As principais recentes alterações legislativas realizadas na Lei de Improbidade Administrativa.

04/10/2022 às 19:41
Leia nesta página:

Este artigo visa a analisar as principais alterações promovidas pela Lei federal nº 14.230/21, na Lei de Improbidade Administrativa (Lei federal nº 8.429/1992).

1. Conceitos Iniciais.

Em 25 de outubro de 2021, foi publicada a Lei federal nº 14.230, por meio da qual realizou alterações na Lei federal nº 8.429/92, que dispõe sobre sanções aplicadas em virtude de atos de improbidade administrativa. Este artigo visa a analisar as principais mudanças que afetaram esse diploma legislativo.

Preambularmente, é imperioso salientar que a nova lei, já em seu artigo primeiro, altera substancialmente conceitos iniciais. Na sua redação original, havia a informação de que os atos de improbidades seriam punidos na forma desta lei. Na nova redação, o artigo 1º informa que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social.

A nova redação apresenta um texto mais técnico, prevendo a criação do sistema de responsabilidade por atos de improbidade administrativa, cujo objeto é tutelar, preservar, a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções. Aliado a isso, a lei informa que a finalidade da responsabilidade por esses atos, além do resguardo à probidade, é assegurar a integridade do patrimônio público e social. Este vetor deve ser utilizado pelos operadores do direito na interpretação dos comandos normativos.

De maneira inédita, o parágrafo primeiro do artigo primeiro estipula que se considera dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos famigerados artigos 9º, 10 e 11 desta Lei (que se referem a atos de improbidade relacionados ao enriquecimento ilícito, ao prejuízo ao erário e aos princípios da Administração Pública, respectivamente) não bastando a voluntariedade do agente.

Sobre esse dispositivo, ficou estabelecido que não bastaria a mera intenção do agente em apresentar conduta contrária aos preceitos legais para praticar os atos de improbidade administrativa. A conduta do agente deverá se pautar por meio de vontade livre e consciente para alcançar os resultados ilícitos tipificados na lei de improbidade administrativa. Sobre o conceito de voluntariedade, vale fazer a seguinte transcrição do voto-vista do Ministro Mauro Campbell Marques[1]:

(...)

voluntariedade [...] não se confunde com vontade. A vontade necessariamente pressupõe uma conduta com resultado querido. Novamente com Luiz Regis Prado, citando Welzel: [...], a voluntariedade significa que um movimento corporal e suas consequências podem ser conduzidos a algum ato voluntário, sendo indiferente quais consequências queria produzir o autor. Isso quer dizer que a voluntariedade se caracteriza pela simples inervação muscular que põe em andamento um processo de natureza causal. De outro lado, a vontade tem conteúdo próprio inerente ao comportamento humano, e diz respeito a um resultado querido.(...) O conceito de voluntariedade deixa de fora inúmeras situações, nas quais, apesar de haver voluntariedade na conduta, não se poderá caracterizar a improbidade. (p. 28, grifo nosso)

Nessa senda, temos que o telos do legislador, ao inserir a disposição de que não bastaria a (mera) voluntariedade do agente para se concretizar o ato de improbidade administrativa, tem-se que o infrator deverá possuir a vontade livre e consciente, direta, objetivando alcançar o resultado ilícito tipificado na lei. Corroborando tal argumento, o parágrafo segundo do artigo primeiro estipula que o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa.  Tal dispositivo teria uma aplicação mais acentuada no caso de improbidade administrativa por lesão ao erário, pois seria mais complexa, pelos órgãos de controle, a obtenção de provas no sentido de que o agente possuía a vontade livre e consciente de lesionar o patrimônio público.

O parágrafo quinto do artigo primeiro insere uma regra de abrangência, informando que os atos de improbidade estão relacionados a toda violação de probidade à organização do Estado e à integridade do patrimônio público e social dos três Poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como da administração direta e indireta, no âmbito da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.  Ainda, o parágrafo sexto dispõe que também estará sujeita às sanções da lei os atos praticados contra o patrimônio de entidade privada que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de entes públicos ou governamentais. Por fim, o parágrafo sétimo aduz que, independentemente de integrar a administração indireta, também estão sujeitos às sanções da lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade privada para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra no seu patrimônio ou receita atual, limitado o ressarcimento de prejuízos, nesse caso, à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.  

O artigo segundo, incrementando o conceito previsto na sua redação original, informa que é considerado agente público o agente político e o servidor público, bem como todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades referidas no art. 1º desta Lei. Assim, objetivou-se pacificar a questão se agente político poderia ser responsabilizado por atos de improbidade administrativa. O parágrafo único, seguindo a mesma lógica da redação anterior, reafirma que estará sujeita às penas da lei o particular, pessoa física ou jurídica, que celebra com a administração pública convênio, contrato de repasse, contrato de gestão, termo de parceria, termo de cooperação ou ajuste administrativo equivalente, quanto aos recursos de origem pública. O artigo 3º informa que também estará sujeito às penas previstas, àquele que induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade.

2. Dos Atos de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito

A novidade no referido capítulo se encontra na expressa previsão acerca de sua modalidade dolosa, constando, em seu artigo nono, que se constitui de ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º da lei.

O seu inciso sexto teve sua redação alterada, inserindo uma disposição mais genérica, informando que será ato de improbidade administrativa, que importa enriquecimento ilícito, receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre qualquer dado técnico que envolva obras públicas ou qualquer outro serviço ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades referidas no art. 1º da lei.

O seu inciso sétimo trata de ato de improbidade cuja conduta é adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, de cargo, de emprego ou de função pública, e em razão deles, bens de qualquer natureza, decorrentes dos atos descritos no caput deste artigo, cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público. A grande novidade aqui é que a lei deixa expressa a possibilidade de o agente demonstrar a licitude da origem dessa evolução. Refere-se, contudo, que parece haver uma inversão do ônus da prova ao agente. Assim, se o agente receber, no exercício de mandato/cargo/emprego/função pública, bens cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda, deverá ele demonstrar a licitude da origem desses bens.

3. Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário

A maior polêmica trazida pela nova lei, sem dúvida, é a supressão da modalidade culposa no ato de improbidade que causa prejuízo ao erário. Assim, o novo artigo décimo estipula que será ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º.

Além da previsão exclusiva da modalidade dolosa, o caput também prevê que somente será ato de improbidade administrativa a lesão ao erário que efetiva e comprovadamente resultar em perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de bens ou haveres. Relembrando o parágrafo primeiro do artigo primeiro deverá haver a vontade livre e consciente de causar o prejuízo ao erário para que seja imputada o ato de improbidade administrativo ora analisado.

Com relação ao inciso primeiro, foi acrescentado que somente será ato de improbidade administrativa, que cause prejuízo ao erário, a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo patrimonial das entidades já referidas.

O inciso oitavo deixou claro que somente será considerado improbidade administrativa o ato que frustra a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, que acarretem perda patrimonial efetiva.

O inciso dez alterou o termo negligentemente, dispondo que será improbidade agir ilicitamente na arrecadação de tributo ou de renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público. O termo negligência se refere à modalidade culposa, por isso a opção do legislador na alteração do termo.

Foram acrescentados os parágrafos primeiro e segundo, passando a dispor que, nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no artigo 1º, bem como que a mera  perda patrimonial decorrente da atividade econômica não acarretará improbidade administrativa, salvo se comprovado ato doloso praticado com essa finalidade, frisando disposição que a lei já havia previsto.

4. Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública

A alteração no caput do artigo onze visou a retirar, como conduta ímproba, a violação ao dever de lealdade, passando a constituir improbidade administrativa o ato que atenta contra os princípios da administração pública, mediante a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade. Ademais, retiraram o termo final de notadamente, inserindo que será caracterizada a improbidade o atentado contra os princípios por meio das condutas descritas nos incisos. A sutileza na alteração seria justamente para que os atos de improbidade administrativa que atentem contra os princípios da Administração Pública somente se configurem pelas condutas expostas em seus incisos, tratando-se, assim, de um rol taxativo.

Foram revogados os incisos primeiro, segundo, nono e dez.

O inciso terceiro foi alterado, passando a ser considerado improbidade revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo, propiciando beneficiamento por informação privilegiada ou colocando em risco a segurança da sociedade e do Estado.

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O inciso quarto também foi alterado, sendo incluída uma exceção, dispondo que será improbidade negar publicidade aos atos oficiais, exceto em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado ou de outras hipóteses instituídas em lei.

O inciso quinto foi alterado, especificando ainda mais esta modalidade de improbidade. Na redação atual, somente será improbidade se o agente frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros. É importante lembrar, aqui, que o benefício não será o patrimonial, pois restaria configurada, nesse caso, a improbidade pelo enriquecimento ilícito.

O inciso sexto apresenta, da mesma forma, uma modalidade mais específica de impropriedade, passando a ser considerado quando o agente deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades. Foi inserida um dolo específico para o presente tipo legal, considerando que o agente deverá ter a finalidade de deixar de prestar contas para ocultar irregularidades.

O novo inciso onze foi incluído, passando a ser considerado expressamente ato ímprobo quando o agente nomear cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas. Tal disposição é uma tipificação da já existente Súmula Vinculante nº 13 do STF, apresentando redação idêntica.

Incluiu-se o inciso doze, passando a prever expressamente como ato de improbidade, quando o agente praticar, no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato de publicidade que contrarie o disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, de forma a promover inequívoco enaltecimento do agente público e personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos. Tal artigo é de suma importância, pois confere eficácia ao disposto no referido §1º do artigo 37 da CRFB88, no qual informa que a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. Tal dispositivo ganha ainda maior relevo em ano eleitoral, devendo ser considerado como destaque dentre as inovações trazidas pela novel legislação.

5. Considerações Finais

Este artigo visou à análise dos aspectos mais importantes realizados pela Lei federal nº 14.230, por meio da qual realizou alterações na Lei federal nº 8.429/92, havendo outros dispositivos alterados os quais merecem a análise individual.

De maneira geral, o Legislador promoveu a extinção de cláusulas gerais, especialmente as relacionadas à improbidade administrativa prevista no artigo 11, das condutas que atentam contra os princípios da Administração Pública. Assim, não seriam quaisquer condutas atentatórias aos princípios da Administração Públicas que ensejariam a responsabilização pelo agente público por improbidade administrativa, mas tão somente as relacionadas no inciso desse dispositivo normativo.

Aliado a isso, a finalidade do legislador em excluir modalidades culposas para a configuração de atos de improbidade administrativa é clara. Tal ilação é notada pela alteração do caput do artigo 10, sendo somente possível a configuração de ato de improbidade administrativa que cause prejuízo ao erário mediante ação ou omissão dolosa, bem como diante da previsão contida nos parágrafos primeiro e segundo do artigo 1º, nos quais estipulam que somente as condutas dolosas serão consideradas atos de improbidade administrativa. Aliado a isso, é importante salientar que o Legislador dispôs que o dolo seria somente a vontade livre e direta para alcançar o respectivo tipo legal, não bastando a mera voluntariedade do agente.

Sem realizar uma análise crítico-política da opção do Legislador em retirar a modalidade culposa dos atos de improbidades administrativas, espera-se que os operadores do Direito sigam fiscalizando e controlando as condutas dos agentes públicos, de modo a preservar, de fato, probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, e assegurar a integridade do patrimônio público e social.

Sobre o autor
Régis Schneider da Silva

Atualmente, Auditor de Controle Externo do TCE/RS. Antigo Assessor Jurídico - Especialista em Saúde - da Secretaria Estadual de Saúde do RS, Analista Processual da DPE/RS e Analista de Previdência e Saúde do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul - IPERGS. Especialista em Direito Penal e Processo Penal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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