O sistema presidencialista brasileiro à luz da apuração do crime de responsabilidade cometido pelo Presidente da República.

22/11/2022 às 16:02
Leia nesta página:

O modelo de sistema de governo disciplinado na Constitução da República Federativa do Brasil de 1988, à luz da previsão dos crimes de responsabilidade cometidos pelo Presidente da República, é puramente presidencialista?

O sistema presidencialista se originou nos Estados Unidos, sendo instituído pela Constituição norte-americana de 1787, após a sua independência como colônia do Império britânico[1]. Preambularmente, é salutar esclarecer que o sistema presidencialista nasce de um contexto de oposição à forma vitalícia instituída pela monarquia e com o surgimento da forma de governo republicana. Buscou-se conferir um caráter de transitoriedade do Chefe de Governo e de Estado, bem como conferir responsabilização pelos seus atos, em oposição à política do king can do no wrong oriundo de países adeptos à monarquia absolutista (o rei não comete erros)[2].

O sistema presidencialista, em suma, apresenta os seguintes elementos característicos[3]:

a) a eletividade do chefe do poder executivo;

b) o poder executivo unipessoal;

c) a participação efetiva do poder executivo na elaboração da lei, por meio do veto;

d) a irresponsabilidade política do presidente;

e) a independência dos três clássicos poderes de Estado;

f) supremacia da lei constitucional rígida.

É relevante destacar dois traços característicos de um sistema presidencialista puro: a eletividade direta do Presidente pelo povo, e a irresponsabilidade política do Presidente perante o Congresso Nacional. Sobre este último ponto, adianta-se, é que residirá o centro da análise deste artigo.

 

O parlamentarismo, por outro lado, possui características próprias como sistema de governo. Vale transcrever, em síntese, suas principais características[4]:

  1. Organização dualística do Poder Executivo;
  2. Colegialidade no órgão governamental;
  3. Responsabilidade política do Ministério perante o Parlamento;
  4. Responsabilidade política do Parlamento perante o Corpo Eleitoral;
  5. Interdependência dos Poderes Legislativos e Executivo.

É perceptível que a essência dos dois sistemas é distinta, na medida em que o sistema parlamentarista pressupõe que haja uma interdependência entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo, pois o Primeiro Ministro, o Chefe de Governo, é nomeado não diretamente pelo povo para o exercício de um mandato, mas pelo próprio Parlamento. Nessa linha, haverá, necessariamente, uma responsabilização política do Chefe de Governo ao Parlamento.

Diante das distinções acima referidas, vale analisar como a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB88) organiza o sistema presidencialista brasileiro. Preambularmente, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em seu artigo 2º, foi estabelecido que, no dia 7 de setembro de 1993, o eleitorado definiria, por meio de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que deveria vigorar no País. O povo então decidiu pela forma republicana e pelo sistema presidencialista.

Nesse cenário, o artigo 76 da CRFB88, adotando o sistema presidencialista, informa que o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado e sua eleição é realizada pelos eleitores, simultaneamente, no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato presidencial vigente (artigo 77). Ademais, a transitoriedade do cargo está expressa no artigo 82, por meio do qual informa que o mandato do Presidente da República é de 4 (quatro) anos e terá início em 5 de janeiro do ano seguinte ao de sua eleição, conforme alteração dada pela Emenda Constitucional nº 111/2021.

Aliado a isso, outra característica essencial prevista no CRFB88 consta no artigo 84, inciso II, em que dispõe que é de competência privativa do Presidente da República, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal, conferindo a unipessoalidade do Poder Executivo.

Contudo, como vimos, uma característica elementar do parlamentarismo é a interdependência do Chefe do Executivo com o Poder Legislativo, bem como a sua responsabilização política sob o crivo do Parlamento. Nessa senda, é imperioso transcrever os dispositivos previstos no artigo 85 da CRFB, o qual trata dos crimes de responsabilidade cometido por atos do Presidente da República:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I - a existência da União;

II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País;

V - a probidade na administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Da leitura dos dispositivos acima mencionados, é nítido que qualquer ato cometido pelo Presidente da República contra a CRFB88 poderá ser considerado um crime de responsabilidade, criando-se uma verdadeira cláusula aberta, sob o crivo decisório do Congresso Nacional. Exemplifica-se que qualquer ato contrário às disposições previstas na lei orçamentária (lato sensu) poder-se-ia constituir em um crime de responsabilidade cometido pelo Presidente da República.

O artigo 86 da CRFB88 afirma que o juízo de admissibilidade da acusação contra o Presidente será realizado pela Câmara dos Deputados, por votação mínima de dois terços, sendo julgado pelo Senado Federal, também respeitada a votação mínima de dois terços dos senadores dessa Casa (art. 52, parágrafo único). Diante desse contexto, surge a indagação: não estará o Presidente da República brasileiro também sujeito à responsabilização política perante o Congresso Nacional, considerando que qualquer má gestão pública poderia ser considerada, ainda que forçosamente, um atentado contra a Constituição Federal?

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A doutrina política, analisando a necessidade de o Presidente da República estar alinhando com o Congresso Nacional para governar, cunhou o termo presidencialismo de coalizão[5]. Vale referir:

Com a promulgação da Constituição de 1988, inaugura-se um novo período para o nosso regime presidencialista, a partir de um rearranjo das forças entre os três Poderes. Esse novo desenho institucional possibilitou uma nova dinâmica na relação entre os atores políticos ao longo das últimas décadas, principalmente, em razão das características do nosso sistema político-eleitoral, que impulsionou a proliferação de partidos e a fragmentação das bancadas dentro do Congresso Nacional, tornando o diálogo institucional entre os Poderes Legislativo e Executivo intricado e de difícil composição.

Essa dinâmica do arranjo político-institucional é denominada de presidencialismo de coalização e é, sem dúvida, a principal característica do regime político inaugurado após a redemocratização em 1988. Trata-se, em outras palavras, de uma especificidade do sistema presidencialista genuinamente brasileiro, cuja fórmula só foi possível graças a um conjunto de fatores próprios da nossa realidade institucional.

Nesse cenário, tem-se que haveria legitimidade, sim, na instauração de crime de responsabilidade pela Câmara dos Deputados e seu consequente julgamento pelo Senado Federal, quando o Presidente da República estiver em desarmonia com o Congresso Nacional, devido justamente às cláusulas abertas previstas na CRFB88, no que toca à apuração e ao julgamento dos crimes de responsabilidade. Ainda que possa parecer uma ofensa ao sistema presidencialista puro, são as regras esculpidas na Lei Maior brasileira, caracterizando-se o Brasil, de fato, por um sistema misto presidencialista-parlamentar, com características de ambos os sistemas, ou, como já mencionado, por um presidencialismo de coalização.

Sobre o autor
Régis Schneider da Silva

Atualmente, Assessor Jurídico - Especialista em Saúde - da Secretaria Estadual de Saúde do RS. Antigo analista processual da DPE/RS e analista de previdência e saúde do Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul - IPERGS. Especialista em Direito Penal e Processo Penal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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