Capa da publicação Julgamento de Olga Benário: STF e HC n° 26.155/DF

Analisando o julgamento de Olga Benário: uma discussão sobre o HC n° 26.155/DF no STF

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O caso do Habeas Corpus não concedido a Olga Benário ou a Maria Prestes é um dos inúmeros casos em que governos autoritários suprimem os direitos básicos de seus cidadãos e injustiças são cometidas com o aval do Judiciário.

(...) É totalmente impossível para mim imaginar, filha querida, que não voltarei a ver-te, que nunca mais voltarei a estreitar-te em meus braços ansiosos. (...) E agora, quando penso nisto de novo, a idéia de que nunca mais poderei estreitar teu corpinho cálido é para mim como a morte. (...) Querida Anita, meu querido marido, meu garoto: choro debaixo das mantas para que ninguém me ouça, pois parece que hoje as forças não conseguem alcançar-me para suportar algo tão terrível. É precisamente por isso que esforço-me para despedir-me de vocês agora, para não ter que fazê-lo nas últimas e difíceis horas. Depois desta noite, quero viver para este futuro tão breve que me resta. De ti aprendi, querido, o quanto significa a força de vontade, especialmente se emana de fontes como as nossas. Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão por que se envergonhar de mim. Quero que me entendam bem: preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegue. Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas... Até o último momento manter-me-ei firme e com vontade de viver. Agora vou dormir para ser mais forte amanhã. Beijo-os pela última vez. Olga. (MORAIS, 1987: 293-294)


1. Introdução

No presente artigo, apresentaremos uma análise do caso da deportação de Olga Benário, judia comunista deportada grávida do Brasil para a Alemanha em 1936, durante o governo de Getúlio Vargas, sendo executada em 1942 naquele país, quando escreveu sua última carta cujos trechos transcrevemos na epígrafe acima para sua filha Anita e para seu marido, Luís Carlos Prestes, em Ravensbrück, na noite da viagem de ônibus para Bernburg, onde ela seria morta na câmara de gás junto a outras 200 mulheres.

Conhecermos sua história e como se deu a apreciação de seu pedido de Habeas Corpus pelo Supremo Tribunal Federal (STF), assim como o seu fatídico e vergonhoso desfecho, é relevante por diversos motivos: coloca-nos em contato com a história recente de nosso país, permite uma reflexão sobre o ponto a que o extremismo (e o anticomunismo!) na política pode levar uma sociedade e suas instituições jurídicas e políticas e nos obriga a uma análise sobre o que pode ser considerada uma decisão bastante questionável de nosso STF, que nos últimos anos tem tido sua atuação tão espetacularizada pela mídia em nosso país, raramente analisada criticamente.

Para tanto, dividiremos nosso trabalho em uma breve discussão sobre o contexto histórico em que se deram os fatos de que aqui trataremos, uma descrição da própria Olga Benário, uma apresentação da acusação que foi feita contra ela e dos argumentos de sua defesa no pedido de seu Habeas Corpus e, por fim, à guisa de conclusão, mais uma análise do desfecho que o caso teve, a partir da decisão do STF.


2. O contexto histórico

Olga Gutmann Benário nasceu em 1908, em uma Alemanha nacionalista que buscava expandir as fronteiras comerciais para se tornar a maior potência industrial da Europa. Além disso, a dominação das nações europeias sobre países africanos e alguns países asiáticos correspondeu ao que foi chamado de Imperialismo (HOBSBAWM, 2005), em um momento em que a busca por novos mercados consumidores e por fornecedores de matéria-prima era considerada uma forma de se combater os problemas sociais do proletariado urbano dos países industrializados, problemas gerados pelo progresso do capitalismo. Com uma forte rivalidade política e econômica entre Alemanha, Inglaterra, França e Rússia, entre outros fatores, logo eclodiria a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), com a Rússia, participante da Tríplice Entente, saindo da guerra em 1917 devido a uma revolução comunista, o que foi determinante para a entrada dos Estados Unidos ao lado dos Aliados. Este era o cenário da infância de Olga Benário.

Em 1919, um ano após a rendição alemã, foi assinado o Tratado de Versalhes, na França, que estabeleceu que a Alemanha era a única culpada pela guerra e que deveria pagar uma indenização aos vitoriosos, deveria devolver territórios conquistados durante a guerra, além de impor uma limitação ao número de soldados do seu exército e de proibir os alemães de produzirem armas e munições. No futuro, Hitler usaria em seus discursos a assinatura do Tratado e o fato dos socialdemocratas terem mediado a rendição do país.

O período pós-guerra seria de grande transformação política, social e econômica para os países anteriormente envolvidos no conflito: a indústria europeia teve a sua capacidade de produção reduzida pela metade e o seu potencial agrícola sofreu grande queda por conta dos campos afetados. A segunda década do século XX viu emergir os Estados Unidos como a grande potência mundial. A Europa, com a economia abalada, não era mais o símbolo da prosperidade capitalista.

Na Rússia, após a Revolução, Lênin e Trotsky lideraram o proletariado e os camponeses em um processo de transformação política, social e econômica. O país aliou-se a outras repúblicas socialistas, formando a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), tornando-se uma grande potência comunista no cenário mundial. Os setores mais importantes como indústrias, transportes, comunicações e o sistema financeiro eram controlados pelo Estado, trazendo estabilidade econômica e modernização à URSS. Com a morte de Lenin, Stalin subiu ao poder em 1924, instalando um regime ditatorial.

Nestes anos, após a I Guerra Mundial, Olga Benário, ainda na adolescência, começou a militar ativamente na Juventude Comunista com objetivo de lutar por uma sociedade mais justa e solidária. A Alemanha, vencida na guerra, perdeu, além da região da Alsácia, devolvida à França, o território da Polônia, que se tornou mais uma vez independente. A economia alemã estava destroçada e as condições de vida da maior parte do povo eram miseráveis. Greves se multiplicavam e o operariado alemão, influenciado pela Revolução Russa e organizado pelo Partido Comunista, tentava alcançar o poder. A burguesia alemã, temendo o estabelecimento do socialismo no país, passou a apoiar um pequeno partido de extrema-direita, o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, conhecido como Partido Nazista, que tinha Adolf Hitler como seu principal líder. Apesar do nome, o partido, contudo, não era socialista e nem de trabalhadores: grandes industriais financiavam as atividades muitas vezes terroristas dos nazistas.

Na Europa, neste período após a I Guerra Mundial, começaram a ascender regimes totalitários baseados em um Estado centralizador, antidemocrático e autoritário, como o stalinismo soviético, o fascismo italiano de Benito Mussolini e o nazismo alemão de Adolf Hitler, com este último promovendo ideais antissemitas e perseguindo e exterminando principalmente judeus, entre outros segmentos, perseguição que anos mais tarde levaria à própria morte de Olga Benário em um campo de concentração nazista, já durante a II Guerra Mundial (1939-1945).

Naquele período entre guerras, as tendências nazistas e fascistas atraíam boa parte da população europeia, sem emprego, vivendo em péssimas condições de vida, que passavam a acreditar em um futuro mais próspero. Essas tendências, na Alemanha, levaram os partidos de esquerda a serem perseguidos e os seus militantes presos. Olga Benário, aos 20 anos, em 1928, após também ter sido presa e libertada, e depois de invadir uma prisão para libertar outro militante, seguiria para Moscou, onde receberia treinamento militar e faria carreira no Comintern. Lá ela conheceria Luís Carlos Prestes.

Neste mesmo momento, como pano de fundo destas transformações políticas, econômicas e sociais da Europa, aconteceria a Crise de 1929, com a quebra da Bolsa de Nova Iorque. Assim, o capitalismo ficou ainda mais fragilizado diante de sua crise e da crescente onda socialista mundial:

A primeira idade do ouro do capitalismo encerrou-se abruptamente com a Primeira Guerra Mundial e as tentativas posteriores de voltar ao padrão ouro, em sua forma clássica, revelaram-se infrutíferas, até que a crise de 1929 e as desvalorizações cambiais maciças ocorridas em seu bojo enterraram de vez essas pretensões. (ALMEIDA, 2001: 114-115)

Enquanto isso, tais transformações também ecoavam no Brasil, onde, na década de 1920, aconteceram dois movimentos interligados importantes: (i) o Tenentismo, um levante comandado por tenentes em resposta ao sentimento de inconformismo das classes médias e ao conservadorismo presente na política da Primeira República e (ii) a Coluna Prestes, que tinha o capitão Luís Carlos Prestes como o seu maior expoente (CALDEIRA, 1997: 254)

A Revolução parecia o único caminho para enfrentar os graves problemas vividos pela população brasileira. Assim, cortando as linhas do cerco militar do governo, Prestes se dirigiu a Foz do Iguaçu, onde se reuniu aos paulistas, formando um contingente rebelde. Capitães, tenentes e lideranças civis deslocaram-se pelo interior do país por 25 mil quilômetros, pregando reformas políticas e sociais, denunciando a pobreza da população e a exploração das camadas mais pobres pelos políticos da oligarquia governante (SODRÉ, 1984). O levante durou de 1925 a 1927 e, ao fim, perseguidos, os revoltosos se exilaram na Bolívia e na Argentina. O movimento culminou na Revolução de 1930, que levou à deposição do presidente Washington Luiz e pôs fim à Primeira República. Getúlio Vargas foi alçado ao poder em um governo provisório (FAUSTO, 1983).

Luís Carlos Prestes se exilou na Bolívia, onde começou estudar o marxismo e, posteriormente, em 1931, foi estudar na URSS e se aprofundar no conhecimento das ideias de Marx e de Lenin. Lá ele conheceu Olga Benário. Em 1934, ele se filiou ao Partido Comunista e no mesmo ano deixou a URSS, retornando clandestinamente ao Brasil com Olga, que o escoltava. No mesmo ano, na Alemanha, Hitler se tornou o Führer alemão e, no Brasil, Vargas promulgou uma nova Constituição.

Após sua volta ao Brasil, onde chegou no início de 1935, e os episódios que corresponderam ao evento da chamada Intentona Comunista, no final daquele ano, Prestes escondeu-se com Olga em uma casa na Rua Honório, no bairro do Méier, no subúrbio do Rio de Janeiro. Prestes era o líder mais procurado durante o governo Vargas não somente por ter liderado a Coluna Prestes, mas também pela sua participação neste levante a Intentona Comunista que tinha por objetivo liderar uma revolução armada no Brasil, com apoio de Moscou1.

Em 1936, Olga e Prestes foram capturados pela polícia na casa em que os dois estavam escondidos no Méier. Curiosamente, a captura do casal e a prisão de diversas pessoas após a Intentona Comunista aconteceram no período considerado democrático da Era Vargas, após a promulgação da Constituição de 1934 e antes do chamado Estado Novo, que se iniciaria em 10 de novembro de 1937.

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3. Olga Benário: uma descrição

O processo do Habeas Corpus nº 26.155/DF2 teve Maria Prestes como paciente, o nome pelo qual seu advogado, Heitor Lima, chamou Olga Benário, evidentemente a personagem principal deste processo, embora sua história tenha envolvido outras pessoas, como o líder comunista Luís Carlos Prestes seu marido e pai de Anita, filha que Olga, gestante, esperava e, de acordo com a interpretação do biógrafo Fernando Morais (1987), Filinto Müller, o chefe de polícia do Distrito Federal na época da prisão e deportação de Olga Benário para a Alemanha, que junto aos ministros do Supremo Tribunal Federal, ao ministro da Justiça Vicente Rao e ao presidente da República Getúlio Vargas, foram responsáveis pela sucessão de acontecimentos que culminaram no que pode ser considerada uma sentença de morte de Olga.

Nenhuma outra pessoa, porém, senão a própria Olga, teve o seu protagonismo nesse caso. A seguir, apresentaremos este personagem sui generis em linhas gerais, tendo como aporte, especialmente, o recente artigo Olga Benário de Luiz Gustavo Bichara & Marcela Nogueira Reis (2018), que se ocupa justamente dos entraves legais que envolveram o caso do HC n° 26.155/DF.

Olga Benário nasceu em 1908, na Alemanha, em uma família judia de classe média alta. Com apenas 15 anos se filiou à organização juvenil do Partido Comunista Alemão, em 1923, vindo a se envolver romanticamente, no ano seguinte, com um dos líderes do movimento comunista juvenil, Otto Braun com quem seria presa por agitação política, tentativa de traição e subversão dois anos depois, em 1926. (BICHARA & REIS, 2018: 115). Após três meses presa na ala solitária da prisão de Moabit, em Berlim, uma vez livre, Olga planejou a libertação de Otto Braun. Assim,

Em 1928, a jovem de vinte anos lidera um pequeno grupo de jovens comunistas em uma calculada invasão à prisão de Moabit, sendo surpreendentemente bem-sucedida na missão, que parecia impossível, de recuperar Braun e conseguir escapar incólume das autoridades prisionais alemãs a despeito de uma intensa campanha por sua captura. (BICHARA & REIS, 2018: 115)

Perseguidos na Alemanha, Olga viajou com Otto para Moscou, a fim de serem treinados militar e ideologicamente. Com a dedicação de ambos ao Partido Comunista, no início da década de 1930 ela se tornou dirigente da Juventude Comunista Internacional e ele foi para a China, onde teria um papel na Revolução Chinesa na década seguinte.

Assim, entre 1931 e 1934, já separada de Otto, Olga foi ganhando cada vez mais destaque no Comintern do Partido Comunista na União Soviética, vindo a ser chamada para uma importante missão em 1934: ser guarda-costas, disfarçada de esposa, de Luís Carlos Prestes, líder comunista que regressaria ao Brasil após anos se preparando naquele país. Olga e Prestes desembarcariam no Brasil apenas no início de 1935, após meses de viagem em que, em um longo percurso, buscaram despistar autoridades, fingindo ser um casal em lua de mel.

Já no Brasil, participam da organização do levante que ficou conhecido como Intentona Comunista e que tinha como objetivos o combate ao nazifascismo, a luta pela reforma agrária, o fortalecimento do nacionalismo, além, é claro, da instalação de um governo revolucionário comunista liderado por Prestes (BICHARA & REIS, 2018: 118).

Contudo, o levante foi derrotado e Olga e Prestes, perseguidos, passaram à clandestinidade, escondendo-se em uma casa no Méier, subúrbio do Rio de Janeiro, até serem encontrados pela polícia. Presa sob a acusação de que seria perigosa à ordem pública e nociva aos interesses do país3, Olga descobriu que estava, porém, grávida de Luís Carlos Prestes. Seu advogado, Heitor Lima, como veremos com mais detalhes mais adiante, portanto, impetrou um Habeas Corpus, a fim de que Olga não fosse expulsa do país com seu filho nascituro no ventre, pois seria entregue ao regime nazista alemão. Ora, sendo judia e comunista, se este Habeas Corpus não fosse concedido, esta seria praticamente uma sentença de morte contra ela.

Com o Supremo Tribunal Federal decidindo por não tomar conhecimento deste pedido de Habeas Corpus, devido ao decreto nº 702/1936, que suspendia algumas garantias constitucionais, Olga de fato acabou por ser levada ainda em 1936 para um navio cargueiro que a transportou para a Alemanha, onde nasceria sua filha com Prestes, Anita Leocádia, que seria entregue em 1938, com um ano de idade, para D. Leocádia, a avó paterna, e na Páscoa de 1942, Olga foi então morta em uma Câmara de Gás em Bernburg.

Estava completa, então, a execução de sua sentença de morte assinada pela Suprema Corte do Brasil, em 1936 (BICHARA & REIS, 130). E, assim, com apenas 34 anos, após cinco anos de prisão, Olga Benário morreu tendo sido um personagem de um episódio vergonhoso de nosso Supremo Tribunal Federal, sobre o qual nos deteremos a seguir.


4. A acusação

Depois de compreender quem foi Olga Benário e o contexto da época em que viveu, discutiremos agora os argumentos envolvidos no processo que determinou sua deportação para a Alemanha nazista, o que, mais tarde, resultou em sua morte.

Quanto à prisão de Olga Benário, chamada de Maria Prestes por seu advogado, e sua expulsão, deve-se levar em conta que ambas advinham de uma ordem do ministro da Justiça Vicente Rao, com base na Lei de Segurança Nacional4 redigida pelo próprio ministro meses antes, e que estava de acordo com a decisão de Getúlio Vargas e Filinto Müller de que expulsá-la era necessário para livrar o país do nocivo (LSN, 1935).

O pretexto utilizado para a prisão da mesma, visando seu exílio imediato, foi o de que se tratava de uma situação extrema, em pleno Estado de Sítio e Estado de Guerra decretados por Vargas. Sendo assim, não houve, de fato, uma maior ponderação acerca da decisão nem concessão de recursos para defesa típicos dos processos comuns.

A urgência da ação foi baseada na acusação de que a presença de Olga no território nacional configuraria um rico à segurança do mesmo, uma vez que ela havia participado, ao lado de seu marido Luís Carlos Prestes, daquilo que ficou conhecido como Intentona Comunista 5 de 1935:

Contra a Constituição, exibiam [Getúlio Vargas e Filinto Müller] o parágrafo de três linhas da Lei de Segurança Nacional que o próprio Rao redigira antes: A União poderá expulsar do território nacional os estrangeiros perigosos à ordem pública ou nocivos aos interesses do país. (MORAIS, 1987: 197)

Sendo assim, é preciso ter em mente que a expulsão de indivíduos que ofereciam risco ao regime varguista que se encontrava, na década de 30, cada vez mais inclinado ao fascismo tal como se via em países europeus da época - era prática comum, ainda sob a alegação de que tais pessoas, se permanecessem no país, poderiam vir a ser nocivas, mesmo que nunca tivessem cometido de fato algum crime contra a nação.

Isso tudo passou a ser possível a partir do momento que, em 1935, Vargas, sob o pretexto de ser necessário livrar o país do perigo comunista, decretou Estado de Sítio e Estado de Guerra, suspendendo a liberdade política e religiosa, de consciência e associação, o sigilo de correspondência e, especialmente relevante para o caso em análise, o direito a habeas corpus (BICHARA & REIS, 2018: 121).

Assim, se alegava contra Olga que, por ela ser contra o regime vigente na época, representava um risco e precisava ser afastada. O fato de ela ser estrangeira corroborava esse processo, com o argumento de alguns membros do judiciário brasileiro de que a lei nacional não previa meios de imputar qualquer crime às estrangeiras, dificultando sua punição (BICHARA & REIS, 2018: 120):

A declaração do estado de guerra trouxe consigo grande insegurança jurídica para os presos políticos, além de fomentar na população um sentimento de pânico e revanchismo contra os comunistas, a quem creditavam recrudescimento político e a restrição das liberdades, tanto sociais quanto civis. (BICHARA & REIS, 2018: 121)

O medo e a visão do comunismo como mal a ser extirpado, criados e alimentados pelo governo como o que se pode considerar uma forma de manipulação das massas, eram o que fundamentavam as acusações feitas à Olga e o que determinaram sua sentença. Ocorreu a difusão da ideia de supremacia do interesse coletivo de defesa da nação frente aos avanços comunistas sobre todos os outros interesses, incluindo os direitos fundamentais6. Sendo assim, o apoio às acusações que determinaram a deportação da esposa de Prestes deu-se não apenas no âmbito jurídico, mas também de grande parcela da sociedade, ao mesmo passo que a frente de oposição ao regime perdia forças e via-se cada vez mais reprimida.

Tendo tudo isso em vista, é possível discutirmos a tentativa bem-sucedida do governo de desumanizar Olga além dos outros militantes capturados culminando na acusação e decisão baseada na mera ideia de livrar-se de uma ameaça, extirpar um mal, e nada mais.

Sobre os autores
Carlos Eduardo Oliva de Carvalho Rêgo

Advogado (OAB 254.318/RJ). Doutor e mestre em Ciência Política (UFF), especialista em ensino de Sociologia (CPII) e em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário (FF/PR), bacharel em Direito (UERJ), bacharel e licenciado em Ciências Sociais (UFRJ), é professor de Sociologia da carreira EBTT do Ministério da Educação, pesquisador e líder do LAEDH - Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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