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O processo integracionista do Mercosul:

algumas notas sobre o seu sistema de solução de controvérsias entre Estados-partes

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4. CONCLUSÃO

            Reza o artigo 53 do Protocolo de Olivos que antes de culminar o processo de convergência da tarifa externa comum, os Estados Partes efetuarão uma revisão do atual sistema de solução de controvérsias, com vistas à adoção do Sistema Permanente de Solução de Controvérsias para o Mercado Comum a que se refere o numeral 3 do Anexo III do Tratado de Assunção; ou seja, tudo como já anunciara o Protocolo de Ouro Preto (artigo 44).

            Entendemos que o Protocolo de Olivos deu um grande passo rumo ao objetivo do Mercosul. Para tanto, manteve o seu cariz intergovernamental ao resistir à criação de instâncias supranacionais, como o Tribunal europeu. Se assim não agisse, estaria indo de encontro à regular marcha integracionista própria de um bloco ainda em formação. Ademais disso, vale ressaltar a importância de órgãos mais flexíveis em momentos de crises (como aquela instalada na Argentina), porquanto permite alternativas menos formais para as negociações.

            "Ora, o processo sul-americano encontra-se na idade juvenil", já disse Coutinho de Abreu [132]. Uma juventude que, não obstante o desejo de atingir o cume do seu amadurecimento, não se deixa levar por veleidades digressivas, que não se impressiona com as manifestações vociferadas daqueles que vêem no exemplo europeu a imagem de um mestre-papa infalível. Não, isso não. "Estudar, reflectir, criticar, aprender com o bom e o menos bom, adaptar, criar – isso sim" [133]. Seria possível atingir, de uma hora para outra, um patamar que a Europa levou anos para alcançar? E a realidade política, econômica, geográfica e demográfica dos países do Mercosul? Seria condizente com o que se viu, ou vê, na Europa? Seria mesmo possível pensar, hodiernamente, num Tribunal Supranacional para o Mercosul, como há na União Européia? Tenhamos paciência!

            O Mercosul é, hoje, uma união aduaneira imperfeita. Assim sendo, é justificável a sua opção pela intergovernabilidade e, via de consequência, pela via arbitral no que concerne à solução de controvérsias. Contudo, ao atingir uma fase de integração mais elevada, com a supressão de barreiras à livre circulação de pessoas, serviços, mercadorias e capitais entre os Estados Partes, será assaz importante o aperfeiçoamento do sistema de solução de controvérsias atual para a prossecução dos objetivos do bloco. Nesse sentido, devemos concordar com Gustavo Monaco quando ele afirma "que a Corte Arbitral permanente seria uma solução ainda provisória, com capacidade para subsistir durante o período de União Aduaneira associado ao sistema de coordenação estatal encetado" [134].

            Do excurso realizado, pode-se afirmar que desde os primórdios das tentativas integracionistas na América Latina já se falava em flexibilidade, cooperação e intergovernabilidade. São exemplos dessa natureza a ALALC e a sua sucessora, a ALADI.

            Substituindo o conceito de conflito pelo ideal de integração, os países de maior importância na América do Sul, vale dizer, o Brasil e a Argentina, buscaram uma aproximação adequada à conjugação de esforços em matéria econômica. Para não se verem de fora da nova unidade econômica que estava por ser concretizar, a República do Uruguai e a República do Paraguai se uniram àqueles países para, então, implementarem o projeto de formação de um Mercado Comum. O resultado dessa aproximação resultou no Tratado de Assunção, assinado em 1991, com objetivos voltados para a formação de um Mercado Comum. Era, pois, o início do processo de integração do Cone Sul conducente ao Mercado Comum.

            Com o advento do mencionado Tratado, foi desencadeado o período de transição, durante o qual os Estados Partes deviam implementar as necessárias condições para o estabelecimento do mercado comum até 31 de dezembro de 1994.

            Após definidos os objetivos a serem buscados pelos Estados Partes, assim como os mecanismos para alcançar tais objetivos, o processo de integração mercosulino completou, no dia 17 de dezembro de 1994, com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto, o seu primeiro ciclo, consolidando, assim, a união latino-americana.

            Cumpre ressaltar que, na primeira fase (período de transição), o Mercosul buscou os acertos necessários para que tudo tivesse o seu regular desenvolvimento. Para tanto, alguns ajustes foram encetados, como, por exemplo, o ajuste jurídico, com o sistema de solução de controvérsias, através da assinatura do Protocolo de Brasília, conforme era previsto no n.º 2 do Anexo III do Tratado de Assunção. Era apenas – frise-se – o ponto de partida da marcha integracionista, e, como tal, optou-se pela ausência de organismos supranacionais, permanecendo no mero campo da cooperação entre países. O Tratado de Assunção foi celebrado, portanto, dentro dos moldes clássicos de Direito Internacional Público.

            Como pontifica Luiz Olavo Baptista [135], os "autores do projecto inicial foram buscar a sua inspiração em parte ao modelo de integração dos Estados Unidos e do Canadá, e, sem que disso tivessem suspeitado, foram influenciados pelo do Benelux, que, como aqueles dois países, adaptou formas de integração regidas por normas do Direito Internacional Público e por outras, específicas para a situação".

            De acordo com o previsto pelo artigo 18 do Tratado de Assunção, os Estados Partes deveriam convocar uma reunião extraordinária com o fito de determinar a estrutura institucional definitiva dos órgãos de administração do Mercosul, assim como as atribuições específicas de cada um deles e um sistema de tomada de decisões. Para tanto, assinaram, no dia 17 de dezembro de 1994, o Protocolo de Ouro Preto, prevendo, no seu artigo 2, que os órgãos com capacidade decisória teriam natureza inter governamental. Restou, portanto, cimentada a sua opção pelo modelo de organização inter governamental.

            A opção do Mercosul pela inter governabilidade permitiu-lhe a criação de uma estrutura de caráter ágil e flexível, pouco onerosa e pautada pela simplicidade de procedimento e pela busca do entendimento direto.

            Para uma hipótese na qual um Estado Parte se sinta afetado pela conduta de um outro Estado Parte, o recurso cabível seria o sistema de solução de controvérsias estabelecido pelo Protocolo de Brasília de 1991 e pelo Anexo do Protocolo de Ouro Preto de 1994, ambos isentos de caráter supranacional.

            Conquanto hajam aqueles que critiquem o posicionamento dos representantes do Mercosul ao não proverem o bloco com órgãos supranacionais, como o Tribunal Supranacional da União Européia, preferimos caminhar ao lado daqueles que esperam o desenrolar das fases de integração econômica, é dizer, com aqueles que não fecham os olhos para a realidade do Mercosul, com todas as suas peculiaridades, como sejam os fatores históricos e culturais, bem como todas as dissimetrias (geográfica, demográfica e econômica) – onde um país como o Brasil tem cerca de 169 milhões de habitantes e o outro tem a ínfima quantia de 3 milhões.

            O Protocolo de Olivos para a solução de controvérsias do Mercosul foi, sem sombra de dúvidas, uma espécie de mola propulsora conducente ao ápice do otimismo entre os Estados Partes. Mas, no entanto, o referido protocolo não se mostrou imune às celeumas daqueles que buscam o "ótimo" a todo custo. Devemos, neste caso, relembrar a lição de Luiz Olavo Baptista [136], segundo a qual:

            "Cada sistema foi criado para uma circunstância específica, e todos procuraram preservar, de todas as maneiras, a soberania. A exceção foi a União Europeia, onde o projeto era e continua sendo de unificação política.

            No caso do Mercosul, a característica de pragmatismo de suas instituições auspicia a possibilidade de uma evolução constante, que lhe permitirá adaptar-se às novas realidades.

            Sou francamente favorável a esse tipo de enfoque, que me parece mais fundado na realidade e de molde mais a facilitar que a impedir o desenvolvimento de relações harmônicas e duradouras entre os parceiros. Como diz o velho brocardo, ‘o ótimo é inimigo do possível’. Se queremos prosseguir com a integração, busquemos o possível".

            É aqui o lugar apropriado para trazermos à baila aquela percuciente lição de Almeida Garrett, pois que, conquanto não esteja voltada para os movimentos de integração, nem muito menos para o processo de integração do Mercosul, dá azo à derrocada dos mais afoitos que, como dissemos, buscam, em outros modelos de integração, o arquétipo ideal para o sistema de solução de controvérsias do Mercosul, tudo à custa daquelas "peculiaridades" que representam o real. Vejamos novamente o que aquele autor dissera: "O pensador nunca pode libertar-se totalmente do quadro histórico onde se move; mas não se defronta apenas com parâmetros sociais, políticos e económicos: situa-se em determinado clima cultural, formado pelo conjunto de concepções e valores, comuns à sua época e que, por ser vago, nem por isso se apresenta como menos condicionante" [137].

            Na sua "idade juvenil", o Mercosul tem tudo para atingir o seu objetivo. Hodiernamente, ele se encontra numa fase de integração denominada união aduaneira. No entanto, não é uma união aduaneira perfeita, restando, pois, alguns degraus para atingir o ápice do edifício almejado pelo Tratado de Assunção – o Mercado Comum. É necessário muita paciência para que, com constantes negociações entre os Estados Partes, esse bloco se torne uma verdadeira organização comunitária.

            No que toca ao Protocolo de Olivos, é imperioso destacar a lição de Elizabeth Accioly para lembrar que o Tribunal de Revisão criado pelo Protocolo de Olivos dá azo à procrastinação do cumprimento decisório, ferindo, com isso, a segurança jurídica – que tanto foi almejada aquando da assinatura daquele protocolo.

            Por outro lado, e sem deixar de louvar a iniciativa dos Estados Partes ao assinarem aquele Protocolo de Olivos – pois que foi, sem sombra de dúvidas, uma injeção de ânimo num bloco imerso em um período de turbulência, haja vista as crises dos seus Estados Partes –, importa recordar uma outra novidade do referido protocolo que, a nosso ver, vai de encontro com o processo integracionista mercosulino – visto que enfraquece o seu sistema de solução de controvérsias –: a escolha por outro foro de solução de conflitos.

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            Mas como deixamos patente ao longo deste perfunctório estudo, muitas mudanças estão para acontecer, como sejam aquelas concernentes ao Sistema de Solução de Controvérsias do Mercosul. Mas questões mais problemáticas há que nos deixam menos otimistas quanto à sustentabilidade do bloco. É o caso de dizer que o retrocesso ao marco zero do processo integracionista mercosulino está condicionado ao seu viés democrático e econômico (o objetivo principal do Mercosul não consiste na liberdade do comércio entre seus membros?). Vejamos, pois, nos tempos vindouros, se há chance desse projeto de integração vingar. [138]


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Sobre o autor
Marco Aurélio Borges de Paula

Doutorando em Direitos e Garantias do Contribuinte (Universidade de Salamanca - Espanha), Mestre em Ciências Jurídico-Econômicas (Universidade de Coimbra - Portugal) e Pós-graduado lato sensu em Direito Penal Econômico (Universidade de Coimbra). Coordenador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) em Mato Grosso do Sul. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos de Mato Grosso do Sul. Advogado em Campo Grande-MS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Marco Aurélio Borges. O processo integracionista do Mercosul:: algumas notas sobre o seu sistema de solução de controvérsias entre Estados-partes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1448, 19 jun. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10036. Acesso em: 26 abr. 2024.

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