Da vedação de contratos de trabalho simultâneos com o mesmo empregador.

16/12/2022 às 14:53
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Trata-se de vedação imposta pela CLT, por questões de incompatibilidades com as normas de saúde e segurança do trabalho.

A vedação de contrato simultâneo com o mesmo empregador é uma imposição feita pelas regras de direito do trabalho (legais e não constitucionais).

Tanto é assim, que para os servidores públicos submetidos ao regime estatutário, em tese, seria possível a internalização de dois vínculos com o mesmo órgão ou entidade pública, tendo em vista a inexistência, nos regramentos que lhe são próprios, de paridade em relação à teoria do empregador único, às normas de saúde e segurança do trabalho (intervalo entre jornadas) e aos regramentos específicos para o repouso semanal remunerado, folgas e trabalho em dia de feriado.

Nesse sentido, é possível afirmar que o art. 37, XVI, da Constitucional Federal trata da acumulação remunerada de cargos, prevendo as hipóteses excepcionais em que seria possível, que servidor público (lato sensu) seja duplamente remunerado, em razão da acumulação de cargos. Não se pode afirmar, por outro lado, que tal dispositivo autoriza, de forma genérica e irrestrita, a duplicidade de vínculos de qualquer natureza, independente de normas específicas.

Para reforçar a afirmação acima, cita-se o posicionamento do STJ sobre a impossibilidade de acumulação de dois cargos técnicos em radiologia, tendo em vista que a pretensa acumulação remunerada de cargos públicos fere o disposto na Lei nº 7.394/85, norma infraconstitucional específica, que rege o referido cargo e impõe que a carga horária máxima da profissão está limitada em 24 horas semanais. (Agint no Resp 1590182/DF- Rei. Min Regina Helena Costa - Primeira Turma - DJ 07/02/2017, AgRg no Aresp 138186/PE - Rei. Min. Herman Benjamin - Segunda Turma- DJ 13/11/2012 e AgRG no Resp 823913/RS- rei. Maria Thereza de Assis Moura- Sexta Turma - DJ 01/06/2010).

Verifica-se que a lei que regulamenta a profissão traz um limite máximo de jornada, qual seja, 24 horas semanais, impondo restrição quanto à jornada de trabalho, que é considerada como regra protetiva ao trabalhador, em razão dos danos que podem ser causados a sua saúde pela exposição excessiva às substâncias radioativas, e, como consequência, limita a acumulação remunerada de dois cargos públicos de técnico de radiologia.

Fica evidente aqui que a previsão constitucional que autoriza, de forma excepcional, a acumulação remunerada de cargos públicos não é direito absoluto ou irrestrito, admitidas, por expressa disposição legislativa, limitações. Nesse sentido, a acumulação remunerada de cargos públicos deve ser sopesada com outros dispositivos infraconstitucionais aplicáveis.

De acordo com o Princípio da Legalidade, previsto no art. 37, caput, e art. 5º, II da Constituição Federal, aos particulares vigora a legalidade ampla, ou seja, a atuação estaria restrita somente às limitações impostas expressamente pela lei, em contrapartida, para a Administração Pública, vigora a legalidade estrita, ou seja, sua atuação está vinculada ao que for autorizado pela legislação. Assim sendo, não cabe a Administração Pública atuar quando a lei não veda determinada conduta, mas tão-somente quando a legislação assim autoriza.

O art. 2º, §2º, da CLT estabelece a Teoria do Empregador Único, sendo assim a celebração de um novo contrato de trabalho com o mesmo empregador pode gerar o reconhecimento da unicidade contratual, fazendo com que a carga horária de trabalho do empregado seja superior ao limite máximo legal, o que gerará a responsabilização da empregadora. Confira-se:

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

(...)

§ 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego.

De acordo com tal teoria, mesmo em situações de empresas distintas, mas pertencentes ao mesmo grupo econômico, reconhece um contrato único de emprego, ainda que formalmente tenha sido entabulado dois contratos de trabalhos distintos.

Acerca o tema de contrato simultâneo com o mesmo empregador, o professor Arnaldo SUSSEKIND, quando Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, manifestou-se contrariamente a tal possibilidade, isto tendo por fundamentos os próprios objetivos e fundamentos do Direito do Trabalho que não se coadunariam com a manutenção de dois contratos de trabalho entre empregado e empregador, ao argumento de que, em tal hipótese, estar-se-ia permitindo a prestação de serviços além do limite máximo estabelecido em Lei.

O fenômeno da promiscuidade contratual é abordado pela doutrina e jurisprudência justamente nos casos em que há violação à teoria do empregador único, de modo que não se pode entender como o Poder Judiciário chancelaria tal condição, prejudicando, inclusive, o próprio trabalhador.

O próprio texto constitucional menciona a necessidade de compatibilidade de horários, o que, por óbvio não é evidenciada pela mera não sobreposição de horários. As demais nuances constitucionais, administrativas e trabalhistas acerca do tema necessariamente devem ser abordadas, a exemplo dos intervalos entre jornadas, carga horária semanal total de labor, permissão de horas extraordinárias, instituto das férias e descanso semanal remunerado, dentre outros.

Deve ser levado em conta ainda as peculiaridades que envolvem o cotidiano de um contrato de trabalho, como direitos e garantias a serem observadas e fiscalizações administrativas a que o empregador se vê submetido de forma contínua, demonstrando a inviabilidade prática e impactos negativos para a hipótese de permitir a acumulação de contratos de trabalhos simultâneos com o mesmo empregado de uma estatal.

Enfrentando de maneira pormenorizada a questão, importante ponderar, que sendo o mesmo empregador e laborando o empregado na mesma função em locais/setores diferentes, certamente sobreviriam diversas inconsistências:

· O cumprimento da carga horária estipulada em cada unidade, excedendo o limite diário e/ou semanal de carga horária, implicaria no pagamento de horas extras?

· O cometimento de falta grave em uma das unidades implicaria na aplicação de justa causa e consequentemente extinção do vínculo empregatício. Tal fato põe fim ao labor em ambas as unidades ou em apenas uma?

· Terá o empregado direito a duas férias, décimo terceiro em ambos os contratos?

· Em caso de concessão de duas férias, deverá acontecer no mesmo período? Mas o período concessivo pode não coincidir.

· Benefícios garantidos em regramento interno e norma coletiva, a exemplo de auxílio alimentação e benefício plano de saúde seriam percebidos em duplicidade.

Aceitar o contrato simultâneo representa, inclusive, uma violação à Constituição Federal, em vários aspectos, dentre eles na limitação da carga horária semanal. É óbvio que em qualquer modalidade de jornada de trabalho que se adote, a norma constitucional estará sendo violada, pois mesmo que sendo trabalhando na condição de diarista, ou na forma de plantão 12x36 ou mesmo plantão 24x72, de qualquer modo a jornada máxima prevista na CF restará ultrapassada.

Nesse sentido, a Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, nos autos do Processo Judicial nº 0000388-15.2019.5.13.0012, entendeu:

Por outra parte a Constituição Federal, no art. 7º estabelece: "XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho". Da leitura do dispositivo legal transcrito verifica-se que a jornada de trabalho máxima permitida é de 08 horas diárias, facultada a redução de jornada e não o aumento. Deferir a pretensão da autora seria violar a Constituição, pois implicaria em permitir-lhe jornada laboral de 12 horas diárias. O judiciário não pode coonestar tal violação.

Não é à toa que a legislação trabalhista prevê o empregador único, não é para prejudicar nenhuma das partes da relação laboral. É para proteger, é para resguardar, principalmente o empregado.

Somado a isso, merece destaque ainda o que dispõe a Portaria nº 1.510/2009 do então Ministério do Trabalho e Emprego, em relação ao registro de frequência dos empregados celetistas.

Os equipamentos de registro eletrônico de ponto da REQUERIDA observam tal previsão normativa, que disciplina o registro eletrônico de ponto e a utilização do Sistema de Registro Eletrônico de Ponto, e traz em seu anexo I - Leiaute dos arquivos, as características obrigatórias para o arquivo fonte de dados (AFD) que é produzido pelo REP e processado em sistema de ponto eletrônico. Assim como observam a Portaria nº 595 do INMETRO.

De modo que o único identificador do empregado, que o vincula a marcação de ponto em um registro no formato do arquivo AFD, é o número do PIS. No registrador eletrônico de ponto (REP), observa-se que os dados de cadastro de um funcionário são apenas: nome, PIS, as biometrias cadastradas e até dois números de referência. Não sendo possível, portanto, dois cadastros diferentes para o mesmo empregado, portador do mesmo número do PIS. Dessa forma, todos os registros eletrônicos realizados pelo empregado são condensados e lançados no sistema dentro do mesmo cadastro.

É de se fazer o registro no sentido de que os Tribunais Regionais da Justiça do Trabalho já se manifestaram sobre as complicações e agravos que a formação de dois contratos de trabalho com o mesmo empregador poderia causar, em especial quanto à jornada:

HORAS EXTRAS. CONTRATOS DE TRABALHO CELEBRADOS CONCOMITANTEMENTE COM O MESMO EMPREGADOR. Trabalhando o empregado para o mesmo empregador, exercendo a mesma função, em dois turnos distintos, incabível considerar-se a existência de dois contratos de trabalho, entendendo-se pela ocorrência de novação contratual, devendo ser considerada toda a carga horária trabalhada, incluindo aquela acrescida por meio desta nova contratação (Processo 0000840-52.2011.5.04.0401-RO. TRT 4ª Região. Relator Desembargador Clóvio Fernando Schuch Santos. Julg. 21.06.2012)

Em recente decisão, a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, inclusive, já se manifestou de forma expressa a respeito de caso concreto de empregado da REQUERIDA, sendo imperiosa a transcrição da ementa e trecho do julgado como forma de robustecer a tese ora esposada. Vejamos trechos referentes à decisão colegiada proferida no processo judicial nº 0000233- 42.2018.5.21.0006:

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Ementa: Concurso público - Acumulação de cargos públicos - Hipótese do art. 37, XVI, alínea "c", da CF - Compatibilidade de horários não verificada. Os cargos de médico do Hospital Universitário Maternidade Escola Januário Cicco - MEJC, e de médico do Hospital Universitário Onofre Lopes - HUOL, não são acumuláveis, porque não há compatibilidade de horários, requisito exigido pelo art. 37, XVI, "c", da CF. De toda sorte, diante da particularidade de que o autor pretende acumular dois cargos relativos ao mesmo empregador, e tendo em vista que a acumulação remunerada de cargos públicos é exceção, há de prevalecer a teoria negativista, segundo a qual não é possível que o empregado mantenha dois ou mais contratos de trabalho com a mesma empresa, principalmente em tal circunstância, com prejuízo às pessoas que dependem dos serviços a serem prestados pelo médico. Assim, deve ser reformada a sentença, para julgar improcedente a reclamação trabalhista. Recurso provido.

(...)

Voto

(...)

Ainda que houvesse compatibilidade de horários, o caso concreto exibe a particularidade de que o reclamante pretende acumular cargos relativos ao mesmo empregador. Dessa forma, e tendo em vista que a acumulação remunerada de cargos públicos é situação excepcional, há de prevalecer a teoria negativista, segundo a qual não é possível que o empregado mantenha dois ou mais contratos de trabalho com o mesmo empregador: "Os fundamentos e objetivos do Direito do Trabalho desaconselham a coexistência de dois contratos de trabalho entre as mesmas partes, com o que se legitimaria a prestação de serviços além dos limites imperativos atinentes a jornada de trabalho" (SUSSEKIND, Arnaldo apud GONÇALVES, Emílio. Contrato de trabalho: aspectos gerais e especiais de sua problemática. São Paulo: Atlas, 1978, p. 48, excerto disponível em https://www.jusbrasil.com.br/, artigo A (IM) Possibilidade do Duplo Contrato de Emprego com o mesmo Empregador, de autoria de Fernanda Lampugnani).

Realmente, os dois contratos de trabalho do autor com a EBSERH não teriam desenvolvimento independente, em especial no tocante às obrigações do empregador, por exemplo, quanto à limitação de jornada e concessão de férias (estas teriam de coincidir, sob pena do autor não usufruir do repouso anual efetivamente). Por derradeiro, ressalte-se que, verificada a incompatibilidade dos horários de trabalho dos cargos que o reclamante pretende acumular, a alegação de que existem outros médicos acumulando dois contratos de 24 horas semanais com a EBSERH (ver listagem na inicial, ID. a8902b6 - Pág. 11) não serviria de fundamento para acolher a pretensão autoral de acumulação remunerada de cargos públicos.

Um erro não justifica o outro. De toda sorte, na informação nº 24/2017, o Serviço de Provimento de Pessoal da EBSERH expôs: "7. Existem, hoje, cerca de 80 empregados contratados nessa situação, no âmbito da EBSERH [dois contratos], e as DivGPs enfrentam problemas com usufrutos de férias afastamentos, registro da frequência, escala de trabalho.

(...)

10. Para melhor elucidação do tema, no âmbito da EBSERH, a DGP está nos ajustes finais da alteração da Norma 3/2016, que trata da convocação e contratação de pessoal, incluindo artigo com a vedação definitiva desse tipo de contratação, também que conste a impossibilidade nos próximos editais de concursos.

11. Quanto aos empregados já contratados nessa condição iremos, junto a essa Conjur, estudar a forma de regularização da situação" (ID. e54c4de - Pág. 2/3, grifos acrescidos)

Fortes nessas razões, dou provimento ao recurso, para julgar improcedente a reclamação trabalhista, e ordenar que o reclamante manifeste, junto à EBSERH, no prazo de 40 dias a contar da publicação deste acórdão, opção por um dos cargos em acumulação ilegal, o que implicará pedido de demissão do cargo preterido. Em caso de ausência de manifestação no prazo assinado, considerar-se-á que o reclamante optou pelo cargo relativo ao contrato de trabalho mais antigo... (grifos não contidos no original).

Merece destaque o entendimento da 3ª Vara do Trabalho de Natal nos autos da Reclamação Trabalhista nº 0000847-56.2018.5.21.0003, conforme trechos abaixo:

Ao se submeter ao certame público, o candidato tacitamente manifesta concordância com o regramento previsto no edital, ressalvada a possibilidade de impugnar judicialmente as cláusulas eventualmente ilegais. Contudo, não vislumbro qualquer ilegalidade na norma em realce, notadamente porque visa evitar incompatibilidades e situações problemáticas que podem surgir diante da possibilidade de um empregado manter dois contratos de trabalhos distintos com o mesmo empregador, notadamente no que se refere à jornada de trabalho.

(...)

Permitir a acumulação dos cargos nessas circunstâncias implicaria compactuar com a precarização de direitos fundamentais dos trabalhadores na área da saúde. Registre-se que é irrelevante a concordância ou até pretensão da trabalhadora nesse sentido, uma vez que se tem a trato direito indisponível, tanto do trabalhador, quanto da Administração Pública, sob o viés da eficiência do serviço.

Assim, a permissão de contratos de trabalho simultâneos com o mesmo empregador vai contra os obejtivos do direito do trabalho, aos princípios da eficiência e da razoabilidade e da proteção do trabalhador, devendo tal conduta ser vedada.

Sobre o autor
Carlos Eduardo da Silva Souza

Advogado, desde 2009, Pós-graduado em Direito Público, com especialidade em direito civil e do trabalho. Atualmente advogado da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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