Capa da publicação Direito de Família internacional: casamento, divórcio e partilha de bens
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O Direito de Família internacional sobre casamento, divórcio e partilha de bens.

Norma, doutrina e jurisprudência brasileiras

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2. O divórcio

O divórcio somente passou a ser admitido no ordenamento jurídico brasileiro com a Lei 6515/1977, que passou a tratar da dissolução conjugal e do casamento. Anteriormente, segundo Dolinger & Tiburcio (2020), os brasileiros que se divorciavam no exterior, somente conseguiam o reconhecimento da sentença estrangeira relativa à dissolução matrimonial, na forma de desquite. A Lei do Divórcio trouxe uma mudança substancial em termos de orientação ao tema no Brasil, possibilitando a homologação no país, atendidos alguns requisitos, de sentenças estrangeiras de divórcio, proferidas no estrangeiro.

O §6º do art. 7º da LINDB teve nova redação após a lei, com a incorporação de antigos princípios que, em sede jurisprudencial, tentavam mitigar os efeitos da regra anterior. Atendeu ao texto constitucional, foi reformado em 2009 e teve um trecho acrescido, relativo ao reexame pelo STF, de decisões anteriores a Lei 6515/77, que somente homologavam sentenças estrangeiras de divórcio que envolviam brasileiros, para efeitos patrimoniais.

§ 6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais.

A homologação de sentença estrangeira não tem, a priori, finalidade de discutir o mérito, mas apenas de dar eficácia à decisão alienígena. No entanto, não serão homologadas sentenças que não preencham os requisitos formais dispostos no ordenamento jurídico brasileiro. Superada a questão, o STJ homologa a sentença estrangeira como na decisão monocrática que segue.

Decisão: B. P. S. S., brasileira, qualificada na inicial, formulou pedido de homologação de sentença estrangeira, proferida pela Suprema Corte do Condado de Nova York, Nova York, Estados Unidos da América, que, em 3 de agosto de 2006, dissolveu, por divórcio, seu casamento com J. V. S., norte-americano, também qualificado nos autos. [...] Instada a apresentar o acordo de separação firmado entre as partes e incorporado à sentença de divórcio, a requerente consignou que não tem interesse em homologar o mencionado pacto. [...] no decisum homologando há notícia de que, ao tempo do divórcio, o casal estava separado por um período de um ano ou mais (fl. 22), sem especificar exatamente o lapso temporal. Nesses termos, em observância ao art. 226, § 6º, da CF c/c o art. 7°, § 6º, da LICC, os efeitos do divórcio só poderão tornar-se plenos após um ano da prolação da referida sentença. Posto isso, homologo o título judicial estrangeiro, sem alcançar, contudo, os termos do acordo nele mencionado, e ainda com a ressalva de que somente terá eficácia plena a partir de 3 de agosto de 2007. Até o decurso desse prazo, os efeitos da decisão de divórcio estarão limitados aos do instituto da separação judicial (art. 226, § 6º, da CF c/c o 7°, § 6º, da LICC).

(SE 2.670 Estados Unidos, min. Barros Monteiro, decisão monocrática, j. em 08.05.07)

O divórcio está conectado à regra geral do caput do art. 7º da Lei de Introdução. A lei do domicílio deverá ser aplicada, a não ser que fira a nossa ordem pública. Em caso específico de um país diferenciar o tratamento para homens e mulheres, proibindo o divórcio para mulheres por exemplo, no Brasil, não homologaríamos a decisão, por conta do entendimento atacar a nossa ordem pública. Mas, há de se ponderar, caso a caso, em repeito a ordem pública e a cultura estrangeira.

A homologação da sentença estrangeira de divórcio respeitará as disposições do art. 15. da LINDB e arts. 960. a 965 do CPC.

Em particular, o Art. 961, §5º, CPC dispõe que a sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.

Sobre a sentença estrangeira contestada SEC 7173 EX 2011/0311424-0, o STJ pautou sua decição com fulcro no consenso das partes:

(...) A contestação traz três objeções ao pleito: (...) a alegação de que a homologação violaria a competência da justiça brasileira, nos termos do art. 89. do CPC (...) não subsiste a presença de quaisquer elementos que atraiam a aplicação do art. 89. do Código de Processo Civil. Além do mais, o divórcio foi consensual e a jurisprudência do STJ já definiu que "É válida a disposição quanto a partilha de bens imóveis situados no Brasil na sentença estrangeira de divórcio, quando as partes dispõem sobre a divisão" (SEC 5.822/EX, Rel. Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, DJe 28.2.2013). 5. Estando presentes os requisitos formais, previstos na Resolução STJ n. 09/2005, é de ser homologada a sentença de divórcio proferida no estrangeiro. Pedido de homologação deferido(...).

(STJ - SEC: 7173 EX 2011/0311424-0, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 07/08/2013, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 19/08/2013)

Há também a possibilidade de o divórcio consensual ter sido decretado pela via administrativa. Em alguns países o divórcio pode ser realizado pelo rei, por um líder religioso, por um chefe do executivo ou por outra autoridade competente.

J. N. J., dinamarquês, residente no Brasil e qualificado na inicial, formulou pedido de homologação de ato administrativo, emitido pela administração prefeitoral de Copenhague, Reino da Dinamarca, por intermédio do qual, em 3 de agosto de 2005, foi decretado seu divórcio de V. de S. L. J., cidadã brasileira, também qualificada nos autos [...] Conforme jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal, é cabível a homologação de divórcio por decisão de autoridade administrativa se no país de origem é esta a forma como se processa o referido ato. [...] (SE 2.083 Dinamarca, min. Barros Monteiro, decisão monocrática, j. em 25.04.07.)

Decisão: D. N. B. e D. R. T. M. B, ambos brasileiros, qualificados na inicial, formularam pedido conjunto de homologação do ato administrativo que decretou o divórcio consensual do casal, expedido em 1º de setembro de 2004, pelo prefeito da Cidade de Isezaki, Província de Gunma, Japão [...] Conforme jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal, é cabível a homologação de divórcio por decisão de autoridade administrativa se, no país de origem, é esta a forma como se processa o referido ato. [...] Posto isso, homologo o ato administrativo estrangeiro.

(SE 2.593 Japão, min. Barros Monteiro, decisão monocrática, j. em 08.05.07.)

O Conselho Nacional de Justiça não ficou inerte à questão e se manifestou no Provimento CNJ 53/2016, que dispõe sobre a averbação direta no assentamento de casamento, independentemente de homologação judicial. A resolução dispõe que o assentamento poderá ser feito perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, mas, quando o divórcio consensual decretado no estrangeiro, por via administrativa, envolver guarda de filhos, alimentos e/ou partilha de bens, dependerá da homologação prévia do STJ:

Art. 1º. A averbação direta no assento de casamento da sentença estrangeira de divórcio consensual simples ou puro, bem como da decisão não judicial de divórcio, que pela lei brasileira tem natureza jurisdicional, deverá ser realizada perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais a partir de 18 de março de 2016.

§1ºA averbação direta de que trata o caput desse artigo independe de prévia homologação da sentença estrangeira pelo Superior Tribunal de Justiça e/ou de prévia manifestação de qualquer outra autoridade judicial brasileira.

§2ºA averbação direta dispensa a assistência de advogado ou defensor público.

§3ºA averbação da sentença estrangeira de divórcio consensual, que, além da dissolução do matrimônio, envolva disposição sobre guarda de filhos, alimentos e/ou partilha de bens aqui denominado divórcio consensual qualificado - dependerá de prévia homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.

A Resolução CNJ 326/2020, deu outra leitura à Ementa da Resolução CNJ 35/2007. Se antes a redação da Ementa da Resolução de 2007 trazia em seu texto Disciplina a aplicação da Lei nº 11.441/07 pelos serviços notariais e de registro, agora traz Disciplina a lavratura dos atos notariais relacionados a inventário, partilha, separação consensual, divórcio consensual e extinção consensual de união estável por via administrativa. No que tratamos aqui, nada mudou.

Em relação ao divórcio consular, Dolinger & Tiburcio (2020) ensinam que por conta da promulgação da Lei 11441/2007, a Lei 12874/13 alterou o art. 18. da LINDB, acrescentando-lhe os §§ 1º e 2º, com intuito de possibilitar às autoridades consulares brasileiras celebrarem a separação e o divórcio consensuais de brasileiros no exterior:

Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascido no país da sede do Consulado.

§ 1º. As autoridades consulares brasileiras também poderão celebrar a separação consensual e o divórcio consensual de brasileiros, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, devendo constar da respectiva escritura pública as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.

§ 2º. É indispensável a assistência de advogado, devidamente constituído, que se dará mediante a subscrição de petição, juntamente com ambas as partes, ou com apenas uma delas, caso a outra constitua advogado próprio, não se fazendo necessário que a assinatura do advogado conste da escritura pública.

Quando o divórcio é realizado em consulado brasileiro, não haverá necessidade deste ser homologado no Brasil. Porém, se uma das partes quiser que o divórcio realizado no consulado brasileiro passe a ter validade no país estrangeiro, considerando que o casamento tenha sido registrado neste país, será fundamental verificar a legislação local para saber da necessidade da homologação em tal país.

Há também a hipótese de se realizar o divórcio diretamente no Brasil, sem o reconhecimento do divórcio feito no exterior. Esse novo divórcio seguiria as leis brasileiras e não haveria a homologação do divórcio estrangeiro. Assim explica Yussef Said Cahali (2005):

Não homologada a sentença estrangeira de divórcio, subsiste na sua eficácia o vínculo matrimonial de modo a possibilitar que os cônjuges aqui domiciliados postulem a dissolução do vínculo matrimonial segundo a lei brasileira, embora já divorciado o casal no estrangeiro. (CAHALI, 2005: 1336)

Uma questão que não se apresenta como caso de homologação, mas sim de competência da autoridade judiciária brasileira, é o caso de divórcio consensual de cônjuges que residam no exterior, mas que contraíram o casamento perante o Estado Brasileiro:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DIVÓRCIO DIRETO CONSENSUAL. CASAMENTO REALIZADO NO BRASIL. CÔNJUGES RESIDENTES NO EXTERIOR. COMPETÊNCIA DA AUTORIDADE JUDICIÁRIA BRASILEIRA. INTELIGÊNCIA DO ART. 88, III, DO CPC.

1. Embora atualmente os cônjuges residam no exterior, a autoridade judiciária brasileira possui competência para a decretação do divórcio se o casamento foi celebrado em território nacional. Inteligência do art. 88, III, do CPC.

2. Recurso especial provido.

(REsp 978.655/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 08/03/2010).

Enfim, se faz necessária a análise do caso concreto para se identificar o tratamento adequado em nosso ordenamento jurídico, para situações de divórcio no estrangeiro, ou mesmo no território brasileiro, que envolvam pelo menos um dos cônjuges brasileiro.


3. A partilha de bens

No que concerne à partilha de bens, Dolinger & Tiburcio (2020) tratam da discussão já ao se referirem à equivocada bilateralização das normas do Direito Processual Internacional, uma vez que as normas de Direito Público não podem ser bilateralizadas e o exemplo dado pelos autores é muito claro: o art. 12, I, a, da CF que estabelece que quem nasce no Brasil é brasileiro não pode ser bilateralizado para determinar que quem nasce na França é francês (DOLINGER & TIBURCIO, 2020: 749) cabendo ao juiz apenas a aplicação da lei processual do local em que exerce jurisdição. Mas qual a relação da partilha de bens com essa bilateralização equivocada?

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Dolinger & Tiburcio (2020) consideram que o art. 23. do CPC/15 teve má técnica jurídica ao reproduzir o art. 89. do CPC/73, que já previa a competência absoluta e exclusiva da autoridade judiciária brasileira para as ações sobre as quais dispõe (imóveis no país e partilha de bens situados no Brasil), mas que não poderia excluir a jurisdição estrangeira, afinal trata-se de impedir que outro Estado tenha interesse no exercício de sua jurisdição no exterior, no que se refere a imóveis situados no Brasil ou a inventários e partilhas de bens aqui situados, o que não é possível.

Entretanto, tal equívoco pode ser encontrado em decisões judiciais, como um julgado do TJSP citado pela doutrina consultada, o Agravo de Instrumento nº 144.545.4/2, da 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Cunha Cintra, julgado em 30 de março de 2000, cuja ementa diz:

Partilha Dinheiro depositado em banco estrangeiro Inadmissibilidade Inteligência do art. 89, II, do CPC Compete à jurisdição brasileira inventariar e partilhar apenas os bens situados no Brasil Recurso não provido. (TJSP, j. 30.03.2000, Agravo de Instrumento nº 144.545.4/2, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Cunha Cintra)

Conforme afirmam Dolinger & Tiburcio (2020), dispunha o art. 89, II, do CPC/1973 que competia à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra: I (...); II proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional. E o citado julgado do TJSP acabou por interpretar o dispositivo entendendo que se o bem a ser inventariado e partilhado não estivesse no Brasil, não caberia fazê-lo à Justiça brasileira, mas à Justiça do local onde o bem estivesse situado, em uma equivocada e flagrante bilateralização de normas do Direito Processual Internacional, uma vez que apenas a legislação de um determinado país estrangeiros pode determinar sua competência, e jamais a legislação brasileira.

Na mesma esteira, o famoso caso de Dirce Quadros, filha do ex-presidente brasileiro Jânio Quadros, que teve negada, pelo mesmo TJSP, sua pretensão de enviar carta rogatória à Suíça, para descobrir depósitos bancários feitos pelo seu pai por lá. E o pior: com a decisão sendo mantida pelo STJ (!), nos termos da ementa abaixo transcrita:

Processual civil. Inventário. Requerimento para expedição de carta rogatória com o objetivo de obter informações a respeito de eventuais depósitos bancários na Suíça. Inviabilidade. Adotado no ordenamento jurídico pátrio o princípio da pluralidade de juízos sucessórios, inviável se cuidar, em inventário aqui realizado, de eventuais depósitos bancários existentes no estrangeiro.

(STJ, DJ 19.12.2002, REsp nº 397769, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi)

Com essa decisão do STJ, o que se afirmou foi que a Justiça brasileira não poderia proceder ao inventário e partilha de bens no exterior, mas também não poderia solicitar informações à Justiça estrangeira do lugar onde estivessem situados os bens, acerca de sua existência e valores (DOLINGER & TIBURCIO, 2020: 752).

É este, portanto, o grande debate envolvendo partilha de bens no Direito de Família Internacional a partir do entendimento jurisprudencial brasileiro: a interpretação a partir do art. 23. do CPC/15 (ou do art. 89. do CPC/73) que compreende que se o bem a inventariar e partilhar estiver no exterior, cabe ao Judiciário estrangeiro inventariá-lo e partilhá-lo. Como afirmam Dolinger & Tiburcio (2020):

Embora tecnicamente incorreta, essa decisão não é isolada: nossos tribunais têm bilateralizado normas sobre competência internacional, recusando-se a conhecer litígios envolvendo sobretudo bens imóveis situados no exterior, com base na errônea interpretação a contrario sensu do art. 89, I, do CPC de 1973 (art. 23, I, do CPC de 2015). O juiz brasileiro pode, eventualmente, se recusar a conhecer de um litígio que envolva imóveis no exterior mesmo quando o réu tenha domicílio no Brasil (art. 88, I, de 1973, mantido no art. 21, I, do CPC de 2015) com base no princípio da efetividade, caso constate que sua decisão não será exequível no outro país; nesta hipótese, não julgará o litígio mas o fundamento dessa recusa não é o art. 89, I, do CPC de 1973 ou o art. 23, I, do CPC de 2015 (que só deve ser aplicado para fixar a competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira) , e sim o princípio da efetividade, do qual se infere que não se deve proferir uma decisão que não possa ser executada. (DOLINGER & TIBURCIO, 2020: 753)

No mesmo sentido do entendimento acima criticado pode ser citado, por exemplo, outro julgamento do STJ, o REsp 37356, Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em 22 de setembro de 1997, cuja ementa segue transcrita abaixo:

Inventário. Sobrepartilha. Imóvel sito no exterior que escapa a jurisdição brasileira. O juízo do inventário e partilha não deve, no Brasil, cogitar de imóveis sitos no estrangeiro. Aplicação do art. 89, inc. II, do CPC. Recurso Especial não conhecido. (STJ - REsp: 37356 SP 1993/0021262-1, Relator: Ministro BARROS MONTEIRO, Data de Julgamento: 22/09/1997, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 10.11.1997 p. 57768. LEXSTJ vol. 103. p. 76. RDR vol. 10. p. 282. RSTJ vol. 103. p. 243)

Tal constatação nos leva a afirmar que, diante da controvérsia se o Judiciário brasileiro pode partilhar bens situados no exterior, a maioria das decisões entendem que o Judiciário estrangeiro só pode partilhar bens situados no Brasil. O que não impede, por exemplo, que o correto entendimento não possa orientar o julgador, como foi o caso da mais recente decisão do STJ acerca de partilha de bens que aqui referiremos, no RESp 1552913, julgado em novembro de 2016, cuja ementa transcrevemos abaixo:

CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE CONJUGAL. PARTILHA DE BENS. CPC/73, ART. 89, II. DEPÓSITO BANCÁRIO FORA DO PAÍS. POSSIBILIDADE DE DISPOSIÇÃO ACERCA DO BEM NA SEPARAÇÃO EM CURSO NO PAÍS. COMPETÊNCIA DA JURISDIÇÃO BRASILEIRA.1. Ainda que o princípio da soberania impeça qualquer ingerência do Poder Judiciário Brasileiro na efetivação de direitos relativos a bens localizados no exterior, nada impede que, em processo de dissolução de casamento em curso no País, se disponha sobre direitos patrimoniais decorrentes do regime de bens da sociedade conjugal aqui estabelecida, ainda que a decisão tenha reflexos sobre bens situados no exterior para efeitos da referida partilha. 2. Recurso especial parcialmente provido para declarar competente o órgão julgador e determinar o prosseguimento do feito.

(STJ - REsp: 1552913 RJ 2008/0194533-2, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 08/11/2016, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/02/2017)

Considerado paradigmático, o que estabeleceu este julgado histórico da Quarta Turma do STJ, a partir de ação de divórcio ajuizada no Brasil por ex-cônjuge que possuía como bem à época do divórcio dinheiro depositado nos Estados Unidos? Que a Justiça brasileira é competente para processar o inventário e a partilha de dinheiro depositado no exterior em caso de ação de divórcio! Sendo que a ação, na segunda instância, no TJRJ, havia tido sentença reformada pelo entendimento do tribunal de que a Justiça brasileira não seria competente para executar sentenças relacionadas a bens situados fora do país.

Contudo, a particularidade deste julgado, é que o dinheiro foi considerado bem fungível e não um bem situado no exterior, conforme alegado pela recorrente, tendo a relatora julgado procedente sua alegação, visando garantir seu direito de crédito.

Ademais, como desde 2007 temos a previsão do Inventário Extrajudicial, ou seja, por via administrativa, também é importante citarmos o que diz a Resolução CNJ 35/2007, que disciplina a aplicação da Lei nº 11.441/07 pelos serviços notariais e de registro, e em seu art. 29. veda a lavratura de escritura pública de inventário e partilha referente a bens localizados no exterior, não sendo, portanto, possível sequer administrativamente (em um cartório) se lavrar escritura pública de inventário e partilha que se refiram a bens localizados no exterior, tendo de haver judicialização neste caso, mesmo diante da controvérsia que apontamos acima, que acaba por fazer com que caiba ao entendimento do julgador a melhor interpretação do art. 23. do CPC/15 no que diz respeito a partilha de bens situados no exterior, até que o legislador possa dirimir a questão, modificando este dispositivo.

Por fim, cabe um último adendo: o equívoco do art. 89, II, do CPC/73 era, como visto, determinar que competia à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra (determinando competência exclusiva da Justiça brasileira), proceder a inventário e partilha de bens situados no Brasil. Conforme exposto, tal bilateralização é equivocada.

Como afirmam, porém, Dolinger & Tiburcio (2020), o art. 89, II, era aplicado pela jurisprudência, inicialmente, tanto para inventários e partilha causa mortis e inter vivos, tendo havido mudança de entendimento posterior, com a adoção da interpretação de que o dispositivo somente se aplicaria a inventário e partilha causa mortis, orientação que, segundo os autores, corresponde à jurisprudência atual do STJ, apesar de reiterarem que o art. 23. do CPC de 2015 adotou a posição original da jurisprudência, tratando como competência exclusiva o inventário e partilha causa mortis e inter vivos (DOLINGER & TIBURCIO, 2020: 778)

Contudo, cabe uma menção a uma decisão recente: se conforme o art. 23, III, do CPC de 2015 a partilha de bens imóveis situados no Brasil, em decorrência de divórcio ou separação judicial, é competência exclusiva da Justiça brasileira, nossa jurisprudência brasileira admite que a Justiça estrangeira venha a ratificar acordos que as partes firmaram, independentemente do imóvel estar situado no Brasil, conforme o entendimento do STJ no SEC nº 15639 (STJ - SEC: 15639 EX 2016/0109324-1, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 04/10/2017, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 09/10/2017).

Sobre os autores
Carlos Eduardo Oliva de Carvalho Rêgo

Advogado (OAB 254.318/RJ). Doutor e mestre em Ciência Política (UFF), especialista em ensino de Sociologia (CPII) e em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário (FF/PR), bacharel em Direito (UERJ), bacharel e licenciado em Ciências Sociais (UFRJ), é professor de Sociologia da carreira EBTT do Ministério da Educação, pesquisador e líder do LAEDH - Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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