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A validade dos diplomas obtidos nos países do Mercosul

03/07/2007 às 00:00
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Através do site da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES – www.capes.gov.br, constatou-se que sua presidência lançou "esclarecimento" sobre a validade dos títulos acadêmicos obtidos nos países do Mercosul.

No terceiro item, afirmou-se que "os diplomas de mestre e doutor, provenientes dos países que integram o Mercosul estão sujeitos ao reconhecimento. O acordo de admissão de títulos acadêmicos, Decreto nº 5.518 de 23 de agosto de 2005, não dispensa de revalidação/reconhecimento (Art. 48, § 3º, da LDB), aos títulos de pós-graduação conferidos em razão de estudos feitos nos demais países membros do Mercosul".

Antes que dito "esclarecimento" transite em julgado como se verdadeiro fosse, assombra o equívoco lançado, máxime porque em página oficial e assinado pela presidência da instituição.

Sem a pretensão de ser dono da verdade, é melhor que se remetam algumas observações à reflexão dos que ainda cultivam esse hábito, dissecando o tema sob o enfoque da legislação, esperando que outros, mais iluminados, também joguem luz no assunto.

Primeiramente, cabe-nos afirmar que o aludido Acordo para admissão de títulos e graus universitários (Decreto nº 5.518, de 23.08.2005) foi antecedido pela aprovação do Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 800, de 23 de outubro de 2003, estando esses diplomas legais em perfeita consonância com os arts. 49, I, e 84, VIII, estes da Constituição Federal.

Ademais, referido Acordo admite os títulos de graduação e pós-graduação unicamente para as atividades de docência e pesquisa nas instituições de ensino superior do Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai (art. 1º).

Esse mesmo Acordo exige que os títulos obtidos por acadêmicos sejam expedidos por instituições reconhecidas e validados nos Estados-partes de origem (art. 3º). Significa dizer, por exemplo, que um título de doutor, obtido na Argentina, tenha validade nos outros três Estados-partes, se a instituição e o próprio curso estiverem legalmente reconhecidos na Argentina, justamente para que não haja intromissão de um Estado-parte nas questões internas de outro.

O art. 4º desse Acordo, por sua vez, equipara a validade dos títulos estrangeiros, para as finalidades especificadas, aos nacionais de cada Estado.

Por fim, o art. 5º desse Acordo categoricamente afirma que esses títulos somente conferem direito ao exercício das atividades de docência e pesquisa nas instituições superiores, sendo necessário o reconhecimento do Estado-parte para qualquer outro efeito que não o aqui estabelecido.

Neste ponto, torna-se necessário fazer duas distinções: a primeira, que são admitidos como válidos por si, sem necessidade de qualquer reconhecimento, os cursos de graduação e pós-graduação obtidos nos Estados-partes firmatários do Acordo (não abrangendo os demais que não firmaram tal documento, ainda que sejam latino-americanos); a segunda, que referidos títulos só se prestam para atividade docência e de pesquisa nas instituições superiores, exigindo-se, para outra finalidade, a revalidação/reconhecimento do Estado-parte, de acordo com sua legislação. Exemplificando: um acadêmico em medicina estrangeiro não poderia exercer a profissão, e o respectivo conselho da classe poderia exigir a revalidação através de uma instituição superior brasileira, porque, neste caso, a finalidade do uso do título não foi contemplada pelo Acordo, tanto que ressalvado, expressamente, no art. 5º.

A CAPES, ao liberar o predito "esclarecimento", acenou com a aplicação do art. 48, § 3º, da Lei nº 9.394/96 (atual LDB), o qual tem aplicação se e somente se os acadêmicos, oriundos dos países firmatários do Acordo pretenderem utilizar seus títulos para atividades diferentes da docência e pesquisa nas instituições superiores. Para as atividades de docência e pesquisa, os títulos valem por si, não dependendo de qualquer revalidação ou reconhecimento, desde que a instituição e principalmente o curso sejam legalmente reconhecidos no Estado de origem (art. 3º).

Isto porque o Acordo firmado pelos quatro Estados Partes, uma vez incorporado à legislação brasileira, estacionou na mesma hierarquia da lei ordinária (não olvidar que a Lei nº 9.394/96 tem caráter ordinário), como, aliás, já pontificou o Supremo Tribunal Federal.

"...o exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é - da competência para promulgá-los mediante decreto", acrescentando que "no sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República. Em conseqüência, nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais, que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da Carta Política".

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Em outra passagem de sua didática explanação, enfatizou o relator que "o Poder Judiciário - fundado na supremacia da Constituição da República - dispõe de competência, para, quer em sede de fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle difuso, efetuar o exame de constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já incorporados ao sistema de direito positivo interno. "...os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa...

No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico ("lex posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério da especialidade" (ADI 1480 MC/DF, DJ 18/05/2001, rel. Ministro Celso de Mello). Grifei.

Considerando que o Acordo Internacional firmado entre os países do Mercosul se integrou à ordem jurídica interna, na mesma hierarquia da Lei de Diretrizes e Bases, haverá necessidade de cotejar a eficácia dos dispositivos de um e outro, vez que parecem conflitantes.

O conflito de normas é tão-só aparente, resolvendo-se, salvo engano, com aplicação da regra insculpida no art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo a qual " a lei nova que estabeleça disposições gerais ou especiais a par da já existente não revoga nem modifica a lei anterior.

Note-se que a LDB (Lei nº 9.394/96) é anterior ao Acordo Internacional em exame (Decreto nº 5.518/2005), tendo o último acrescentado nova redação ao art. 48, § 3º, da LDB, a par daquela existente.

"É princípio da hermenêutica, que quando uma lei faz remissão a dispositivos de outra lei da mesma hierarquia, estes se incluem na compreensão daquela, passando a constituir parte integrante do seu conceito" (STJ – RT 720/289).

"A eficácia dos tratados, na ordem internacional, subordina-se a formas próprias de criação e revogação, distintas das que operam na ordem interna. Uma vez integradas à ordem interna (CF, art. 49, inciso I e art. 84, inciso VIII), as normas internacionais estão sujeitas a revogação, segundo a forma estabelecida no art. 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil" (TRF-4ª Região, MAS 91.04.08168/RS, rel. Juiz Teori Albino Zavascki, DJ 03.06.92). Grifei.

Em conclusão, parece não remanescer mais dúvidas de que os títulos de graduação e pós-graduação obtidos nos Estados Partes firmatários do Acordo em questão são admitidos e válidos por si, unicamente para as atividades de docência e pesquisa nas instituições superiores, desde que as instituições e principalmente os cursos que deram origem a esses títulos sejam legalmente reconhecidos naquele Estado-parte.

Aceitar a aplicação do art. 48, § 3º, da LDB de forma genérica a todos os casos, como pretende a CAPES, é desconhecer o ordenamento jurídico nacional, pondo em dúvida as relações jurídicas de Direito Público Internacional. Seria absurdo admitir que a CAPES, em matéria de ensino, sendo integrante do Ministério da Educação, pudesse rever os atos legais do Chefe da Nação e do Congresso Nacional.

Esse é o entendimento, ressalvando a opinião dos doutos sobre o tema.

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Sobre o autor
Alceu Ferreira Nunes

professor em Caxias do Sul (RS), doutorando em Ciências Sociais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Alceu Ferreira. A validade dos diplomas obtidos nos países do Mercosul. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1462, 3 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10101. Acesso em: 19 abr. 2024.

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