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A construção histórica da distinção entre ética pública e moral privada e sua incidência no processo de formação do ideal dos direitos fundamentais:

a contribuição de Christian Thomasius

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29/07/2007 às 00:00
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7. Considerações finais.

A essencial contribuição de Christian Thomasius à fundamental diferenciação da ética pública da ética privada, ainda que este seja um autor não muito conhecido em nosso meio acadêmico, é de fácil constatação exatamente quando estudamos as origens das mudanças que vão desembocar em um novo direito natural, o racionalista, e no iluminismo, movimentos nos quais o nome de Thomasius está inscrito como um de seus iniciadores e um dos seus principais autores. A separação das questões de Direito (delitos) das questões de Moral (pecados), e a luta pela humanização do direito penal e seu procedimento, exatamente para apartar as questões de moral privada do Direito, são os dois vieses mais importantes da contribuição do autor alemão do final do século XVII e inicio do século das luzes.


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Notas

01 Preferimos escrever o nome do autor nascido em Leipzig como Thomasius, segundo a forma latinizada, adotada também pelos autores alemães do nome Thomas, da qual deriva, como também no caso de Grotius, a forma em primeiro lugar italianizada de Tomasio ou Thomasio e Grocio. FASSÒ, 1966, p. 167. No mesmo sentido, TRUYOL Y SERRA, 1988, p. 272.

02 Neste sentido, entre outros: SOLARI, 1949, p. 157; TRUYOL Y SERRA, 1988, p. 272; WIEACKER, 1980, p. 357.

03 O professor Antonio Pérez Luño chama a atenção no sentido de que o grande dilema da atualidade da humanidade é a escolha por ter-se uma postura ética ou pela economia (1996, p. 35-38). Tema interessantíssimo e que traduz o grave problema atual da humanidade por sua escolha, pelo menos pelos que estão no poder, pela economia e ao tratamento do ser humano como um meio e não como um fim.

04 Da mesma forma expõe o professor Eusebio Fernández: "Uma tese que me interessa aqui é a que está perfeitamente justificado o diferenciar a moral pessoal da moral social. Esta distinção há de ser aclarada, posto que as fronteiras entre a moral pessoal e a moral social não são tão sólidas como uma interpretação literal dessa distinção poderia fazer ver". (FERNÁNDEZ, 1990, p. 101).

05 "Como se sabe, Thomasius foi o primeiro que falou em alemão em uma sala de aula. (...) O monopólio cultural acirrado pelo uso do latim mantinha completamente separados, inclusive dentro da própria burguesia, os letrados dos iletrados; além isolava a ciência do povo em sua totalidade. Com seu gesto, Thomasius possibilitou a efetividade de uma Ilustração no seio da burguesia. Ao ensinar a ciência de modo específico ao falar em alemão, muito antes de Christian Wolf, o filósofo ilustrado ou praeceptor Germaniae, Thomasius fez também que se desenvolvessem na Alemanha formas lingüísticas nacionais de conteúdo europeu burguês. E nos principados territoriais, ainda separados, ofereceu em seu terreno o mais elevado do saber e da ciência, a unidade de uma pátria, ao menos quanto ao seu idioma". (BLOCH, 1980, p. 286-287 – tradução livre do autor do presente artigo). No mesmo sentido, segundo o próprio Thomasius "’Por esta forma devemos imitar os franceses na vida corrente’, indicando, portanto como finalidade o incentivar uma cultura geral e lingüística alemãs atraídas pelos modernos franceses". (WIEACKER, 1980, p. 357).

06 "Este hombre emprendedor no hizo menos que publicar, a partir de 1688, la primera revista cultural de su país, llamada Meses alemanes (el título lo cambió a menudo) (…) durante dos años, hasta que Thomasio abandonó Leipzig, la revista apareció mensualmente (…) esta revista es la más temprana en lengua alemana tuvo como modelo en muchos puntos al Journal des sevants, qua había comenzado a aparecer unos veinte años antes (…)" (BLOCH, 1980, p. 287).

07 BLOCH, Ernest. Christian Thomasio, un intelectual alemán sin miseria. In: ______. Derecho Natural y Dignidad Humana. Tradução espanhola de Felipe González Vicen. Madrid: Aguilar, 1980. p. 285-318.

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08 Umas das sugestivas contribuições do professor Gregorio Peces-Barba à teoria dos direitos fundamentais, entre tantas outras, consiste no estudo das chamadas linhas de evolução dos direitos em questão que são relatadas nos seguintes processos, entre os quais incluímos didaticamente um anterior por nós chamado processo de formação do ideal dos direitos fundamentais. Resumidamente estes são: a. processo de positivação: a passagem da discussão filosófica ao Direito positivo (primeira geração, direitos de liberdade); b. processo de generalização: significa a extensão do reconhecimento e proteção dos direitos de uma classe a todos os membros de uma comunidade como conseqüência da luta pela igualdade real (direitos sociais ou de segunda geração); c. processo de internacionalização: ainda em fase embrionária, de difícil realização prática e que implica na tentativa de internacionalizar os direitos humanos e que ele esteja por cima das fronteiras e abarque toda a Comunidade Internacional (tentativa de universalização dos direitos humanos). d. processo de especificação: pelo qual se considera a pessoa em situação concreta para atribuir-lhe direitos seja como titular de direitos como criança, idoso, como mulher, como consumidor, etc, ou como alvo de direitos como o de um meio ambiente saudável ou à paz (direitos difusos ou de terceira geração). Entre outros trabalhos do professor espanhol, ver: PECES-BARBA, 1995 a, p. 146-198.

09 Na opinião do professor Gregorio Peces-Barba as duas mais importantes perguntas da Filosofia dos Direitos Fundamentais é a do POR QUÊ e do PARA QUÊ dos direitos humanos, da existência dos direitos humanos. Em nossa opinião deve-se incluir uma terceira pergunta: QUAL DEVE SER SEU CONTEÚDO? Essa então seria a terceira pergunta importante. As respostas: Quanto à segunda pergunta do PARA QUÊ dos Direitos Fundamentais encontramos resposta na leitura dos documentos de Direitos Humanos, seja a Declaração Universal de Direitos Humanos, ou de Direitos Fundamentais, seja a Constituição da República Federal do Brasil de 1988 ou qualquer outra constituição dos paises democráticos do ocidente. Quanto à terceira pergunta, qual de ser seu conteúdo, também pode ser respondida com a leitura dos documentos de Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, fazendo-se a ressalva de que os Direitos Humanos podem modificar-se através dos tempos como podemos ver com o advento de novas necessidades e com o fenômeno dos novos direitos. Veremos em seguida essa questão com o estudo do Processo de formação do ideal ou da idéia dos Direitos Fundamentais, é um processo que existe desde o inicio e que jamais deixará de existir uma vez que os Direitos Fundamentais não são um conceito estático, imutável ou absoluto e muito pelo contrário trata-se de um fenômeno que acompanha a evolução da sociedade e das novas tecnologias, e as novas necessidades de positivação para proteger a dignidade humana, a liberdade, a igualdade e fazer da solidariedade uma realidade entre todos.

A grande pergunta, e mais difícil de responder, da Filosofia dos Direitos Fundamentais é a do POR QUÊ dos Direitos Fundamentais. POR QUE devem ser respeitados os Direitos Fundamentais? Essa resposta é o conteúdo da própria a fundamentação dos Direitos Fundamentais, ela vai unida ao conhecimento de sua história, sua evolução, seus processos de evolução e do seu conceito. Diz o professor Peces-Barba que se cruamente não fundamentamos, não justificamos moralmente os Direitos Fundamentais, os mesmos seriam uma FORÇA SEM MORAL; E os Direitos Fundamentais somente como MORAL, como querem entre outros os atuais seguidores de um Direito Natural contemporâneo, seria uma MORAL SEM FORÇA. (PECES-BARBA, 1995 a, p. 101-112).

10 Justifica o professor Peces-Barba sua utilização da expressão, devido à "(...) ambigüidade do termo Renascimento preferimos falar do termo, muito menos comprometedor, trânsito à modernidade. Não podemos nos subtrair, como é lógico, a tomar posições respeito a teorias extremas, a de ruptura e a da continuidade, que dependem, em parte, da localização dos respectivos períodos, isso é descrever onde se situa o fim da Idade Média e onde se localiza o inicio do Renascimento". Segue o professor espanhol, "(...) Como entendemos que há um entrecruzamento no tempo entre esses dois momentos, o que já supõe tomar uma posição intermediaria entre as duas posições extremas, consideramos mais adequado, mais compreensivo, utilizar o termo trânsito à modernidade". Conclui: "Na análise concreta destas grandes linhas caracterizadoras do trânsito à modernidade se perfilará nossas posições, que adiantamos: o trânsito à modernidade é um momento revolucionário, de profunda ruptura, mas ao mesmo tempo importantes elementos de sua realidade já anunciavam na Idade Média, e outros elementos tipicamente Medievais sobreviveram ao fim da Idade Média, neste trânsito à modernidade e até o século XVIII, aparecerá a filosofia dos direitos fundamentais, que como tal, é uma novidade histórica do mundo moderno, que tem sua gênese no trânsito à modernidade, e que, por conseguinte, participa de todos os componentes desse trânsito já sinalizados, ainda que sejam os novos, os especificamente modernos, os que lhe dão seu pleno sentido". (PECES-BARBA, 1982, p. 2-4 – tradução livre do autor).

11 "Las teorías contractualistas vendrán a dar solución a la búsqueda de un nuevo principio de legitimidad democrática en los siglos XVII y XVIII, que explique el origen y fundamento de la sociedad civil y política. Este tipo de legitimidad, encarnado en la teorías del contracto social, será el principio de la legitimidad democrática, ya que explica el origen de la sociedad en un pacto de individuos libres e iguales y fundamenta la legitimidad de los gobiernos en el consentimiento de los gobernados". (FERNÁNDEZ, 1984, p. 147).

12 Evidentemente que o aludido processo de formação do ideal dos direitos fundamentais não ocorre somente na época denominada trânsito à modernidade, é um processo em constante transformação, e que segue seu curso até os dias atuais. Alguns direitos fundamentais que não eram considerados em épocas anteriores, agora são e o contrario também ocorre, os exemplos são muitos.

13 "A secularização se produz diante das características da sociedade medieval, e suporá a mundanização da cultura, que contrapõe a progressiva soberania da razão e o protagonismo do homem orientado na direção de um tipo de vida puramente terrenal, à ordem da revelação e da fé, baseado na autoridade da Igreja. É conseqüência da ruptura da unidade religiosa, e abarcará a todas os seguimentos da vida, desde a arte, a pintura, a literatura, a nova ciência e a política a partir da obra de Maquiavel. Os temas religiosos são substituídos pelos problemas humanos. (...) Em todo esse processo os direitos fundamentais realizarão progressivamente uma tarefa de substituição da ordem medieval, desde o momento em que supõe uma garantia de segurança que o edifício medieval, culminado por Deus, já não podia proporcionar; e que havia que encontrar nos homens mesmos. (...) Na sociedade, progressivamente secularizada se poderá dar releve as necessidades da burguesia para a procura de uma nova ordem baseada na razão e na natureza humana; é a ordem do individualismo e dos direitos naturais". PECES-BARBA, 2004 b, p. 81-82 – tradução livre do autor).

14 Da mesma forma como recorda o próprio professor Antonio Enrique Pérez Luño não se pode esquecer a importante contribuição ao tema da chamada escolástica tardia, dos teólogos e juristas espanhóis dos séculos XVI e XVII. (PÉREZ LUÑO, 1979, p. 33-34). Sobre o mesmo asunto: MARAVAL, J. A. La idea de tolerancia en España: siglos XVI y XVII. In: ____. La oposición política bajo los austrias. Barcelona: Ariel, 1974. p. 93-105; ABELLÁN, José Luis. Historia crítica del pensamiento español: La Edad de Oro (siglo XVI). Tomo II. Madrid: Espasa Calpe, 1979. p. 349-589. Da mesma maneira é interessante o que diz professor Eusebio Fernández: "Sin Duda, no debe minusvalorarse la influencia de la Escuela española de Derecho Natural – Neoescolástica o Segunda Escolástica – en la elaboración de las teorías del derecho natural racionalista, pero tampoco este punto debe ser exagerado, pues las innovaciones del iusnaturalismo racionalista tienen una valía importante por méritos propios y por lo que representan en la historia de la reflexión sobre el Derecho Natural" (FERNÁNDEZ, 1998, p. 578).

15 No conhecido decálogo do Marquês de Beccaria, descrito pelo professor Francisco Tomás y Valiente, fica bem claro o sentido de "dulcificação", principalmente a partir do princípio sexto, ao que se referem os racionalista e iluministas com relação à lei penal: : Racionalidade; : Legalidade do Direito Penal; : A justiça penal deve ser pública; : Igualdade entre todos diante da lei penal; : O critério para medir a gravidade dos delitos deve ser o dano social produzido por cada um deles, não podem seguir sendo considerado válidos os critérios da malícia moral (pecado) do ato, nem o de qualidade ou classe social da pessoa ofendida. : Não por serem mais cruéis são mais eficazes as penas, há a necessidade de moderação respeito às penas, importa mais e é mais útil uma pena moderada e de segura aplicação do que outra cruel, mas incerta. Existe a necessidade de impor-se a pena mais suave entre as eficazes, somente essa é uma pena justa, ademais de útil. Existe, pois, a extrema necessidade de combinar a utilidade e a justiça. : A pena não deve perseguir tanto o castigo do delinqüente como a repressão de outros possíveis e futuros delinqüentes, aos que ela deve dissuadir de seu potencial inclinação a delinqüir. : Existe a extrema necessidade de obter-se uma rigorosa proporcionalidade entre delitos e penas. O contrario é socialmente prejudicial, além de injusto, porque diante de delitos de igual pena e diferente gravidade, o delinqüente se inclinará quase sempre pelo mais grave, que provavelmente lhe dará maior beneficio ou satisfação. : A pena de morte é injusta, desnecessária e menos eficaz que outros meios menos cruéis e mais benignos. Há que suprimi-las quase por inteiro. 10º: Deve-se ter presente que é sempre preferível prevenir que punir, evitar o delito por meios dissuasivos não punitivos que castigar ao delinqüente (TOMÁS Y VALIENTE, 2000, p. 160-162).

16 O estado de natureza que descreve Thomasius está impregnado de um pessimismo antropológico que recorda em muito as teses hobbesianas apesar de que afirma situar-se em um ponto intermediário entre Hobbes e Aristóteles: "(...) el estado natural de los hombres, hablando con precisión, no es el estado de guerra, n iel estado de paz, sino un caos confuso mezclado de una y de otra, aunque tiene más de estado de guerra que de paz" (THOMASIUS, 1994, p. 55).

17 THOMASIUS, Christian. Fundamentos de Derecho Natural y de Gentes. Tradução espanhola de Salvador Rus Rufino e M. Asunción Sanches Manzano. Madrid: Tecnos, 1994.

18 THOMASIUS, Christian. Historia algo más extensa del Derecho Natural. Tradução espanhola de Salvador Rus Rufino e M. Asunción Sanches Manzano. Madrid: Tecnos, 1998.

19 Neste sentido, entre outros: TRUYOL Y SERRA, 1988, p. 273; FASSÒ, 1966, p. 167; BLANCO GONZÁLEZ, 1999, p. 137.

20 "(…) la ley natural es la ley divina inscrita en el corazón de todos los hombres que les obliga a hacer lo que es necesariamente conforme a la naturaleza del hombre racional y a omitir todo lo que repugna a ésta". THOMASIUS, Christian. Instituciones Jurisprudentiae Divinae. Aalen: Scientia Verlag, 1963. p. 97. Apud: SEGURA ORTEGA, 2001, p. 231.

21 Na obra Instituições, segundo afirma Guido Fassò, Thomasius mantém uma posição voluntarista tipicamente luterana. FASSÒ, 1966, p. 169.

22 Na opinião de Thomasius, Deus quer (por intermédio de uma ordem expressa de sua vontade) que o homem se comporte de uma determinada maneira de acordo com sua natureza racional e social: "(...) haz lo que conviene a la vida social del hombre y omite lo que repugna a aquélla". THOMASIUS, Christian. Instituciones Jurisprudentiae Divinae. Aalen: Scientia Verlag, 1963. p. 64. Apud: SEGURA ORTEGA, 2001, p. 231.

23 "O que (...) teria lugar de certo modo, mesmo que se concordasse com isso, o que não pode ser concebido sem um grande crime, isto é, que não existiria Deus ou que os negócios humanos não são objeto de seus cuidados". GROTIUS, 2004, p. 40.

24 A crítica de Blanco González é no sentido de que na prática não acontece tão taxativa separação das esferas internas e externas do indivíduo, ainda que o professor espanhol reconheça também que com esta tripla distinção Thomasius pretendia levar à prática seu convencimento intelectual de que somente os deveres jurídicos são coercíveis para regular um comportamento externo que afeta à paz social. BLANCO GONZÁLEZ, 1999, p. 138.

25 Hoje identificado com os usos e costumes sociais, em geral, e com a ética social ou com o pluralismo ético existente socialmente. BLANCO GONZÁLEZ, 1999, p. 140.

26 A desigualdade: Um dos privilégios mais importantes da nobreza era o que estipulava que um nobre não poderia ser submetido à tortura, salvo em processos de lesa majestade divina ou humana. Era esta uma das manifestações de desigualdade pessoal diante da lei penal. Neste terreno, como em todos os demais, os privilégios do estamento nobiliário eram muito notáveis e eficazes; gozavam também de jurisdições especiais, e certas penas (as corporais ou aflitivas) não podiam impor-se aos nobres. TOMÁS Y VALIENTE, 2000, p. 157.

27 O repertório de penas legais era muito escasso respeito às leis e muito amplo respeito aos de maior dureza. O desterro de uma cidade, a prisão por não muito tempo, a pena de vergonha pública e as pecuniárias eram as mais suaves. Junto a elas existiam as de azotes, presídios em minas ou arsenais, mutilações (de olhos, de orelhas, de mãos, de língua), galeras (por tempo certo ou perpétuas) e a pena de morte. Como a pena de morte era muito freqüentemente estabelecida sua aplicação revestia diversas formas, como última tentativa de aterrorizar eficazmente aos súditos, reservando as formas mais dolorosas para os delitos mais graves. A história nos traz diversos sistemas de execução tão cruéis como refinados: a morte na fogueira, no azeite fervendo, o despedaçamento, a romana pena do culleum contra o parricida – aplicada em geral com atenuação de seu rigor –, a decapitação, o garrote, a forca, etc. TOMÁS Y VALIENTE, 2000, p. 158-159.

28 Nos territórios que hoje são a França, a Itália, a Espanha e a Alemanha, a recepção romano-canônica dotou a seus ordenamentos jurídicos de um fundo comum desde os séculos da Baixa Idade Média; no Império, a Constitutio Criminales Carolina, do imperador Carlos V, em 1532, deu entrada na legislação penal imperial a esse Direito romano-canônico que, se bem já era conhecido na Alemanha pelos juristas teóricos, em geral penetrou ali mais lenta e tardiamente que nos paises mediterrâneos. GILISSEN, 2003, p. 716-717. Em todas as partes esse direito comum romano-canônico encontrou resistências no anterior direito consuetudinário, de caráter popular e não técnico, e que em algumas zonas do norte da França e do Império, por exemplo, se opôs com êxito durante muito tempo ao novo Direito. Mas em concreto, pelo que faz referência ao Direito penal e os processos penais, as Monarquias ampararam insistentemente esse Direito penal de raiz romana e baixo-medieval. Porque favorecia de modo muito eficaz sua autoridade. TOMÁS Y VALIENTE, 2000, p. 154-155.

29 A proximidade entre as idéias de delito e pecado existentes nas mentes e obras dos teólogos, juristas e legisladores fazia ver no delinqüente um pecador. Uma vez que, segundo ensinavam os teólogos da época, a violação da lei penal justa ofende a Deus, concluía-se que o réu era também um pecador. Desde estes supostos, a pena era principalmente considerada como um castigo merecido pelo delinqüente, e sua imposição pretendia ser uma justa vingança. Como dizia os documentos da época, uma vingança pública. Junto a este fim purgativo, a pena era utilizada pelo legislador como arma repressiva, como convite à obediência da lei pelo caminho do ius puniendi. Pensava-se que quando mais temor produzira uma pena, era mais exemplar e, por conseguinte, mais eficaz. TOMÁS Y VALIENTE, 2000, p. 159-160.

30 Os delitos não estavam perfilados ou "tipificados" devido a definições legais precisas e não sucetíveis de interpretações extensivas por analogia. Pelo contrário, as leis penais costumavam serem meramente descritíveis, isto é, enumerados como uma espécie de "casos concretos" incluídos mediante a qualificação de furto, homicídio, estupro, etc. Com ajuda de uma abundantíssima e também casuística doutrina penal, os juizes podiam interpretar extensivamente qualquer dos casos legalmente penalizados e dar entrada por analogia a supostos não previstos pelo legislador. A obscuridade das leis, a ainda maior da doutrina, e a ausência de fundamentos de fato e de direito como justificação expressa de cada sentença penal, faziam possível que a legalidade destas fosse escassa e a margem do arbítrio judicial enorme. Ademais, a grande quantidade de delitos castigados com a pena de morte eliminava toda possível proporcionalidade entre delitos e penas. TOMÁS Y VALIENTE, 2000, p. 158.

31 Neste sentido: CATTANEO, 1976, p. 227; BLOCH, 1980, p. 306-313; TRUYOL Y SERRA, 1988, p. 275; BETEGÓN, 1998, p. 499.

32 Neste sentido, entre outros: PECES-BARBA, 1995 a, p. 515; BLOCH, 1980, p. 308-309; TRUYOL Y SERRA, 1988, p. 273; SEGURA ORTEGA, 2001, p. 238; BETEGÓN, 1998, p. 498; TARELLO, 1976, p. 383; CATTANEO, 1976, p. 227.

33 O primeiro documento que se tem notícia em condições de rejeitar e condenar a prática da tortura foram os comentários do humanista cristão João Vives ao De Civitate Dei de Santo Agostinho em pleno século XVI, que condenava a pratica da tortura se os castigados eram indivíduos condenados sem defesa e provas. Conferir: A progressiva rejeição da tortura. In: ARNS, Paulo Evaristo. (org.). Brasil: nunca mais. 31 ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 281.

34 THOMASIUS, Christian. De tortura ex foris Chistianorum proscribenda. p. 3 Apud: BLOCH, 1980, p. 309.

35 Em sua obra citada, De tortura ex foris christianorum proscribenda, defendia a exclusão da tortura dos processos penais, por se tratar de uma pena desproporcional e contra a justiça em geral, bem como por ser contra o senso cristão de justiça e de proporção. THOMASIUS, Christian. De tortura ex foris Chistianorum proscribenda. p. 43. Apud: BLOCH, 1980, p. 309.

36 O Marquês de Beccaria levantou a tese de que a tortura constituía uma injustiça e um ato ineficaz, que representava uma inversão de situações em que o inocente e fraco sofreria os suplícios injustamente e no calor do desespero acabaria confessando o que não fez, por conseguinte seria condenado, enquanto o verdadeiro criminoso por tratar-se de homem robusto e forte acostumado com as piores situações, se entregando as técnicas do torturador e confessando estaria pagando por seus crimes, mas resistindo e negando sua criminalidade seria posto em liberdade como se inocente fosse. Essa relação já demonstracomo a injustiça é formalmente praticada com o ritual procedimental das autoridades. No mesmo sentido que Thomasius, na acepção beccariana do termo, tortura é a consecução da vontade do mais forte pela força, com fins de obter a verdade mesmo que esta seja forjada. Cesare Beccaria, Dei delitti e delle pene (Dos Delitos e Das Penas), publicada em Livorno em 1764. BECCARIA, Cesare. De los Delitos y de las Penas. Capítulo 16: Del tormento. p. 52-58.

37 THOMASIUS, Christian. De las causas de la infelicidad general. In: De los prejuicios y otros escritos. p. 43. Apud: SEGURA ORTEGA, 2001, p. 237.

38 Veja-se: EYMERICH, Nicolau. Manual dos Inquisidores. 253 p.; Especialmente: BOFF, Leonardo. Prefácio – Inquisição: um espírito que continua a existir. p. 7-28; e Parte III – Questões referentes à prática do Santo Ofício da Inquisição. p. 183-253.

39 Como exemplos, do posterior processo de positivação dos direitos fundamentais relativos aos fenômenos da tortura e da conseqüente humanização do Direito penal, podemos citar em primeiro lugar o artigo 8 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que estabelecia a proibição de impor penas que no forem estrita e evidentemente necessárias. E, em segundo lugar, em 1791 a emenda oitava à Constituição dos EUA dizia que não se poderão impor castigos cruéis nem aberrantes. Conferir: COMPARATO, Fábio Konder, 2003, p. 114-121 e 122-160.

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Sobre o autor
Marcos Leite Garcia

doutor em Direito, mestre e especialista em Direitos Humanos e especialista em História da Inquisição pela Universidade Complutense de Madrid (Espanha), professor do curso de pós-graduação stricto sensu em Ciência Jurídica e da graduação em Direito da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Marcos Leite. A construção histórica da distinção entre ética pública e moral privada e sua incidência no processo de formação do ideal dos direitos fundamentais:: a contribuição de Christian Thomasius. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1488, 29 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10192. Acesso em: 28 mar. 2024.

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