III. A Lição da Doutrina e o Magistério dos Tribunais. Ementas.
1. “O crime continuado, instituto nascido da equidade, é uma fictio juris destinada a evitar o cúmulo material de penas” (José Frederico Marques, Curso de Direito Penal, 1956, vol. II, p. 354).
2. “O réu tem direito ao crime continuado, agindo ou não com unidade de desígnio, pois essa foi a vontade do legislador” (Guilherme de Souza Nucci, Código Penal Comentado, 2000, p. 216).
3. Não haverá continuidade, mas simples reiteração criminosa, se os delitos não foram praticados pelo sujeito “mediante o aproveitamento das mesmas relações e oportunidades ou com a utilização de ocasiões nascidas da primitiva situação” (Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 5a. ed., p. 198).
4. A figura da continuidade delitiva, prevista no art. 71 do Cód. Penal, pressupõe as “mesmas relações e oportunidades ou com a utilização de ocasiões nascidas da primitiva situação”, sua pedra de toque (cf. Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 5a. ed., p. 198).
5. “Inadmissível é a outorga do benefício quando se trata de casos em que estão patentes a perseveratio in crimine ou a consuetudo delinquendi, sobretudo porque tais circunstâncias constituem motivo não do abrandamento da pena, mas sim de seu agravamento, como indícios de periculosidade e da incapacidade de adaptação à ordem legal” (Damásio E. de Jesus, Direito Penal Anotado, 1988, p. 527).
6. “Por mais graves que tenham sido os crimes praticados, tem o acusado o direito à esperança de um dia voltar ao convívio social e de sua família” (João Baptista Herkenhoff, Uma Porta para o Homem no Direito Criminal, 2a. ed., p. 166).
7. “Criação destinada a evitar o excesso de punição decorrente do tratamento rígido conferido ao concurso real de infrações”, como o definiu Manoel Pedro Pimentel (Do Crime Continuado, 2a. ed., p. 114), o crime continuado não deve ser estímulo nem acoroçoamento à prática de ações delitivas, o que se dá sempre que medido por craveira demasiado generosa (art. 71 do Cód. Penal).
8. “Viola o art. 71 do Código Penal o acórdão que, embora reconhecendo a concorrência dos elementos da caracterização objetiva do crime continuado, que nele se adotou, nega, porém, a unificação das penas, à base de circunstâncias subjetivas, quais os antecedentes do acusado ou a ausência da unidade de desígnio” (STF; Rev. Trim. Jurisp., vol. 137, p. 772; rel. Min. Sepúlveda Pertence).
9. “É preciso não confundir reiteração de crimes com crime continuado, pois a prevalecer a confusão, chegaríamos à negação da reincidência, e todo delinquente profissional, ao fim de sua vida, teria praticado um único crime continuado” (STF; Rev. Trim. Jurisp., vol. 84, p. 913; Min. Cordeiro Guerra).
10. Segundo a jurisprudência do STF, o art. 71 do Cód. Penal admite a aplicação da teoria da ficção jurídica (ou continuidade delitiva) aos crimes dolosos contra a vida; pelo que, homicídios praticados nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e “modus operndi”, impõem a pena de um só deles, aumentada até o triplo (cf. Rev. Tribs., vol. 788, p. 515; 813/535 e 763/549).
11. Crimes da mesma espécie, o roubo e a extorsão, quando praticados nas circunstâncias do art. 71 do Cód. Penal, configuram continuidade delitiva, não concurso material de infrações. É desse número, portanto, o caso de delinquentes que, após consumar o roubo, “forçam a vítima a acompanhá-los à caixa eletrônica para sacar o dinheiro” (cf. Rev. Tribs., vol. 765, p. 572; rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro).
12. “Aplica-se a regra do crime continuado quando da aplicação da pena pelo delito de atentado violento ao pudor, se este foi praticado, embora contra várias vítimas, pelo mesmo modus operandi” (Rev. Tribs., vol. 807, p. 592; rel. Celso Limongi).
13. Segundo a Jurisprudência, a mera possibilidade de serem considerados continuados os delitos atribuídos ao réu não importa a junção dos processos (cf. Rev. Tribs., vol. 445, p. 442).
14. “A simples habitualidade delituosa descaracteriza a noção legal do chamado crime continuado” (STF; HC nº 68.626; rel. Min. Célio Borja; DJU 1.11.91, p. 15.569).
15. “Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação” (Súmula nº 497 do STF).
16. Segundo a comum doutrina de graves autores, não há continuidade delitiva (art. 71 do Cód. Penal), mas simples reiteração criminosa, se os crimes subsequentes não estão ligados aos anteriores por vínculo psicológico.
17. No crime continuado, mais do que a unidade de ideação, prevalecem os elementos objetivos referidos no art 71 do Cód. Penal e a conveniência de remediar o exagero punitivo, que não corrige o infrator, senão que o revolta e embrutece, por frustrar-lhe a esperança de realizar, em tempo razoável e justo, o sonho da liberdade.
18. Para caracterizar a ficção de direito do art. 71 do Cód. Penal, é indispensável a comprovação, dentre outros, do requisito da identidade dos participantes dos crimes (“modus operandi”).
19. A pedra de toque do crime continuado, segundo o preceito do art. 71 do Cód. Penal, é tenham sido os delitos praticados pelo sujeito “mediante o aproveitamento das mesmas relações e oportunidades ou com a utilização de ocasiões nascidas da primeira situação” (Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 5a. ed., p. 198).
20. Não há aplicar com extremo rigor o instituto da unificação de penas, que isso importaria na deturpação de seu escopo: verdadeiro instrumento de individualização da pena, destina-se a evitar o excesso de punição.
21. Segundo a comum doutrina de graves autores, não há continuidade delitiva (art. 71 do Cód. Penal), mas simples reiteração criminosa, se os crimes subsequentes não estão ligados aos anteriores por vínculo ideológico.
22. Isto de unificação de penas reclama do Magistrado especial prudência e discernimento, não venha a premiar, com redução drástica e temerária, a duração de penas de criminosos empedernidos.
23. Conforme a lição de autores de primeira nota, para a configuração do crime continuado faz-se mister idêntico “modus operandi”, isto é, que “os delitos tenham sido praticados pelo sujeito aproveitando-se das mesmas relações e oportunidades ou com a utilização de ocasiões nascidas da primitiva situação” (Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, 9a. ed., p. 228).
24. Os crimes subsequentes “devem ser havidos como continuação do primeiro”: este o traço mais conspícuo do crime continuado. Para tanto, além dos elementos de ordem objetiva, é mister concorra o de índole subjetiva, a saber: unidade de resolução. Sem essas características, não há continuidade delitiva, mas simples reiteração criminosa, que argui no agente a torpe malícia de quem faz do crime profissão.
25. Se até os crimes contra a vida admite a “fictio juris” da continuidade, não há razão atendível para negá-la nas hipóteses de crimes contra os costumes praticados nas circunstâncias do art. 71 do Cód. Penal.
26. Entre furto e estelionato não há continuação porque, embora delitos da mesma natureza, pertencem a espécies diferentes. Crimes da mesma espécie, conforme Damásio E. de Jesus, “são os previstos no mesmo tipo penal, i.e., aqueles que possuem os mesmos elementos descritivos, abrangendo as formas simples, privilegiadas e qualificadas, tentadas ou consumadas” (Código Penal Anotado, 9a. ed., p. 227).
27. Satisfeitos os requisitos do art. 71 do Cód. Penal, nada impede o reconhecimento da continuidade delitiva entre roubo e extorsão, pois se trata de crimes da mesma espécie: apenas se estremam na forma de entrega da coisa.
28. Sem atender ao requisito da pluralidade de crimes da mesma espécie, não há falar em continuidade delitiva (art. 71 do Cód. Penal).
29. Que é possível a continuação entre crimes praticados contra vítimas diferentes e bens personalíssimos está a persuadi-lo assim a lição de acreditados penalistas como a jurisprudência dos Tribunais.
Em sua prestantíssima obra Código Penal Comentado (5a. ed., p. 378), escreveu Guilherme de Souza Nucci:
“Atualmente, os acórdãos seguem tendência em sentido contrário, acolhendo o delito continuado mesmo contra vítimas diferentes e bens personalíssimos”.
Ao diante, na mesma página, remata:
“Aliás, outra não poderia ser a solução, pois a Reforma Penal de 1984 acrescentou o parágrafo único ao art. 71 do Código Penal, prevendo claramente essa possibilidade”.
30. “Ao mesmo Demônio se deve fazer justiça, quando ele a tiver” (Pe. Antônio Vieira, Sermões, 1959, t. III, p. 329).
Nota
[1] Cf. José Frederico Marques, Curso de Direito Penal, 1956, vol. II, p. 354; Editora Saraiva; São Paulo.