Os furos da República: o furo por prerrogativa de função

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30/10/2022 às 10:56
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Julgam-se certas demandas originariamente nos tribunais com base na relevância de certos cargos ou funções públicas, e outras demandas no juízo comum com base na irrelevância das pessoas?

Palavras-chave: Direito Constitucional. Forma de governo. República. Princípio da igualdade. Prerrogativa de função.


A Constituição Cidadã, já na cabeça de seu artigo 1º, consagra o Estado brasileiro como uma República Federativa.

Ou seja, sem maiores delongas, a Carta aduz que a forma de governo no país será a República, em contraponto a Monarquia.

Nessa esteira, conforme ensina o Advogado da União Marcelo Novelino1,

A república (res publica: "coisa do povo") surgiu como uma forma de governo oponível à Monarquia, com a finalidade de retirar o poder das mãos do Rei e passá-lo à nação. O surgimento de governos republicanos se dá com o florescimento dos ideais de liberdade e igualdade postulados, sobretudo, por pensadores Liberais do século XVIIL Cultivava-se a insurgência contra as injustiças da sociedade estamental baseada na monarquia, a qual não visava ao benefício comum, mas de um pequeno grupo social. A ascensão da burguesia enquanto classe economicamente mais forte possibilita a luta não só pelos ideais iluministas, mas, em especial, por princípios fomentadores de seus empreendimentos, que, em alguns momentos, são convergentes com os anseios populares de previsibilidade e segurança jurídica. Esse processo desencadeado na Europa, em especial com a Revolução francesa de 1789, dá origem às ideias responsáveis pela construção do republicanismo tal como atualmente é conhecido. A principal contribuição para a concretização dessa forma de governo foi dada, no entanto, pela Revolução Americana de 1776, que construiu uma república sobre ideais bastante sólidos, consagrados em 1787 na primeira constituição escrita da história. Tal movimento emancipatório serviu como fonte de inspiração para um grande número de países, nos quais foram desencadeados processos de democratização. Desde então, a maioria dos povos vem se insurgindo contra as monarquias, que ainda predominaram no século XIX, mas que foram se tornando cada vez mais escassas a partir do século XX. A república se caracteriza pelo caráter representativo dos governantes, inclusive do Chefe de Estado (representatividade), pela necessidade de alternância no poder (temporariedade) e pela responsabilização política, civil e penal de seus detentores (responsabilidade). A forma republicana de governo possibilita a participação dos cidadãos, direta ou indiretamente, no governo e na administração pública, sendo irrelevante a ascendência do indivíduo para fins de titularidade e exercício de funções públicas. (g. n.)

Todavia, até hoje se luta contra as injustiças na sociedade brasileira, cujo grupo social dominante similarmente não visa ao benefício de todos, apenas de si próprio. Por conseguinte, podemos dizer, em relação ao iluminismo, que seus ideais ainda não foram alcançados.2

Diga-se de passagem, ainda, que o Brasil já foi uma Monarquia, na época da Constituição do Império de 25 de março de 1824.3

Nada obstante, a República não foi considerada cláusula pétrea pelo constituinte originário, conforme podemos ver do artigo 60, § 4º, da Constituição Federal de 1988.

Contudo, a forma republicana foi considerada princípio constitucional sensível, cuja violação é apta a gerar a intervenção federal nos Estados-membros, de acordo com o artigo 34, inciso VII, alínea “a” da Constituição da República.

Nesse diapasão, o princípio republicano, conforme escreve o Delegado Rodrigo Perin Nardi,4

Está relacionado à forma de Governo, isto é, à forma como os governantes chegam ao Governo, bem como a forma de relacionamento entre governantes e governados. A forma de Governo adotada no Brasil, desde a Constituição de 1891, é a República. Funda-se na isonomia formal entre as pessoas, na qual os detentores do poder irão exercê-lo de maneira eletiva, de maneira representativa, temporária e com responsabilidade. Três pontos que merecem destaque aqui são a temporariedade do exercício do Governo, sendo transitória, a responsabilidade dos Governantes, haja vista que eles estarão sujeitos a sanções penais, civis e políticas, não obstante a existência de algumas prerrogativas dos governantes, além da eletividade, que se materializa a partir das eleições pelo povo dos membros dos Poderes Executivo e Legislativo. Em virtude disso, podemos concluir que referido princípio é considerado como sendo a viga mestra do Estado brasileiro, haja vista que a própria democracia se confunde com as características da República. (g. n.)

Com igual vigor, Bernardo Gonçalves Fernandes destaca os seguintes elementos do princípio republicano5:

1) forma de Governo que se opõe ao modelo monárquico, pois o povo é o titular do poder político, exercendo este direta ou indiretamente por meio de representantes;

2) igualdade formal entre as pessoas, pois não há tratamento estamental na sociedade, e a legislação não permite discriminações, devendo todos receber o mesmo tratamento;

3) eleição dos detentores do poder político, tais eleições marcar o caráter temporário de permanência como detetor do poder;

4) responsabilidade política do Chefe de governo e/ou do Estado, cabendo a prestação de contas de suas condutas (…) o princípio republicano em nosso entendimento ainda se liga (conecta) ao princípio da democracia e ao princípio da igualdade (tratamento igual, ou seja, com igual respeito e consideração a todos os cidadãos que participam da esfera pública), bem com também a virtudes como integridade e justiça. (g. n.)

Com efeito, com base nas doutrinas em destaque, nos parece que a limitação da reeleição subsequente apenas às chefias do Poder Executivo, prevista no artigo 14, § 5º, da Lei Maior, viola o princípio constitucional republicano, devendo, de lege ferenda, ser estendida também aos membros do Poder Legislativo.

No entanto, segundo os ensinamentos da professora Nathalia Masson6,

Quanto à possibilidade de superação da forma de Governo republicana — prevista pelo legislador originário e igualmente confirmada (de forma esmagadora) pelos cidadãos, em 21 de abril de 1993108, no plebiscito previsto no art. 2~, do ADCT — não se pode concluir o mesmo. Parece-nos impossível harmonizar a forma monárquica com as cláusulas pétreas referentes à separação de poderes, ao voto periódico e à isonomia. Nesse sentido, seria hoje a forma republicana de Governo definitiva. (g. n.)

Nesse sentido, conforme leciona o professor Uadi Lammêgo Bulos sobre o princípio republicano7,

Estabelece a forma de governo do Brasil. Consagra a ideia de que representantes eleitos pelo povo devem decidir em seu nome, à luz da responsabilidade (penhor da idoneidade da representação popular), da eletividade (meio de exercício da representação) e da temporariedade (fidelidade do mandato e alternância do poder). A força do vetor republicano ressoa sobre toda a ordem jurídica. Ele não pode sofrer emendas constitucionais, haja vista o limite implícito no art. 60, § 4º, I, da Carta de 1988. Sua observância é obrigatória por parte dos entes federativos, a começar pela União (CF, art. 34, VII, a). Do simples cidadão ao Presidente da República, todos devem respeitá-lo. Sua importância é tamanha que quaisquer atos governamentais, legislativos ou judiciais só serão legítimos se forem praticados sob sua égide. Mas o pórtico republicano nem sempre é levado às últimas consequências. O constituinte reformador brasileiro, por exemplo, fulminou-o ao admitir reeleição para cargos públicos unipessoais (EC n. 16/97, que deu nova redação aos arts. 14, § 5º; 28, caput, 29, II; 77, caput; e 82 da CF). Ora, república contrapõe-se a monarquia, em que tudo pertencia ao Rei, o qual governava de modo absoluto e irresponsável. A res (coisa) publicae (povo) foi um brado contra a realiza, em homenagem ao governo responsável e de muitos. A alternância no poder lhe é inata. O povo elege seus representantes para atuarem por uma só vez. Por isso, a Emenda Constitucional n. 16/97, ao assegurar reeleições, equiparou o Brasil a um principado, fulminando o pórtico republicano. (g. n.)

Com a mesma linha de pensamento, Eduardo dos Santos, discorrendo sobre o voto como cláusula pétrea, pondera que8

É plenamente constitucional Emenda à Constituição que altere a duração de mandato eleitoral e institua ou retire a reeleição dos cargos políticos, como a Emenda Constitucional 16/1997, desde que a duração do mandato e a reeleição não afrontem a alternância de poder, por exemplo, instituindo mandatos extremamente longos (de uma década ou mais) ou reeleições ilimitadas ou mesmo que em seu conjunto ultrapassem um período razoável (como o período de uma década ou mais). Do mesmo modo, seria constitucional uma potencial Emenda à Constituição que retirasse a obrigatoriedade do voto, já que o que está protegido como cláusula pétrea é o direito fundamental ao voto e não a sua obrigatoriedade. (g. n.)

Ora, conforme estas últimas obras, o vetor republicano pode ser considerado uma cláusula pétrea implícita, em parceria com a forma federativa de Estado.

Contudo, o que mais nos chamou a atenção é o fato dos professores considerarem a alternância no poder situação inata a forma republicana de Governo.

Nessa esteira, conforme informações do Wikipedia, não são poucos senadores já com 4 (quatro) ou mais mandatos, o que equivale a pelo menos 32 (trinta e dois) anos no poder, como exemplos, desde o saudoso Ruy Barbosa até os polêmicos José Sarney e Renan Calheiros.9

Além disso, o Supremo Tribunal Federal reconhece expressamente o princípio republicano, conforme trecho em destaque da ADI nº 5394-DF:

Os princípios democrático e republicano repelem a manutenção de expedientes ocultos no que concerne ao funcionamento da máquina estatal em suas mais diversas facetas. É essencial ao fortalecimento da Democracia que o seu financiamento seja feito em bases essencialmente republicanas e absolutamente transparentes. Prejudica-se o aprimoramento da Democracia brasileira quando um dos aspectos do princípio democrático — a democracia representativa — se desenvolve em bases materiais encobertas por métodos obscuros de doação eleitoral. (g. n.)

Portanto, a primeira conclusão que fazemos, por estar intrinsecamente ligada ao tema central, é a de que o primeiro grave furo da República brasileira é a possibilidade de infinitas reeleições para os cargos do Poder Legislativo, vez que atenta contra o princípio republicano, na sua compleição alternância de poder.

De outro vértice, voltando ao tema do proposto, a questão que vemos com augusta apreensão no Estado brasileiro é a existência do foro por prerrogativa de função, haja vista que a República se funda na isonomia formal entre os cidadãos.

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Nessa senda, conforme leciona o Desembargador Guilherme de Souza Nucci10,

A doutrina, de maneira geral, justifica a existência do foro privilegiado como maneira de dar especial relevo ao cargo ocupado pelo agente do delito e jamais pensando em estabelecer desigualdades entre os cidadãos. Entretanto, não estamos convencidos disso. Se todos são iguais perante a lei, seria preciso uma particular e relevante razão para afastar o criminoso do seu juiz natural, entendido este como o competente para julgar todos os casos semelhantes ao que foi praticado (…) Se à justiça cível todos prestam contas igualmente, sem qualquer distinção, natural seria que a regra valesse também para a justiça criminal. O fato de se dizer que não teria cabimento um juiz de primeiro grau julgar um Ministro de Estado que cometa um delito, pois seria uma “subversão de hierarquia” não é convincente, visto que os magistrados são todos independentes e, no exercício de suas funções jurisdicionais, não se submetem a ninguém, nem há hierarquia para controlar o mérito de suas decisões (…) Garantir o foro especial é conduzir justamente o julgamento para o contexto do cargo e não do autor da infração penal. (g. n.)

De seu turno, o advogado Aury Lopes Jr., em sentido diametralmente oposto, entende que o foro especial não é um privilégio, mas uma prerrogativa funcional. Eis suas lições11:

Algumas pessoas, por exercerem determinadas funções, têm a prerrogativa (não é um privilégio, mas prerrogativa funcional) de serem julgadas originariamente por determinados órgãos. Trata-se, ainda, de assegurar a independência de quem julga. Compreende-se facilmente a necessidade dessa prerrogativa quando imaginamos, por exemplo, um juiz de primeiro grau julgando um Ministro da Justiça ou mesmo um desembargador. Daí por que, para garantia de quem julga e também de quem é julgado, existem certas regras indisponíveis. Ademais, é equivocada a ideia de que a prerrogativa de função constitui um grande benefício para o réu. Nem sempre. O argumento de que ser julgado por um tribunal composto por juízes (em tese) mais experientes (o que não significa maior qualidade técnica do julgamento) é uma vantagem que esbarra na impossibilidade de um verdadeiro duplo grau de jurisdição. (g. n.)

De forma semelhante, Eugênio Pacelli salienta que12

Tendo em vista a relevância de determinados cargos ou funções públicas, cuidou o constituinte brasileiro de fixar foros privativos para o processo e julgamento de infrações penais praticadas pelos seus ocupantes, atentando-se para as graves implicações políticas que poderiam resultar das respectivas decisões judiciais. Optou-se, então, pela eleição de órgãos colegiados do Poder Judiciário, mais afastados, em tese, do alcance das pressões externas que frequentemente ocorrem em tais situações, e em atenção também à formação profissional de seus integrantes, quase sempre portadores de mais alargada experiência judicante, adquirida ao longo do tempo de exercício na carreira. (g. n.)

Da mesma forma, o Procurador de Justiça Victor Eduardo Rios Gonçalves assevera que13,

É também chamado de foro em razão da pessoa (ratione personae), foro especial ou privilegiado. Não se trata, contudo, de verdadeiro privilégio como muitos acreditam. Cuida-se, em verdade, de evitar pressões e constrangimentos sobre os juízes comuns. Por essa razão, em face da relevância do cargo ou da função exercida por determinadas pessoas não se aplicam a elas as regras comuns de competência anteriormente estudadas, sendo julgadas originariamente por tribunais preestabelecidos pela Constituição Federal. (g. n.)

Com a devida venia aos mestres acima, mas julgam-se certas demandas originariamente nos tribunais com base na relevância de certos cargos ou funções públicas, e outras demandas no juízo comum com base na irrelevância das pessoas?

Ademais, por que os cargos da magistratura e do Ministério Público seriam mais relevantes que os cargos da Defensoria Pública, Advocacia Pública, Segurança Pública e até mesmo dos profissionais da saúde?

A despeito da posição da minoria doutrina processualística, o foro privilegiado encontra guarida em diversas normas constitucionais, em especial no capítulo do Poder Judiciário.

Entretanto, a Suprema Corte, na questão de ordem na Ação Penal nº 937-RJ, de certa forma, mitigou essa distorção do sistema jurídico brasileiro. Eis a ementa do acórdão, verbis:

DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. QUESTÃO DE ORDEM EM AÇÃO PENAL. LIMITAÇÃO DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO AOS CRIMES PRATICADOS NO CARGO E EM RAZÃO DELE. ESTABELECIMENTO DE MARCO TEMPORAL DE FIXAÇÃO DE COMPETÊNCIA. 2. Impõe-se, todavia, a alteração desta linha de entendimento, para restringir o foro privilegiado aos crimes praticados no cargo e em razão do cargo. É que a prática atual não realiza adequadamente princípios constitucionais estruturantes, como igualdade e república, por impedir, em grande número de casos, a responsabilização de agentes públicos por crimes de naturezas diversas. Além disso, a falta de efetividade mínima do sistema penal, nesses casos, frustra valores constitucionais importantes, como a probidade e a moralidade administrativa. (g. n.)

Comentando o julgado do STF, o Procurador da República Paulo Queiroz assevera, com maestria, que14

A nova orientação é corretíssima, visto que: a) é mais garantista, já que assegura ao acusado o duplo grau de jurisdição; b) o foro por prerrogativa de função significava na prática um privilégio incompatível com o princípio da isonomia; c) se o juízo tem competência para julgar ações de improbidade administrativa e outras tantas ações civis contra autoridades com foro especial, não vemos porque não possa também julgar ações penais, sob a alegação de ferir a hierarquia. (g. n.)

Destarte, se na República todos são iguais perante a lei, conforme o direito individual previsto no artigo 5º, caput, da Lei das Leis, porque deveriam existir cargos com julgamento perante magistrados escolhidos por critérios políticos como o quinto constitucional?

Malgrado os reclamos da doutrina e da sociedade civil, algumas categorias de servidores públicos, de forma corporativista e antidemocrática, tem tentado, por meio das Assembleias Legislativas, instituir foro por prerrogativa de função no Tribunal de Justiça do seu respectivo Estado.

Sem embargo, o Tribunal Constitucional, de forma acertada, tem repelido estas previsões nas Constituições Estaduais. Vejamos os julgados que seguem, todos recentes:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. CONSTITUIÇÃO ESTADUAL QUE ESTENDE FORO CRIMINAL POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO A PROCURADORES DE ESTADO, PROCURADORES DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, DEFENSORES PÚBLICOS E DELEGADOS DE POLÍCIA. IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DAS HIPÓTESES DEFENDIDAS PELO LEGISLADOR CONSTITUINTE FEDERAL. AÇÃO DIRETA PROCEDENTE. (ADI nº 2553-MA)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. EXCEÇÃO À REGRA DO JUIZ NATURAL. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. EXTENSÃO A PROCURADOR DE ESTADO, PROCURADOR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, DEFENSOR PÚBLICO E DELEGADO DE POLÍCIA. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA REPÚBLICA E DA ISONOMIA. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. (ADI nº 6505-RJ)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. EXCEÇÃO À REGRA DO JUIZ NATURAL. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. EXTENSÃO AOS MEMBROS DA PROCURADORIA DO ESTADO E DA DEFENSORIA PÚBLICA, INCLUSIVE AOS CHEFES DOS ÓRGÃOS. PRECEITOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA E DA ISONOMIA. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. (ADI nº 6507-MS)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. EXCEÇÃO À REGRA DO JUIZ NATURAL. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO MARANHÃO. EXTENSÃO AO DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA REPÚBLICA E DA ISONOMIA. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. (ADI nº 6509-MA)

Nesse ponto, a pergunta que fica é: por que esses agentes públicos sonham com um lugar de julgamento nos tribunais?15

Portanto, conforme podemos visualizar pelas recentes decisões do Supremo, o foro especial é estabelecido na Constituição Federal em caráter excepcional, haja vista que vigoram os princípios do juiz natural e da igualdade de todos perante a lei.

Outrossim, na linha dos julgados supracitados, a Súmula Vinculante 45 deve diminuir seu alcance, haja vista a impossibilidade de criação de foro especial pela Constituição Estadual, salvo exceções como a do Vice-Governador, Deputados e Vereadores.16

Ainda sobre o tema, importante observação faz o Promotor de Justiça Renato Brasileiro de Lima sobre a competência dos entes para instituição o foro17:

Registre-se, por fim, que as leis orgânicas dos Municípios não podem estabelecer foro privi­legiado para as autoridades no Tribunal de Justiça, na medida em que os municípios não possuem competência para legislar sobre organização judiciária nem direito processual. (g. n.)

Nessa senda, conforme obtempera o Ministro Luís Roberto Barroso sobre a interpretação como instrumento da mutação constitucional18:

A interpretação do sentido e alcance do foro privilegiado voltou a sofrer nova mutação. A prática tem demonstrado que o Supremo Tribunal Federal, como corte suprema, não é um tribunal vocacionado para o processamento de ações penais originárias. De fato, a inadequação da Corte para atuar como jurisdição penal de 1º grau, associada ao relevante volume de processos em curso, tem resultado em uma demora excessiva na tramitação desses feitos, na prescrição das ações e, portanto, em impunidade, comprometendo a imagem do Tribunal. O julgamento de ações dessa natureza afasta a Corte, ainda, da sua missão primordial de guarda da Constituição e do equacionamento das grandes questões nacionais. (g. n.)

Portanto, a última conclusão que fazemos é a de que o segundo grave furo da República brasileira é foro por prerrogativa de função, vez que igualmente atenta contra o princípio republicano, no seu aspecto de igualdade entre os cidadãos, e no caso particular do STF, abarrotando a Corte de processos e gerando impunidade.

De toda sorte, esperamos, de lege ferenda, que o legislador reformista extingua ou limite o foro por prerrogativa de função, cuja proposta já foi aprovada no Senado Federal (PEC nº 10 de 2013), e hoje tramita na Câmara dos Deputados sob nº 333/2017.

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Sobre o autor
Celso Bruno Tormena

Criminólogo e Mestrando em Direito. Procurador Municipal e Professor.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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