Capa da publicação Fim da exigência de diploma no Brasil: PL 3081/2022
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Fim da exigência de diploma no Brasil.

O PL 3081/2022

Leia nesta página:

Se o Projeto se tornar lei, não será necessário diploma ou certificado para exercício profissional.

O PL 3081/2022, de autoria do deputado Tiago Mitraud (NOVO-MG), desregulamenta várias profissões.

Caso o PL se torne lei (o Congresso Nacional decreta, o Presidente da República sanciona), não será necessário diploma ou certificado para exercício profissional.


Como será o exercício profissional quando o PL tornar-se lei?

O fim do diploma para exercício profissional de jornalista é exemplo (1). Não há necessidade de ingressar em qualquer universidade para exercer jornalismo. Qualquer cidadão registra na Carteira de Trabalho [Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS)] "Jornalista". 

Imagine que "jornalista não diplomado" resolva filmar abordagem policial. O policial pede os documentos, dentre eles de "jornalista". 

— Não é diplomado, não é registrado...

Não há exigência de diploma, muito menos de se sindicalizar. Aliás, filmar abordagem policial não é crime! Vejamos:

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

 § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Transcrevo também [1]:

10. Assim, em princípio, não caracteriza hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística que narre fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando se trate de figuras públicas que exerçam atividades tipicamente estatais, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e crítica referirem-se a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada. Nessas hipóteses, principalmente, a liberdade de expressão é prevalente, atraindo verdadeira excludente anímica, a afastar o intuito doloso de ofender a honra da pessoa a que se refere a reportagem. Nesse sentido, precedentes do egrégio Supremo Tribunal Federal: ADPF  130/DF, de relatoria do Ministro CARLOS BRITTO; AgRg no AI 690.841/SP, de relatoria do Ministro CELSO DE MELLO.

11. A análise relativa à ocorrência de abuso no exercício da liberdade de expressão jornalística a ensejar reparação civil por dano moral a direitos da personalidade depende do exame de cada caso concreto, máxime quando atingida pessoa investida de autoridade pública, pois, em tese, sopesados os valores em conflito, mostra-se recomendável que se dê prevalência à liberdade de informação e de crítica, como preço que se paga por viver num Estado Democrático. 

12. Na espécie, embora não se possa duvidar do sofrimento experimentado pelo recorrido, a revelar a presença de dano moral, este não se mostra indenizável, por não estar caracterizado o abuso ofensivo na crítica exercida pela recorrente no exercício da liberdade de expressão jornalística, o que afasta o dever de indenização. Trata-se de dano moral não indenizável, dadas as circunstâncias do caso, por força daquela "imperiosa cláusula de modicidade "subjacente a que alude a eg. Suprema Corte no julgamento da ADPF 130/DF. 13. Recurso especial a que se dá provimento, julgando-se improcedentes os pedidos formulados na inicial. (REsp801109 - Recurso Especial n. 801.109 - DF)


Alcance do Projeto de Lei 

O PL 3081/2022 tem o propósito de desregulamentar:

  • Arquiteto (Decreto-Lei 8620/46);

  • Arquivista (Lei 6546/78);

  • Assistente Social (Lei 8662/93);

  • Atuário (Decreto-Lei 806/69)

  • Bibliotecário (Lei 4084/62);

  • Corretor de seguros (Lei 4594/64);

  • Economista (Lei 1411/51);

  • Educação Física (Lei 9696/98).

  • Engenheiro (Decreto-Lei 8620/46);

  • Engenheiro de Segurança do Trabalho (Lei 7410/85);

  • Estatístico (Lei 4739/65);

  • Fisioterapeuta e Terapeuta ocupacional (Decreto-Lei 938/69);

  • Fonoaudiólogo (Lei 6965/81);

  • Geógrafo (Lei 6664/79);

  • Geólogo (Lei 4076/61);

  • Guia de Turismo (Lei 8623/93);

  • Jornalista (Decreto-Lei 972/69):

  • Leiloeiro (Decreto 21.981/32);

  • Massagista (Lei 3968/61);

  • Medico Veterinário (Lei 5517/68);

  • Meteorologista (Lei 6835/80);

  • Museólogo (Lei 7287/84);

  • Músico (Lei 3857/60);

  • Nutricionista (Lei 8234/91);

  • Psicólogo (Lei 4119/62);

  • Publicitário (Lei 4680/65);

  • Químico (Lei 2800/56);

  • Radialista (Lei 6615/78);

  • Relações Públicas (Lei 5377/67);

  • Secretário (Lei 7377/85);

  • Sociólogo (Lei 6888/80);

  • Técnico de Administração (Lei 4769/65);

  • Técnico em Prótese Dentária (Lei 6710/79);

  • Técnico em Radiologia (Lei 7394/85);

  • Treinador de Futebol (Lei 8650/93);

Por exemplo, no caso do PL "virar lei", para exercer, profissionalmente, nutrição, não haverá exigência de diploma universitário.


Compreendendo o Projeto de Lei

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

  • "É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão", qualquer cidadão pode exercer qualquer trabalho, ofício ou profissão sem expressão anuência do Estado.

  • Contudo, "atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer", ou seja, não basta, pela autonomia da vontade do cidadão, "querer exercer"; é necessário certificado ou diploma, quando "a lei estabelecer".

  • O povo é o soberano (art. 1º, parágrafo único, da CRFB de 1988), "representantes eleitos ou diretamente" materializarão os desejos do povo.

  • A regulamentação profissional é a vontade do povo. 


Exigências para o Exercício da Medicina

No caso de médico (não veterinário), as exigências para atuar não estão previstas no PL. São as seguintes:

  1. Estudar para ser aprovado no Enem ou vestibular;

  2. Conclusão do curso de bacharelado em Medicina; e

  3. Registro profissional nalgum Conselho Regional de Medicina (CRM).

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Sem os três, não há como atuar como médico (a).

Vamos admitir que no PL desregulamente Medicina.

DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940

Exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica

Art. 282 - Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

Parágrafo único - Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também multa.

DECRETO-LEI Nº 3.688, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941

Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício:

Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis.

Com a desregulamentação, para o exercício profissional de Medicina:

DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940

Lei penal no tempo

Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Em síntese, com a desregulamentação, para o exercício profissional de Medicina:

  • Sem exigência (Art. 5º, XIII, da CRFB de 1988: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão") — Estudar para ser aprovado no Enem ou vestibular; Conclusão do curso de bacharelado em Medicina; e Registro profissional nalgum Conselho Regional de Medicina (CRM).

  • Sem infração penal (Art. 5º, XIII, da CRFB de 1988: "atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer") — "Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior [ Projeto de Lei (PL) 3.081/22 "virou lei"] deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória" (art. 2°, do DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940).


Responsabilidades

Com base na decisão sobre não exigência de diploma para exercício profissional de jornalista e na exigência de aprovação no Exame da Ordem dos Advogados para exercício profissional de advogado, será impossível a desregulamentação para engenheiro, médico veterinário, professor de educação física, fisioterapia, terapia ocupacional, nutrição, Técnico em Prótese Dentária e Técnico em Radiologias.

Na desregulamentação, profissionais liberais estarão isentos de qualquer responsabilidade? Não!

LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.


FILOSOFIA NO PL 3081/2022

Claramente, trata-se da filosofia libertária. Segundo libertários, a relação contratual entre particulares, pela autonomia privada, deve ser a mais livre possível, isto é, sem regulamentações por parte do Estado.

Segue-se no âmbito da filosofia, a liberdade contratual como meio para diminuir desigualdades sociais. A exigência de diploma ou certificado é, para os libertários, reserva de mercado, por consequência, a imobilidade socioeconômica. A capacidade profissional, segundo libertários, deve ser pela competência, e não pelo diploma ou certificado. Esses não garantem, ao longo da atuação profissional, a meritocracia.

Pego emprestado de Adam Smith a sua teoria "Mão Invisível". Sem exigência de diploma e certificado, o saber, quando acessível — cursar demanda dinheiro e tempo; muitos seres humanos não têm como pagar por cursos — técnico, graduação ou tecnólogo—, mas, como da espécie humana, têm capacidades intelectuais.

Ótimo exemplo são as cotas universitárias para os afrodescendentes. Libertários condenam cotas, contudo admitem que os cotistas demonstraram meritocracia para conclusões das respectivas graduações.

Logo, o problema não está na pessoa; está na falta de oportunidade. E a condição de pobreza, ou extrema pobreza, não possibilita ascensão profissional pela reserva de mercado — diploma, certificado, obrigatoriedade de inscrição em Conselho, Associação.


NOTA

[1] — BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). REsp801109 - Recurso Especial n. 801.109 - DF. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/100800/Julgado_3.pdf


REFERÊNCIA

YouTube. Supremo Tribunal Federal (STF). Diploma de jornalista: STF decide que exigência é inconstitucional (3/3). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pAoR69BISKo

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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