provisório da estrutura institucional do Mercosul é condizente com o momento atual dessa organização. Por oportuno, impende trazer, mais uma vez, a lição de Wanderlei Rodrigues, segundo o qual "o Mercosul é, hoje, um projeto de mercado comum, encontrando-se na fase inicial da implantação de uma união aduaneira. Isso não diminui a sua importância. Apenas é necessário que se tenha essa consciência, pois não se podem exigir, nessa etapa do processo, todos os resultados que só serão obtidos após uma longa e árdua caminhada" [63].

            2.3.2. Sistema de solução de controvérsias

            Finalmente, o Capítulo VI – artigos 43.º [64] e 44.º [65] – versa sobre o sistema de solução de controvérsias.

            Ora bem, no que concerne a esse assunto, o POP não trouxe quase nada de novo, já que, ao invés de adotar um sistema permanente de solução de controvérsias para o Mercosul, o mesmo manteve o caráter provisório existente no Tratado de Assunção ao submeter as controvérsias surgidas no âmbito do Mercosul aos procedimentos estabelecidos pelo Protocolo de Brasília, de 17 de dezembro de 1991. Ou seja, ainda está por chegar o momento da adoção do "Sistema Permanente de Solução de Controvérsias" vislumbrado pelos Estados Partes quando da assinatura do Tratado de Assunção. Segundo o artigo 44 do POP, tal adoção deverá ser efetuada antes de culminar o processo de convergência da tarifa externa comum.

            Aquela expressão "quase" se deve ao fato do POP ter inovado ao criar a Comissão de Comércio do Mercosul, atribuindo-lhe, por meio do seu artigo 21, poderes para "considerar reclamações apresentadas pelas Seções Nacionais da Comissão de Comércio do Mercosul, originadas pelos Estados-Partes ou demandas de particulares – pessoas físicas ou jurídicas –, relacionadas com as situações previstas nos artigos 1.º ou 25 do Protocolo de Brasília, quando estiverem em sua área de competência" – como bem ressaltou Horácio Wanderlei Rodrigues [66]. Posteriormente, e como será objeto de futura análise, a Diretriz 5/96 ampliou a natureza da Comissão de Comércio do Mercosul de modo a esta comissão ter competência para "atender as consultas apresentadas pelos Estados-partes e a considerar as reclamações que se apresentem em virtude do estabelecido no art. 21 do POP" (art.1.º) [67].

            Vejamos, portanto, qual foi o sistema abraçado pelo Protocolo de Brasília, qual foi o novo elemento trazido pelo POP, bem como quais foram as inovações trazidas pelo Protocolo de Olivos. Neste caso, é imperioso observar se tais inovações – como, por exemplo, a escolha por outro foro de solução de controvérsias (artigo 1.º, 2, do Protocolo de Olivos) – são mesmo os veículos através dos quais se atingirá o almejado fortalecimento do sistema de solução de controvérsias do Mercosul, e, por conseguinte, se as mesmas vão ao encontro da lógica integracionista do bloco.

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Sobre o autor
Marco Aurélio Borges de Paula

Doutorando em Direitos e Garantias do Contribuinte (Universidade de Salamanca - Espanha), Mestre em Ciências Jurídico-Econômicas (Universidade de Coimbra - Portugal) e Pós-graduado lato sensu em Direito Penal Econômico (Universidade de Coimbra). Coordenador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) em Mato Grosso do Sul. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos de Mato Grosso do Sul. Advogado em Campo Grande-MS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Marco Aurélio Borges. O processo integracionista do Mercosul:: algumas notas sobre o seu sistema de solução de controvérsias entre Estados-partes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1448, 19 jun. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10036. Acesso em: 26 abr. 2024.

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