1. AÇÃO POPULAR
Primeiramente, é preciso ressaltar a existência da ação popular desde a Constituição Imperial de 1824. Com o advento do Código Civil do 1946, buscou-se não reconhecer a existência da ação popular. Diante disso, houve a retirada da Constituição Federal de 1937, sendo novamente inserida na Constituição de 1946. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ação permaneceu no ordenamento jurídico brasileiro e seu objeto foi ampliado, ou seja, está em pleno vigor nos dias atuais. O objetivo de tal instituto é assegurar ao cidadão uma forma de controle dos atos administrativos emanados do Poder Público
Importante destacar que esse importante instrumento já era tratado pela Lei nº 4.717/1965 (Lei de Ação Popular LAP), que lhe confere o rito ordinário com algumas alterações, visando a melhor adequação aos objetivos constitucionais de legalidade administrativa. Contudo, por ser um anterior à Carta Maior, esse dispositivo trata apenas da ação popular em relação ao patrimônio público, coube à nossa Constituição ampliar o objeto da ação além de conferir-lhe a proteção de cláusula pétrea, ou seja, impede que haja supressão do texto constitucional.
Ademais, a ação popular como forma de controle dos atos do Poder Público surge como uma expressão da participação da sociedade na formação da vontade estatal, um típico exemplo exercício da democracia direta.
Ação popular é a ação constitucional que propicia o controle pelo povo, da ilegalidade e da lesividade dos atos administrativos em geral, praticados pelo Poder Público. Ela é de suma importância para a preservação dos princípios republicano e democrático. Conforme dito acima, sua previsão está expressa pelo tanto constituinte originário no art. 5º, inciso LXXIII, da CF/1988 como uma norma fundamental, o que lhe garante o status cláusula pétrea, como pela legislação infraconstitucional, através da Lei nº 4.717/1965.
1.1. OBJETO DA AÇÃO POPULAR QUANTO À PRETENSÃO
O objeto da ação popular é semelhante ao da ação civil pública, estando previsto no art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição de 1988, e no art. 1º da Lei nº 4.717/1965, in verbis:
Constituição Federal de 1988
Art. 5º (...)
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;
LAP
Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista, de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.
Não é cabível, em regra, ação popular contra ato do particular, tendo em vista que o objeto de tutela dessa ação se relaciona com entidades públicas. No entanto, cabe ação popular contra ato particular nas hipóteses em que a ação popular for utilizada para a proteção do meio ambiente ou do patrimônio histórico-cultural, por exemplo.
Outrossim, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o rol do art. 5º, inciso LXXIII, da CF/1988 e do art. 1º da LAP é taxativo (REsp. nº 818.725/SP) o que impossibilita, por exemplo, a sua utilização no âmbito do direito consumidor. Também não é cabível, em regra, a ação popular contra ato judicial, tendo em vista que os recursos são os meios próprios de impugnação das decisões judiciais, em que pese o STJ já tenha admitido o uso da ação popular para anular acordo judicial lesivo ao erário público (STJ, REsp. nº 906.400/SP, 2ª Turma, rel. Min. Castro Meira, j. 22.05.2007).
Diante disso, o objeto da ação popular é a tutela preventiva ou anulatória dos seguintes bens e direitos difusos: I - patrimônio público; II - moralidade administrativa; III - meio ambiente; IV - patrimônio histórico-cultural. Faz-se oportuno destacar que, diferentemente da ação civil pública, que tutela todos os direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), a ação popular só tutela os direitos difusos, conceitos esses já trabalhados na atividade anterior.
Ação popular preventiva visa evitar ou afastar o ato lesivo, que pode ocorrer de duas formas: a) a tutela inibitória: quando o ato lesivo ainda não foi praticado, tem o objetivo de evitar que o ato lesivo seja praticado; b) tutela de remoção do ilícito: quando o ato lesivo já foi praticado; tem o objetivo de remover ou afastar o ato danoso.
O conceito de patrimônio público para fins de ação popular é amplo, abrangendo a Administração Pública direta e indireta, assim como qualquer entidade particular que seja subvencionada pelo Estado, nos termos do art. 1º, §§ 1º e 2º, da LAP:
Um tema importante a ser abordado é que a promoção pessoal em propaganda governamental, em tese, acarreta a prática de improbidade administrativa por violação da moralidade e impessoalidade administrativas1. Dessa forma, a conduta do administrador que veicula informação à população e aproveita para realizar a promoção pessoal fere os princípios da impessoalidade, da moralidade e secundariamente outros princípios, como o da publicidade.
A ação popular pode ser, ainda, utilizada para a tutela do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural. Nestes casos, a ação popular é quase que uma ação civil pública com a legitimação do cidadão, porque não há necessidade de haver ato administrativo atacável, tampouco entidade pública ou quem lhe faça as vezes como parte demandada.
Ainda a respeito do objeto da ação popular, importante mencionar que o ato ilegal é ato administrativo viciado em qualquer de seus elementos ou requisitos de validade, a saber: competência; objeto; motivo; finalidade; e forma. De acordo com o art. 2º da Lei de Ação Popular:
Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
a) incompetência;
b) vício de forma;
c) ilegalidade do objeto;
d) inexistência dos motivos;
e) desvio de finalidade.
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;
b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;
c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;
d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;
e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.
Destaque-se que o rol do art. 2º é exemplificativo, de acordo com o art. 3º da LAP, que disciplina, de forma que, sempre que o ato administrativo contiver vício em um dos seus elementos, ele será ilegal, seja quando for praticado por agente incompetente, quando seu objeto for ilegal, o seu objeto for ilegal, houver vício de forma, o motivo for falso ou inexistente, ou for praticado com desvio de finalidade.
Atualmente, o STJ tem feito uma interpretação mitigada dos requisitos da ação popular com vistas a conferir máxima eficácia a este importante instrumento processual de cidadania. Tanto é verdade que, recentemente, o Tribunal entendeu ser possível a utilização da ação popular apenas no caso de ilegalidade (STJ, AgInt no AREsp. nº 949.377/MG, j. 09.03.2017).
1.2. OBJETO QUANTO AOS EFEITOS DA SENTENÇA
Primeiramente, para tratar dessa temática, é preciso mencionar acerca da competência nessas ações. Em resumo, em relação à competência territorial, caso o dano seja local, a ação popular deve ser proposta no local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano. Caso haja dano regional, nesse caso a sua propositura deve ser na capital do estado. Por fim, em caso de dano nacional: a ação popular deve ser proposta na capital de um dos estados atingidos ou no Distrito Federal.
Em relação ao Juízo competente, o § 2º, art. 5º da lei 4.717/1965 estabelece o seguinte:
LAP, art. 5º (...) § 2º Quando o pleito interessar simultaneamente à União e a qualquer outra pessoa ou entidade, será competente o juiz das causas da União, se houver; quando interessar simultaneamente ao Estado e ao Município, será competente o juiz das causas do Estado, se houver.
No que diz respeito à sentença, nesse tipo de ação, a natureza jurídica pode ser desconstitutiva, ou desconstitutiva e condenatória. Assim, não é possível o manejo de ação popular para a aplicação de sanções contra os réus (art. 15. da Lei 4.717/1965).
Ainda sobre a sentença, o art. 7º, inciso VI, da LAP fixa o prazo de 15 dias, contados do recebimento dos autos pelo juiz, para que seja proferida, sob pena de aplicação de penalidade ao magistrado. Proferida a sentença, esta se sujeita ao reexame necessário invertido, ou seja, a sentença de improcedência está sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório (art. 19. da LAP).
Caso haja apelação, esta terá efeito suspensivo automático, decorrendo da própria lei (art. 19, parte final, da LAP), o que diferencia da ação civil pública, a apelação só tem efeito devolutivo, sendo o juiz quem decide sobre o efeito suspensivo (art. 14. da LACP).
Na ação popular, o autor é isento das custas do processo, salvo comprovada má-fé (art. 5º, inciso LXXIII, da CF/1988). No caso de má-fé, o autor pagará o décuplo das custas (art. 13. da LAP). Ainda, importante mencionar que o art. 10. da LAP estabelece que as custas e o preparo somente serão pagos ao final.
Com relação à coisa julgada na ação popular, o art. 18. da LAP dispõe que a sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova. Nesse caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
Dessa forma, a sentença de procedência faz coisa julgada com eficácia erga omnes. A sentença de improcedência, salvo se por deficiência de prova, faz coisa julgada com eficácia erga omnes. E, por fim, a sentença de improcedência por falta de provas não faz coisa julgada (secundum eventum probationis), podendo ser repetida a mesma ação com novos elementos de convicção.
2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA
A Carta Maior trata da ação civil pública no inciso III do art. 129, que dispõe serem função institucional do Ministério Público a promoção do inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Já na legislação infraconstitucional, a ação civil pública está prevista na Lei nº 7.347/1985, sendo utilizada para a defesa de interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
No entanto, cabe ressaltar que a ação civil pública surgiu na Lei nº 6.938/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente PNMA), por meio do art. 14, § 1º, ao determinar que o Ministério Público detém legitimidade para ajuizar ação civil e penal para a tutela do meio ambiente.
A ação civil pública é do uma espécie de ação coletiva, utilizada como instrumento processual apto à tutela, dentre outros, dos seguintes direitos transindividuais: meio ambiente; infância e juventude; idoso; consumidor; bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; ordem econômica; ordem urbanística; honra e dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos; patrimônio público e social; qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
A Lei nº 7.347/1985, no seu art. 1º, trata do objeto da ação civil pública. De acordo com o disposto:
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).
l - ao meio-ambiente;
ll - ao consumidor;
III - a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. (Incluído pela Lei nº 8.078 de 1990.)
V - por infração da ordem econômica; (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011.)
VI - à ordem urbanística. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001.)
VII - à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos. (Incluído pela Lei nº 12.966, de 2014.)
VIII - ao patrimônio público e social. (Incluído pela Lei nº 13.004, de 2014.)
Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001.)
Ademais, a Lei nº 12.966/2014 incluiu no art. 1º a honra e a dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos. Assim, por exemplo, caso uma rede de televisão mantenha programas que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por motivos fundados na raça, na etnia ou na religiosidade, o Ministério Público (ou outro legitimado) poderá ajuizar ação civil pública contra a emissora pedindo o fim da exibição e a sua condenação em danos morais coletivos.
Em que pese essa alteração seja positiva, isso ocorre, basicamente, em termos simbólicos ao demonstrar o respeito e a deferência que o Estado brasileiro possui em relação aos direitos e interesses desses grupos, mas, na prática, pouco muda, tendo em vista que, juridicamente, tais valores já poderiam ser protegidos pela ação civil pública, conforme previsto no art. 1º, IV e V, da Lei nº 7.347/1985, e do art. 55. da Lei nº 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial):
Art. 55. Para a apreciação judicial das lesões e das ameaças de lesão aos interesses da população negra decorrentes de situações de desigualdade étnica, recorrer-se-á, entre outros instrumentos, à ação civil pública, disciplinada na Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. (...) b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (Redação dada pela Lei nº 13.004, de 2014.)
Outra mudança de destaque é que, com a redação dada pela nº Lei 13.004/2014, o art. 5º, V, b, ampliou as hipóteses de finalidade institucional das associações, passando a permitir também a propositura de ação civil pública por elas para a defesa de direitos de grupos raciais, éticos ou religiosos. Além disso, a Lei nº 13.004/2014 também alterou o objeto da ação civil pública para acrescentar a proteção ao patrimônio público e social. A tutela de direitos difusos e coletivos pode ser preventiva ou reparatória. A preventiva pode ser dividida em cautelar (conservativa), inibitória (antes do ilícito) e de remoção do ilícito (após).
O rol de objeto de proteção da ação civil pública é meramente exemplificativo, pois qualquer direito metaindividual pode ser tutelado por ação coletiva. Por exemplo: saúde, segurança pública, idoso, criança e adolescente etc. No REsp. nº 897.141/DF, o STJ entendeu pela existência de dupla legitimidade do Ministério Público para a propositura da ação. O caso envolve a nulidade de contratos imobiliários celebrados para aquisição de imóveis em loteamento irregular. De acordo com a Corte, o fato gera lesão a direitos difusos (o loteamento irregular lesa a ordem urbanística como um todo, bem de origem difusa) e também a direitos individuais homogêneos com repercussão social (os danos dos adquirentes são homogêneos e o objeto do contrato imobiliário é ilícito loteamento irregular).
Originalmente, a ação civil pública era destinada apenas para a tutela de direitos coletivos em sentido amplo. Porém, admite-se, hodiernamente, ação civil pública para tutela de direitos individuais indisponíveis (idoso, incapaz etc.). Nesse sentido, por exemplo, o STF decidiu que a ação civil pública pode ser ajuizada pelo Ministério Público, visando o fornecimento de medicamentos, ainda que se trate de apenas uma pessoa (RE nº 605.533/MG).
Acerca da tutela ressarcitória da ação civil pública, a grande discussão nesse sentido diz respeito à existência do dano moral coletivo. O entendimento que tem prevalecido é a possibilidade disso, conforme se extrai do seguinte informativo:
Como categoria autônoma de dano, a qual não se relaciona necessariamente com os tradicionais atributos da pessoa humana relativos à dor, sofrimento ou abalo psíquico, é possível afirmar-se cabível o dano moral coletivo
(STJ, 4ª Turma, REsp. nº 1.293.606- MG, rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02.09.2014; Informativo nº 547).
Outrossim, há uma restrição imposta por medida provisória: o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.347/1985. De acordo com o dispositivo legal em comento, não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributo, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. Há vedação expressa quanto à utilização de ação civil pública para questões ligadas a tributos, contribuições, FGTS e demais fundos institucionais que possam ter seus beneficiários individualizados.
Apesar disso, pode-se considerar que esse dispositivo legal viola o direito de acesso à justiça, pois blinda o Poder Público em nome da defesa do interesse público secundário. Além disso, não estavam presentes os requisitos constitucionais da relevância e urgência para edição da Medida Provisória nº 2.180-35/2001.
Sem dúvida, um dos temas mais polêmicos se relaciona com a vedação da propositura de ação civil pública em matéria tributária pelo Ministério Público. Sobre o tema, o STJ vem entendendo que o Ministério Público não tem legitimidade para propor ação civil pública com o objetivo de impugnar cobrança de tributo. Vejamos:
É firme a orientação no sentido da ilegitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública com objetivo tipicamente tributário, visando impedir a cobrança de tributos, tendo em vista que o contribuinte não se confunde com o consumidor, cuja defesa está autorizada em lei, além de que funcionaria a referida ação como autêntica ação direta de inconstitucionalidade
(STJ, 2ª Turma, AgRg no AREsp. nº 289.788/MG, rel. Min. Humberto Martins, julgado em 07.11.2013, DJe 16.12.2013).
No entanto, o STF e o STJ têm aceitado ação civil pública para questionar concessões indevidas de isenção tributária e de incentivo fiscal, porque aqui não se discute propriamente matéria tributária, mas, sim, patrimônio público2.
Sobre a ação civil pública que verse sobre FGTS, o STF tem jurisprudência admitindo. De acordo com a Corte, o Ministério Público possui legitimidade para a propositura de ação civil pública buscando a tutela de direitos sociais relacionados ao FGTS (Plenário. RE 643978/SE).
Além do mais, o STJ possui jurisprudência no sentido de que o Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública sobre direitos individuais homogêneos quando presente o interesse social3.
Originalmente, a ação civil pública é destinada apenas para a tutela de direitos coletivos em sentido amplo. Porém, admite-se, hodiernamente, ação civil pública para tutela de direitos individuais indisponíveis, como nos casos de idosos em situação de risco, crianças e adolescentes, pessoas com deficiência etc.
Vale lembrar, também, que o Ministério Público possui legitimidade para ajuizar ação civil pública em defesa dos direitos individuais homogêneos dos beneficiários do seguro DPVAT, dado o interesse social qualificado presente na tutela dos referidos direitos subjetivos.
Na ação civil pública que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, admite-se a cominação de multa diária (astreintes). De acordo com a LACP:
Art. 11. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.
2.1. EFEITOS DA SENTENÇA
O regime da coisa julgada das ações coletivas não se confunde com o regime da coisa julgada das ações individuais. Como o legitimado para as ações coletivas não é o titular do direito material, não haveria sentido em aplicar o mesmo regime da coisa julgada das ações individuais.
No processo individual, há o pro et contra e inter partes, enquanto no processo coletivo há o regime da coisa julgada do microssistema (erga omnes (difusos e individuais homogêneos) e ultra partes (coletivos) e secundum eventum litis (difusos, coletivos e individuais homogêneos), e secundum eventum probationis.
Nas ações individuais, a sentença faz coisa julgada tanto no caso de procedência quanto no caso de improcedência da ação, apenas para as partes do processo, não beneficiando nem prejudicando terceiros. Ou seja, no processo individual, a coisa julgada não beneficia terceiros.
Já na coisa julgada nas ações coletivas, aplica-se o microssistema (arts. 16, LACP, e 103, CDC): A coisa julgada coletiva beneficia terceiros. Mesmo aqueles que não foram parte no processo podem ser beneficiados pela coisa julgada coletiva. Trata-se do transporte da coisa julgada coletiva para beneficiar vítimas ou interessados. Além disso, no âmbito do processo coletivo, a coisa julgada coletiva pode beneficiar a coletividade, pode beneficiar grupo, classe ou categoria de pessoas, pode também beneficiar vítimas e interessados no mesmo fato. A coisa julgada, aqui, não é inter partes. Aqui, há uma extensão dos efeitos subjetivos da coisa julgada.
No processo coletivo, há uma ampliação dos limites subjetivos da coisa julgada. A extensão para beneficiar é uma peculiaridade da coisa julgada coletiva. Significa que, no processo coletivo, a coisa julgada coletiva pode beneficiar terceiros. Mesmo aqueles que não foram parte no processo, podem ser beneficiados pela coisa julgada coletiva. Trata-se do transporte da coisa julgada coletiva para beneficiar vítimas ou interessados. Os limites subjetivos são estendidos, porque no processo coletivo o efeito é erga omnes ou ultra partes, atingindo terceiros que não foram parte no processo, desde que seja para beneficiar.
Além disso, no processo coletivo, ocorre uma ampliação do objeto da ação. Esta ampliação do objeto decorre da lei, por isso é chamado de ope legis.
O regime da coisa julgada coletiva está disciplinado no art. 103. do CDC. Vejamos:
Direitos difusos
A sentença faz coisa julgada erga omnes, exceto se a ação for julgada improcedente por insuficiência de provas. A decisão de improcedência não prejudica direitos individuais. O efeito da coisa julgada pode apenas beneficiar os interessados (transporte in utilibus), nunca prejudicar (art. 103, I c.c. § 1º).
Direitos coletivos
A sentença faz coisa julgada ultrapartes (para beneficiar grupo, categoria ou classe de pessoas), exceto se a ação for julgada improcedente por insuficiência de provas. A decisão de improcedência não prejudica direitos individuais. O efeito da coisa julgada pode apenas beneficiar os interessados (transporte in utilibus), nunca prejudicar (art. 103, II, c.c. § 1º).
Direitos Individuais Homogêneos
A sentença faz coisa julgada erga omnes (para beneficiar todas as vítimas e interessados). A decisão de improcedência não prejudica direitos individuais. No caso de improcedência do pedido, os interessados que não estiverem intervindo como litisconsortes, poderão propor ação de indenização a título individual (ação individual) (art. 103, III c.c. § 2º).
Assim sendo, no processo coletivo a coisa julgada material está condicionada ao resultado do processo (coisa julgada secundum eventum litis e à qualidade da prova produzida (coisa julgada secundum eventum probationis), diferentemente do processo individual, que não está condicionado ao resultado do processo tampouco às provas produzidas.
Ou seja, só há falar em coisa julgada, quando a sentença é de procedência. No caso de procedência, a coisa julgada irá beneficiar terceiros. Porém, no caso de improcedência, a coisa julgada não irá prejudicar direitos individuais. A sentença de improcedência não faz coisa julgada em relação às vítimas e interessados.
Na ação coletiva, a sentença de improcedência não tem natureza de coisa julgada, mas de precedente judicial. A coisa julgada secundum eventum litis protege as pretensões individuais no caso de improcedência da ação coletiva, podendo as vítimas ajuizarem ações individuais para a tutela do direito de cada uma.
Ademais, conforme visto, a coisa julgada está condicionada à qualidade da prova produzida. Se a ação for julgada improcedente por falta de provas, nada impede que seja ajuizada nova ação coletiva. A coisa julgada secundum eventum probationis autoriza o ajuizamento de nova ação coletiva por qualquer outro colegitimado, inclusive, pelo autor da primeira demanda, desde que existam novas provas.
Por fim, outro ponto que merece ser discutido se relaciona com os limites territoriais da coisa julgada coletiva. Quanto aos limites territoriais da coisa julgada na ação civil pública, o STJ decidiu que A eficácia das decisões proferidas em ações civis públicas coletivas não deve ficar limitada ao território da competência do órgão jurisdicional que prolatou a decisão (STJ, Corte Especial, EREsp. nº 1.134.957/SP, rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 24.10.2016).
Importante lembrar, ainda, que recente decisão do STJ entendeu que, no caso de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público em litisconsórcio com entidade de classe de âmbito nacional perante a Seção Judiciária do Distrito Federal, sendo o STJ o prolator da decisão final, a eficácia da coisa julgada terá abrangência nacional:
Tem abrangência nacional a eficácia da coisa julgada decorrente de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público, com assistência de entidades de classe de âmbito nacional, perante a Seção Judiciária do Distrito Federal, e sendo o órgão prolator da decisão final de procedência o STJ. É o que se extrai da inteligência dos arts. 16. da LACP, 93, II, e 103, III, do CDC. REsp 1.319.232-DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 4/12/2014
(STJ, 3ª Turma, REsp. nº 1.319.232-DF, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 04.12.2014; Informativo nº 552).
Atualmente, não restam dúvidas sobre a inconstitucionalidade da limitação territorial na ACP, art. 16. da LACP, uma vez que o STF entendeu que a limitação é inconstitucional ao apreciar o tema de Repercussão Geral nº 1.075. Nas palavras da Corte:
É inconstitucional a delimitação dos efeitos da sentença proferida em sede de ação civil pública aos limites da competência territorial de seu órgão prolator. Isso porque a alteração do art. 16. da Lei nº 7.347/1985 promovida pela Lei nº 9.494/1997, fruto da conversão da MP nº 1.570/1997, veio na contramão do avanço institucional de proteção aos direitos metaindividuais e esbarra nos preceitos norteadores da tutela coletiva, bem como nos comandos pertinentes ao amplo acesso à Justiça e à isonomia entre os jurisdicionados.
(RE nº 1.101.937/SP, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento virtual finalizado em 07.04.2021 informativo nº 1.012.)
Ocorre que o STF não declarou a inconstitucionalidade do art. 2º-A da Lei nº 9.494/97, que dispõe no seguinte sentido:
A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator.
Por fim, vale lembrar que, de acordo com o STJ, depois do trânsito em julgado da sentença de improcedência da ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos, independentemente do motivo que tenha fundamentado a rejeição do pedido, não será mais possível a propositura de nova demanda com o mesmo objeto por outro colegitimado, conforme o julgamento no REsp. nº 1.302.596-SP, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, rel. para o acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 09.12.2015; Informativo nº 575.