DA INAPLICABILIDADE DAS VANTAGENS CONFERIDAS PELA LEI N.º 1.234/50 AOS EMPREGADOS PÚBLICOS OPERADORES DE RAIO-X.

30/09/2022 às 14:49
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A Lei 1.234/50 conferiu direitos e vantagens aos servidores operadores de raio-x e substâncias radioativas. Dentre essas vantagens está a de férias semestrais e adicional de 40% sobre a remuneração.

 

Diversas ações judiciais já foram ajuizadas na justiça do trabalho, por empregados celetistas, buscando ampliar o alcance dessas prerrogativas para si. Argumentam, em suas teses jurídicas, que a CLT é omissa, mas a lei 1.234/50 tem alcance ampliativo aos empregados celetistas.

 

Na justiça do trabalho o tema é controverso, há decisões em ambos os sentidos. No julgamento do processo XXXXX-28.2014.5.10.0003, pelo tribunal regional do trabalho da décima região, houve o entendimento de que as prerrogativas da lei 1.234/50 eram extensíveis aos empregados públicos, vejamos:   

 

EMENTA:".FÉRIAS DE 20 DIAS POR SEMESTRE. EMPREGADO PÚBLICO. TÉCNICO EM RADIOLOGIA. A expressão 'Servidores Públicos' mencionada na Lei 1.234 /50 abrange aqueles contratos sob o pálio do regime celetista, assegurando o direito a dois períodos de férias de vinte dias, por semestre de atividade profissional. Recurso da reclamada conhecido e desprovido. Recurso ordinário adesivo do reclamante conhecido e parcialmente provido". ( RO XXXXX-28.2014.5.10.0003 ; Acórdão 1ª Turma, Relator: Desembargador Grijalbo Fernandes Coutinho; Julgado em: 14/10/2015; Publicado em: 30/10/2015 no DEJT). Recurso do reclamante conhecido e provido.

 

Ocorre que as empresas públicas, criadas pelos entes públicos, via de regra tem personalidade jurídica de direito privado, no que concerne ao regramento de pessoal, ou seja, o regime jurídico que regem seus contratos é a CLT.

 

A Lei nº 1.234/50 fixou, claramente, a quem seu texto legal se destinava, vejamos:

 

Art. 1º Todos os servidores da União, civis e militares, e os empregados de entidades paraestatais de natureza autárquica, que operam diretamente com Raios X e substâncias radioativas, próximo às fontes de irradiação, terão direito a:

 

a) regime máximo de vinte e quatro horas semanais de trabalho;

b) férias de vinte dias consecutivos, por semestre de atividade profissional, não acumuláveis;

c) gratificação adicional de 40% (quarenta por cento) do vencimento. (grifo nosso)

 

                           Nesse esteio, foi publicado o Decreto nº 81.384/78, regulamentando a concessão de gratificação por atividades com Raios-X ou substância radioativas, previstas na Lei nº 1.234/50. Senão, vejamos:

 

Art. 1º - Os servidores Civis da União e de suas autarquias que, no exercício de suas atribuições, operem direta e permanentemente com raios x e substâncias radioativas, próxima às fontes de irradiação, farão jus a:

I - Regime máximo de vinte e quatro horas semanais de trabalho;

II férias de vinte dias consecutivos, por semestre de atividade profissional, não acumuláveis;

III - Gratificação adicional correspondente a 40% (quarenta por cento) do vencimento.

Parágrafo único - O disposto neste artigo se aplica aos servidores regidos pela legislação trabalhista, excetuado o item III, quanto aos empregados não incluídos no Plano de Classificação de Cargos a que se refere a Lei nº 5.645, de 10 de dezembro de 1970. (grifo nosso)

 

                Dessa forma, examinando a inteligência dos dispositivos legais, extraem-se dois pressupostos obrigatórios para que os servidores se beneficiem das vantagens conferidas pela Lei nº 1.234/50, regulamentada pelo Decreto nº 81.384/78: o primeiro, que sejam servidores da Administração direta ou empregados de Autarquia, e o segundo, que operem diretamente com Raios-X e substâncias radioativas, próximos às fontes de irradiação.

 

                Ademais, desde logo se afasta a eventual interpretação do parágrafo único do Decreto 81.384/78, tendo em vista que este dispositivo se aplica aos servidores de autarquias que sejam celetistas! Vejamos texto legal do referido parágrafo único:

 

Art . 1º - Os servidores Civis da União e de suas autarquias que, no exercício de suas atribuições, operem direta e permanentemente com raios x e substâncias radioativas, próxima ás fonte de irradiação, farão jus a:

I - Regime máximo de vinte e quatro horas semanais de trabalho;

II - Férias de vinte dias, consecutivos, por semestre de atividade profissional, não acumulável;

III - Gratificação adicional correspondente a 40% (quarenta por cento) do vencimento.

Parágrafo único - O disposto neste artigo se aplica aos servidores regidos pela legislação trabalhista, excetuado o item III, quanto aos empregados não incluídos no Plano de Classificação de Cargos a que se refere a Lei nº 5.645, de 10 de dezembro de 1970. (Grifamos)

 

Ora, na vigência da constituição federal de 1967, momento em que o decreto 81.384/78 foi publicado, se permitia que servidores de autarquias federais tivessem regime celetista.

 

Neste aspecto, para não incorrer em erro de interpretação, é necessário que se faça a interpretação histórica como método de hermenêutica jurídica, em relação ao decreto e a constituição vigente à época de sua elaboração.

 

Necessário relembrar que apenas na Constituição Federal de 1988 se determinou a submissão de todos os servidores públicos a um regime jurídico único. Contudo, o texto constitucional não especificou qual o modo do regime único, se era estatutário ou celetista. Assim, as pessoas jurídicas da União e Estados poderiam optar pelo regime estatutário ou CELETISTA.

 

Ademais, preventivamente, antes que se pense, erroneamente, que a expressão servidores Civis da União e de suas autarquias, extraído do Decreto nº 81.384/78, seja gênero, que abrangeria todas as espécies da Administração Direta e Indireta, esclarece-se que a Administração Pública Federal, já havia sido organizada há mais de dez anos, pelo Decreto nº 200/67, o qual em seu art. 4º, estabelece:

 

                                               Art. 4° A Administração Federal compreende:

I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.

II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:

                                               a) Autarquias;

                                               b) Empresas Públicas;

                                               c) Sociedades de Economia Mista;

                                               d) fundações públicas.

Parágrafo único. As entidades compreendidas na Administração Indireta vinculam-se ao Ministério em cuja área de competência estiver enquadrada sua principal atividade. (grifos nossos)

 

Assim, o legislador ordinário, em seu Decreto regulatório da Lei nº 1.234/50, não ampliou o rol de beneficiários, restringindo-os apenas aos servidores da administração direta e de suas autarquias, não abrangendo as empresas públicas.

 

Sendo assim, uma vez que as estatais pertencem à Administração Indireta e estando vinculadas às regras de Direito Público, não poderá fazer interpretação ampliativa do dispositivo legal, sob pena de desrespeitar o princípio da legalidade, esculpido no caput do art. 37 da Constituição Federal.

 

Com efeito, o princípio da legalidade assume dois enfoques diferentes, ou seja, temos a legalidade aplicada ao Direito Privado e a legalidade imposta ao Administrador Público. Para o particular, a legalidade é no sentido de que se pode fazer tudo que não está proibido pela lei (art. 5º, inc. II, da CF). Já para o Direito Público, ao revés, legalidade é fazer apenas o que está autorizado pela lei.

 

Vejamos alguns julgados a respeito do tema que, corroborados com toda a fundamentação supra, respaldam a impossibilidade jurídica de aplicação da lei 1.234/50, bem como o decreto 81.384/78 que a regulamenta:

 

RECURSO ORDINÁRIO. ALCANCE DA LEI nº 1.234/50. A Teor do disposto no caput do art. 1º, são dois os pressupostos para que os obreiros se beneficiem das vantagens conferidas pela Lei nº 1.234/50: primeiro, que sejam servidores da Administração direta ou empregados de Autarquia, e segundo, que operem diretamente com Raios X e substâncias radioativas, próximos às fontes de irradiação. SENDO O RECLAMANTE EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA, VINCULADA AO MINISTÉRIO DA MARINHA, COM PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO, NÃO FAZ ELE JUS AOS BENEFÍCIOS VINDICADOS, EIS QUE AUSENTE O PRIMEIRO REQUISITO EXIGIDO PELA LEI Nº 1.234/50. (TRT-1, Processo: 01369006620095010019 RO. Relator: Alberto Fortes Gil, Data de Julgamento: 27/03/2012, Oitava Turma)

(...) HORAS EXTRAS - JORNADA ESPECIAL DE RADIOLOGISTA. Neste tópico a r. sentença adotou a seguinte compreensão: Afirmou o autor que, como médico radiologista, laborou exposto à radiação ionizante, o que lhe confere o direito à jornada reduzida de 24 horas semanais prevista pelas leis 1.234/50 e 7.394/85 para proteger a saúde do trabalhador exposto a esse perigo. A ré, em defesa, argumentou que referidas legislações não lhe são aplicáveis. Com razão a reclamada. Não se aplica ao reclamante a Lei nº 1.234/50, regulada pelo Decreto nº 81.384/78 porque tal diploma legal tem seu âmbito de aplicação restrito aos"servidores da União, civis e militares, e os empregados de entidades paraestatais de natureza autárquica, que operam diretamente com Raios X e substâncias radioativas, próximo às fontes de irradiação"(art. 1º da Lei nº 1.234/50).

No caso, o autor não é servidor público, e sim, empregado público de uma empresa pública, com personalidade jurídica de direito privado.

Logo, a situação do reclamante não se subsume à norma em questão.

                         (...)

Assim, não preenchidos pelo autor os requisitos necessários à aplicação das leis supracitadas, impossível a sua vinculação à carga horária vindicada de 24 horas semanais, por falta de amparo legal. Logo, indefiro o pagamento de horas extras e reflexos, por não ser o autor beneficiário da jornada especial de 24 horas semanais ditada pelas Leis nº 1.234/50 e 7.394/85. (fls. 329/330) Em seu recurso o Reclamante insiste na jornada reduzida a que alude a Lei nº 1.234/1950, uma vez que o Recorrente é médico radiologista, razão pela qual entende que o referido diploma legal a ele se aplica por analogia. Sem razão. De início, acato ponderação do Exmo. Desembargador Revisor, para acrescentar que de acordo com a Lei n.º 8.246, de 22/10/1991, cuida-se de um Serviço Social Autônomo, pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, de interesse coletivo e de utilidade pública, com o objetivo de prestar assistência médica qualificada e gratuita a todos os níveis da população e de desenvolver atividades educacionais e de pesquisa no campo da saúde, em cooperação com o Poder Público (art. 1.º). A Lei nº 1.234/1950 se aplica a Todos os servidores da União, civis e militares, e os empregados de entidades paraestatais de natureza autárquica, que operam diretamente com Raios X e substâncias radioativas, próximo às fontes de irradiação (art. 1º, da Lei nº 1.234/1950). Logo, o referido diploma legal não incide sobre a relação de trabalho do Autor, uma vez que este não é servidor público, mas sim empregado de pessoa jurídica de direito privado, ainda que de interesse coletivo e de utilidade pública.

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                         (...)

(TRT-10 - RO: 67201100510002 DF 00067-2011-005-10-00-2 RO, Relator: Desembargador José Leone Cordeiro Leite , Data de Julgamento: 06/08/2013, 3ª Turma, Data de Publicação: 06/08/2013 no DEJT)

_________

 

FÉRIAS. LEI Nº 1.234/50. É inaplicável aos empregados da iniciativa privada o disposto no artigo 1ª, b da Lei 1.234/50, uma vez que a legislação trabalhista possui norma própria que regula a matéria, não havendo que falar nem mesmo em aplicação analógica ao referido dispositivo. (TRT-1 - RO: 00013312320125010073 RJ, Relator: Monica Batista Vieira Puglia, Data de Julgamento: 20/05/2014, Quarta Turma, Data de Publicação: 03/06/2014)

_________

 

APLICAÇÃO DA LEI Nº 1.234/50 - EMPRESA DE DIREITO PRIVADO. Inaplicável lei nº 1.234/50 aos empregados vinculados à reclamada Hospital de Clínicas de Porto Alegre, em que pese operem aparelhos de raio X ou estejam em contato com substância ionizantes, primeiramente em razão de que seus contratos serem regrados pela CLT, como também em face da personalidade jurídica da reclamada, empresa de direito privado. (TRT-4 - RO: 00006011620135040001 RS 0000601- 16.2013.5.04.0001, Relator: BRÍGIDA JOAQUINA CHARÃO BARCELOS TOSCHI, Data de Julgamento: 13/03/2014, 1ª Vara do Trabalho de Porto Alegre)

 

É de bom alvitre registrar ainda, parte do voto proferido no supracitado julgamento efetuado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Como se vislumbra abaixo, ficou definido que é inviável a aplicação da Lei n°. 1.234/50 às empresas públicas federais, no caso, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre:

 

 

Pretende, o reclamante, que seja revista a decisão exarada em primeira instância, a qual lhe indeferiu a aplicação do disposto na lei nº 1.234/50, artigo 1º, "b". Esclarece que o reclamante laborou habitualmente na operação de agentes ionizantes e radioativos, fazendo jus, portanto, do que trata aquele artigo, qual seja, 20 dias de férias a cada 180 dias trabalhados. Aduz, ainda, que a lei 5.604/70, que instituiu a reclamada como empresa pública de direito privado, não resta aplicável. Por fim, entende que interpretar de forma diversa o referido dispositivo, implicaria em evidente violação ao princípio da isonomia.

(...)

 

O que se verifica é que a norma supracitada visa conferir direitos e vantagens a servidores que operem com aparelhos de raio X e substâncias radioativas, e que são exclusivamente os empregados de entidades paraestatais de natureza autárquica. Da análise da lei nº 5.604, de 02 de setembro de 1970, que autoriza o poder público a criar a empresa pública "Hospital de Clínicas de Porto Alegre", reclamada, e dá outras providências, diz em seu artigo 1º: "Fica o Poder Executivo autorizado a constituir a empresa pública "Hospital de Clínicas de Porto Alegre", de sigla HCPA, dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e autonomia administrativa, vinculada à supervisão do Ministério da Educação e Cultura (grifo nosso)." De sua análise pressupõe-se a forma da personalidade jurídica a que está sujeita a reclamada, qual seja, empresa de direito privado, com patrimônio próprio e autonomia administrativa.

 

Neste contexto, comparando-se as duas leis em análise, há conflito de aplicabilidade da referida norma especial aos empregados que exercem suas atividades na empresa criada pela segunda norma, pelo simples fato de que a reclamada é empresa de direito privado e a lei nº 1.234/50 aplica-se a servidores da União, civis e militares, e aos empregados de empresas paraestatais de natureza autárquica, nas quais não se encaixa a reclamada. Ainda, como se verifica do contrato da folha 55, o reclamante possui regime contratual vinculado à CLT, que possui regramento próprio quando se trata em férias, previsto nos arts. 129 e 130, limitados a 30 dias a cada 12 meses de contrato. Assim, tenho que resta incabível a aplicação da lei nº 1.234/50 aos empregados vinculados à reclamada Hospital de Clínicas de Porto Alegre, em que pese operem aparelhos de raio X ou estejam em contato com substância ionizantes, primeiramente em razão de que seus contratos são regrados pela CLT, como também em face da personalidade jurídica da reclamada, empresa de direito privado. (Grifo nosso)

 

                Portanto, correto entendimento vedando a extensão de alcance da lei n. 1.234/1950, eis que aos empregados públicos aplica-se as regras da CLT em consonância ao princípio constitucional da legalidade (art. 37, caput, da CF/88).

            

 

Sobre o autor
Carlos Eduardo da Silva Souza

Advogado, desde 2009, Pós-graduado em Direito Público, com especialidade em direito civil e do trabalho. Atualmente advogado da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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