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Inaplicabilidade da prescrição na execução trabalhista

14/07/2007 às 00:00
Leia nesta página:

            "O bem comum é a soma do bem coletivo com cada bem individual"

(São Tomás de Aquino)


            Assunto polêmico é a incidência da prescrição na execução trabalhista. As divergências ultrapassam a doutrina e refletem nas decisões proferidas pelos tribunais brasileiros.

            O TST editou a seguinte súmula:

            "TST Enunciado nº 114 - RA 116/1980, DJ 03.11.1980 É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente."

            Já a súmula 150 STF assim dispõe:

            "150 - Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação."

            Ao tratar do tema, Sérgio Pinto Martins [01] sustenta que a prescrição intercorrente é o caso "processo ficar parado na fase de execução por muito tempo" e "não se trata de prescrição que deva ser alegada na fase de conhecimento, mas de prescrição ocorrida na fase de execução, posteriormente à senetença". (grifos nossos).

            Mas a prescrição intercorrente, ao contrário do que leciona o citado jurista, é aquela que ocorre, durante o transcurso processo de conhecimento, no caso deste ficar parado por muito tempo - daí a sua denominação.

            Colocando-se de lado, por não ser objetivo deste trabalho, a discussão acerca da existência ou não da prescrição intercorrente, fato incontroverso é a sua inaplicabilidade ao processo do trabalho, em qualquer das suas fases, não só por força do acertado enunciado do TST, mas também em razão das peculiaridades do direito do trabalho, consoante restará demonstrado nas linhas que seguem.

            Entretanto existem ainda outras questões envolvendo a aplicabilidade da prescrição, que não a intercorrente, no processo do trabalho.

            Neste sentido, posicionamento que merece destaque é o de Rodrigues Pinto. Para fundamentar sua tese, parte este autor do entendimento segundo o qual a execução no processo do trabalho é nova pretensão, formulada em ação autônoma, sob título novo, estando, destarte, suscetível à incidência da prescrição sobre o direito de reclamar das partes, previsto no art. 7º, XXIX da C.F, "que começa a contar-se com o transito em julgado da decisão de conhecimento". [02]

            Portanto, de acordo com esta corrente doutrinária, o reclamante que não ajuíza a "ação de execução trabalhista" [03], no prazo que dispunha para reclamar, teria sua pretensão prescrita.

            Corroborando com referida tese, Rodolfo Pamplona demonstra sua consolidação com base no art. 884 da CLT, pois o seu parágrafo segundo positiva a prescrição como uma das matérias de defesa alegada nos embargos do executado. Lembra o magistrado baiano que "... a prescrição aludida no supramencionado título normativo não pode ser a prescrição da dívida pelo decurso por mais de dois anos da extinção do vínculo empregatício, eis que esta se encontra abarcada pelo transito em julgado da decisão, que deve tê-la afastado, mas sim a prescrição do direito de ação de execução, pelo decurso de prazo suficiente para prescrever o título executivo trabalhista." [04]

            Com esses fundamentos conclui : a) a execução trabalhista se trata de processo autônomo, baseado em título executivo próprio; b) que pela sua natureza de processo é perfeitamente aplicável à execução o instituto jurídico da prescrição; c) e que, por estas razões, prescreve a execução trabalhista no mesmo prazo de prescrição da reclamação que a originou. [05]

            Certamente, esses autores apóiam-se nos ensinamentos colhidos da obra magna de Araken de Assis, para quem o nosso ordenamento acolheu a denominada prescrição superveniente. Segundo Araken de Assis, "as exceções impeditivas, modificativas ou extintivas atendíveis, via embargos, se cingem àquelas verificadas posteriormente à última oportunidade de alegação no processo de conhecimento." Ainda de acordo com este consagrado jurista, "elas devem ser "supervenientes à sentença", emitida no processo de conhecimento imediatamente anterior [06]". (grifos nossos).

            Certo, para esta doutrina, é que a prescrição poderá ser argüida em qualquer grau de jurisdição e "em qualquer fase processual: na contestação, na audiência de instrução e julgamento, nos debates, em apelação, em embargos infringentes, sendo que no processo em fase de execução não é cabível a argüição da prescrição, exceto se superveniente à sentença transitada em julgado [07]." Ou seja, existem duas espécies de prescrição: a geral e a superveniente (grifos aditados).

            A prescrição superveniente - aplicável à execução trabalhista para os supracitados autores - seria desta forma, aquela que ocorre após a sentença, alegável via embargos do executado.

            Data maxima vênia, também discordamos deste posicionamento, com base nos mesmos fundamentos já brevemente expostos alhures para rechaçar a incidência no processo do trabalho da denominada "prescrição intercorrente".

            Expliquemos. O Direito do Trabalho é ramo autônomo do Direito. Possui regime jurídico específico, com normas - princípios e regras - próprias.

            E não se pode olvidar que dentre estas normas encontra-se em posição de destaque, como forma de assegurar o princípio da igualdade substancial, o princípio da proteção ao hipossuficiente, qual seja, o trabalhador, o obreiro, quem mereceu tratamento especial da nossa Carta Cidadã, que inseriu os seus direitos entre as garantias fundamentais.

            Não é por outra razão que a legislação trabalhista consagra normas peculiares, dentre elas a outorga legal do jus postulandi às partes e a não incidência da prescrição enquanto não forem localizados o devedor ou seus bens.

            Também por esta razão o processo do trabalho é uno. A CLT prevê o impulso "ex ofício" da execução, independente de pedido do credor ou de ajuizamento de nova demanda. Proposta a reclamação inicia-se o processo trabalhista que somente se encerrará após a execução do comando sentencial, sendo desnecessária a propositura de uma nova ação, para que se faça cumprir a sentença.

            "No processo do trabalho, na maioria dos casos, ao contrário do civil, execução não é processo, é fase. Terminada a fase de conhecimento, depois de proferida a sentença e com seu transito em julgado temos a fase de execução. No processo do trabalho, não existe ação de execução autônoma, como no processo civil. Existe fase de execução, que é o cumprimento forçado da determinação da sentença."

[08]

            Ou seja, a execução trabalhista não constitui ação e nem propriamente processo, mas apenas fase imediatamente seqüente ao rito de cognição, o que decorre da sua natureza especial.

            Sendo a ação " o direito de pedir a tutela jurisdicional do Estado no tocante a uma pretensão insatisfeita" [09] e a prescrição "a perda do direito de pleitear reparação de qualquer ato que venha infrigir a legislação trabalhista, em razão do decurso do prazo legal, computando a partir do término do contrato de trabalho ou da lesão a direto" [10], e, como dito acima, não havendo ‘ação de execução" no processo do trabalho, nem previsão expressa quanto ao prazo prescricional desta, não há, nem pode haver, prescrição do direito de promover a "ação de execução trabalhista".

            Com estas idéias, cumpre transcrever e analisar o que preceitua a Carta Magna:

            "Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

            XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;"

(grifamos)

            Como se vê, não há nenhuma referência à execução, mas à reclamação, à extinção do contrato de trabalho. Por isto, inaplicável a prescrição à execução trabalhista. Mesmo porque, na irrepreensível lição de Pontes de Miranda "as regras jurídicas sobre a prescrição hão de ser interpretadas estritamente, repelindo-se a própria interpretação analógica [11]". (grifamos)

            Logo, não havendo previsão legal expressa quanto à incidência da prescrição na execução trabalhista e qual o seu prazo, esta não deve ser imposta ao processo do trabalho através de uma interpretação extensiva da norma constitucional. Ora, não se pode aplicar ao direito de executar o quanto disposto acerca do direito de reclamar, sob pena de criar-se obrigação aonde não a lei não cria, o que é vedado pela nossa Carta (art. 5º, II).

            Isto nada mais é do que reflexo do regime jurídico especial ao qual está sujeito ao direito do trabalho fundado, repita-se, na proteção ao trabalhador.

            Foi atendendo a esta necessidade, a este e interesse social impregnado na Constituição da República e onde haja a presença de um Estado Democrático Social de Direito, que o legislador previu que a execução, no processo trabalhista, pode decorrer de impulso oficial.

            E esta particularidade, essa regra, de caráter excepcional, bem como todos seus efeitos, repercutem diretamente no procedimento das execuções trabalhistas, pelo que o processo do trabalho merece tratamento especial, diverso daquele conferido ao processo civil, ao menos quanto a alguns institutos – e a prescrição, seja a geral, seja superveniente é um deles.

            Neste sentido, ensina Isis de Almeida que não há ação de execução neste ramo do direito, "pois de um contrato de trabalho não se originam títulos ou obrigações autônomos que propiciem essa forma judicial de execução." [12]

            Portanto, tendo em vista estas e outras particularidades tais quais a possibilidade de impulso da execução por ato do Juízo [13], jus postulandi e a existência apenas e tão somente de título executivo judicial, não há que se falar em prescrição da fase de execução trabalhista.

            Lembre-se, afinal, que "a norma jurídica é legítima – dotada de legitimidade – quando existir correspondência entre o comando nela substanciado e o sentido admitido e consentido pelo todo social, a partir da realidade coletada como justificadora do preceito normatizado." [14]

            Outrossim, "... as leis do trabalho estão à margem do Direito comum, se movem em outro plano, se inspiram em outros princípios, respondem a outras necessidades bem diversas e têm objetivos distintos" [15].

            Por imposição legal o operador e o cientista do direito não pode aplicar qualquer norma trabalhista afastando-se desta premissa, cuja base fundamental é a Constituição Federal e sua ordem social – em especial o art. 7º.

            Portanto, pedimos vênia para afirmar que não há que se falar em prescrição da "ação de execução trabalhista".

            Todavia, é preciso ressalvar que o executado não estará absolutamente refém do tempo, dos interesses, tão pouco da desídia do exeqüente e da insegurança jurídica que uma demanda interminável pode gerar.

            Isto porque, a despeito da inaplicabilidade da prescrição na fase de execução trabalhista, o nosso Código de Processo Civil determina em seu art. 267, esse sim de aplicação subsidiária ao processo do trabalho porque não conflitante com o regime jurídico ao qual este se submete, que:

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            "Art. 267. Extingue-se o processo, sem julgamento do mérito:

            III - quando, por não promover os atos e diligências que lhe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;

            § 1o O juiz ordenará, nos casos dos ns. II e Ill, o arquivamento dos autos, declarando a extinção do processo, se a parte, intimada pessoalmente, não suprir a falta em 48 (quarenta e oito) horas"

            E a súmula 216 do STF, completa:

            "216 - Para decretação da absolvição de instância pela paralisação do processo por mais de trinta dias, é necessário que o autor, previamente intimado, não promova o andamento da causa."

            Verificada a inércia do reclamante na fase de execução, deve o Juiz aplicar as normas processuais supracitadas.

            Destarte, quando a execução trabalhista estiver paralisada por culpa do reclamante, este deve ser intimado - pessoalmente e independentemente de está assistido ou não por advogado - a praticar o ato necessário ao prosseguimento do feito, nos termos do art. 267, III, §1º.

            Somente depois de decorrido in albis o prazo de 48 hs para manifestar seu interesse no prosseguimento da execução, deve o magistrado extinguir o processo.

            Acreditamos ser esta a exceção, que a CLT, em seu art. 884 denomina equivocadamente de prescrição e aponta como matéria de defesa a ser suscitada em sede Embargos a Execução.

            Isto posto, urge ressaltar, por fim, que o que aqui é sustentado não se trata de buscar a ´´eternização´´ das execuções, mas sim de garantir maior espectro temporal para a efetividade da execução das verbas trabalhistas de natureza, ressalte-se, alimentar.

            Outra não é finalidade precípua do processo do trabalho: conferir plena aplicabilidade as suas normas para tutela dos direitos e garantias constitucionais e infraconstitucionais do trabalhador, o que inclui uma execução eficaz [16].


Referências

            ALMEIDA, Isis de. Manual de Direito Processual do Trabalho, 9ª ed., São Paulo: LTr, 1998.

            _____. Manual de Prescrição Trabalhista, 2ª ed., São Paulo: LTr, 1994.

            _____. Processo de Conhecimento e Processo de Execução Trabalhista", 4ª ed., São Paulo: LTr, 1994

            ASSIS, Araken. Manual do Processo de Execução. 8ª ed., São Paulo: RT, 2002.

            DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 10 ª ed, São Paulo: Saraiva, 2004

            _____. Dicionário Jurídico, vol. 3, São Paulo: Saraiva, 1998.

            FILHO, Manoel Antônio Teixeira. Execução no processo do trabalho, 4ª ed., São Paulo: LTR, 1994.

            FILHO, Rodolfo Pamplona. Prescrição Trabalhista: Questões Controvertidas, São Paulo: LTR, 1996.

            _____, Coordenador. Processo do Trabalho: Estudos em homenagem ao professor Rodrigues Pinto, São Paulo: LTr, 1997.

            MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT, 5ª ed., São Paulo: Atlas, 2002.

            MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, Tomo VI, p. 146, Campinas: Bookseller, 2000.

            PINTO, José Rodrigues. "Execução Trabalhista", 16ª ed., São Paulo: LTR, 2002.

            SÜSSEKIND, Arnaldo e outros. Instituições de Direito do Trabalho, 16ª ed., São Paulo: LTr, 2002.


NOTAS

            01

Martins, Sérgio Pinto. Comentários à CLT, 5ª ed., p. 871, São Paulo: Atlas, 2002.

            02

Pinto, José Rodrigues. "Execução Trabalhista", 16ª ed., p. 91/92 São Paulo: LTR, 2002.

            03

Aqui utilizado entre aspas, pois, em rigor, não existe ação de execução trabalhista, consoante os termos da Lei.

            04

Pamplona, Rodolfo. Prescrição Trabalhista: Questões Controvertidas, p.50, São Paulo: LTR, 1996.

            05

Idem.

            06

Assis, Araken. Manual do Processo de Execução. 8ª ed, p. 1201, São Paulo: RT, 2002.

            07

Diniz, Maria Helena. Código Civil Anotado, 10 ª ed., p. 203. São Paulo: Saraiva, 2004

            08

FILHO, Manoel Antônio Teixeira. Execução no processo do trabalho, 4ª ed., p. 38. São Paulo: LTR, 1994.

            09

Marques, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil, vol. 1, 1ª ed., p. 227, Campinas: Bookseller, 1997.

            10

Diniz, Maria Helena. Dicionário Jurídico, vol. 3, p. 698, São Paulo: Saraiva, 1998.

            11

Miranda, Pontes de. Tratado de Direito Privado, Tomo VI, p. 146, Campinas: Bookseller, 2000.

            12

Almeida, Isis de. Manual de Direito Processual do Trabalho, 9ª ed., p.281, São Paulo: LTr, 1998.

            13

No sentido do texto, Manuel Teixeira Filho in "Liquidação da sentença no processo do trabalho".

            14

Grau, Eros. O Direito posto e o Direito Pressuposto, 3ª ed, p. 59. São Paulo: Malheiros, 2000.

            15

Süssekind, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho, LTR, 16ª ed., pág. 147

            16

É o que também pretende, ainda que tardiamente, o próprio processo civil. Seguindo a linha da legislação trabalhista passou após a atual reforma do CPC ( a partir da Lei 11.232/2005) a simplificar a execução na esfera cível, assemelhando-a ao que já era praticado no direito laboral.
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Sobre o autor
Georges Louis Hage Humbert

Advogado e professor. Pós-doutor pela Universidade de Coimbra. Doutor e mestre em direito do Estado pela PUC-SP. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de São Paulo. www.humbert.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HUMBERT, Georges Louis Hage. Inaplicabilidade da prescrição na execução trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1473, 14 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10143. Acesso em: 22 dez. 2024.

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