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A prescrição intercorrente, pronunciada de ofício, no processo de execução trabalhista

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11/07/2007 às 00:00
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A aparente antinomia entre as Súmulas do TST e do STF pode ser contornada, ao admitir-se a prescrição intercorrente na execução apenas quando o credor estiver acompanhado por advogado e não praticar os atos que lhe competem, abandonando a causa por mais de dois anos.

1. Introdução.

A declaração da prescrição intercorrente no processo de execução trabalhista sofre forte resistência por respeitável corrente doutrinária e jurisprudencial, considerando o fato de que o juiz do Trabalho tem o poder de iniciar, ex officio, a execução, ou seja, existe destacada influência do princípio inquisitivo na condução do processo laboral. Isso porque na Justiça do Trabalho as reclamações têm como objeto, na maior parte dos casos, prestações de natureza alimentar, que, ipso facto, devem ser atendidas sem tardança. Esse entendimento foi cristalizado pela Súmula n.º 114 do TST. Nada obstante, em sentido contrário já havia a Súmula n.º 327 do STF.Além disso, recentemente, foi acrescentado, pela Lei n.º 11.051, de 29.12.2004, o § 4.º ao art. 40 da Lei de Execuções Fiscais — aplicável, subsidiariamente, à execução trabalhista —, que autoriza a declaração, de ofício, da prescrição intercorrente na execução fiscal. Não fora isso o bastante, a Lei n.º 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, alterou o § 5.º do art. 219 do CPC, que passou a ter a seguinte redação: "Art. 219 - [...] § 5.º -O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição". Todas essas inovações obrigam os operadores do Direito a repensar a aplicabilidade da Súmula n.º 114 do TST nesse novo contexto, o que faremos ao longo deste estudo.


2. O tempo e a prescrição.

Não se pode falar em prescrição sem se mencionar o tempo. Orlando Gomes escreveu que "dentre os acontecimentos naturais ordinários, o decurso do tempo é dos que maior influência exercem nas relações jurídicas. A lei atribui-lhe efeitos, seja isoladamente, seja em concurso com outros fatores". [01] A esse respeito, professa Caio Mário que: "O tempo domina o homem, na vida biológica, na vida privada, na vida social e nas relações civis. Atua nos seus direitos". Além disso, o mesmo autor diz que o tempo "...conduz à extinção da pretensão jurídica, que não se exercita por certo período, em razão da inércia do titular...". [02] Por seu turno, Clóvis Beviláqua, citando Kohler, diz que "o tempo é o meio onde se realizam os acontecimentos humanos; e uma atividade continuada em certa direção ou desviando-se de certa outra, não pode ser indiferente ao direito; a regulamentação das relações opera-se de acordo com as circunstâncias e os acontecimentos de um determinado tempo, vive neles e com eles se tece. Uma separação subitânea do direito ambiente, uma ‘fragmentação da esfera jurídica, não é coisa necessária ao progreso; daí o princípio: o que manteve durante certo tempo pode tornar-se um direito’". [03] Por seu turno, escreve Silvio Rodrigues que "...existe um interesse da sociedade em atribuir judicidade àquelas situações que se prolongaram no tempo. De fato, dentro do instituto da prescrição, o personagem principal é o tempo". [04]

Na Mitologia Grega, o tempo é associado ao deus Cronos, representado como um homem velho de encanecidos cabelos e barba longa, que, após se revoltar contra Urano, seu pai, reinou entre os deuses, na Idade Dourada. Nada obstante, havia uma profecia, segundo a qual Cronos seria derrotado por um dos seus filhos. Diante disso, ele passou a devorar os próprios filhos assim que estes nasciam. [05] A propósito, disse Ísis de Almeida que "...o passar do tempo é, realmente, inexorável, tanto do ponto de vista biológico como social, nessa destruição. Perde-se a vida com as energias aniquiladas; perde-se o direito, com a atrofia pelo seu desuso". [06] É por isso que, tal qual Cronos, a prescrição precisa, periodicamente, "devorar" as pretensões dos credores, sob pena de se permitir a manutenção de um ambiente de insegurança jurídica, no qual os devedores estejam eternamente sob a "espada de Dâmocles". Noutros termos, a prescrição tem por escopo impedir uma situação em que os devedores fiquem presos à incerteza de serem cobrados mesmo por uma dívida muito antiga. A esse respeito disse Carvalho Santos que "não se deve esquecer que as relações humanas têm caráter temporário e assim é necessário que se resolvam certas situações de fato, que não podem ser permanentes, e que, portanto, não devem gravar gerações futuras". [07] A passagem do tempo faz presumir a solidificação das relações jurídicas, assim, se o credor deixar hibernar uma dívida por um longo lapso temporal, presume-se que renunciou ao seu crédito. Aliás, escreveu Windscheid que "o que durou muito tempo, só por essa razão, parece alguma coisa de sólido e indestrutível". [08]Por sinal, afirmou Santo Agostinho: "O tempo não corre debalde, nem passa inutilmente sobre nossos sentidos; antes, causa na alma efeitos maravilhosos". [09]


3. Importância e fundamentos da prescrição extintiva.

Cassiodorus qualificou a prescrição como a "patrona generis humani", já Cícero a entendia como "fines sollicitudinis et periculi litium". No Direito Romano primitivo eram as ações perpétuas. No sistema pretoriano, o magistrado vai conferir às partes ações temporárias hábeis a contornar a rigidez dos preceitos do jus civile, que deveriam ser exercitadas no prazo máximo de um ano (annus utilis), ultrapassado este, o réu poderia alegar a prescrição por meio de exceção. Na época imperial, fixou-se o prazo de dez anos para as ações reais sobre imóveis entre presentes ou vinte anos entre ausentes, [10] "‘quando a exigência de certeza nas relações jurídicas se torna essencial na vida negocial...’", professa Maria Rosa Cimma. [11] Apenas com Teodósio II, em 424, a Constituição imperial veio a instituir como defesa contra as ações perpétuas a "praescriptio triginta annorum". [12] O termo prescrição vem de praescriptio de praescribere (prae + scribere). Isso porquanto todas as "...exceções ou alegações, pronunciadas ou trazidas preliminarmente como medidas ou justificativas dos direitos em demanda, diziam-se, assim, praescriptiones, porque se produziam a seguir da intentio, mas precedendo à fórmula. Escreviam-se ou se diziam antes(prae) de qualquer outra scriptio". Assim, o juiz não poderia se ocupar do processo antes de apreciá-las. [13][14][15]

Do ponto de vista moral, o instituto da prescrição seria questionável, pois se alguém deve a outrem deve cumprir para com a sua obrigação, sob pena de enriquecimento sem causa. Os antigos, por isso, a qualificavam como impium remedium ou impium praesidium, lembra Manuel de Andrade. [16] Aliás, repugna a consciência social o fato de um cidadão, ardilosamente, livrar-se de uma dívida apenas pelo transcorrer do tempo. Nada obstante, sob outro prisma, a prescrição extintiva ou liberatória visa salvaguardar a harmonia social e a segurança jurídica, que se veriam ameaçadas diante da indefinida possibilidade de cobrança de uma dívida. O devedor e os seus sucessores seriam compelidos a arquivar, ad aeternum, os recibos de pagamento, bem como manter a memória das vetustas obrigações. Não fora isso o bastante, ainda seriam obrigados a não perder o contato com as testemunhas dos seus negócios jurídicos. [17] Nesses moldes, a comprovação do adimplemento de todas as obrigações implicaria "prova custosa e difícil", [18] quiçá impossível... Por sua vez, o credor negligente, que deixou transcorrer longo prazo sem manejar o remédio jurídico de que dispunha, contaria com o injusto privilégio de poder exercitá-lo a qualquer tempo. Ele poderia assim proceder até mesmo por motivos inconfessáveis, impondo ao devedor uma condição de eterna submissão e intranqüilidade, em detrimento dos princípios da liberdade de ação, [19]da lealdade e da boa-fé. [20] Por isso muitos autores também justificam a prescrição como sendo uma pena contra a incúria do credor. [21]

A prescrição extintiva, portanto, é regulada por norma cogente de ordem pública, cuja função maior é preservar a paz social e a segurança jurídica. [22] Ademais, a prescrição permite a segurança do comércio jurídico [23] e o desafogo da pletora de processos nos tribunais. [24] Tanto isso é verdade que o Código Civil veda a renúncia antecipada da prescrição ou a alteração dos seus prazos. [25] É por isso ainda que "...a prescritibilidade é a regra, a imprescritibilidade, a exceção", como disse Caio Mário da Silva Pereira. [26] A regra geral é que haja a prescrição da pretensão de direito material não exercida no prazo legal. A ausência de cobrança de um crédito por longo tempo faz presumir a renúncia do seu titular. [27]

Por seu turno, o instituto da prescrição na esfera laboral é tão importante que foi alcandorado ao páramo constitucional: "Art. 7.º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho...".


4. Noções sobre a pretensão.

Pretensão vem "do latim, praetensio, praetensionem, do verbo praetendere (julgar-se com direito, requerer, interpor), juridicamente, entende-se não somente aquilo que se trata de conseguir, como o direito que se julga ter sobre a coisa". [28] No Direito Romano, do sistema das legis actiones e do sistema formulário, a ação não se distinguia do direito material perseguido, o autor recebia do pretor uma actio, ou seja, uma declaração de que ele, segundo os fatos expostos, teria direito, em tese, ao bem da vida buscado, restando-lhe ainda a prova dos mesmos fatos alegados. A atividade do pretor não consistia em atribuir direitos mas ações, que, indiretamente, conferiam os direitos. Assim, por exemplo, se hoje falamos em direitos do comprador e do vendedor os romanos falavam em actio ex empto e em actio ex vendito. [29]

Humberto Theodoro Júnior ensina que "no direito romano e no medieval, sempre se teve a prescrição como um fenômeno do plano processual, que afetava a actio e não diretamente o direito material". [30] Apenas com a evolução do Direito Público, Windscheid, em 1856, concluiu que a ação era um direito subjetivo público abstrato, pertencente a todos os cidadãos, de obter um pronunciamento jurisdicional, independentemente do direito subjetivo material alegado. [31] Ele entendia, partindo da noção da antiga actio romana, que a pretensão era o próprio direito subjetivo dirigido contra outra pessoa. Influenciado pelos estudos de Windscheid, o Código Civil Alemão (BGB), em seu art. 194, definiu a pretensão como o direito de exigir uma prestação ativa ou negativa. [32] Por sua vez, Francesco Carnelutti aperfeiçoou a noção de pretensão (Anspruch), conceituando-a como a "...exigência de subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio". [33] Segundo o mesmo autor, a pretensão constitui-se em simples manifestação de vontade, não se trata de um poder do declarante mas apenas de um ato, que pode, ou não, possuir correspondência efetiva com o direito subjetivo do pretendente. Por sinal, no Código Civil brasileiro temos: "Art. 189 - Violado o direito, nasce para o titular a pretensão...". [34]

Atente-se, porém, para não se confundir pretensão de direito material com pretensão de direito processual, esta última, na lição de Couture, "é a auto-atribuição de um direito e a petição de que seja tutelado. [35] Por sua vez, a pretensão processualnão se confunde com a ação, embora esteja com esta imbricada, porquanto "a ação é o poder jurídico de fazer valer a pretensão. Esse poder jurídico existe no indivíduo ainda quando a pretensão seja infundada". [36] Aliás, o titular do direito cuja pretensão é considerada encoberta pela prescrição "...não perde o direito processual de ação, porque a rejeição de sua demanda, por acolhida da exceção de prescrição, importa uma sentença de mérito (CPC, art. 269, IV)". [37]

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6. Conceito e requisitos da prescrição.

A prescrição é uma exceção, defesa indireta a ser apresentada pelo réu, capaz de encobrir a eficácia dapretensão do autor, pelo decurso do prazo previsto para fazer valer um direito material. Quanto ao conceito de exceção, Pontes de Miranda assim se pronuncia: "A exceção diz respeito à eficácia do ius exceptionis e à eficácia do direito, da pretensão, ou da ação, ou da exceção, que ela ‘excetua’. [...] A exceção não ataca o ato jurídico, nem o direito em si mesmo. [...] A exceção é contradireito, mas apenas encobre outro, ou encobre a pretensão, ou a ação, ou a exceção, a que se opõe". [38]Já a prescrição é assim conceituada pelo mesmo autor: "Prescrição é a exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação". [39]

Por sinal, definia o antigo Código Civil alemão (BGB) — antes da reforma implementada pela Lei de Modernização das Obrigações (Schuldrechtsmodernisierungsgesetz), de 2 de janeiro de 2002, em seu art. 198: "A prescrição começa a contar-se desde o momento em que nasce a pretensão...". [40] (Grifamos.) Na mesma linha, o Novo Código Civil brasileiro estabelece: "Art. 189 - Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição...". José Carlos Barbosa Moreira, contudo, crítica a noção de "extinção" da pretensão pela prescrição. [41] Na realidade, como bem assinalou Pontes de Miranda, com o pronunciamento da prescrição a pretensão apenas tem a sua eficácia encoberta: "Os prazos prescricionais servem à paz social e à segurança jurídica. Não destroem o direito, que é; não cancelam, não apagam as pretensões; apenas, encobrindo a eficácia da pretensão, atendem à conveniência de que não perdure por demasiado tempo a exigibilidade ou a acionabilidade". [42] Caso contrário, como explicar a possibilidade de renúncia da prescrição pelo devedor?

Por outro lado, não se olvide que o ordenamento jurídico brasileiro adotou a autonomia do direito subjetivo público de ação no que se refere ao direito material concreto. A ação é um direito de natureza abstrata, é um direito autônomo, pois independe da existência do direito subjetivo material. Ela é, também, instrumental, haja vista que o seu escopo é garantir um determinado bem da vida. [43]

Desse modo, com o pronunciamento da prescrição a pretensão de direito material passa a ter sua eficácia encoberta, mas a prescrição não acarreta a perda do direito subjetivo material em si mesmo considerado. Noutros termos, o direito subjetivomaterial perseguido permanece incólume, porém, neutralizado, ou seja, o seu titular perde a possibilidade de obrigar o devedor a cumprir uma determinada prestação judicialmente. Aliás, Pontes de Miranda, numa feliz expressão, qualifica os direitos com a eficácia da pretensão encoberta de "direitos mutilados", uma vez que não podem ser cobrados em juízo, sem o risco concreto de ser declarada a prescrição, nem argüidos sob a forma de exceção com eficácia: "Há direitos que não têm ou perderam pretensão ou ação. Circunstâncias históricas deram ao fato nome impróprio, pois ao complexo ‘direito, pretensão e ação’, tirando-se a ação, ou a ação e a pretensão, ficaria direito. Em verdade, trata-se de direitos desprovidos de pretensões ou da ação, ou de direito mutilados". [44] Nada obstante, eles continuam a existir, caso contrário, aquele que recebeu o pagamento de crédito, cuja eficácia da pretensão estava encoberta pela prescrição, seria obrigado a devolvê-lo. [45][46]

Por sua vez, Câmara Leal define os requisitos essenciais da prescrição: "1. existência de uma ação exercitável (actio nata); 2. inércia do titular da ação pelo seu não exercício; 3. continuidade dessa inércia durante um certo lapso de tempo; 4. ausência de algum fato ou ato, a que a lei atribua eficácia impeditiva, [47] suspensiva [48] ou interruptiva [49] do curso prescricional". [50]


7. Conceito de prescrição intercorrente na execução.

Intercorrente, embasados na interpretação gramatical, é algo existente e em andamento entre duas coisas. É o que se mete de permeio, o que sobrevém enquanto outra coisa dura, nas palavras de Aurélio Buarque Ferreira de Holanda. [51] Assim, transpondo essa definição para o campo da ação trabalhista, a prescrição intercorrente na execução é aquela que ocorre no curso doprocesso de execução trabalhista, a contar da protocolização da petição inicial do processo de liqüidação. Ou, caso a sentença de conhecimento já tenha sido proferida de forma líquida, a partir da petição em que o exeqüente requer a citação do executado [52] até o trânsito em julgado da sentença que julga extinta a execução. Desse modo, v. g., se o advogado do credor recebe os autos em carga para se manifestar sobre os embargos à execução, deixando correr in albis o prazo prescricional de dois anos, aqui incidiria a prescrição intercorrente, como exemplifica o insigne José Augusto Rodrigues Pinto. [53]

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRATA, Marcelo. A prescrição intercorrente, pronunciada de ofício, no processo de execução trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1470, 11 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10116. Acesso em: 25 abr. 2024.

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