A ressocialização como desafio diante da realidade carcerária brasileira

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25/10/2022 às 23:45
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5. O PERFIL DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA

Sendo a criminalidade um dos maiores fatores para as desordens públicas e violações das normas sociais, é necessário discorrer por entendimento sobre os meios utilizados para a punição e o que o leva a população cometer crimes que ferem o ordenamento jurídico pátrio que afirmam direitos e deveres para os cidadãos.

Distribuído em diversos aspectos funcionais, o número alto da prática de crimes dentro da sociedade se dá antes de tudo pela falha assistencial e condições de sobrevivência dentro das comunidades brasileiras, sendo a criminologia o estudo responsável pela observação desse fato.

É uma ciência autônoma que estuda o delito, o delinquente, a vítima e o controle social da conduta criminosa a partir da observação da realidade, valendo-se de diversos ramos do conhecimento como a sociologia, psicologia, biologia dentre outros. (LIMA JR,2018, P.58)

Surgindo o estudo da criminologia com a necessidade de entender o que levou o criminoso a cometer aquele determinado crime, quais os fatores sociais que o colocaram na condição de criminoso, para que assim, através desse estudo criminológico ser capaz de traçar métodos eficazes de prevenção.

O Criminologista Lombroso (1876) defende em sua teoria que alguns indivíduos nascem com a predisposição ao crime, através de estudos, Lombroso destacava a existência de fatores genéticos que levavam os criminosos agirem da forma delinquente, em contraposição a pessoas consideradas normais. Mesmo diante do entendimento de que todos os criminosos há traços biológicos degradantes, Lombroso não descartava a influência social e do meio que levaram o comportamento do indivíduo.

Sobretudo sendo o meio social caracterizado onde o criminoso está inserido, sendo as cadeias do Brasil em sua grande parte, jovens, negros e moradores de periferia segundo dados levantados pela INFOPEN. Para Albegaria (1988) a linha entre o estudo biológico e o social é tênue, se vendo a importância da análise do meio circundante, onde a personalidade do criminoso não seria independente do meio circundante, nem o mundo circundante independente da personalidade.

Reconhecendo assim, o crime atualmente como fenômeno social que está intrínseco das relações sociais, sendo através de deficiência de distribuição de bens, oportunidade estudantil e condições não oferecidas pelo Estado para uma melhor estruturação familiar, levando o alto número de presos advirem de periferias e crimes de caráter patrimonial, além do tráfico de drogas.

Pobreza e desigualdade social tem sido há muito tempo consideradas a causa fundamental dos males da sociedade e economistas e sociólogos tem procurado demonstrar como os fatores que estão na base do desvio social tiveram a sua própria origem nas forças econômicas e na desigualdade social. [...] Entre as abordagens que cabem ao âmbito das ciências sociais, está aquela estritamente econômica, segundo a qual o comportamento criminal está ligado à pobreza e ao nível de vida inferior. (PASSOS, 1994, p. 49)

Além de estudos feitos através da personalidade e influências genéticas, hoje a criminalidade no Brasil tem um dos maiores fatores a pobreza em que muitos se encontram, a ineficiência do sistema e a falta assistencial de oportunidades de estudo e trabalho, condições de sobrevivências mais dignas incorrem na criminalidade como o caminho mais fácil.


6. A RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO NO BRASIL

Diante do discorrido e exposto, os fatores que colaboram para a criminalização é nítido a desigualdade social que vivemos, com a política de penalidade se tornando mais rígida e cada vez mais distante do incentivo de incluir parte da população dentro das condições de dignidade, já que não foi possível remediar é necessário reinserir.

Inserir o trabalho e os estudos dentro das penitenciárias brasileiras nem sempre teve um caráter compensatório, entre o século XVII e XIX era visto com endurecimento da pena condenatória. Tanto o art.38 do Código Penal e o art. 41º da Lei de Execuções penais discorrem sobre o direito do preso, porém não são seguidos.

Não é preciso que o reinserido se curve, apenas que aceite limitações mínimas, o mesmo se cobrando da sociedade que ele reingressa. Daí em diante, espera-se diminuição da reincidência e do preconceito, tanto de uma parte como de outra (FALCONI, 1998).

O nosso ordenamento jurídico no que se refere às prisões se inclina inteiramente para a ressocialização, com a ideia de cadeias espaçosas, arejadas, higiênicas e com uma alimentação digna seria uma realidade ainda não alcançada, pois sem o mínimo para a sobrevivência digna desses apenados não há o que falar da reinserção deles de volta a sociedade, muito menos diminuir a criminalidade no país.

A alarmante falta de políticas sociais dentro dos presídios dificulta o incentivo a educação e ao trabalho desses apenados, pensando nisso em 2010 o Ministério da Educação juntamente com o Instituto Nacional de Estudos e pesquisas Educacionais iniciou a aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio dentro das penitenciárias, conhecido como PPL, formato para Pessoas Privadas de Liberdade.

Além da educação para os apenados o trabalho também é um grande incentivador para o reingresso a sociedade, sendo a realização dessas atividades laborais assegurada ao preso para sua valorização e incentivo de preparação para a vida fora das penitenciárias. Assegurado pelo art. 126 da Lei de Execuções Penais, os apenados que se encontram no regime fechado e semiaberto poderá remir de suas penas, a cada três dias trabalhado por um dia de sua pena.

Embora tenhamos uma visão contemporânea sobre o papel do trabalho na relação social, dentro do sistema penitenciário nos países ocidentais, pela prática que podemos observar, o trabalho satisfaz unicamente o objetivo de diminuir os custos operacionais e de manter o preso ocupado, evitando o ócio, desviando-o da prática de atividades ilícitas, funcionando neste caso como uma espécie de terapia ocupacional (LEMGRUBER, 1999. p.135).

Essa remição por dias trabalhados traz ao preso sensação de estar mais perto do fim de sua pena, incentivando de forma produtiva ao trabalho e o aproximando da vida em sociedade, levando a disciplina e ao bom comportamento para então se chegar à progressão do regime dentro dos critérios objetivos e subjetivos.

Em dados divulgados pela DEPEN no ano de 2021 os números de detentos que têm acesso a educação não passam de 13% e 92% dos presidiários não tem o ensino médio completo, só ressaltando a deficiência de todo um sistema de acesso a educação, oferta de trabalho, refletindo diretamente aos presídios brasileiros, onde a condição de emprego para aqueles que cumprem alguma pena se torna cada vez menor após sua saída dos presídios.

Para o incentivo a educação e a ressocialização alguns órgãos como o Conselho Nacional de Justiça oferece cursos de capacitação para os detentos, conforme a Lei 13.163/2015 ressalta o direito de o preso á cursar o ensino médio, supletivo e até educação profissional, com salas dentro dos presídios que possibilitem essas aulas e provas de forma remota, sendo obrigação de o Estado ceder condições adequadas para que eles exerçam essas tarefas.

O incentivo a reinserção do preso pode ocorrer de forma gradativa, a LEP também assegura as saídas temporárias sejam elas por datas comemorativas, participação em cultos religiosos, cursos preparatórios dentro dos dias estabelecidos por lei e conforme o comportamento carcerário o juiz autoriza essas saídas, com princípios ressocializador, onde se entende que esse tipo de saída colabora com a reintegração aos poucos do apenado ao convívio em sociedade.

O trabalho é de extrema importância para vida daquele que está ou já passou pelo sistema carcerário, além de combater o ócio é uma saída para a vida fora dos crimes, Discorre Lima (2010), que se através do ensinamento de um ofício para os detentos, onde houvessem o incentivo ao pensamento e ao prazer de aprender poderiam surgir ideais úteis para ser usados dentro das cadeias.

Afirma Maurício Kuehne (2013) O trabalho, sem dúvida, além de outros tantos fatores apresenta um instrumento de relevante importância para o objetivo maior da Lei de Execução Penal, que é devolver a Sociedade uma pessoa em condições de ser útil. É lamentável ver e saber que estamos no campo eminentemente pragmático, haja vista que as unidades da federação não têm aproveitado o potencial da mão de obra que os cárceres disponibilizam.


7. CONCLUSÃO

Após discorrer sobre a criação das penas, das leis e lei de execução penal e seu caráter ressocializador é possível concluir que sem políticas sociais adequadas, sem um trabalho intensivo do Estado para a prevenção do crime e mais projetos sociais que visam ao estudo e trabalho dentro das comunidades não há como colocar em prática a ressocialização e o desencarceramento.

O Brasil é visto pelo mundo com as piores cadeias e menores índices de aplicação da não reincidência, tendo um dos maiores códigos penais e uma lei específica para com os custodiados, o problema da superlotação não é resolvido, com cadeias com estruturas abandonadas pelo poder público, alimentação de forma precária e a higiene sendo um dos maiores problemas causadores de doenças dentro dos presídios.

Para que a ressocialização se torne realidade no Brasil, seria necessária uma reconstrução de todo ordenamento jurídico, mesmo sendo o trabalho e estudo um direito resguardado daqueles que estão privados de sua liberdade o percentual dos que tem acesso ainda é muito baixo, além de que as cadeias brasileiras contam com 40% de sua ocupação com presos provisórios, ou seja, que não tiveram sua sentença decretada.

Diante disso, é preciso um olhar mais cuidadoso por parte dos políticos brasileiros e dos legisladores que se façam cumprir a Lei de Execução penal em sua integra, visto que se trata de uma composição de artigos que protegem o direito do preso enxergando-o como cidadão, onde devem ser respeitados os princípios do direito humano e considerando que a causa das superlotações dos presídios tem como causador a falta de celeridade processual.

A inserção de meios de trabalhos e educacionais para as penitenciárias não so faria o tempo de o preso ser produtivo como o prepararia para vida após os muros dos presídios, já que o mercado de trabalho não é acolhedor para aqueles que já tiveram passagem no sistema criminal. Além dos altos números de analfabetismo, desenvolver a leitura e compreensão torna a vida social do apenado mais próxima do que se almeja.


REFERÊNCIAS

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CAMARGO, Virginia da Conceição. Realidade do Sistema Prisional, 2006

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KUHENE, Maurício. Lei de Execução Penal Anotada. 11. ed. rev. e atual. Curitiba: Jaruá , 2013.

LEMGRUBER, Julita. Cemitério dos vivos: análise sociológica de uma prisão de mulheres. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

LIMA, Elke Castelo Branco. A ressocialização dos presos através da educação profissional. In: Direito net, 14 de jul 2010. Disponível em: https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5822/A-ressocializacao-dos-presos-atraves-da-educacao-profissional. Acesso em 10 de Março de 2022.

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SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal Parte Geral - 5.ed. - Florianópolis: Conceito editorial, 2012


Abstract: This article aims to expose the difficulties faced by the convicts in face of the reality of Brazilian jails, which were created with the purpose of correction so that they could reintegrate the convict back into society. But the reality is bewildering; in Brazil overcrowding, lack of hygiene, and adequate public policies push the re-socialization system away from the reality of the convict. There is no way to get to the situation of the current penitentiary system without first going through the entire emergence of the deprivation of liberty as a way to contain the criminal. Since the beginning of time, there is a need to punish men to create harmony among them, and for lack of a law to unify the penalties for each crime committed, torture was used to satisfy the social need for punishment and so that the criminal would understand the gravity of what he did and not re-offend. But as time went by, with the great influence of the church and the Gods in man's life, the punishment of the flesh was replaced by the punishment of the spirit, thus arising the jails or houses of correction to understand the sin or crime that should happen again. After analyzing the recidivism rates, it is currently possible to see the failure of the Brazilian punitive system. Throughout the article, it will be pointed out which are the biggest problems of the current situation and how re-socialization would be possible in our current scenario.

Sobre a autora
Ingrid Freire Ferraz Rabelo

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL DIRETORIA DE ENSINO A DISTÂNCIA, MPPB-14 vara de Execuções Penais

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso de Pós Graduação em Direito Penal e Criminologia como requisito parcial à obtenção do título de especialista. Orientador: Augusto Jobim do Amaral

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