Direito Internacional contemporâneo: qual marco teórico será fundamental?

Resumo:


  • A concepção tradicional do Estado moderno como principal agente regulador precisa ser revista na atualidade.

  • Os institutos tradicionais de Direito Internacional Público devem passar por um processo de redefinição e readequação.

  • É preciso uma releitura de institutos clássicos de Direito Internacional Público para atender aos novos desafios do mundo contemporâneo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Três graus de latitude modificam toda a jurisprudência, um mediano decide acerca da verdade; com poucos anos de domínio, as leis fundamentais mudam; o direito tem suas épocas, a entrada de Saturno em Leão nos assinala a origem de determinado crime. Curiosa justiça que um rio delimita! Verdade aquém dos Pirineus, erro além.

Pascal


1. Introdução

O Direito Internacional pode ser entendido como um conjunto de fundamentos e normas elaborados para a regulação das relações internacionais dos Estados e outros entes que nele são reconhecidos como sujeitos de Direito. Essa relação internacional entre sujeitos acontece desde a Antiguidade, já que seus povos mantinham relações internacionais de comércio, tratados, territórios etc. A partir disso, a o objetivo é uma reflexão em aporia, buscando entender o ponto de partida e a possível missão do Direito Internacional na contemporaneidade, seus fundamentos, mudanças e importância social.

In O direito internacional contemporâneco e a teoria da transnormatividade[2] WAGNER MENEZES[3] discorre a respeito das teorias clássicas sobre a relação do Direito Internacional com o Direito Interno.

Segundo ele,

O primeiro estudo, que procurou enfrentar o problema sobre a relação do Direito Internacional com o Direito Interno, foi realizado por CARLLO HEINRICH TRIEPEL, em 1899, na obra Volkerrcht und Landesrecht, publicada em Leipzig, e foi responsável por construir a teoria pluralista ou dualista, que foi seguida por vários Estados, valendo destacar OPPENHEIM, STRUPP e DIONÍZIO ANCILOTTI.[4]

WAGNER MENEZES relata que o autor parte do princípio de Direito Internacional e Direito Interno são dois sistemas distintos, duas ordens jurídicas independentes uma da outra, não possuindo qualquer tipo de inter-relação jurídica, sendo em razão dessa distinção, inclusive, inconcebível o conflito entre as duas ordens jurídicas, por estarem em campos separados no momento de sua aplicação.

Os fundamentos elencados para dar sustentação a semelhante afirmação são, a exemplo, que os ordenamentos se encontram em esfera de igual importância e hierarquia, integram parte de sistemas jurídicos independentes e autônomos, envolve diversidade de fontes, de sujeitos, além de manterem campos de autuação e aplicação diversos.

O contraponto do dualismo é estabelecido pelo que eclodiu na Escola de Viena, a teoria monista, preconizada por HANS KELSSEN que entende existente a divisão entre duas ordens jurídicas diferentes. Para a teoria monista o Direito Internacional e o Direito Interno integram único sistema, o mesmo complexo jurídico, defendendo existir a hierarquia que subordina um ordenamento jurídico ao outro, com identidade de fontes e de sujeitos. Assevera que em razão da unidade sistêmica o Direito Internacional se aplica diretamente na ordem jurídica dos Estados, pois são relações de interpenetração.

A partir do dissenso entre as duas teorias surgiram teorias conciliatórias buscando amenizar os entendimentos. GUSTAV ADOLF WALZ afirma quer no caso de responsabilidade internacional do Estado em caso de conflito com norma de direito interno estaria ela derrogada. ALFRED VERDROSS em uma interpretação do monismo defendido por KELSSEN constrói a ideia do ´monismo moderado´.

As teorias acima descritas, quer nos parecer, enfocam a soberania do ´Estado´ e numa análise contemporânea precipitada nos conduz a muitos equívocos, o primeiro deles em razão de vivermos em tempos de república, de democracia, de preponderância da Constituição Federal que informam todo o pensamento jurídico contemporâneo a interpretação dos dados que sinalizam a história do Direito Internacional é por demais complexa e há necessidade de uma profunda reflexão do momento histórico em que surgiu sua consolidação na Idade Média, sua evolução e a necessidade premente de uma autêntica revolução dos marcos teóricos que encaminham para a valorização do Direito Internacional diante da sociedade planetária cosmopolita de relações instantâneas que se apresenta.

WAGNER MENEZES adverte que PHILIPPE BRAILARD em estudo sobre a caracterização da sociedade transnacional, definiu-a como um sistema de interação, num domínio particular, entre atores sociais pertencentes a sistemas nacionais diferentes, visualizando que, no interior de cada sistema nacional, as interações são decididas por elites não-governamentais e continuadas diretamente pelas forças sociais, econômicas e políticas nas sociedades de que fazem parte.

Prossegue, alerta que PHILIP JESSUP na década de cinquenta já destacava que a relação entre Direito Internacional e Direito Interno não de forma dualista ou monista, pois os conflitos e os direitos são obra do homem, assim como suas teorias, mas como relações decorrentes de situações transnacionais que podem envolver indivíduos, empresas, Estados, organizações de Estados ou outros grupos, que acabam por produzir um direito transnacional, o qual definia como o conjunto de normas que regulam atos ou fatos que transcendem fronteiras nacionais, tanto do direito público quanto do privado, bem como outras normas que não se enquadram inteiramente nas categorias clássicas.[5]

Há quem sustente a evolução do Direito Internacional de Coexistência ao Direito Internacional de Cooperação discutindo a mudança dos fundamentos conforme Liliana LYRA JBILUT:[6]

Surgido em 1648 com os tratados de Münster e Osnabruck, que consagram a Paz de Westphalia, o Direito Internacional clássico se ocupava, sobretudo, de estabelecer normas de coexistência entre os Estados soberanos.

A Paz de Westphalia estabeleceu os princípios que caracterizam o Estado moderno, destacando-se as normas da soberania, da igualdade jurídica entre os Estados, da territorialidade e, por consequência, de não-intervenção.

Tais normas traziam, em sua maioria, obrigações de não fazer, de mútua abstenção, e se fundavam na vontade soberana dos Estados, os quais, exatamente por serem soberanos, eram tidos como irresponsáveis no cenário internacional.

Em função da existência da ideia de soberania absoluta passou-se a indagar o porquê do respeito às normas de Direito Internacional, ou seja, a se questionar acerca dos fundamentos do Direito Internacional. Como à época se verificava uma unidade ética,[7] os doutrinadores buscavam um equilíbrio entre aspectos intrínsecos ao sistema (soberania dos Estados) e extrínsecos (justiça e valores comuns). É, assim, que HUGO GROTIUS irá falar em uma sociedade internacional baseada no Direito Internacional e fundada em regras de convivência baseadas no consenso.

Verifica-se, neste início do Direito Internacional, a busca de uma fundamentação que valoriza o contexto internacional (na figura do consenso) e, ao mesmo tempo, se preocupa com as questões éticas (ao se falar em uma sociedade internacional fundada nos ideais de justiça e em valores compartilhados).

Com a evolução do Direito Internacional e as mudanças no cenário internacional, principalmente após o advento do positivismo jurídico,[8] verifica-se uma minimização dos elementos extrínsecos da fundamentação e a busca de critérios de legitimidade interna ao próprio Direito[9].[10]

Até então, em face da unidade ética

[o] fundamento da legitimidade era buscado fora do sistema do Direito, dado que o que se verificava era a existência da unidade ética na vida humana, na qual todos os ramos (Direito, Religião, Economia) estavam ligados pelo mesmo fundamento e pela busca da concretização dos mesmos valores. [...]

É preciso entender profundamente o marco de partida aceito por boa parte dos que enfrentam o estudo do Direito Internacional, ou seja, a Paz de Westfália como um acontecimento histórico marcado pela assinatura de dois tratados de paz nas cidades alemãs de Münster e Osnabrück, em 1648, e que colocou fim a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). A Guerra dos Trinta Anos marcou o século XVII como um dos conflitos mais sangrentos da história. As principais motivações da guerra foram as questões religiosas, que tiveram seu ápice com a Reforma Protestante. Em 1648, a Europa estava devastada, marcada pelos últimos 30 anos, assim a Paz de Westfália foi importante para determinar o fim do conflito, instaurar a paz e estabelecer uma nova ordem mundial.


2. Contexto histórico

No século XVI, a Igreja Católica era uma entidade política importante e poderosa por possuir terras, riquezas e ocupar o topo da pirâmide social. Naquela época, a Igreja passou a ser acusada de abusar de sua autoridade. O caso mais conhecido é a venda de indulgências, ou seja, a Igreja vendia aos fiéis e religiosos a remissão dos pecados.

Importante lembrar que ir contra as ideias da Igreja era um pecado e quem o cometia era severamente punido, razões pelas quais figuras importantes estavam infelizes com as imposições da Igreja Católica se manifestaram contra essas regras, as mais importantes manifestações foram de MARTINHO LUTERO e JOÃO CALVINO, dois líderes do protestantismo, delas nasceu o movimento e, consequentemente, a Reforma Protestante. E mais, não podemos esquecer que a Igreja Católica era considerada uma instituição política na época, e não ficou satisfeita com as manifestações contrárias às suas ideias. Assim, o conflito de ideias entre católicos e protestantes, somado a outros fatores secundários, deu origem a Guerra dos Trinta Anos, em 1618.

A Guerra dos Trinta Anos aconteceu por uma reinvindicação dos protestantes por uma liberdade religiosa. É importante lembrar que fatores políticos e territoriais também contribuíram para o início da guerra, que teve como atores principais o Império Sacro-Germânico, território que hoje pertence a diversos países (Alemanha, Áustria, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, República Checa, Eslováquia, Eslovênia, parte do território da França, Itália e Polônia) e também à França, Suécia e Espanha.

Em 1648, o continente europeu naufragado em gravíssimos problemas advindos da guerra que já havia durado 30 anos, com milhões de mortes, precisava de paz e de um período de reconstrução.

A chegada da Paz de Westfália

No ano de 1641 7 anos antes do fim do conflito  os representantes dos três principais atores da Guerra dos Trinta Anos:  Sacro Império Germânico, França e Suécia  acordaram que a Europa precisava de paz.

O acordo não foi estabelecido em uma única reunião entre os representantes das potências mais importantes da época. Os tratados de Westfália surgiram de diversos acordos assinados em cidades diferentes da Westfália (região da Alemanha). As duas cidades que marcaram a existência da Paz de Westfália foram Münster e Osnabrück.

A paz ocorreu com o consenso: a busca pela paz na cristandade, objetivo cumprido com a assinatura dos tratados principais, que declaravam paz e a amizade cristã, universal, perpétua, verdadeira e sincera.

Consequências e transformações da Paz de Westfália

Na busca da paz na Europa, os tratados que deram origem a Paz de Westfália estabeleceram algumas regras cogentes, dentre elas, ocorreu a imposição foi nivelar o poder dos países e garantir a diplomacia permanente. O tratado internacional estabeleceu que, a partir dele haveria um equilíbrio internacional de poderes, assegurando a anti-hegemonia.

Os historiadores assinalam é que há uma mudança que teria sido imposta pelos tratados com o fim dos impérios ou dinastias e o nascimento do Estado Moderno. O que não nos parece de todo verdadeiro, pois Portugal, Espanha, França e tantos outros Países permaneceram com o sistema monárquico.

O Estado Moderno no contexto das Relações Internacionais, pode ser entendido como uma maneira específica de organização política de uma comunidade humana, que tenha elementos comuns como por exemplo um idioma ou cultura, e que conta com três elementos chave: autoridade, soberania e legitimidade. Há uma aparente antinomia, pois se em 1648 ficou definido que os Estados seriam soberanos, ponto que atribuiu a cada um o direito de escolher sua própria organização interna e sua orientação religiosa, não deixaram de existir as monarquias e os reinos.

Como grande consequência da Paz de Westfália, há quem afirme, foi o nascimento das Relações Internacionais, o que nos parece um exagero fundamental, já que, a partir deste marco, segundo afirmam, os países tinham liberdade para a tomada de decisões no âmbito interno e o acordo de paz entre os países, o que também não nos parece correto, posto que as Relações Internacionais sempre existiram, o que passa a viger é um modelo novo de regulamentação, e de se destacar que o mote central era a religião como o marco definidor.

Os princípios mais importantes da Paz de Westfália indicados pela doutrina foram:

  • Estados soberanos (superioridade interna e insubmissão externa);

  • Não ingerência nos assuntos internos de outros estados;

  • Estados iguais em direitos e obrigações;

  • Pacta Sunt Servanda (respeito pelos compromissos internacionais).

Em síntese, os Estados poderiam tomar suas próprias decisões, sem que outro Estado exercesse qualquer influência em tal decisão, mas de fato, isso já ocorria conforme a história demonstra. Para além disso, nenhum Estado teria mais poder que o outro e todos teriam os mesmos direitos e obrigações.

Portanto, nessa sintética perspectiva histórica, dos ensaios para axiologicamente entender o Direito Internacional em relação ao Direito Interno, os entendimentos do que representam as afirmações acima e retro devem ser mensurados considerando que em 1648 o estado era o rei, o rei não era eleito democraticamente, por evidente, ao contrário, os estados eram constituídos pelo parcelamento do solo decorrente da luta armada, pela força do arco e da espada, onde os interesses predominantes não eram os dos povos, que sequer poderiam ser nominado como nação, mas eram os servos do rei e quer nos parecer o neófito desconsidera o contexto histórico em que nasceu o que se denomina de Direito Internacional, o que pretendia atender, como a hegemonia do cristianismo como a religião do estado, a evitar guerras e manter a harmonia do convívio entre os estados (leia-se reis e seus servos).

A soberania (que já diz soberano) é um conceito que emana da figura do rei, não do Estado, pois como disse Napoleão na frase tão citada: - O Estado sou Eu!. O sofisma histórico é apresentar a soberania como atributo de um Estado organizado, quando, em verdade, até pela etimologia está umbilicalmente atado à figura do soberano que era o imperador, o rei ou o tirano que ocupava a liderança, não poucas vezes através das armas.

O enfraquecimento do conceito de soberania como atributo do soberano, para o estado com a transmutação do interesse da nação x o interesse do estado (do soberano) sofre uma evolução decorrente do advento da república e da democracia em história muito recente da humanidade, que implica nos países mais desenvolvidos na aspiração que o estado deixe de ser o ator quem explora ou tutela a nação para ser aquele que proporciona meios para a felicidade da nação através do bem-estar social, com a evolução dos direitos fundamentais e há a promessa que o poder emana do povo e em seu nome é exercido.

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O confronto do Estado contemporâneo com uma nova realidade social, tais como relações sociais instantâneas decorrentes das novas tecnologias, quando o projeto arquitetônico de um edifício é realizado durante o dia em uma cidade do Brasil e o projeto estrutural no período noturno em uma cidade da Índia em razão de baixar custos, isso para citar apenas um exemplo emblemático, dificultam ao direito positivo prever soluções dos direitos trabalhistas; quando o planeta a cada dia se torna apenas uma nave onde todos habitam e necessitam de ecossistemas integrados, a água potável é um bem cada vez mais raro e se prevê que será fonte de conflitos em data próxima, onde os aquíferos sem visa avançam por vários países, por vezes um deles com legislação ambiental para preservá-lo, outros sem legislação adequada onde se permite foças assépticas e exploração predatória, atitudes que prejudicam os que habitam no país com regulação da exploração; reservas e biomas naturais que necessitam ser preservados e estudadas para produção futura de alimentos e de fármacos, implicam na solução jurídica que desborda na própria sobrevivência da humanidade; relações comerciais que demandam blocos econômicos, onde países dito desenvolvidos que dizimaram suas florestas e utilizam sistematicamente combustíveis fósseis poluidores de grande intensidade, são vetores que ocasionaram a evolução do Direito para a tutela dos Direitos Humanos Fundamentais, o surgimento do pouco evoluído Direito da Integração Regional, do Direito Comunitário. quer parecer aguardam do Direito Internacional uma mudança revolucionária para assumir uma nova postura e alterar seus marcos teóricos para atingir objetivos superiores que hoje são empiricamente explorados pelo Direito da Integração Regional e o Direito Comunitário, aparentemente reservado ao Direito Internacional uma missão institucional muito além daquela anteriormente colimada e que hoje exercita.

In Unasul e a Cidadania Cosmopolita[11] sustentamos que realizamos um périplo do México à Argentina, Portugal e Espanha, questionando e propondo repensar o Direito Internacional, utilizando a expediência da Unasul União das Nações da América do Sul, como microcosmo, em especial no que toca à fundamentação do desiderato a partir não do capital, mas do interesse das nações que a integram.

Nesse sentido, realizou-se uma conferência magna no VI Congresso Ibero-Americano de Cooperação Judicial Justicia sin frontera: desafios al crimen organizado, interculturalidad y família, promovido pela Red Latinoamericana de Jueces Redlaj e realizada na Escola Judicial do México, em 29 de novembro de 2012. As ideias aqui defendidas, na verdade, têm como base reflexões também hauridas de conferências proferidas desde a faculdade de direito da Universidade de Buenos Aires, em conferência sob os auspícios da Corte Centro-Americana de Justiça, do Tribunal de Justiça da Comunidade Andina e do Tribunal Permanente do Mercosul, e em outra quando do lançamento da Escola Judicial do Mercosul; como em Manágua, capital da Nicarágua, onde se encontra a sede da Corte Centro-Americana de Justiça, no encontro de todas as cortes comunitárias do planeta, onde realizamos a conferência de abertura enfrentando tais questões, com o apoio e a presença da Corte de Justiça da União Europeia; também em conferências realizadas em diversos países, como Uruguai, Chile, Paraguai, Peru, Colômbia, Portugal, Espanha e outros.

No Brasil, realizamos conferências em diversos estados, em especial em eventos promovidos pela Escuela Judicial de América Latina e pelo Copedem Colégio de Presidentes da Escola da Magistratura, como em Santa Catarina e no Mato Grosso, em Poconé, neste presentes algumas das mais altas autoridades acadêmicas a respeito de direito da integração regional e direito comunitário; destacando-se, sobremaneira, seminário realizado em Brasília, com a presença de ministros, desembargadores e juízes de dezenove países, promovido pela Escuela Judicial de America Latina, do qual resultou a Carta de Brasília, com a proposta da criação de um tribunal para a Unasul.

Proferimos conferência questionando os fundamentos da Unasul e a necessidade da fixação do referencial da cidadania cosmopolita no seminário O Direito nos Tribunais Superiores, realizado em Foz do Iguaçu, em homenagem ao ministro Sérgio Luiz Kukina, do Superior Tribunal de Justiça, nos dias 13 e 14 de março de 2015, ocasião em que foi lançado o livro O Direito nos Tribunais Superiores, com capítulo titulado Crises e perspectivas do desenvolvimento latino-americano; a necessidade de harmonização legislativa ambiental e de criação de um tribunal para a Unasul.[12]

A convite do Prof. Dr. WAGNER MENEZES lançamos na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo o livro titulado Um Tribunal para a Unasul Justiça à Cidadania e ao Meio Ambiente, em 05 de dezembro de 2011.

O questionamento dos marcos teóricos da Unasul e a proposição de um tribunal é referendada pelo professor Valério de OLIVEIRA MAZZUOLI, com extensos, sérios e excelentes fundamentos. Em seu estudo, prova o professor a real possibilidade de se criar um tribunal de justiça para o bloco, sob os paradigmas do Tribunal de Justiça da União Europeia e da Corte Centro-Americana de Justiça, medida premente à integração jurídica da América do Sul e capaz de contribuir para a real integração dessa privilegiada região do planeta.[13]

Tudo isso leva a crer na possibilidade de se entender no planeta sob a ótica de uma cidadania cada vez menos hermética e mais cosmopolita, como se verá nas linhas que seguem, sobretudo um microcosmo que demonstra a necessidade um novo Direito Internacional voltado para a realidade das relações sociais na era da informática.

Mundialização e Direito Transnacionais

Apesar de muitos entenderem que o processo denominado de globalização é um fenômeno de história recente, ligeira revisão histórica demonstra que o relacionamento entre os povos foi construído na busca de riquezas através do escambo e da mercancia, singrando mares e descobrindo novos continentes; com a industrialização, sofisticadas tais relações.[14]

Ao longo do século que se findou, a humanidade experimentou uma intensa transição de paradigmas, permeada por imponentes rupturas ideológicas, pela insatisfação do ser humano com sua própria condição, pelos grandes desafios de uma época em que as transformações operam-se na velocidade da fibra ótica, em que informações cruciais são transmitidas no tempo real da Informática. As respostas de antes se entremostram insuficientes para preencher o grande vazio despertado pela atual reformatação do saber e da cultura, tomados de assalto pelas perplexidades contemporâneas, que assinalam a ocorrência de fenômenos incomensuravelmente impactantes, tais como a globalização e a integração de blocos econômicos, a imposição da cultura organizacional das empresas multinacionais, destruindo valores secularmente construídos.

Para além da mera concepção de uma interface econômica mantida por diversos atores internacionais e da possibilidade real de cingir-se distância e tempo, o processo em destaque comporta inúmeras variáveis compreensivas[15].

Conceitualmente, é extremamente delicado falar nesses termos. Não é todo e qualquer problema compartilhado por uma fração da chamada comunidade planetária que preenche o conceito de globalização. O fenômeno é, em si mesmo, muito mais complexo, pois pressupõe nuances culturais, econômicas e ideológicas[16].

Alguns utilizam a expressão globalização para designar esses processos recentes, mas optamos pelo termo mundialização, que melhor representa um processo que alcança toda a história da humanidade.[17]

É que desde tempos imemoriais o homem procura a expansão do comércio e busca riquezas, especiarias, pedras preciosas, ouro e minerais, singrando mares e descobrindo continentes. A América Latina é resultado de tal processo histórico.

A mundialização, no sentido que lhe atribui Giddens, se refere ao processo de alargamento no concernente aos métodos de conexão entre diferentes contextos sociais ou regiões que se convertem em uma rede ao longo de toda a superfície da terra.

Nesse particular, pode definir-se como a intensificação das relações sociais em todo o mundo pelas quais se enlaçam lugares distantes, de tal maneira que os acontecimentos locais estão determinados por acontecimentos que ocorrem a muitos quilômetros de distância e vice-versa.[18]

O Estado moderno, ainda que capitalista, continua a possuir as suas bases no conceito de nação, o que confronta com o processo de mundialização, em que há a remoção de fronteiras através da intensificação das relações pessoais e empresariais, necessitando com urgência a expansão da consciência dos atores (individuais ou coletivos), quanto à diferenciação e ampliação dos sistemas ou organizações, com a consentânea harmonização do regramento de condutas. A crescente internacionalização dos mercados financeiros, de capitais e de trabalho precipitam dessincronias entre governos nacionais, na limitada margem de manobra que possuem em contraposição aos imperativos surgidos das relações estabelecidas de forma mundial com o predomínio das empresas frente ao homem e não pelo homem.

À margem de tais questões, existe uma gama de direitos e interesses jurídicos que aspiram existência e condição que colidem com os mecanismos hoje existentes, desde então surge a necessidade de adaptação dos sistemas jurídicos nacionais às complexidades das relações internacionais até como meio de sobrevivência do Estado no contexto mundial. Apenas a fundamentação da abordagem é que vem se alterando com o tempo: o que antes possuía natureza predominantemente política passou, em um segundo momento, a dedicar especial atenção ao aspecto econômico ou de mercado, sem preocupação com cidadania e meio ambiente, sem preocupação com a cultura nacional ou regional.[19]

Conquanto tais ameaças se afiguram cada vez mais concretas, assiste razão a Habermas, quando aponta com lucidez, em seu célebre ensaio sobre a constituição da Europa, o papel que o conceito de dignidade humana desempenha na justificação e na prática dos direitos humanos, por um lado, e o processo de unificação (europeia), por outro, demonstrando a incapacidade, por parte da política, de controlar a economia e, portanto, de reagir às crises econômicas e financeiras desencadeadas justamente por essa falta de controle, a consequente perda de sentido e de legitimação da política diante dos cidadãos[20] do que são prova, em nosso entender, a crise de Portugal, da Grécia, de Espanha, dentre outras nações.

De mais a mais, apenas um movimento de mundialização reflexivo permitirá uma reação à crise, consubstanciada no resgate da participação democrática dos indivíduos, quer nos processos decisórios supranacionais, quer na gestão das políticas econômicas e financeiras. Habermas, portanto, propõe um ensaio central com uma proposta de reforma institucional em nível mundial, preocupada em criar uma sociedade global mais justa, não somente no sentido de garantir as liberdades básicas, mas também de garantir mais igualdade e uma vida digna a todos os seres humanos, o que, ele salienta e decorre toda a força moral para uma maior justiça global. Em suas palavras:

A União deve assegurar aquilo que a Lei Fundamental da República Federal Alemã designa (artigo 106, alínea 2) por "homogeneidade das condições de vida". Essa "homogeneidade" assenta apenas numa estimativa das situações de vida social que seja aceitável do ponto de vista da justiça da repartição e não no nivelamento das diferenças culturais. Acontece que é necessária uma integração política baseada no bem-estar social para que a pluralidade nacional e a riqueza cultural do biótopo da "velha Europa" possam ser protegidas do nivelamento, no seio de uma globalização cuja progressão é tensa.[21]

Entretanto, a proposição que se assemelha a um discurso romântico, engloba nuances de confronto entre os interesses das nações individualmente, dos blocos de nações e da humanidade, o que implica numa hierarquização de interesses, com legislações conforme o interesse preponderante, o que, em nossa modesta leitura, não pode em qualquer momento deixar de ser observado, do que muito mais se dirá adiante. Em semelhante contexto é importante verificar como pode o direito auxiliar na preservação da identidade nacional e da cultura local e regional.

MARISTELA BASSO in Desafios para uma ordem global justa[22], assevera que

No panorama Global Pós-Westfaliano, no qual as relações de poder não estão mais adstritas ao âmbito nacional e, por isso, devem ser pensadas tendo como paradigma uma sociedade global interconectada e interdependente, o desafio que se apresenta diz respeito a como construir uma sociedade global mais justa e equitativa

Se THOMAS HOBBES, que em Leviatã (1651) já defendia a necessidade de um governo justo para uma sociedade forte, JOHN RAWLS, quando publicou A Law of People (1993) e, logo após, A Theory of Justice (1999), e se tornou o panteão dos grandes teóricos da filosofia política contemporânea, deixando sua máxima: justiça com equidade rawlsiana, muito se escreveu e tentou para melhorar a condição de vida das pessoas e dos povos.  Contudo, os resultados precisam ser repensados.

Segundo ela, em tempos de JOHN RAWLS se discute o que pode ser considerada uma concepção de política do correto e da justiça, que se aplique aos princípios e práticas do direito internacional do século XXI. Não há justiça sem observância dos direitos humanos básicos (civis, sociais e políticos) de cada cidadão. O dever de assistência, o reconhecimento do princípio da responsabilidade internacional dos Estados, a revisão do conteúdo e extensão do princípio da não ingerência nos assuntos internos, são temas fundamentais para a construção de uma teoria de justiça mais compreensível internacionalmente.

Partindo da análise a respeito da justiça entre particulares, em 1971, JOHN RAWLS ampliou sua perspectiva de análise, em 1993, para o âmbito internacional, dando início a uma profícua discussão sobre a impossibilidade de se obter justiça nacional/doméstica sem uma justiça global.

Com os aportes e críticas dos também filósofos Thomas Pogge (1994) e Charles Beitz (1999), discípulos de Rawls, teve lugar uma verdadeira revolução no pensamento filosófico-político no final do século XX e início do XXI, culminando em importantes teorizações sobre o tema da justiça global e da justiça com equidade.

No panorama Global Pós-Westfaliano, no qual as relações de poder não estão mais adstritas ao âmbito nacional e, por isso, devem ser pensadas tendo como paradigma uma sociedade global interconectada e interdependente, o desafio que se apresenta diz respeito a como construir uma sociedade global mais justa e equitativa.

Para Thomas Pogge, a Justiça Global deve levar em consideração os diversos problemas, nuances e pluralidades existentes no mundo atual e se alicerçar em uma nova Teoria de Moralidade Global e suas implicações em um mundo cada vez mais interdependente. Ela concluindo, afirma peremptoriamente:

Não há dúvida de que a ordem estrutural global atual é injusta.

A desigualdade tende a aumentar.

Entende que as causas da pobreza não são puramente domésticas. Se fosse verdadeira essa assertiva, a mera assistência aos necessitados estrangeiros apaziguaria os dilemas morais enfrentados pelos cidadãos dos países ricos e perfectibilizariam o dever de assistência rawlsiano.

Há necessidade de uma ordem global mais justa pode auxiliar os mais pobres, sem que haja prejuízos, ou que estes sejam mínimos, aos mais prósperos.

Não resta dúvida que no plano internacional, o individualismo normativo deve ser deixado de lado, e a responsabilidade moral dos indivíduos deve abranger a dos povos.

MARISTELA BASSO assinala:

Essas ações deveriam ser moralmente compulsórias para que todos tivéssemos um mundo mais justo. Se o direito internacional não buscar novos princípios, fundamentos e paradigmas na doutrina filosófico-politico-jurídica neo contemporânea da justiça global com equidade, corre o risco de perecer pelo embaraço de sua ineficiência e incapacidade de apresentar soluções e respostas aos desafios do século XXI.

Para AMARTYA SEM justiça pressupõe o respeito às liberdades e capacidades das pessoas, sendo que ambas estão interligadas, e que deve ser resguardado a todos a liberdade de escolha e oportunidades, para que, assim, levem a vida que desejem levar, sem que essa "vida boa" lhes seja imposta pelo Estado ou por um contrato original.

O bem-estar não é uma noção abstrata, mas inclui a análise concreta e todos os elementos e variáveis referentes às pessoas e às sociedades, incluindo-se suas necessidades, suas capacidades de transformação de recursos, suas liberdades e suas realizações - apesar de SEN entender que a justiça não pode pautar exclusivamente ou finalisticamente nas realizações, devendo focar primordialmente nas liberdades e capacidades, que permitiriam a realização do que as pessoas desejassem, sendo-lhes resguardadas oportunidades e escolhas. 

A importância da detecção e erradicação de injustiças está entre o que SEN entende como justiça. Não necessariamente instituições perfeitas, mas a observância de situações de grave injustiça e a intervenção para que tais situações não mais ocorram. O exemplo repisado durante toda a obra é a fome, considerada por Sen como uma das maiores injustiças globais. Para a indignação e resistência à injustiça, as pessoas precisam racionalizar e adotar as soluções eficazes para o seu fim. A justiça pressupõe a eliminação da grave injustiça, que pressupõe a argumentação racional para a adoção das medidas possíveis para tal. 

Talvez o foco mais relevante da justiça em AMARTYA SEN seja o reconhecimento do pluralismo e da diversidade. Ao aceitar que pessoas diferentes levam vidas diferentes, e que isso deve influenciar na perspectiva de um "acordo" sobre justiça, bem como na definição em si do que seria justo, SEM permite a inclusão da perspectiva das mais diversas sociedades em que a diversidade é o principal pano de fundo das vidas das pessoas. A possibilidade de que vários valores e princípios concorram entre si para um grau de importância não quer dizer que dessa pluralidade não se possa obter uma teoria de justiça possível globalmente. 

Nesse cenário surge a missão mais importante do Direito Internacional como atributo contemporâneo! Há necessidade premente de entender o consenso a respeito da mudança do antropocentrismo para assumir o planeta, a denominada Mãe Terra como o centro de onde decorre a vida e a partir da vida os direitos.

A Conferência Mundial dos Povos sobre Mudanças Climáticas e direitos da Mãe Terra trouxe a luz a Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra.

A inovação conduz a uma revolução onde proclamados princípios e fundamentos que alteram substancialmente o que informará as relações jurídicas entre os povos.

Destacando alguns de tais princípios, afirma que consideramos que todos somos parte da Mãe Terra, uma comunidade indivisível vital dos seres interdependentes e inter-relacionados com um destino comum; reconhecemos com gratidão que a Mãe Terra é fonte de vida, alimento, ensino e fornece tudo aquilo que nós necessitamos para viver bem; reconhecemos que o sistema capitalista e todas as formas de depredação, exploração, abuso e contaminação causaram grandes destruições, degradações e alterações à Mãe Terra, pondo em risco a vida tal como a conhecemos hoje, produto de fenômenos como a mudança do clima; convencidos de que numa comunidade de vida interdependente não é possível reconhecer somente os direitos dos seres humanos, sim provocar um desequilíbrio na Mãe Terra.

Entendemos que quando afirmam que para garantir os direitos humanos é necessário também reconhecer e defender os direitos da Mãe Terra e de todos os seres que a compõe, e que existem culturas, práticas e leis que o fazem, principia uma mudança de paradigma do antropocentrismo para uma cosmovisão de que sem uma complexidade de direitos a serem reconhecidos há inclusive o risco à sobrevivência humana no planeta.

Conscientes da urgência de realizar ações coletivas decisivas para transformar as estruturas e sistemas que causam as mudanças climáticas e outras ameaças à Mãe Terra proclamam a Declaração Universal dos Direitos da Mae Terra, e fazem chamado à Assembleia Geral das Nações Unidas para adota-la, como propósito comum para todos os povos e nações do mundo, com a finalidade de que tanto os indivíduos como as instituições, responsabilizem-se em promover através do ensino, a educação e a conscientização, o respeito para com estes direitos reconhecidos nesta Declaração e assim assegurar através de medidas e mecanismos efetivos e progressivos de caráter nacional e internacional, o seu reconhecimento e aplicação universal entre todos os povos e países do Mundo.

Ora, a profundidade do parágrafo anterior reclama um repensar do conteúdo que deve integrar o Direito Internacional, desde logo assinalamos que entendemos tanto o Direito da Integração Regional como o Direito Comunitário, como partes do sistema de Direito Internacional e quase nada há de estudos e ensaios a respeito.

A mencionada declaração tem afirmações consistentes que implicam em todo o repensar que propomos, a exemplo, assinala que a Mãe Terra é um ser vivo, é uma única comunidade, indivisível e autorregulada, de seres interrelacionados que sustem, contém e reproduz a todos os seres que a compõe. Cada ser se define pelas suas relações como parte da integrante da Mãe Terra. Os direitos inerentes da Mãe Terra são inalienáveis porque derivam-se da fonte mesma da existência. A Mãe Terra e todos os seres que a compõe são titulares de todos os direitos inerentes reconhecidos nesta Declaração sem nenhum tipo de distinção, como pode ser entre seres orgânicos e inorgânicos, espécies, origem, usos para os seres humanos, ou qualquer outro status.

Assim como os seres humanos possuem os seus direitos, todos os demais seres da Mãe Terra também possuem direitos específicos da sua condição e apropriados para o seu papel e função dentro das comunidades em nas quais existem.

Propõe que os direitos de cada ser são limitados pelos direitos dos outros seres, e qualquer conflito entre estes direitos deve ser resolvido de maneira que seja mantida a integridade, equilíbrio e saúde da Mãe Terra.

Ademais, ainda propõe obrigações dos seres humanos para com a Mãe Terra, afirmando que todos os seres humanos são responsáveis de respeitar e viver em harmonia com a Mãe Terra; mas não apenas os seres humanos, todos os Estados e todas as instituições públicas e privadas devem: atuar de acordo com os direitos e obrigações reconhecidos nesta Declaração; reconhecer e promover a aplicação e a plena implementação dos direitos e obrigações estabelecidos nesta Declaração; promover e participar na aprendizagem, analise, interpretação e comunicação sobre como viver em harmonia com a Mãe Terra de acordo com esta Declaração; assegurar que a procura do bem estar humano contribua ao bem estar da Mãe Terra, agora e no futuro; estabelecer e aplicar efetivamente normas e leis para a defesa, proteção e conservação dos Direitos da Mãe Terra.

Ora, somente através do Direito Internacional poder-se-á entre as Nações ser estabelecido o arcabouço legal para respeitar, proteger, conservar e onde seja necessário restaurar a integridade dos ciclos, processos e equilíbrios vitais da Mãe Terra, garantir que os danos causados pelas violações humanas dos direitos inerentes reconhecidos nesta Declaração sejam corrigidos e que os responsáveis prestem contas para restaurar a integridade e a saúde da Mãe Terra; autorizar a todos os seres humanos e as instituições a defender os direitos da Mãe Terra e de todos os seres que a compõe; estabelecer medidas de precaução e restrição para prevenir que as atividades humanas conduzam à extinção das espécies, à destruição dos ecossistemas ou a alteração dos ciclos ecológicos.

A reflexão é realizada, como dito, como aporia, para repensar os fundamentos para o Direito Internacional.

BOAVENTURA SOUSA SANTOS, nosso orientador no pós-doutorado do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra tem intensa pesquisa a respeito da mudança paradigmática na América Latina, posto que ela foi por muito tempo dominada pela visão Eurocêntrica de mundo e no subsequente processo de descolonização surgiu uma corrente de pensamento crítico que defendia ruptura com esta visão, promovia resistências e transformações paradigmáticas. Este movimento em direção a um conviver mais ecológico, plural e intercultural se instalou em alguns países latino-americanos que aparentemente se influenciaram pela sua própria cultura ancestral.

Neste contexto eclodiu a Cosmovisão Andina e o Novo Constitucionalismo Latino-americano, com seu fundamento ecocêntrico, que já fundamenta um novo paradigma constitucional.

No Novo Constitucionalismo Latino-americano surgiram as novas constituições na América Latina, como a da Bolívia e do Equador, e por fim verifica-se a emergência de um novo paradigma ecojurídico constitucional.

De fato, existem muitos outros fundamentos para um repensar do Direito Internacional, a força extraordinária das multinacionais que alteram costumes e impõe suas políticas privadas acima do interesse público esmagando a vontade das nações assinalam a complexidade das relações que necessitam de um urgente repensar.


Conclusão

A concepção tradicional do Estado moderno como principal agente regulador de suas políticas internas e externas precisa ser revista e redefinida na atualidade, em que as estruturas e os processos de dominação econômicos, políticos e sociais parecem não mais respeitar as fronteiras nacionais. Emerge não apenas indicar, mas garantir pela proteção efetiva dos direitos humanos no plano internacional, o que corresponde a um imperativo que suscita não apenas a atenção de Estados isolados, mas da sociedade como um todo.

Os institutos tradicionais de Direito Internacional Público devem passar por um processo de redefinição e readequação, a fim de atender de forma satisfatória aos novos desafios e imposições do mundo contemporâneo.

Impõe-se, portanto, uma releitura de institutos clássicos de Direito Internacional Público, de modo a adequá-los à sociedade internacional contemporânea, que se encontra em contínuo processo de transformação, em uma velocidade anteriormente não imaginável.

A existência dessa nova ordem global, no entanto, pressupõe uma profunda compreensão de soberania em que os estados deixem de centrar-se apenas em seus interesses específicos, em prol da integral proteção do planeta, do meio ambiente, da pessoa humana, dos animais não humanos, em um cenário em que os direitos que a protegem estão em processo contínuo de internacionalização.


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Sobre o autor
José Sebastião Fagundes Cunha

Desembargador do TJPR Presidente da 3ª Câmara Civil Tributário / Relações de Trabalho Doutor pela UFPR Pós-Doutor pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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