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A prescrição intercorrente, pronunciada de ofício, no processo de execução trabalhista

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11/07/2007 às 00:00
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8. Interrupção da prescrição no processo do trabalho.

O instituto híbrido da prescrição intercorrente no Direito do Trabalho é oriundo do Direito Civil, mais precisamente das seguintes disposições do Código Civil, subsidiariamente aplicado: "Art. 202 - A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á: I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual...". E ainda: "Parágrafo único - A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper". Aqui é importante salientar que, no processo comum, o início do processo se dá com o despacho do juiz que recebe a petição inicial,ou com a sua simples distribuição, nas comarcas nas quais há mais de uma Vara. [54] A última hipótese é também a que se aplica ao processo trabalhista de conhecimento, já que a notificação inicial (citação) ocorre, automaticamente, sem a interferência do juiz do Trabalho. [55] É, por conseguinte, com a prática de um desses atos que se considera interrompida a prescrição na fase de conhecimento. O Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicado, prevê ainda: "Art. 219 - A citação válida [...] ainda quando ordenada por juiz incompetente [...] interrompe a prescrição. § 1.º - A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação". Já no processo de execução laboral, é com a petição inicial do processo de liqüidação, ou com o pedido de citação para a execução de sentença líquida, que se interrompe a prescrição da ação de execução, rectius, pretensão.


9. Confusão entre prescrição intercorrente e prescrição da pretensão executória.

Deve-se evitar a confusão muito comum entre prescrição intercorrente no processo de execução com aprescrição da pretensão de execução, também chamada de prescrição superveniente à sentença de conhecimento. O mal-entendido se deve ao fato de que reina na doutrina e na jurisprudência trabalhista uma cizânia relativa à autonomia do processo de execução laboral em relação ao processo de conhecimento. Ela é oriunda do fato de a CLT autorizar o início da execução, ex officio, pelo juiz do Trabalho. Nossa posição é pela independência do processo de execução trabalhista, considerando que o impulso oficial da execução é uma mera faculdade, e, com tal, deve ser exercida com parcimônia, mormente quando o reclamante está acompanhado de advogado, sob pena de se comprometer a imparcialidade do reitor do processo trabalhista.

Assim, partindo da premissa da autonomia do processo de execução trabalhista em relação ao processo de conhecimento, entendemos que a prescrição intercorrente ocorre depois de o processo de execução haver sido iniciado, ou seja, durante o seu curso, por abandono do credor.

Já a prescrição da pretensão executória trabalhista acontece quando o credor deixa passar em branco o prazo de dois anos para iniciar a execução, contados do dia em que teve ciência do trânsito em julgado da sentença de cognição, da homologação do acordo judicial [56] ou da lavratura do termo de conciliação pela CCP [57] sem ajuizar a ação de executiva trabalhista. [58] Esta prescrição superveniente à sentença de conhecimento, a despeito da faculdade de impulso inicial pelo próprio juiz, é um instituto essencial à paz social e à segurança jurídica, uma vez que a atuação ex officio do magistrado nem sempre é possível. Observe-se, v. g., que não é dado ao juiz iniciar o processo de artigos de liqüidação, já que este depende de petição articulada, na qual sejam apresentados fatos novos e causa de pedir. [59] Além disso, o processo de artigos de liqüidação exige que seja formulado o pedido e produzidas provas pelo próprio credor. [60] Caso contrário, o magistrado estaria formulando pretensão, em detrimento de sua posição de constitucional neutralidade, [61] como bem observa Manoel Antonio Teixeira Filho. [62][63] Por sua vez, Wagner D. Giglio fornece ainda outros exemplos de não cabimento de impulso, ex officio, pelo juiz na execução, como no caso de a sentença de cognição depender de condição suspensiva, a cargo do credor, para ser executada. Assim, ad exemplum, quando o credor deva entregar a colheita para receber o valor da sua meação; ou quando tenha de devolver as chaves do imóvel, concedido para o desempenho do contrato de trabalho [64]. [65]


10. Visão panorâmica da prescrição no Direito Comparado.

A prescrição da pretensão executóriae a prescrição intercorrente não são figuras que agridem a consciência jurídica, até mesmo porque encontram correspondência no Direito alienígena. Na Espanha, e. g., o credor deverá iniciar a execução trabalhista, no prazo de 01 ano, a contar do trânsito em julgado da sentença de conhecimento, sob pena de prescrição. [66][67] Observe-se que a Ley de Procedimiento Laboral espanhola também autoriza o jus postulandi e o impulso oficial da execução, bem como, em alguns casos, esta poderá ser iniciada, de ofício. [68] No México, o credor tem dois anos para executar a sentença. Salientando-se que no processo laboral mexicano também vige o princípio do jus postulandi e ali se faz sentir, outrossim, o princípio inquisitivo na condução célere do processo, como bem salientou Mario de la Cueva. [69][70] Enquanto que, em Portugal, a execução se inicia com ato de nomeação de bens à penhora. Não se encontrando bens penhoráveis, os autos serão remetidos ao arquivo provisório, no qual poderão permanecer até sejam eles encontrados, mas respeitado o prazo prescricional trabalhista de 01 ano. [71] Observe-se que o Código de Processo do Trabalho português também prevê a figura do jus postulandi e a participação ativa do juiz na condução do processo. [72]

Na Alemanha, segundo o art. 212 do Código Civil — alterado pela Lei de Modernização das Obrigações de 2002 — a prescrição é interrompida se um ato de execução, oficial ou judicial, é praticado ou requerido. [73] O referido Código dispõe que o recomeço da prescrição, pela prática de um ato de execução, é considerado como se não tivesse existido se o ato é anulado, através de pedido do próprio credor, ou devido a falha no cumprimento das exigências requeridas pela lei. O mesmo ocorrerá se o pedido não for admitido ou se for retirado antes de o ato ser anulado. [74][75]

Já o Código Civil da Itália prevê que a prescrição é interrompida a partir da notificação do ato que inicia o processo de execução, iniciando-se um novo período de prescrição, que não volta ocorrer até o trânsito em julgado da sentença respectiva. Porém, se o processo se extingue através de desistência, é mantido o efeito interruptivo e o novo período de prescrição começa da data do ato interruptivo. [76] Enquanto que o Código Civil da França estabelece que o prazo de prescrição dos créditos salariais é de cinco anos. [77] Segundo o mencionado Estatuto, a citação interrompe a prescrição. Porém, se a citação é considerada nula por defeito de forma, se o demandante desiste, se ocorre a perempção ou se sua demanda for rejeitada, considera-se nula a interrupção. [78]


11. A Súmula n.º 114 do TST e a Lei de Execução Fiscal.

O Colendo TST há muito firmou entendimento no sentido de não se aplicar ao processo trabalhista a prescrição intercorrente, através da sua Súmula n.º114: "É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente". (RA 116/1980, DJ 03.11.1980, mantida pela Resolução TST n.º 121, de 28 de outubro de 2003.) Wagner D. Giglio supõe que tal posição, de certa forma precipitada, deveu-se à antiga redação da mencionada Lei de Execuções Fiscais (Lei n.º 6.830, de 22 de setembro de 1980). Interessante observar que a Súmula em comento foi baixada menos de dois meses após a publicação do referido diploma legal. Observe-se que à época, e mesmo após a ratificação da Súmula em 2003, não havia sido acrescentado o citado § 4.º ao art. 40 da LEF, pela Lei n.º 11.051, de 29.12.2004. Noutros termos, era determinada pela LEF apenas a suspensão da execução, sine die, enquanto não encontrado o devedor ou os seus bens, o que terminou por influenciar na redação da Súmula n.º114 do TST. [79][80]

Contra a Súmula n.º 114 Giglio argumenta, outrossim, que a CLT já previa de forma expressa a prescrição intercorrente. Se não, vejamos: "Art. 884 - Garantida a execução ou penhorados os bens, terá o executado 5 (cinco) dias para apresentar embargos, cabendo igual prazo ao exeqüente para impugnação. § 1.º - A matéria de defesa será restrita às alegações de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação ou prescrição da dívida". (Grifos nossos.) O ilustre jurista realça que a letra da lei não fala em prescrição da ação de conhecimento mas da dívida, a qual só pode ser cobrada por meio de processo de execução, é lógico, se for líquida e certa, ou seja, se já for definida na sentença de cognição ou através de processo de liqüidação. [81]

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Por sua vez, o Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicado, prima ainda por maior clareza: "Art. 741 - Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar sobre: [...] VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença...". (Realçamos.) Lembre-se que o respeito à coisa julgada não permite seja alegada prescrição na fase executória se esta preliminar de mérito não foi levantada na fase de conhecimento [82]. [83]

Finalmente, no processo de execução, a CLT determina expressamente que a Lei de Execução Fiscal seja aplicada, subsidiariamente: "Art. 889 - Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal". Por seu turno, a Lei n.º 6.830, de 22 de setembro de 1980 dispõe:

Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

§ 1.º - Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.

§ 2.º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.

§ 3.º - Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.

§ 4.º - Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. [84] (Destacamos.)

Em suma, caso não sejam encontrados o devedor ou bens que satisfaçam a execução, o juiz determinará, a suspensão da execução, devendo ser intimado o credor dessa decisão, não correndo a prescrição. Transcorrido o prazo 01 (um) ano, a contar da suspensão da execução, sem que haja alteração do quadro citado, o juiz determinará o arquivamento provisório dos autos, passando, a partir daí, a fluir a prescrição. Assim, decorridos os 02 (dois) anos da prescrição trabalhista, [85] sem que tenha sido encontrado o devedor ou bens penhoráveis, o juiz, então, intimará o credor para que possa manifestar o que pretender, ou seja, se existe alguma causa impeditiva, interruptiva ou suspensiva da prescrição. (Arts. 197 e ss. do CC) [86]

Finalmente, se nenhuma manifestação juridicamente consistente for apresentada pelo credor, declarará o juiz, ex officio, extinta a execução, com julgamento do mérito, por força do decurso da prescrição bienal trabalhista. Caso contrário, encontrar-nos-íamos diante da esdrúxula situação de vermos os arquivos da Justiça do Trabalho abarrotados de autos poeirentos à espera infinda de que o devedor apareça para quitar o débito ou de que surjam bens para serem penhorados. [87] É óbvio que tal atitude não se coaduna com os princípios processuais da celeridade, da economia e da racionalidade.

Teixeira Filho, contudo, faz uma importantíssima ressalva à aplicação da Lei de Execução Fiscal, ele lembra que cabe ao devedor informar nos autos a sua mudança de endereço. [88] Noutros termos, não seria justo apenar o credor por um fato que não deu causa, ou seja, foi a incúria do devedor, ao não informar a sua mudança de endereço, que perturbou o regular andamento do processo. O certo, nesse caso, seria a citação do devedor por edital, como determina a Consolidação [89]. [90]

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PRATA, Marcelo. A prescrição intercorrente, pronunciada de ofício, no processo de execução trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1470, 11 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10116. Acesso em: 28 mar. 2024.

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