As urnas eletrônicas e mal-estar no Brasil. Nas eleições de 2014, Aécio Neves questionou a confiabilidade das urnas eletrônicas.
Num vídeo, o ministro, do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, faz comparações sobre eleições em vários países e os alardeios dos candidatos perdedores nas eleições.
Na imagem, no introito deste artigo, o general Mourão, agora como senador, publicou no Twitter o seu posicionamento sobre a inconfiabilidade das urnas eletrônicas. Num raciocínio muito breve: se as urnas são inconfiáveis, a vitória de Mourão é duvidosa. Ou seja, Mourão não é vencedor. Ocorre, infelizmente, que os derrotados nas eleições, desde as primeiras urnas eletrônicas, não questionaram os candidatos vitoriosos dos próprios partidos e candidatos de outros partidos, quando há coalisões partidárias. Os perdedores questionam quando, sendo redundante, perdem.
Damares Alves alardeia evangélicos e católicos sobre perseguição do "comunista". O "backlash" ou "contracontracultura" tomou força nos governos de Lula e Dilma, quando partidos de "direita" perderam, após séculos de dominação política, o poder de decisão nas urnas. Cogitações de uma Nova Constituição Federal. E como seria? Quais direitos civis e políticos continuariam no ordenamento pátrio? A união homoafetiva seria proibida no Brasil? A Marcha da Maconha e a Parada Gay seriam proibidas? Ou seriam permitidas somente em recintos fechados em vez de serem nas vias públicas? O Estatuto do Nascituro seria aprovado, os abortos de feto anencéfalo, por consequência de estrupo, a possibilidade de abortar até o trigésimo mês de gravides, risco de vida para a gestante proibidos? O Estado continuaria a ser laico não há religião oficial no Estado, como ocorreu na Constituição de 1824, no texto da norma do artigo 5° ou laicista (a tradição judaico-cristã como oficial do Estado e demais religiões proibidas, ou permitidas com os cultos sem exteriorizações?
O STF é atacado por suas decisões contramajoritárias, isto é, um poder "usurpador" dos poderes do Executivo e do Legislativo , os ministros do STF não foram escolhidos pelo povo, como ocorre através das eleições (prefeitos, governadores, presidente da República etc.), contudo indicados (art. 84, XIV, da CRFB de 1988). Vamos pensar. Se o Presidente da República representa o povo (art. 1°, parágrafo único, da CRFB de 1988), os ministros do STF também representantes do povo. Ou será que o Senado Federal e o chefe de Estado e de Governo escolherão ministros incompatíveis com suas ideologias?
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
XIV - nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do banco central e outros servidores, quando determinado em lei;
Isso direciona para o caso de nomeação, por ideologia compatível, e as normas e princípios constitucionais.
A REVISÃO JUDICIAL E O PODER JUDICIÁRIO
EUA, século XVIII. Thomas Jefferson (Partido Democrático-Republicano) e John Adams (Partido Federalista).
Imagem Quem foi a eleição de 1800 candidatos? (storyboardthat.com)
Antes do caso Marbury v. Madison (1803), a Suprema Corte dos EUA não tinha o mesmo poder que os demais poderes. Estava a Corte alguns degraus abaixo do Congresso este fazia, a Corte não questionava. Marbury v. Madison, a sua gênese foi por uma crise política entre Thomas Jefferson (Partido Democrático-Republicano) e John Adams (Partido Federalista).
Adams nomeou juízes para estes agirem em defesa dos interesses do Partido Federalista, não da Constituição. Enfim, o Estado estava aparelhado para o Partido Federalista. Jefferson, o novo presidente dos EUA, sentiu-se reduzido quando fosse governar. Um Estado aparelhado (Executivo, Legislativo e Judiciário), pelo Partido Federalista, comprometeria sua governabilidade e o Partido Democrático-Republicano.
Antes de Jefferson assumir a Casa Branca, o Congresso, com maioria formada pelo Partido Federalista, " aprovou a Lei Judiciária de 1801 e a Lei Orgânica para o Distrito de Columbia. Juntamente com outras disposições, as leis reduziram o tamanho da Suprema Corte dos EUA de seis juízes para cinco e eliminaram os deveres dos juízes de tribunais de circuito, criando 16 novos juízes para seis circuitos judiciais. Em geral, as leis criaram uma série de novos escritórios relacionados ao tribunal, que o presidente cessante, John Adams, passou a preencher principalmente com membros de seu próprio partido" ( Judiciary Act of 1801 | United States law | Britannica ).
Dessa disputa política, a Corte teve que decidir, e sua decisão foi histórico, a revisão judicial. A revisão judicial, algo que no Brasil é intitulado de "ativismo judicial" (rasgar a CRFB de 1988), em nada tem a ver com ilegalidade da Corte. A revisão judicial consagrou o Poder Judiciário como defensor da Constituição dos EUA e permitiu controle das ações do governo federal e do Congresso. Antes de Marbury v. Madison, o Judiciário não tinha o mesmo poder como a Executivo e o Legislativo, ou seja, o Judiciário era uma figura decorativa, um "meio poder", ou quase nenhum poder comparado com o Legislativo e o Executivo. A revisão judicial, pela Suprema Corte dos EUA, é considerada um marco histórico para o constitucionalismo. Marbury v. Madison , o Judiciário tem os mesmos poderes que o Legislativo e o Executivo, entretanto, o Judiciário age em defesa da Constituição e não pelos arbítrios do Legislativo e do Executivo, quando, realmente, estes "rasgam a Constituição".
No Brasil, podemos considerar interesses nada democráticos no Caso Olga Benário (O Caso Olga Benário: O Supremo Tribunal Federal e o Habeas Corpus nº 26.155/1936 - YouTube)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A "contracontracultura", também reconhecida como "backlash" tenta, de qualquer maneira, reaver o "poder da maioria", mundialmente, valores ideológicos até a metade do século XX, quando os direitos humanos não eram imediatos e não aplicados nos ordenamentos jurídicos. O multiculturalismo, o pluripartidarismo etc., tudo que dê chances para a "minoria" cobrar, exigir e aplicar os direitos humanos (direitos civis, políticos, sociais, culturais e econômicos) é "ameaça" para a "Velha Ordem Mundial". A CRFB de 1988 é rígida, analítica, dogmática, formal, escrita e promulgada. Pela vontade do povo, a Assembleia Constituinte de 1987. A CRFB de 1988 é fruto de brasileiros com olhares para o porvir da dignidade para todos os brasileiros (art. 3°, da CRFB de 1988). O poder constituinte originário não terminou com a proclamação da CRFB de 1988. Esse poder continua pela transmissão do espírito da igualdade, liberdade e fraternidade para brasileiros, natos e naturalizados, e estrangeiros. Por uma análise da concepção constitucional, a concepção sociológica, de Ferdinand Lasalle, a Constituição somente tem força pela vontade do povo e de seus valores.
Se é exigido uma nova Constituição, por vontade da "maioria" ( "contracontracultura" ou "backlash"), os direitos fundamentais poderiam sofrer objetificações para agradar tão somente a "maioria"? Se Pensarmos na Segunda Guerra Mundial, no caso da Alemanha Nazista, sim. Pela concepção política, de Carl Smith, as concepções morais da sociedade não devem fazer parte da ordem jurídica. É o positivismo jurídico. E a Alemanha era democracia.
O que poderia limitar o poder da vontade da "maioria" na edificação de nova Constituição? Evitar o Estado laicista, a limitação da dignidade dos LGBT+, das mulheres cisgênero, dos povos indígenas, da etnia negra e de todo brasileiro considerado "minoria"? Uma Nova Ordem Mundial em vigor, os direitos humanos. Essa Nova Ordem Mundial, pela internacionalização do direitos humanos, tem força sobre os países-membros. E o Brasil é país-membro. Assumiu, perante a comunidade internacional, a prevalência dos direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio. A Nova Ordem Mundial possuí o direito natural, que é anterior aos Estados e governos. A base dos direitos humanos é o direito natural. E esses direitos são transcendentes. Durante 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que Estados têm autonomia para regulamentar medidas de isolamento. Poderia, numa nova Constituição, abolir a autonomia dos Estados e Municípios? Ou seja, somente a União "manda"? Pela doutrina de Jorge Miranda, não, devido o limite imanente. Poder-se-ia revogar a Lei Maria da Penha por uma interpretação entre o direito interno e o direito internacional pelas teorias monista e dualista? Qual direito, interno ou internacional, deve prevalecer? Recomendo leitura de meu artigo Decisões do STF em virtude dos períodos históricos: RE 80.004-SE/77 e HC 126.292. As influências externas, pelos tratados e convenções internacionais de direitos humanos (art. 5º, §§ 2° e 3°, da CRFB de 1988), influenciam o ordenamento jurídico. Temos o exemplo do direito brasileiro e do direito internacional sobre depositário infiel.
Depositário infiel: jurisprudência do STF muda e se adapta ao Pacto
Embora a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXVII, ainda admita a prisão do depositário infiel, o Supremo Tribunal Federal reformulou sua jurisprudência em dezembro de 2008 no sentido de que a prisão civil se aplica somente para os casos de não pagamento voluntário da pensão alimentícia, isentando os casos do depositário infiel. O Pacto de San José também admite a prisão por falta de pagamento de pensão alimentícia.
Em consequência do julgamento que modificou o entendimento da Corte, os ministros revogaram a Súmula 619 do STF, segundo a qual a prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito. Para isso, fundamentaram a decisão no mais longo e detalhado artigo da Constituição brasileira o artigo 5º - que trata dos direitos fundamentais do homem. O conceito está no valor da liberdade, um bem que só pode ser suprimido em casos excepcionalíssimos.
As mudanças se deram no julgamento dos Recursos Extraordinários (RE 349703) e (RE 466343) e do Habeas Corpus (HC 87585). Com o novo entendimento, o STF adaptou-se não só ao Pacto de São José, como também ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU e a Declaração Americana dos Direitos da Pessoa Humana, firmada em 1948, em Bogotá (Colômbia). [ Supremo Tribunal Federal (stf.jus.br)]
Piovesan, em sua obra Direitos humanos e o direito constitucional internacional, oblata os operadores de Direito com as palavras de Jorge Miranda:
A Constituição confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais. E ela repousa na dignidade da pessoa humana, ou seja, na concepção que faz a pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado.
Sucintamente: uma nova Constituição Federal jamais poderia mitigar a dignidade humana, a separação dos poderes, o constitucionalismo, o poder revisor do STF, abolir a autonomia dos estados, dos municípios e do Distrito Federal para estarem vinculados à União.
A "maioria", em todos os países deste orbe, age para o restabelecer a "contracontracultura":
Positivismo jurídico para exclusão, segregação e integração, jamais tenciona para "inclusão";
Patriarcado;
Heteronormatividade;
Interesses políticos acima da Constituição, esta como "mera folha de papel;
Judiciário como coadjuvante do Executivo e Legislativo;
Negação da ciência;
Estado laicista.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Eric Nogueira. A Constituição de 1988 e a reforma política no Brasil: Lições de quatro momentos de votação | Revista Estudos Políticos (uff.br)
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Fato ou boato: é falso que a urna eletrônica foi fraudada em 2014 Tribunal Superior Eleitoral (tse.jus.br)
_____. Ministério da Defesa. Atuação das Forças Armadas em apoio ao TSE no aprimoramento da segurança e da transparência do processo eleitoral Português (Brasil) (www.gov.br)
_____. Supremo Tribunal Federal (STF). STF decide que Estados têm autonomia para regulamentar medidas de isolamento - Politica - Estado de Minas
Britannica. Marbury v. Madison | Antecedentes, Resumo e Significado | Britannica
LIMONGI, Fernando. A democracia no Brasil: presidencialismo, coalizão partidária e processo decisório. Novos estudos CEBRAP [online]. 2006, n. 76 [Acessado 25 Novembro 2022] , pp. 17-41. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0101-33002006000300002>.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional / Flávia Piovesan. 14. ed., rev. e atual. São Paulo : Saraiva, 2013.
RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional de direitos humanos / André de Carvalho Ramos. 5. ed. São Paulo : Saraiva, 2016.
____________________. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional / André de Carvalho Ramos 6. ed. São Paulo : Saraiva, 2016.
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional / André Ramos Tavares. 10. ed. rev. e atual. São Paulo : Saraiva, 2012.
VEJA. Aécio, que questionou urna eletrônica, vai debater volta do voto impresso | VEJA (abril.com.br)