Resumo: A integração regional é um dos fatores de desenvolvimento do comércio, tendo em conta as experiências de organismos internacionais, dos quais destaca-se a OEA, a ALADI e o MERCOSUL. Porém, as propostas de criação de um processo de integração podem surgir tanto das relações multilaterais como das bilaterais, de acordo com a proximidade geográfica. A pergunta norteadora da pesquisa é: de que modo a cooperação jurídica bilateral contribui para o regionalismo, consideradas as possibilidades presentes no vínculo Brasil-Peru? Para tanto, parte-se da hipótese de que o fomento da bilateralização na cooperação jurídica internacional favorece o projeto integracionista brasileiro e peruano. O trabalho é desenvolvido partindo da eficácia de acordos binacionais, com discussões voltadas para assuntos jurídicos, em paralelo aos processos multilaterais de aliança entre Estados com enfoque comercialista. A análise utiliza a técnica de pesquisa bibliográfica, da coleta até a avaliação de dados. O estudo conclui com a confirmação da hipótese, constatando ser necessário o incentivo das normativas bilaterais para o aprofundamento da integração regional, como fator de desenvolvimento do comércio regional.
Palavras-chave: Direito Internacional Privado; cooperação jurídica internacional; integração latino-americana; acordos internacionais; bilateralização.
Sumário: INTRODUÇÃO. 2. ESTRUTURA DA COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL. 2.1. Introito. 2.2. Aproximação jurídica como instrumento de integração entre Brasil e Peru. 2.2.1 Regionalismo jurídico. 2.2.2 Cooperação multilateral e bilateral. 2.3. Cooperação jurídica: conceituação. 28. 2.3.1 Instrumentos da cooperação jurídica internacional. 2.3.2 Pan-americanismo e o início da cooperação jurídica continental. 3. BRASIL-PERU E A COOPERAÇÃO MULTILATERAL. 3.1. Introito. 3.2. Cooperação e Direito Internacional da Integração. 3.3. OEA e a cooperação jurídica do Brasil e do Peru. 3.3.1 Relação Brasil-Peru nos Tratados das Conferências Americanas. 3.3.2 As bases da criação da OEA e das CIDIPs. 3.3.3 Cooperação jurídica e as CIDIPs. 3.4. Cooperação jurídica e normas subcontinentais. 3.4.1 Demandas jurídicas e os Tratados de Montevidéu (1889 e 1940). 3.4.2 Arranjos regionais: formação de plataformas subcontinentais. 4. BILATERALIZAÇÃO DA COOPERAÇÃO JURÍDICA BRASIL-PERU. 4.1. Introito. 4.2. BRASIL e PERU: normatização da cooperação jurídica internacional. 4.2.1 Processo de internalização brasileira e peruana. 4.2.2 Cooperação jurídica internacional no ordenamento jurídico brasileiro. 4.2.3 Cooperação jurídica internacional no ordenamento jurídico peruano. 4.2.4 Contribuição local em matéria de contratos. 4.3. Instrumentos bilaterais. 4.3.1 Cooperação e solução de conflitos. 4.3.2 Tratado de Amizade e Cooperação Brasil-Peru. 4.3.3 Instrumentos de consolidação da agenda binacional. 5. CONCLUSÕES. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
Este trabalho foi resultado de uma pesquisa sobre a utilização da cooperação jurídica internacional como ferramenta de integração regional a partir da observação da relação entre Brasil e Peru. Identificou-se a necessidade de encontrar mecanismos de aprofundamento da integração regional, cujo processo é tomado como pressuposto para o desenvolvimento do comércio. A pergunta de pesquisa é: de que modo a cooperação jurídica bilateral contribui para o regionalismo, consideradas as possibilidades presentes no vínculo Brasil-Peru? Como hipótese, tem-se que o fomento da bilateralização na cooperação jurídica internacional favoreceu o projeto integracionista brasileiro e peruano.
Como método de verificação da hipótese, optou-se por uma análise dos seguintes dados levantados:
(i) o referencial doutrinário sobre o conceito de cooperação jurídica internacional e institutos correlatos;
(ii) o panorama da participação brasileira e peruana nos acordos multilaterais do continente americano;
(iii) a internalização da cooperação jurídica internacional no ordenamento jurídico do Brasil e do Peru; e
(iv) as convenções bilaterais de interesse mútuo.
O tema proposto foi desenvolvido tendo em vista que Brasil e Peru detêm uma aproximação física significativa, compartilhando a maior extensão amazônica. Essa característica, ao longo da história, trouxe importantes debates sobre relação fronteiriça, comercial, política e jurídica, o qual servirá como contexto histórico e geográfico ao longo da pesquisa. Além disso, a parceria brasileira e peruana resultou em contribuições ao regionalismo jurídico e em acordos bilaterais, que serão primordiais para o estudo.
Será notado, ainda, que Brasil e Peru são membros de organismos internacionais que desenvolvem o debate multilateral. Quanto ao continente americano, o estudo observou o pioneirismo peruano e brasileiro nas discussões sobre Direito Internacional Privado. Ademais, na relação entre Brasil e Peru, há um corpo normativo estruturado para explicar de que modo a cooperação em perspectiva bilateral contribui ao aprofundamento da integração regional e aos processos multilaterais de instrumentos normativos.
A cooperação internacional tem contribuído para a normatização das relações internacionais, tendo os aspectos jurídicos significativo impacto em acordos firmados. Partindo desse entendimento, o estudo foi organizado de forma a observar a cooperação jurídica internacional, manifestada em acordos bilaterais – desenvolvidos dentro de processos multilaterais – no âmbito da relação Brasil-Peru em meados do século XIX até o início do século XXI.
A cooperação jurídica internacional foi o fundamento do trabalho, entendida como um meio de facilitação das relações jurídicas entre os atores internacionais – estatais ou não, no contexto de desenvolvimento comercial dos Estados. Observou-se, ainda, que a cooperação foi incentivada de forma multilateral ou bilateral, possibilitando a análise do tema sob a perspectiva da relação entre Brasil e Peru.
Em dois tópicos, no capítulo de “Estrutura da Cooperação Jurídica Internacional”, foi analisada a definição de regionalismo e cooperação jurídica internacional, explicando as diferenças da atuação multilateral e bilateral, introduzindo os instrumentos de cooperação jurídica e relacionando os institutos com a integração regional. E, então, inicia-se o estudo da atuação dos dois países no pan-americanismo e nos Congressos Americanos (1826 a 1878).
Como marco teórico do citado capítulo, foram exploradas pesquisas desenvolvidas por Andrew Hurrell (2007), Francisco Javier Forcada Miranda (2017), Rogério Santos Rammê e Sebastião Patrício Mendes da Costa (2015), Ricardo Carneiro (2008), Leonel Pereznieto Castro e Jorge Alberto Silva (2007), José Luis Rhi-sausi e Nahuel Oddone (2012), Ignacio Goicoechea (2016), Manuel Mindreau Montero (2006), Marcelo de Almeida Medeiros (2003), Cássio Silva Moreira (2010) e Marcela Arriola Espino (2007).
O capítulo de “Brasil-Peru e a Cooperação Multilateral” foi construído sob a perspectiva da relação Brasil-Peru em debates multilaterais. Foi estruturado de maneira a explicar como foi desenvolvido o entendimento brasileiro e peruano sobre o tema de cooperação jurídica internacional, investigando como ocorreu a participação nos primeiros colóquios do continente americano, com um breve panorama da atuação do Brasil e do Peru em deliberações sub-regionais e multilaterais. Para tanto, foi explicada a celebração de acordos internacionais voltados à cooperação jurídica, mesmo que de maneira indireta.
Ainda sobre o mencionado capítulo, foi abordada, de maneira introdutória, a relação entre a cooperação Brasil-Peru e o de Direito Internacional da Integração, tomado como o disciplinamento de acordos multilaterais e bilaterais em prol da integração regional, sendo examinado o instituto da cooperação jurídica internacional como instrumento dessa área jurídica.
Ademais, notou-se que os Conferências Internacionais dos Estados Americanos (1889 e 1954) e as Conferências Especializadas sobre Direito Internacional Privado – CIDIPs (desde 1975) protagonizaram as discussões acerca da integração regional – no âmbito da América – e, por isso, foram sistematizados os seus eventos, mencionando outras formações regionais que debatem o processo de integração.
Como marco teórico deste capítulo, foram harmonizados estudos de Eugênia Cristina Nilsen Ribeiro Barza (1993, 1999, 2009, 2013), Paul Hugo Weberbauer (2011, 2013), Rogério Santos Rammê e Sebastião Patrício Mendes da Costa (2015), Ruben B. Santos Belandro (1989), Saulo José Casali Bahia (205), Ricardo Soares Stersi dos Santos (2019), Marcela Arriola Espino (2007), Renata Alvares Gaspar e Mariana Romanello Jacob (2014) e Wagner Menezes (2007).
O capítulo de “Bilateralização da Cooperação Jurídica Brasil-Peru” faz uso dos referenciais para rever os conceitos traçados no capítulo anterior com as peculiaridades da participação nos tratados multilaterais, tomando a relação entre Brasil e Peru como ponto norteador para entender a estrutura dos acordos bilaterais assinados e as temáticas preferenciais de internalização. Assim, foi exposto o tema de cooperação jurídica internacional nos ordenamentos jurídicos brasileiro e peruano, inclusive sobre matéria de contratos internacionais, que se conecta com o objetivo cooperativo binacional.
Há, ainda, neste capítulo, considerações sobre documentos sistematizados pelo Tratado de Cooperação e Amizade celebrado entre Brasil e Peru, observando a internalização dos instrumentos norteadores de interesse binacional. Também centraliza na ALADI, responsável por mediar as principais convenções bilaterais dos dois países e, por isso, foi realizado um estudo dos documentos que estão sob sua guarda.
Como marco teórico do citado capítulo, buscou-se pesquisas dos seguintes autores: Nadia de Araújo (1995, 2005, 2016), Cesar Delgado Barreto, María Antonieta Delgado Menéndez (2017), Irineu Strenger (2001), Aurélio Agostinho da Bôaviagem (2002, 2012, 2016), Paul Hugo Weberbauer (2011, 2013), Rogério Santos Rammê e Sebastião Patrício Mendes da Costa (2015) e Marcela Arriola Espino (2007).
Em breve síntese, como resultado, verificou-se, na primeira parte da pesquisa, a definição de regionalismo, cooperação jurídica internacional multilateral e bilateral, bem como seus instrumentos. No segundo bloco, foi caracterizado o avanço da cooperação multilateral, estruturando como a agenda brasileira e peruana foi desenhada em sua atuação jurídica continental, desde o pan-americanismo até os arranjos regionais do atual milênio. Na última seção, observou-se a cooperação em perspectiva binacional por intermédio do direito interno e dos acordos celebrados.
Para o desenvolvimento da pesquisa, partiu-se da premissa de que integração regional é um dos fatores de desenvolvimento do comércio e, assim, foi construído o estudo de forma a provar se o fomento da bilateralização na cooperação jurídica internacional favorece o projeto integracionista brasileiro e peruano. Desse modo, de início, foi proposto evidenciar que a cooperação jurídica bilateral aprofunda a integração e, assim, contribui para o desenvolvimento do comércio regional, concluindo-se, por fim, com a confirmação da hipótese.
2. ESTRUTURA DA COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL
2.1. Introito
A cooperação jurídica internacional é um instituto que exerce a função de facilitadora na execução dos interesses comuns entre atores internacionais – Estados, organismos internacionais e indivíduos. Assim, é oportunizado o estudo do seu papel na integração regional e a observação da relação colaborativa que envolvam dois países com agendas políticas e comerciais específicas como Brasil e Peru. Diante desse projeto, há a necessidade de traçar os conceitos que nortearão a pesquisa proposta.
Em percepção tradicional, as disciplinas de Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado são separadas. A primeira com foco nas relações entre Estados e a segunda no estudo das relações internacionais entre particulares. Entretanto, a divisão das áreas vem sendo questionada pela relação indissociável que ambas mantêm e negligenciá-la impede o desenvolvimento de soluções para os problemas gerais (ARAÚJO, 2016, p. 35-39; KARAMANIAN, 2013, p. 36, 41-42).
Para os fins deste estudo, a cooperação jurídica será analisada como instituto de Direito Internacional Privado, sem perder de vista a associação do assunto com o Direito Internacional Público. Por consequência, ao ser considerada a complexidade do tema, o desmembramento torna-se irrelevante (ARAÚJO, 2016, p. 140-244; CASTRO e SILVA, 2007, p. 564-613; DELGADO B.; DELGADO M., 2017, p. 143-186; ESPINO, 2007, p. 107; MIRANDA, 2017, p. 41-42).
Em acepção primária, a “cooperação no sentido mais amplo significa trabalhar em conjunto para alcançar objetivos mutuamente aceitáveis, mas não necessariamente os mesmos”. No que se refere à experiência latino-americana, esse conceito está relacionado às diferenças econômicas, características da região, que levam à consolidação dos acordos bilaterais. (BERNHARDT, 2014, p. 241).
Sobre o tema, Nadia Araújo (2016, p. 193-198) explica que devem ser considerados dois aspectos na análise da cooperação. O primeiro diz respeito ao Estado e sua necessidade de fortalecer suas relações internacionais em compatibilidade com seus objetivos nacionais. O segundo enfoque está na proteção dos direitos da população. Nesse sentido, a autora entende que a cooperação jurídica internacional é definida pelo seu aspecto processual, no cumprimento de medidas judiciais e administrativas requeridas por outro país, como garantia do devido processo legal.
Nadia Araújo (2016, p. 193-198) argumenta, ainda, que há uma relação da cooperação com os esforços pela uniformização das normas jurídicas por meio de convenções internacionais multilaterais ou resultantes do processo de integração. Por conseguinte, o presente capítulo observará a vinculação entre cooperação jurídica internacional, regionalismo e acordos bilaterais. Ademais, será realizado um estudo sobre o pan-americanismo como cenário de estreitamento da concertação entre Brasil e Peru.
O objetivo da primeira parte do trabalho é realizar uma conceituação da cooperação jurídica internacional e dos institutos correlatos, bem como traçar as bases da relação entre Brasil e Peru, como panorama para o alinhamento da concertação multilateral a ser estudado no capítulo de “Brasil-Peru e a Cooperação Multilateral”. Desse modo, estará construído o alicerce que possibilita a compressão dos acordos bilaterais e sua contribuição ao aprofundamento da integração regional, tema do capítulo de “Bilateralização da Cooperação Jurídica Brasil-Peru”.
Será analisada a aproximação jurídica como instrumento de integração, na perspectiva da relação entre Brasil e Peru, bem como a definição de cooperação multilateral e bilateral e suas implicações no pan-americanismo. Deste modo, a estrutura de conceitos formada permitirá a compreensão do aprofundamento da pesquisa nos próximos capítulos sobre os processos de aliança multilateralista e os acordos binacionais com enfoque jurídico.
2.2. Aproximação jurídica como instrumento de integração entre Brasil e Peru
A análise conceitual realizada nesse tópico parte do estudo realizado por Marcos Henrique Silveira e Frederico Eduardo Zenedin Glitz (2020, p. 112-189) sobre a classificação utilizada para definir a aproximação jurídica, que seria o emprego de quaisquer formas de compatibilização dos ordenamentos jurídicos. Segundo os autores, o termo seria entendido como gênero do qual seriam algumas espécies a coordenação, a harmonização, a uniformização e a unificação das legislações que, na ordem apresentada, significariam graus progressivos de concertação dos distintos ordenamentos pátrios.
Por outro lado, Silveira e Glitz (2020, p. 112-189) explicam que não há uma pacificação do significado dos institutos, inclusive nos instrumentos jurídicos internacionais deste tema. Com base nessa informação, optou-se por utilizar, durante a pesquisa, o sentido amplo do termo aproximação jurídica, para especificá-la como todo esforço produzido para viabilizar um alinhamento do direito interno de cada Estado.
Outro conceito fundamental para a análise proposta é a utilização da expressão comunidade jurídica do mundo inteiro de Pasquale Stanislao Mancini (1876, p. 634-636). O autor faz uso do termo em sua explicação sobre qual seria o papel do Direito Internacional Privado e o dever mútuo dos Estados. Nesse contexto, ele menciona a ideia de que a comunidade jurídica é o conjunto de princípios que prevalecem em todo o mundo, independente do sistema jurídico. Assim sendo, tal panorama permeará o presente trabalho.
Ademais, Mancini (1876, p. 634-636) preconizou que a independência recíproca dos Estados não é menos inviolável que a liberdade dos indivíduos, não sendo autorizada a violação dos direitos de outro Estado, defendendo a existência de “deveres internacionais e não simples preocupações de cortesia mútua e conveniência”. Some-se a esse entendimento a pesquisa realizada por Arno Dal Ri Júnior e Ademar Pozzatti Junior (2012, p. 298 e 299), na qual observaram a influência da doutrina manciniana na construção do que os autores nomeiam de cooperação internacional em matéria jurisdicional.
Entretanto, antes de buscar as definições dos institutos que circundam a cooperação jurídica internacional, esta etapa da pesquisa irá investigar a caracterização do termo regionalismo a partir da classificação de Andrew Hurrell (2007, p. 239-243). Na sequência, irá apresentar o processo de multilateralização e bilateralização como vias possíveis de integração regional, traçando, ainda, a relação entre Brasil e Peru no pan-americanismo.
Ademais, será utilizada a expressão plataforma de desenvolvimento econômico e comercial em detrimento da palavra bloco. Tal decisão está baseada no discurso do Presidente da Argentina Alberto Fernandez, que liderou a Cúpula de Chefes do MERCOSUL de 02 de julho de 2020, em comemoração aos 30 anos do Tratado de Assunção. Seu sentido tem como fundamento a concepção dos organismos regionais como ponte entre as partes, em perspectiva aberta à cooperação com Estados externos à região, e não uma estrutura encerrada com relações comerciais exclusivas entre os membros (ARGENTINA, 2020; BAUMANN, 2001, p. 41; MOREIRA, 2010, p. 225-238).
2.2.1. Regionalismo jurídico
O processo de desenvolvimento no mundo inteiro acrescentou muitas dimensões ao estudo jurídico. A normatização das relações entre os diferentes Estados gira em torno do avanço da integração que, por sua vez, reúne vários espaços de estrutura intercontinental. À vista disso, o próprio regionalismo é um desses aspectos, sendo um mecanismo que contribui para a construção da relação entre o local e o internacional. (CARNEIRO: 2008a, p. 43).
Ainda que se pondere que a organização das plataformas comunitárias de Estados com menor potência econômica seja uma força antagônica à dominação de países desenvolvidos, há a possibilidade de compreender esses arranjos como parte do fortalecimento da organização da comunidade mundial. E, nesse entendimento, o regionalismo surge como um projeto capaz de auxiliar os Estados a atender às demandas do mercado e do atual milênio, permeando a formação teórica do presente estudo (CARNEIRO: 2008a, p. 44; MEDEIROS: 2003, p. 151 e 152).
As transformações culturais, comerciais, produtivas e financeiras também impactam na formação da sociedade atual, cada vez mais complexa e vasta em conhecimento distribuído em diferentes setores sociais, em múltiplas direções. Nesse sentido, sem esquecer das particularidades do desenvolvimento de cada país e região, os arranjos domésticos estão envolvidos nas remodelações do mundo inteiro. Tais dimensões, objetos de análise científica, modelam a formação do mercado internacional a partir da integração dos mercados locais (MOREIRA: 2010, p. 215-217).
Nesse contexto, as decisões em diferentes setores da comunidade jurídica do mundo inteiro interferem no desenvolvimento dos Estados, o que conduzirá a forma de participação de cada um deles. As necessidades econômicas motivam o nascimento regional de integração, não sendo diferente para o contexto latino-americano (CARNEIRO: 2008, p. 77). Deste modo, surgem propostas integrativas como a Organização dos Estados Americanos, o MERCOSUL e a Comunidade Andina.
Cássio Silva Moreira (2010, p. 225-238) aponta que, diferente do século XIX, com comunidades regionais marcadas pelo isolamento internacional dos blocos, a atual forma de construção desses arranjos dar-se-ia sob um contexto de plataforma aberta ao mercado internacional, melhorando os termos contratuais entre os atores envolvidos. Como resultado, a aproximação jurídica – com a estruturação organizacional internacional, o estudo dos ordenamentos nacionais e a harmonização das normas nos temas pertinentes – serviria como garantia e desembaraço dos proveitos esperados pelas transações internacionais.
Andrew Hurrell (2007, p. 239-243), em sua obra sobre o poder da ordem global, valores e a constituição da sociedade internacional, apresenta algumas possíveis formas de enfrentamento das questões mundiais. O autor, então, apresenta o regionalismo como alternativa e utiliza o termo para indicar a complexidade que envolve as regiões em suas dimensões social, econômica, política e organizacional.
Para Hurrell (2007, p. 239-243), não existe uma região natural, mas sua construção social. Para ele, por ser socialmente formada, seria politicamente contestada. Ato contínuo, ele argumenta que é possível entender o regionalismo em cinco diferentes tipos de processo: (1) regionalização, (2) conscientização e identidade regional; (3) cooperação interestadual, (4) integração liderada pelo Estado; e (5) consolidação regional.
A regionalização está associada à integração social, econômica e cultural, não envolvida a política dos Estados. Quando o conceito é utilizado em termos de comércio internacional, são relevantes os aspectos peculiares de mercado dos Estados participantes e não só a aproximação física dos membros de uma plataforma regional (STRENGER: 2001, p. 462). Por outro lado, a conscientização e a identidade regional abraçam, no discurso, o sentido político dado ao tema, construindo-se a imagem que se deseja para a região. A cooperação interestadual, por sua vez, seguiria diferentes objetivos e é marcada pelos acordos intergovernamentais.
Em continuidade aos tópicos elaborados por Hurrell (2007, p. 239-243), tem-se a integração liderada pelo Estado, que seria, como subconjunto da cooperação interestadual, a definição natural de regionalismo e integração regional – tomada como marco deste estudo – e que é caracterizada pelos arranjos políticos com o intuito de obter benefícios mútuos (circulação de bens, serviços, capital e pessoas). Por fim, a consolidação regional estaria conectada à finalidade da integração e aos benefícios do estabelecimento da comunidade regional.
Hurrell (2007, p. 239-243) destaca, também, que a nova visão do regionalismo é marcada por uma série de lógicas concorrentes e que manifestam a complexidade desse mecanismo. As demandas percorrem diferentes setores das relações, com exigências econômicas, políticas, culturais e sociais. Além disso, a instabilidade e a dinamicidade são inerentes à aproximação regional e não há um único e definidor objetivo capaz de generalizar o desenvolvimento de cada desenho de integração.
Entretanto, é possível compatibilizar a complexidade do regionalismo apontada por Hurrell com a sistematização gradual elaborada por Béla Balassa (1961, p. 2), em sua obra sobre a teoria da integração econômica. Visualizando como uma estrutura econômica, como um modelo a seguir, Balassa classifica as etapas de integração em: área de livre comércio (free-trade area), união aduaneira (customs union), mercado comum (common market), união econômica (economic union) e, por fim, integração econômica completa (complete economic integration).
Como uma construção que objetiva o estabelecimento de uma integração completa, Balassa (1961, p. 2) sugere iniciar a esquematização com o surgimento de uma Área de Livre Comércio, em que as tarifas entre os participantes são abolidas. A União Aduaneira envolve a igualdade de tratamento tarifário entre os membros do bloco com seus parceiros externos ao bloco. O Mercado Comum é definido como uma etapa superior na qual as restrições de movimentação de fatores de produção são extintas.
O passo seguinte é a estruturação da União Econômica, na qual os países objetivam a harmonização tendente a unificar alguns assuntos das políticas econômicas nacionais. Por fim, a integração completa dar-se-ia com a unificação das políticas monetárias, fiscais, sociais e anticíclicas, com a organização de uma autoridade supranacional. Contudo, é possível perceber que a integração, por vezes, não é linear, avançando em temáticas de etapas posteriores quando ainda é resistente na implementação de fases anteriores da sistemática regional.
A perspectiva econômica organiza a integração em etapas definidas, mas não é a única forma de se analisar os arranjos regionais. Também é possível entender esse processo pela dimensão político-institucional e social. Deste modo, é possível observar os múltiplos fenômenos de concertação entre Estados de acordo com as particularidades internas e externas (SZUCKO, 2017, p. 29).
É o caso do Cone Sul, que embora não tenha concluído os propósitos econômicos estabelecidos no artigo 1 do Tratado de Assunção para a Constituição de um Mercado Comum, já estabeleceu, por intermédio da Decisão do Conselho do Mercado Comum nº 64 de 16 de dezembro de 2010, um Plano de Ação para um Estatuto da Cidadania do MERCOSUL. E, em 09 de dezembro de 2020, foi apresentado um projeto de recomendação do Estatuto, compilando as principais normas de interesse do cidadão mercosulino, na Ata nº 15, de 09 de dezembro, da Comissão de Representantes Permanentes (MERCADO COMUM DO SUL, 1991, 2010, 2020) (Quadro 5).
As particularidades do regionalismo jurídico mercosulino exemplificam que as dimensões econômicas e sociais da rota da integração se adaptam às demandas históricas de cada caso. Não só no MERCOSUL, mas a agenda política dos Estados da América do Sul prioriza, além da inserção econômica internacional, o desenvolvimento econômico e social e a governabilidade democrática (RHI-SAUSI e ODDONE: 2012, p. 175 e 176).
Um reflexo desse contexto é o envolvimento brasileiro na mediação do conflito fronteiriço entre Peru e Equador, atuando como garante do Protocolo de Paz, de Amizade e de Limites, assinado no Rio de Janeiro, em 29 de janeiro de 1942 (Quadro 6). De igual maneira foi a participação do Brasil no restabelecimento do regime democrático peruano em meados do século XX, com a assinatura do Acordo Parcial Econômico entre Peru e Brasil nº 25, de 31 de dezembro 1993, como marco da ordem de direito no Peru (Quadro 12) (ASSOCIAÇÃO LATINO-AMERICANA DE INTEGRAÇÃO, 1994; MONTERO: 2006, p. 26; PERU, 1942).
Nesse sentido, pela similaridade da atuação de cada Estado sul-americano na economia internacional, requer-se uma condução específica das estratégias de desenvolvimento regional. As proposições das áreas cruciais giram em torno da infraestrutura da América do Sul, conectando os interessados por intermédio de suas fronteiras e facilitando o acesso a recursos e vantagens locais, bem como o contato com novas tecnologias – sobretudo no campo industrial – e o aperfeiçoamento regional no campo monetário-cambial (CARNEIRO: 2008, p. 77 e 78; MEDEIROS: 2003, p. 153).
Unindo-se aos avanços da comunidade jurídica do mundo inteiro, a integração regional fortalece os países participantes, dando condições para atingir um grau de desenvolvimento dos seus objetivos econômicos e políticos, em diferentes sistemas de atuação internacional. Os Estados gerenciam suas participações em âmbito comunitário, multilateral e bilateral – conciliando as demandas específicas de cada setor social –, sem olvidar a defesa de sua independência e autodeterminação entre os povos. Estes são anseios democráticos, que identificam e conciliam as reivindicações atuais (MEDEIROS: 2003, p. 151 e 160).
Partindo da caracterização realizada por Jürgen Habermas (2012, p. 336) em seu artigo sobre a crise da União Europeia à luz da constitucionalização da Lei internacional, todo sistema político-democrático compreenderia: (1) associação horizontal de pessoas jurídicas livres e iguais; (2) organização burocrática para a ação coletiva; e (3) solidariedade cívica como meio de integração política.
A associação horizontal é verificada com a coparticipação de Estados, cuja independência seja reconhecida por seus pares. A organização burocrática não está caracterizada por um único perfil, sendo desenhada de acordo com as particularidades históricas de seu caso, criando-se entes internacionais com variados graus de autonomia. Já a solidariedade cívica seria percebida pela identidade da população, com a construção do sentimento de pertencimento regional (HABERMAS, 2012, p. 339-348).
Respeitadas as especificidades de cada caso de regionalismo, é possível identificar tais pontos na estruturação das plataformas sul-americanas de desenvolvimento e dos tratados bilaterais. Tanto nas relações binacionais quanto na dimensão comunitária das organizações regionais, a integração envolve as bases democráticas de associação horizontal, organização e solidariedade cívica ressaltadas por Habermas.
Ademais, a presença de discussões bilaterais diversifica os tipos de relações internacionais estabelecidas, contribuindo para a integração regional jurídica. Assim, como fator característico da América do Sul – respeitando-se o histórico político pela independência dos países sulistas e as dificuldades de inserção na comunidade jurídica do mundo inteiro –, os acordos bilaterais são utilizados para estimular os avanços em âmbito local.
2.2.2. Cooperação multilateral e bilateral
Vinculado ao conceito de regionalismo, há o estudo do multilateralismo e bilateralismo como formas de arranjos políticos e comerciais entre atores internacionais, sobretudo os Estados. São modelos que existem de maneira concomitante e que são utilizados para sistematizar as formas de organização e as normas de abrangência intercontinental, regional e bilateral (RENARD, 2015, p. 5).
Robert Cox (1992, p. 163) entendeu que o multilateralismo trata do processo de regulação da ordem estabelecida e, por outra perspectiva, como o ambiente propício para as relações internacionais proporem transformações a essa ordem. Os dois aspectos do instituto – estruturação e transformação – são distintos, mas o definem e devem ser igualmente desenvolvidos.
O multilateralismo está formalmente associado aos acordos de Bretton Woods (1944), que resultaram na criação do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e do GATT. A aproximação do atual milênio, no entanto, é caracterizada pela expansão do regionalismo e bilateralismo na segunda metade do século XX, resultando em uma convivência ora conflitiva ora harmônica da forma multilateral, bilateral e regional das relações internacionais (BECK; MULLER; SEABRA, 2021, p. 34-35; SANTOS, 2019, p. 85).
O regionalismo tem suas raízes no multilateralismo, com a integração de diversos países normalmente associados pela proximidade geográfica. Nas últimas sete décadas, a predileção pelos acordos multilaterais em âmbito regional contribuiu para a construção de identidades regionais pelo uso de organizações internacionais (BECK; MULLER; SEABRA, 2021, p. 34-37; RENARD, 2015, p. 4).
Por outro lado, houve a assinatura de múltiplos acordos bilaterais no século XIX definidoras de fronteiras e estabelecendo formas de solução pacífica de conflitos entre dois Estados (ENGEL, c2012). Ademais, após o surgimento do multilateralismo e regionalismo no século XX, constata-se a expansão das negociações bilaterais no atual milênio, em virtude da possibilidade de, por intermédio das convenções binacionais, “se repetir, especificar, esclarecer ou aprofundar os tratados multilaterais” (RENARD, 2015, p. 5-6).
Nesse contexto, há duas possíveis leituras: entender a bilateralização das relações jurídicas entre dois Estados como alternativa dos tratados multilaterais e regionais ou, como na perspectiva de Thomas Renard (2015, p. 5), admitir que não há uma substituição do multilateralismo pelo bilateralismo, mas há um ajuste das formas de integração e um estudo dos mecanismos compatíveis com os interesses comuns. De todo modo, é reconhecida a coexistência do bilateralismo com as formas multilaterais e regionais de relação entre atores internacionais.
Dentro do estudo das relações jurídicas bilaterais, observa-se que a cooperação é uma questão central, servindo como mecanismo de negociação e consenso em prol dos interesses comuns (SANTOS, 2019, p. 86). Na análise do tema, há, ainda, diferentes tipos e subtipos de classificação. Quanto ao número de partes envolvidas, para os fins desta pesquisa, interessante observar a divisão em cooperação multilateral e cooperação bilateral (CARMO, 2021, p. 153-162).
Valter Moura do Carmo (2021, p. 160-161) entende que a cooperação multilateral é desenvolvida coletivamente, com intervenção de organismos internacionais e defende que a cooperação bilateral é realizada entre dois Estados ou duas instituições estatais. Sofia José Santos (2019, p. 86-87), por sua vez, explica que, em um contexto multilateral, as regras são criadas pelos Estados, como expressão de sua vontade política, de forma coletiva, e a relação bilateral é caracterizada pela expansão da autonomia e especificidade dos temas deliberados.
Valter Moura do Carmo (2021, p. 153-162) propõe, também, uma classificação quanto ao objeto. Tem-se assim cooperação: (1) humanitária, (2) para o desenvolvimento, (3) militar, (4) científica, (5) tecnológica, (6) técnica, (7) cultural, e (8) econômica. Assim, cada matéria é objeto de acordos bilaterais e multilaterais e integram o sistema de comunicação entre os Estados de maneira que os atores internacionais tenham acesso à informação e ao incentivo necessários aos seus objetivos de desenvolvimento transfronteiriço.
2.3. Cooperação jurídica: conceituação
No estudo da cooperação jurídica há o encontro de conceitos como cooperação interjurisdicional, cooperação internacional e cooperação jurídica internacional que, embora estejam vinculados, apresentam definição distinta. Cada expressão compreende um significado próprio e, para que haja a estruturação adequada da pesquisa do tema proposto, faz-se uma análise de suas definições.
A expressão cooperação interjurisdicional foi utilizada no projeto do Código-Modelo de Cooperação Interjurisdicional para a Ibero-América (PELLEGRINI GRINOVER et al., 2008, p. 206-208). A eleição dessa locução, como explicado na exposição de motivos do projeto, deu-se em razão de ser a mais adequada para identificar a colaboração mútua de Estados soberanos, no âmbito de seus territórios – no plano jurisdicional ou administrativo. Ainda que esteja mais próximo do Direito Internacional Privado, o mecanismo conta com contribuições encontradas em outras instâncias do Direito.
É importante destacar que a expressão cooperação interjurisdicional foi escolhida pelo citado projeto com o sentido diferente de cooperação internacional. Esta última locução estaria associada às atuações envolvendo tutelas judiciais ante os tribunais internacionais e, então, estaria categorizada como instituto analisado entre as matérias do âmbito do Direito Internacional Público.
Diante da diferença acolhida pelo projeto de Código-Modelo, conclui-se que a diferença entre cooperação interjurisdicional e cooperação internacional não estaria na matéria pública ou privada do mérito das contribuições, mas na jurisdição de quem solicita. O primeiro instituto estaria vinculado aos Estados, no âmbito das suas soberanias e o segundo conceito relacionado aos tribunais internacionais. Arno Dal Ri Júnior e Ademar Pozzatti Junior (2012, p. 275), por seu turno, utilizam a expressão cooperação jurisdicional e cooperação internacional jurisdicional como um conjunto de mecanismos processuais em prol da comunicação entre jurisdições de Estados distintos.
Quanto à expressão cooperação jurídica internacional, Francisco Javier Forcada Miranda (2017, p. 35-38) destacou, em sua tese, alguns pontos de apoio que auxiliariam no entendimento do conceito e seu papel como mecanismos processual para a efetividade de propostas das políticas externas. Seguindo sua linha argumentativa, o instituto está envolvido na produção de mecanismos que internalizem e sejam internalizados, para a concretização dos objetivos da agenda multidisciplinar internacional, regional e binacional.
Como primeiro ponto de apoio, fruto do novo milênio e das transformações tecnológicas, o conceito de cooperação jurídica internacional deveria se adequar às necessidades hodiernas. A definição do tema estaria, assim, caracterizada por sua base jurídica, no uso de ferramentas que contribuam para o fortalecimento das relações internacionais. A assistência mútua, portanto, seria a chave para a efetividade da tutela jurídica aos negócios e acordos celebrados (MIRANDA: 2017, p. 35-36).
Por outro lado, ainda que a cooperação contribua para o desenvolvimento, os institutos não se confundem. O conceito que se elabora é de uma acepção jurídica, na construção de normas internacionais, sendo temática de tratados entre Estados. Deste modo, não se confunde com a cooperação no sentido não jurídico, com conotações de outras áreas da ciência, como Ciência Política, Sociologia ou Economia (MIRANDA: 2017, p. 35-36).
Como segundo ponto de apoio, também há como se entender a cooperação jurídica internacional no sentido legislativo. Este termo é associado à busca da regulação normativa entre Estados interessados de forma harmônica, com propostas similares, com o intuito de facilitar as negociações envolvendo seus atores, em regime jurídico vigente com disposições semelhantes. Este conceito englobaria os diferentes termos aproximação, harmonização, uniformização e unificação (MIRANDA: 2017, p. 35-36; SILVEIRA e GLITZ: 2020, p. 7).
Entretanto, a noção de aproximação jurídica apresentada não é o conceito proposto para os fins deste estudo. O marco escolhido tem a ver com a colaboração entre Estados com o intuito de auxílio mútuo para efetivar os compromissos políticos por intermédio de documentos jurídicos e a assistência em processos administrativos e judiciais que envolvam matéria de interesse de diferentes atores internacionais (MIRANDA: 2017, p. 35-36).
Como terceiro ponto de apoio, Forcada Miranda (2017, p. 35-38) defendeu que a cooperação jurídica internacional configurar-se-ia como um dever estatal em prol da população, utilizando-se a tutela jurídica como garantia de cumprimento das ideias e propostas discutidas em outros setores. O Brasil e o Peru, nesse aspecto, assegurariam, por meio de tratados assinados e internalizados, a efetividade dos compromissos políticos e econômicos assumidos entre seus representantes (MIRANDA: 2017, p. 35-36).
Em contrapartida, como quarto e último ponto de apoio, a cooperação jurídica internacional necessitaria de mecanismos para lograr a efetividade das políticas propostas. Nesse cenário, a cooperação viria expressa nos tratados internacionais, bem como seria analisada pelas doutrinas nacionais, sendo apresentadas formas de assistência, como as comunicações judiciais diretas. Desse modo, o conceito estaria estruturado tanto no direito substancial como no campo processual da matéria (MIRANDA: 2017, p. 38).
Interessante observar que o aspecto processual da cooperação é destacado pelo uso de cartas rogatórias, auxílio direto e a discussão envolvendo os limites para concretizar os efeitos de sentenças estrangeiras, bem como os requisitos para sua homologação. Nesse seguimento, é possível entender a cooperação jurídica internacional como instrumento e objeto de estudo do Direito Processual Internacional (ESPINO: 2007, p. 109-110). Entretanto, o tema não está adstrito a esse setor do Direito Internacional Privado, tendo em vista a amplitude conceitual da assistência mútua, também albergando conotações de direito material.
Neste ponto, cite-se a noção de cooperação jurídica internacional elaborada por Francisco Javier Forcada Miranda (2017, p. 35-38). Para ele, o tema tem “base jurídica e está projetado sobre relações internacionais privadas da cidadania, que pretende fazer efetiva, no âmbito transfronteiriço, a tutela judicial dos particulares”. O autor quis destacar, sobretudo com a expressão “relações internacionais da cidadania”, a relação do instituto com os valores democráticos, especialmente, o acesso à Justiça e o devido processo legal. Por meio dessa ferramenta, haveria a facilitação dos procedimentos judiciais e administrativos.
Partindo de tais definições, para fins deste estudo, utilizar-se-á indistintamente as expressões cooperação jurídica e cooperação jurídica internacional, de forma ampla – envolvendo os conceitos destacados – para descrever toda a atuação que utilize a norma como ferramenta de colaboração, para além do seu aspecto processual. O termo servirá para identificar as contribuições dos atores internacionais, sendo estatais ou não, na construção e desenvolvimento dos cooperadores. Dentro dessa conceituação não está incluída a cooperação jurídica nacional.
A cooperação jurídica é uma ferramenta que assegura as relações internacionais, sobretudo no que diz respeito a seu aspecto processual, permitindo que os compromissos políticos sejam internalizados e, por consequência, obrigatórios no âmbito interno. Ademais, os procedimentos propostos em assistência mútua têm o intuito de agilizar a tutela jurídica dos interesses dos atores internacionais, construindo um sistema multilateral, regional e binacional de solução de conflitos, ou de prevenção e segurança das negociações (MIRANDA: 2017, p. 38).
A era da informação favoreceu a crescente conexão entre as populações de diferentes Estados, com destaque para os que compartilham regiões fronteiriças, não só pelo aspecto físico, mas para a projeção de negócios jurídicos nessas localidades. Assim, os Estados entendem pela necessidade de fortalecimento das organizações internacionais e das normas internacionais – sobretudo a cooperação jurídica internacional (MIRANDA: 2017, p. 38).
As Constituições brasileira e peruana apresentam a finalidade nacional cooperativa em sua política exterior, notadamente com respeito à integração latino-americana. O regionalismo está destacado pelas peculiaridades econômica, política, social e cultural da localidade, que se reflete no cenário jurídico de contribuição mútua, com ditames efetivos de facilitação dos objetivos da agenda binacional.
A cooperação jurídica, portanto, é um instrumento de eficácia das normas internacionais, destacando-o como hábil a estruturar o crescente mercado e as trocas culturais, políticas e sociais no mundo inteiro. Para além da vertente conflitual, o direito substancial e processual no contexto internacional apoia-se em ferramentas de compromisso com a segurança e tutela jurídica dos interesses dos atores internacionais e, em último sentido, da população em geral (MIRANDA: 2017, p. 38-42).
Em resumo, o propósito do instituto da cooperação jurídica está em facilitar os intercâmbios de informações, fomentar a aproximação jurídica dos Estados e impulsionar os processos – administrativos e judiciais. Somada às cooperações técnica, cultural, econômica e científica, estabelece os marcos legais previsíveis para que os demais campos de colaboração mútua tenham estrutura para seu desenvolvimento e efetividade.
Deste modo, a cooperação jurídica está implícita em todos os acordos binacionais propostos, assinados e internalizados com o intuito de desenvolvimento do Brasil e do Peru. Por outro lado, está explícita sua previsão quando os acordos dispõem sobre o tema – de forma específica ou não – e quando os contratos bilaterais são negociados e constituídos sob a garantia dos princípios e normas internacionais, com a matéria internalizada nos ordenamentos pátrios.
Por conseguinte, importante mencionar como a cooperação jurídica é trabalhada por intermédio de diversos instrumentos. Os mecanismos de troca e colaboração entre os atores internacionais servem para dar aplicabilidade aos objetivos perseguidos pelos Estados, considerando que, em suas relações bilaterais e multilaterais, normatizam meios e métodos para atender às demandas recíprocas.
2.3.1. Instrumentos da cooperação jurídica internacional
A cooperação é uma ferramenta de efetividade da justiça diante das exigências econômica, social, política e cultural da era da tecnologia e da informação. A atividade jurídica estatal, no âmbito do seu território ou fora dele, deve ser realizada com o uso de ferramentas facilitadoras do cotidiano, para que as negociações e demandas sociais locais e internacionais gozem de segurança jurídica e proteção dos direitos (RAMMÊ; COSTA, 2015, p. 616-618).
A cooperação jurídica funciona como exercício das relações entre os atores internacionais, na efetivação de seus objetivos comuns – comerciais, políticos, sociais, culturais, etc. – e na solução de conflitos. O processo de integração bilateral dos Estados e a atuação dos arranjos regionais como plataformas que não são fechadas em si, mas abertas ao cenário global, têm desafios em vários aspectos que precisam de segurança jurídica como fórmula de desenvolvimento (RAMMÊ; COSTA, 2015, p. 619).
A inserção multilateral é incentivada simultaneamente aos projetos regionais e entender a comunidade jurídica do mundo inteiro é uma necessidade do atual milênio. De modo paralelo, há a integração que é estimulada com a criação de entidades internacionais, as quais reúnem Estados de história, política e economia similares, que estão além da aproximação física (PECEQUILO, 2008, 148-151).
Dentro desse contexto, a cooperação jurídica seria concretizada pela previsão expressa nos tratados internacionais, ao se estabelecer normas que concretizem o empenho pela mútua colaboração. Ademais, é possível entender que essa inclinação é priorizada quando há a internalização, nos ordenamentos pátrios, dos princípios do Direito Internacional, em sentido amplo (RAMMÊ; COSTA, 2015, p. 620-621).
Ademais, dentro dessa discussão, volta-se para a questão central do Direito Internacional Privado, qual seja, a escolha da lei aplicável, a fim de que seja identificada a norma a ser utilizada em assuntos que envolvam mais de um ordenamento jurídico. Quanto à cooperação jurídica internacional, há o predomínio de disciplinamento por tratados multilaterais, regionais e bilaterais, com o objetivo de coordenar os objetivos dos atores internacionais (ARAÚJO, 2016, p. 35-39).
São diversos os mecanismos e cada país apresenta em sua lei material e processual as ferramentas de seu interesse, para solucionar os pleitos dos atores internacionais, em suas relações. As sociedades empresariais, os turistas, os trabalhadores, os residentes fronteiriços e os consumidores são parcelas da comunidade afetadas pelas decisões políticas e que requerem meios hábeis para possibilitar uma saída para os bloqueios e disparidades de tratamento.
Surgem mecanismos de controle dos acordos internacionais, permitindo, assim, a sua implementação. Quando os Estados se comprometem a garantir as obrigações às quais se vincularam, são necessários instrumentos que confiram mais eficácia aos documentos assinados. Nesse sentido, tem-se ferramentas coercitivas, com possibilidade de medidas sancionadoras, e também o uso da cooperação para tais fins (VARELLA, 2005, p. 146-148).
Como controle dos acordos internacionais pela cooperação, seriam criados métodos tais como o uso de relatórios, inspeções e instituições internacionais, como também há a fiscalização por organizações não-governamentais, caracterizada pela participação popular. Por intermédio das citadas formas de atuação, é possível constatar situações de irregularidade além de propor modelos de uniformização de disciplinamento (VARELLA, 2005, p. 146-148).
Como categorizado por Marcela Arriola Espino (2007, p. 107), o estudo do Direito Processual Internacional é incluído, nos manuais doutrinários, dentro do campo de atuação do Direito Internacional Privado. Por serem os mecanismos de cooperação jurídica responsáveis pelo impulso dos processos administrativos e judiciais, a matéria também é compreendida como integrante da esfera processualística, sendo indispensável para que o conflito seja resolvido ou que um embaraço seja dissolvido (ARAÚJO, 2016, p. 140-244; CASTRO e SILVA, 2007, p. 564-613; DELGADO B.; DELGADO M., 2017, p. 143-186; ESPINO, 2007, p. 107-109).
O estudo didático do tema estabelece classificações que facilitam o aprendizado e a comunicação entre atores internacionais. Nesse sentido, a cooperação jurídica, como meio de colaboração, é classificada como ativa – quando se está na posição de solicitante – e passiva – quando se recebe o pleito. Nas relações entre soberanias, o país demandante é conhecido como Estado requerente e o país que recebe as solicitações – e que, eventualmente, processará o pedido – é chamado de Estado requerido (BRASIL, 2014, p. 07).
Cresce o interesse da comunidade jurídica do mundo inteiro na matéria de cooperação. A circulação de pessoas, capitais e bens, a celebração de contratos e o avanço tecnológico contribuem para que sua instrumentalização seja analisada e conformada às novas demandas. A atuação política dos Estados monopoliza a iniciativa, necessitando da participação do Poder Judiciário e da comunidade jurídica sobre as matérias afetas ao seu campo de atuação (BAHIA, 2015, p. 41).
As facilidades da era da informação colaboraram para que a segurança das transações fosse efetivada. Atualmente, a tecnologia consolida a autenticidade dos documentos, garantindo que a checagem seja realizada de maneira ágil. Uma certidão emitida por um país que declara a ausência de condenações criminais seria conferida em um sítio eletrônico e, assim, rapidamente, é possível obter permissão para residência em um Estado estrangeiro.
Nos casos dos contratos internacionais de comércio, um consumidor registra, simplificadamente, seus dados em um sítio eletrônico especializado em compra e venda e, com crédito disponível, obtém produtos de qualquer lugar do mundo. O idioma e as formas de comunicação de diferentes culturas estão progressivamente mais acessíveis ao público em geral, não se configurando como empecilho na obtenção de bens e serviços.
A validação de documentos, portanto, segue esse caminho. É o caso da promulgação brasileira da Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros, de 05 de outubro de 1961, pelo Decreto nº 8.660, de 29 de janeiro de 2016. O Peru aprovou pela Resolução Legislativa nº 29445, de 17 de novembro de 2009 e ratificou com o Decreto Supremo nº 086-2009-RE, de 23 de novembro de 2009 (BRASIL, 2016a; PERU, 2009b, 2009c) (Quadro 6).
Fruto dos trabalhos da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado (Hague Conference on Private International Law – HCCH), a citada Convenção de 1961 prevê como única formalidade possível, nos documentos de interesse das transações internacionais, a apostila. A sua emissão segue o modelo da Convenção e serve como comprovação da autenticidade dos elementos que compõem o documento (BAHIA, 2015, p. 43).
O interesse comum e a solução jurídica mútua são apontados como finalidade da utilização da cooperação jurídica internacional como ferramenta de construção da comunidade jurídica do mundo inteiro. Pode ser prevista na perspectiva instrumental – com o uso de institutos como auxílio direto, carta rogatória ou apostila – e na perspectiva material – com a celebração de tratados internacionais que promovem o Direito Internacional Privado na prevenção e combate aos conflitos (BAHIA, 2015, p. 47).
A cooperação jurídica é a garantia de acesso à Justiça internacional. No século XXI, as contribuições do Direito Internacional Privado para o desenvolvimento mundial são a proteção dos direitos humanos e do acesso à Justiça, a prevenção dos conflitos pela segurança e harmonização jurídica, bem como o fomento dos negócios internacionais. A contribuição mútua facilita o processo e serve como mecanismo de efetividade (GOICOECHEA, 2016, p. 129).
A tutela judicial e o acesso à Justiça são direitos de incidência local e comunitário – nas suas dimensões bilateral, regional e multilateral –, com peculiar interesse aos casos fronteiriços. Somente com a elaboração de tratados e previsão de colaboração mútua, as necessidades da população e dos atores internacionais, que não estão restritos a um determinado território, seriam atendidas (GOICOECHEA, 2016, p. 131).
A cooperação jurídica internacional está compreendida dentro da atual noção de processualística. Produz meios hábeis para todas as etapas administrativas e judiciais. Assim, é possível acessar à Justiça – sem prejuízo por ser uma matéria internacional – e solicitar informações cruciais ao desenvolvimento da solução da controvérsia, além de ser a base para a elaboração de instrumentos jurídicos que protegem e possibilitam a aplicabilidade das decisões políticas integralizadas (GONÇALVES; GOUVEA, 2016, p. 93).
Entre os instrumentos da cooperação jurídica internacional, há uma atenção especial naqueles meios utilizados no curso de processos administrativos e judiciais. As autoridades centrais e o Poder Judiciário de diferentes Estados recorrem a instrumentos como as cartas rogatórias, a homologação de sentença estrangeira, a extradição e o auxílio direto como forma de comunicação e efetividade da tutela jurídica (RAMMÊ; COSTA, 2015, p. 620-621).
A cooperação jurídica internacional exige canais diretos de colaboração mútua e o instituto do auxílio direto ou a intermediação das autoridades centrais – em substituição aos canais diplomáticos –, são possibilidades que guiam as relações estatais para a efetividade que se busca. Atualmente, três redes de atores estão sendo projetadas em concertações regionais, para estimular a cooperação: (a) autoridades centrais; (b) redes de juízes; e (c) redes de pontos de contato (GOICOECHEA, 2016, p. 131-132).
As atribuições das autoridades centrais – por meio das quais há o contato direto entre os Estados para o intercâmbio de informações – são determinadas por convênios internacionais e cumprem funções específicas de facilitação na cooperação jurídica. Os Estados designam uma autoridade com uma atribuição e essa informação é encaminhada aos países interessados ou disponibilizadas de forma pública e acessível. Essa é uma medida de descentralização, que auxilia na agilidade dos procedimentos de troca (GOICOECHEA, 2016, p. 131-132).
A rede de juízes tenta aproximar aqueles que são mais beneficiados pela cooperação jurídica no âmbito judicial. A colaboração e troca de informações entre juízes não só interessa às partes de cada processo em matéria internacional como também aos próprios julgadores. Configura-se como premissa do século XXI a capacitação daqueles que decidirão a destinação e o nível de aplicabilidade de normas estrangeiras, binacionais e internacionais (GOICOECHEA, 2016, p. 134).
As redes de pontos de contato reúnem diferentes organismos regionais e internacionais, de maneira coordenada, para que os trabalhos gerados em matérias específicas contribuam harmoniosamente para o todo. As redes são criadas ao serem observadas similaridades regionais ou finalísticas e, assim, construir um centro de apoio para que redes especializadas por determinadas temáticas ou por características funcionais de seus membros sejam conectadas (GOICOECHEA, 2016, p. 135).
A fórmula digital está crescendo na matéria de cooperação jurídica internacional. A substituição do papel por documentos eletrônicos, a conferência de autenticidade de maneira eletrônica e a possibilidade de assinatura eletrônica propicia um ambiente favorável ao enriquecimento das deliberações políticas em busca de novos métodos de cooperação e permite que as diligências de colaboração mútua sejam realizadas com rapidez (GOICOECHEA, 2016, p. 146-148).
Para Ignacio Goicoechea (2016, p. 146-148), a cooperação penal é vanguardista no uso de mecanismos digitais. As autoridades centrais estão cumprindo determinações com base em documentos eletrônicos, sem a necessidade de que esteja em posse da versão física. Há, no Brasil, o recebimento de instrumentos jurídicos eletrônicos em matéria penal, com assinatura eletrônica, dispensando o envio posterior da versão física do documento. Foi observado que a cooperação em matéria civil e comercial não era utilizada na mesma medida que a penal, mas o avanço tecnológico concedeu os meios necessários para que esses setores alcancem a mesma proporção (GOICOECHEA, 2016, p. 146-148).
Ainda sobre cooperação jurídica internacional, é possível observar a efetividade da solução jurídica diante das intenções políticas e da proteção dos direitos nos conflitos que circulam as transações internacionais. A internalização de normas de interesse binacional, regional e multilateral, consolida princípios e mecanismos de viabilização quanto às questões econômicas e políticas (VELOZO, 2020, p. 89-90).
O surgimento das autoridades centrais aponta para uma melhoria na colaboração mútua no Século XX. Mas é necessário, ainda, que os avanços prossigam, de modo que a burocracia existente em cada sistema jurídica não se transforme em um empecilho. Doutra banda, a cooperação deve ser inserida no desenvolvimento tecnológico, com a efetivação de novos mecanismos de facilitação, como a colaboração entre Estados para investigações conjuntas e as videoconferências (MORÁN MARTINEZ, 2016, p. 112-114).
A cooperação estaria nas relações entre Estados com diferentes níveis de desenvolvimento, encontrando os objetivos comuns e oferecendo suporte aos menos favorecidos, em agendas bilaterais e multilaterais (SZUCKO, 2017, p. 37). Como consequência prática, o estabelecimento de mecanismos de facilitação, como troca de informações e cumprimento de decisões judiciais em território estrangeiro, surge como um tema recorrente dos acordos internacionais.
Nesse sentido, os mecanismos de cooperação jurídica internacional têm função que não se limita à rotina administrativa e judicial. São instrumentos necessários à população, e especificamente aos atores internacionais, para que tenha a segurança jurídica capaz de viabilizar seus interesses comerciais, políticos, sociais, culturais etc. A troca de informações e cumprimento de atos processuais expandem as relações internacionais (ARAÚJO, 2016, p. 193-194).
2.3.2. Pan-americanismo e o início da cooperação jurídica continental
Antes de tratar da participação brasileira e peruana na cooperação jurídica multilateral, faz-se necessário uma análise do surgimento dos tratados no continente americano e de como foi desenvolvido o Pan-americanismo. Este termo não está pacificamente delineado, mas a unificação da região, em diferentes propostas e possibilidades, foi, em seguidos momentos históricos, debatida (MENEZES, 2007, p. 80-81).
Ainda que não tenha um conceito definido, Wagner Menezes (2007, p. 79-82) sintetizou o Pan-americanismo como um “movimento de coesão continental”, isto é, “uma fase do processo de integração entre os povos que não chegou a existir materialmente devido ao desalinhamento político internacional”. Foi um período histórico que não foi exitoso em todos os seus objetivos, mas que resultou em Tratados, cujos preceitos serviram como fundamento da cooperação jurídica no continente americano.
A assinatura de convenções em decorrência dos Congressos Pan-americanos era a declaração formal de que a inserção dos assuntos acordados, no ordenamento jurídico interno, foi considerada o passo necessário para a efetividade das propostas políticas. Por essa razão, antes de traçar uma abordagem multilateral e sub-regional da cooperação na qual está inserida a agenda política e jurídica do Brasil e do Peru, inicia-se uma análise da perspectiva continental do tema.
A primeira etapa de colaboração entre os povos americanos, na formatação atual do Direito Internacional, remonta ao século XIX, com a criação dos Congressos Pan-americanos. Nestes eventos, como se observará neste tópico, houve a participação ativa do Peru, por vezes, como anfitrião (ESPINO, 2007, p. 113). O Brasil era corriqueiramente convidado e a sua presença foi requerida, e questionada a sua ausência, ao longo das deliberações do continente.
Nos eventos pan-americanos, o Direito Internacional foi invocado pelos Congressistas para que os objetivos de desenvolvimento continental – respeitada a independência dos povos –, fossem alcançados. Dentro desse parâmetro, traça-se quais foram as demandas do século XIX e como os participantes legislaram sobre o tema por intermédio dos tratados, ainda que com baixa internalização.
Peru e Brasil alcançaram sua independência em 1821 e 1822, respetivamente, sendo um reflexo da situação política continental (LIMA, 2019, 405 p.; MCEVOY, 2021, 14 p.). Apesar das diferenças entre o Norte, o Centro e o Sul, a colaboração dos povos americanos esteve ativamente presente no século XIX, como na celebração do Tratado de União, Liga e Confederação Perpétua. O documento foi assinado em 15 de julho de 1826, no Congresso do Panamá, como o primeiro marco jurídico dos sucessivos Congressos Pan-americanos (MENEZES, 2007, p. 75-76; PERU, 1930a, p. 405-416) (Quadro 1).
O representante do Peru esteve entre os membros participantes, que assinaram o Tratado, mas não ratificou. Sobre o Brasil, o idealizador do Congresso do Panamá, Simón Bolívar, não desejava sua presença, pois pretendia uma união apenas com as ex-colônias espanholas. Ademais, visualizava o país como uma ameaça a seus ideais, tendo em vista que o governo brasileiro era estruturado como um império (SANTOS, 2008, p. 181-185).
Entretanto, o Chefe de Estado da extinta Grã-Colômbia, responsável pela gestão diplomática do Congresso, entendeu que o evento deveria envolver a participação de representantes do continente, independentemente das diferenças, resultando em convites a Estados que detinham política distinta das ex-colônias espanholas, como Brasil. Contudo, o representante brasileiro não pôde participar das deliberações (SANTOS, 2008, p. 181-183).
Os participantes entenderam que a solidificação das intenções políticas em um Tratado era pertinente para que as proposições tomassem a forma jurídica necessária para sua efetivação. Diante disso, o documento também previu como um dos objetos principais, em seu artigo 13, a primazia em concluir convenções que assegurasse efetividade às relações recíprocas mutuamente satisfatórias (GASPAR; JACOB, 2014, p. 690-691; PERU, 1938a, p. 405-416).
Por outro lado, as reuniões que resultaram no Tratado de União desenharam as bases que solidificariam a cooperação jurídica na América, contemplando mecanismos que pudessem auxiliar os pactuantes em alcançar seus objetivos. Houve expressa menção, nos artigos 23 a 25, sobre a lei aplicável aos estrangeiros e às relações comerciais internacionais. Ademais, o documento continha a indicação de forma republicana e democrática de governo, a submissão ao direito internacional e a solução pacífica dos conflitos (SANTOS, 2008, p. 184-185).
Uma outra fonte primária da cooperação jurídica no continente americano, foi a assinatura do Tratado de Confederação no Primeiro Congresso de Lima, no dia 08 de fevereiro de 1848. Na reunião dos congressistas foram discutidos temas como costumes internacionais, correios, comércio e navegação, convenção consular, delimitação territorial, proibição de ocupação por qualquer nação e aplicação do uti possidetis – princípio internacional pelo qual o direito a um território é de quem, de fato, ocupa-o (MENEZES, 2007, p. 339; PERU, 1938b, p. 301-311) (Quadro 1).
O Peru foi anfitrião do evento e esteve entre as partes assinantes do Tratado de Confederação. No dia 9 de novembro de 1846, foi enviado uma Nota-Circular de Convite a diferentes países, inclusive Brasil (PERU, 1938b, p. 179-180). Este último informou, no Relatório do Ministério das Relações Exteriores de 1847 que, embora pretendesse participar da reunião, não pôde fazê-lo (BRASIL, 1847, p. 8-9).
O Tratado de Confederação, em seu artigo 20, dispôs expressamente sobre a celebração de outros tratados e convenções necessários para fomentar os interesses recíprocos. Também previu que acordos seriam elaborados sobre direitos que fossem comuns aos participantes. Entretanto, a norma seria obrigatória apenas quando devidamente incorporada, de acordo com o direito interno da República Confederada (PERU, 1938b, p. 310).
No Primeiro Congresso de Lima (1847-1848) também foram assinados um tratado de comércio e navegação, uma convenção consultar e uma convenção de correios. As áreas de interesse comum dos Estados participantes eram na área de comércio e de defesa, favoráveis ao estreitamento das relações entre os atores internacionais. Entretanto, embora tenham servido como influência para as futuras normas no continente americano, os documentos não foram ratificados (SANTOS, 2008, p. 186).
Em 15 de setembro de 1856, foi assinado o Tratado Continental de Aliança e Assistência Recíproca, no Congresso de Santiago, que dispôs sobre as leis aplicáveis no caso de circulação de mercadorias, de correspondências e de pessoas, além de prever a cooperação judicial, cultural e monetária. Tanto nessa reunião, em solo chileno, como na deliberação no Peru, foram impulsionadas as ideias em prol da criação de instituições intergovernamentais e supranacionais (ARGENTINA, 1862, p. 5-13; MENEZES, 2007, p. 339; SANTOS, 2008, p. 186) (Quadro 1).
O Congresso de Santiago (1856) foi negociado diplomaticamente e discutiu sobre mecanismos pacíficos de solução de controvérsias, extradição e validação de diplomas profissionais. O Tratado Continental proposto abordava temas atinentes ao direito internacional, como obstrução e atos de exílio. Convites foram expedidos, inclusive ao Brasil, mas o documento foi assinado apenas por Peru, Equador e Chile, também aderido pela Nicarágua, sem posterior ratificação dos participantes (MENEZES, 2007, p. 339; PERU, 1938b, p. 636-637).
No preâmbulo do Tratado houve a menção ao vínculo de fraternidade, aos interesses e origem comum do que chamou de grande família americana. No artigo quinto, foi previsto que os documentos outorgados nos territórios dos países contratantes, as sentenças e a provas que respeitem os ditames do direito interno surtiriam os mesmos efeitos nos Estados participantes. Como mencionado, o documento ainda dispôs sobre cooperação na educação e no trabalho – artigo sétimo e oitavo – e a adoção de um sistema uniforme de moedas e de uma união aduaneira (artigo 10) (ARGENTINA, 1862, p. 5-13).
Em 09 de novembro de 1856, foi assinado o Tratado de Bases de Aliança e Confederação, no Congresso de Washington (Quadro 1). A reunião que resultou na convenção foi motivada pela necessidade de assistência mútua e proteção dos governos estabelecidos, no âmbito interno e externo. O documento previu a lei aplicável aos estrangeiros e ao comércio, navegação e correspondência internacional, além de dispor sobre cooperação judicial. Entretanto, o documento não foi ratificado pelos participantes (PERU, 1938b, p. 630-635; SANTOS, 2008, p. 186-187).
A reunião em Washington foi motivada pela presença, no Caribe, de flibusteiros majoritariamente estadunidenses e pela necessidade de assistência defensiva mútua. Peru esteve entre os oito países americanos que subscreveram o documento, inclusive Peru. Quanto ao Brasil, o diplomata peruano Juan Ignacio de Osma entendeu que o país luso-americano não tinha interesse por uma aliança geral (PERU, 1938b, p. 630-635; SANTOS, 2008, p. 186-187).
No artigo 10 do Tratado de Bases de Aliança e Confederação (1856), os Congressistas firmaram o acordo de facilitação de circulação de correspondência, entendendo que este era um tópico de cooperação indispensável para a aliança dos povos. Ademais, foram redigidos os artigos 11 e 17 sobre mecanismos de cooperação jurídica e autenticidade de documentos, judiciais e públicos, e seus efeitos dentro do território dos Estados pactuantes, além de proporem debates sobre a construção de uma união aduaneira e monetária (PERU, 1938b, p. 630-631).
Nos dias 20 e 23 de janeiro de 1865, no Segundo Congresso de Lima, foram assinados o Tratado de União e Aliança Defensiva e o Tratado sobre Conservação da Paz. Tais documentos tiveram o objetivo de reunir os representantes dos Estados americanos para deliberar sobre temáticas de interesse comum, em colaboração mútua, inclusive sobre comércio, transportes, comunicações, imigração e asilo (SANTOS, 2008, p. 187-188) (Quadro 1).
Entre os textos assinados, estão os tratados sobre circulação de correios, comércio e livre navegação. E, assim como na primeira reunião (1847-1848), as áreas de interesse comum dos Estados participantes eram na área de comércio e de defesa. Ademais, as negociações também foram impulsionadas pela tentativa de cooperação internacional, em uma perspectiva intergovernamental, para proteção contra as investidas europeias (SANTOS, 2008, p. 187).
No preâmbulo, o Tratado de União e Aliança Defensiva definiu como objetivos a segurança exterior, o estreitamento das suas relações, o fomento da paz e a promoção de outros interesses comuns por intermédios de pactos internacionais. Ademais, o Tratado sobre Conservação da Paz previu a utilização de Tribunais Arbitrais para resolver as controvérsias de guerra, com o artigo quinto indicando a livre estipulação do direito incidente (PERU, 1938b, p. 547-549 e 550-552).
Peru foi o anfitrião e responsável por enviar as notas circulares para as nações vizinhas. O Brasil Império esteve entre os convidados para o evento, mas entendeu não ser conveniente seu comparecimento em virtude dos conflitos fronteiriços que surgiram entre os citados Estados e outros embates daquele momento. Como resultado, nenhum documento do Congresso foi ratificado (BRASIL, 1864, p. 40-41; PERU, 1938b, p. 365-366; SANTOS, 2008, p. 187-188).
Em 09 de novembro de 1878, durante a Conferência de Jurisconsultos de Lima, foi firmado o Tratado para Estabelecer Regras Uniformes em Matéria de Direito Internacional Privado. Foi o primeiro evento americano nomeadamente sobre temática jurídica, com expresso intuito de harmonização do Direito dos Estados Americanos. O documento foi assinado por representantes do Peru, entre outros Estados americanos (GASPAR; JACOB, 2014, p. 691; PERU, 1938b, 343-352; VILLELA, 1984, p. 6-7) (Quadro 1).
O convite para a Conferência de Jurisconsultos de Lima foi enviado em 11 de dezembro de 1875 pelo Ministro de Relações Exteriores do Peru, Aníbal Víctor de la Torre, aos países americanos. Seu intuito era formar uma base geral para a legislação privada, incluindo a determinação de formalidades externas para obrigações. Ademais, foi proposta a deliberação sobre regras comuns para execução de sentenças em matéria civil e instrumentos de cooperação jurídica, além de normas sobre pesos, medidas, sistema monetária e correios (PERU, 1938b, 119-121 e 343-352).
Após as reuniões entre os Jurisconsultos, a versão final do Tratado de Lima (1878) incluiu previsões cumprindo o objetivo de facilitação e cooperação entre os povos, adotando, em primeiro lugar, o critério da nacionalidade. No título oitavo, previu a possibilidade de celebração de outros tratados, que disciplinassem matérias de interesse recíproco, com normas compatíveis com o ordenamento jurídico pátrio. Ademais, dedicou o título sexto e sétimo para estabelecer mecanismos de cooperação internacional (GASPAR; JACOB, 2014, p. 691; PERU, 1938a, p. 344).
Sobre a cooperação judiciária, a partir do artigo 40, o documento tratou da execução de sentenças estrangeiras e outras resoluções em matéria civil, dispondo que os pedidos deveriam ser dirigidos ao Juiz ou Tribunal de primeira instância. O artigo 51 e seguintes, em específico, dispuseram acerca dos critérios exigidos para comprovar a autenticidade de mecanismos de cooperação jurídica e de outros instrumentos públicos estrangeiros para cumprimento de execução (PERU, 1938a, p. 344).
A temática de contratos internacionais nos ordenamentos jurídicos do continente americano sofreu algumas variações e foi regulamentado pelo Tratado. O documento aborda o tema já no seu primeiro título e, no artigo 4º, instituiu-se que, nos contratos celebrados fora do país, seria aplicada a lei do lugar da celebração. Nos três primeiros títulos, estão dispostas as leis aplicáveis ao estatuto pessoal (BÔAVIAGEM, 2002, p. 12-13; PERU, 1938b, 343-352).
Brasil, contudo, não participou das reuniões da Conferência de Jurisconsultos de Lima (1878). Em abril de 1876, o Ministro e Secretário de Estado de Negócios Estrangeiros, João Maurício Wanderley, o Barão de Cotegipe, em resposta ao convite, informou sobre a preferência nacional por projetos intercontinentais. Como resultado, o Tratado não foi recepcionado. Por outro lado, Peru não somente foi o idealizador e anfitrião do evento, como promulgou o documento em 29 de janeiro de 1879, por Resolução Legislativa (BÔAVIAGEM, 2012, p. 144-145; PERU, 1879; PERU, 1938b, p. 123 e 124).
Encerram-se, assim, os Congressos Americanos (1826 a 1878). Nesse período, Peru atuou como anfitrião de eventos, assinando Tratados que fomentavam a integração continental. Contudo, apesar de vanguardista, os documentos não foram internalizados. Por outro lado, Brasil, em seu período imperial, não esteve comprometido com as primeiras tentativas de colaboração multilateral da América, mas, pelos recorrentes convites, depreende-se que os vizinhos entendiam que sua participação seria essencial, dada a sua magnitude.
Quadro 1 – Tratados dos Congressos Americanos
Data |
Evento |
Documento |
Assinado |
Ratificado (Brasil e Peru) |
15 de julho de 1826 |
Congresso do Panamá |
Tratado de União, Liga e Confederação Perpétua entre as Repúblicas de Colômbia, Centro América, Peru e Estados Unidos do México |
Peru, Grã-Colômbia, Centro América e Estados Unidos do México |
Não (apenas ratificado pela Grã-Colômbia) |
08 de fevereiro de 1848 |
Primeiro Congresso de Lima |
Tratado de Confederação entre as Repúblicas do Peru, Bolívia, Chile, Equador e Nova Granada |
Peru, Bolívia, Chile, Equador e Nova Granada |
Não (apenas ratificado pela Nova Granada) |
15 de setembro de 1856 |
Congresso de Santiago |
Tratado Continental de Aliança e Assistência Recíproca entre os Governos de Peru, Chile e Equador |
Peru, Chile, Equador e Nicarágua |
Não |
09 de novembro de 1856 |
Congresso de Washington, D.C. |
Tratado de Bases de Aliança e Confederação entre os Estados Hispano-Americanos |
Peru, Estados Unidos da América, Costa Rica, México, Colômbia, El Salvador, Venezuela e Guatemala |
Não |
20 e 23 de janeiro de 1865 |
Segundo Congresso de Lima |
Tratado de União e Aliança Defensiva entre os Estados da América e Tratado sobre Conservação da Paz entre os Estados da América Contratantes |
Peru, Bolívia, Chile, Equador, Venezuela, Colômbia, El Salvador e Argentina |
Não |
9 de novembro de 1878 |
Congresso Jurídico de Lima |
Tratado para Estabelecer Regras Uniformes em Matéria de Direito Internacional Privado |
Peru, Argentina, Chile, Bolívia, Equador, Estados Unidos da Venezuela, Costa Rica, Guatemala e Uruguai |
Brasil: Não. Peru: Resolução Legislativa de 29 de janeiro de 1879. |
Fonte: elaboração da autora, a partir dos referenciais citadas no capítulo de “Estrutura da Cooperação Jurídica Internacional”.
O capítulo de “Estrutura da Cooperação Jurídica Internacional” definiu os referenciais que serão a base dos próximos capítulos. O regionalismo, caracterizado pelos arranjos políticos com intuito de obter benefícios mútuos, e a cooperação jurídica internacional, entendida como meio de facilitação das relações jurídicas internacionais, são os conceitos centrais do estudo, permitindo a sistematização dos Congressos Americanos e constatação do pioneirismo peruano e da insistência pela participação brasileira nos primeiros debates, ainda que o Brasil Império não estivesse comprometido com as discussões regionais.
Dos seis Congressos Americanos, que ocorreram de 1826 a 1878, Peru foi anfitrião de três e participante nos outros três. Mesmo o Brasil Império sendo convidado para cinco reuniões, não se fez representado e, quanto ao colóquio para o qual o país não foi convidado, foi expressamente justificada tal omissão. Os seis Tratados celebrados foram assinados por Peru, com a internalização de um deles. Brasil não assinou os instrumentos como resultado da sua ausência nos eventos.
Os Tratados, ainda que não internalizados pelos dois países, exemplificam as iniciativas de integração no continente. Brasil e Peru estiveram no centro das discussões dos temas abordados, indicando as bases da atuação dos dois Estados nos instrumentos multilaterais e bilaterais de mútuo interesse. Assim, no próximo capítulo, observa-se a participação peruana e brasileira nas Conferências Americanas (1889 a 1954) e na Organização dos Estados Americanos (OEA), sobretudo nas Conferências Especializadas (CIDIPs), desde 1975, bem como em plataformas subcontinentais, como a Associação Latino-americana de Integração (ALADI) e, ainda, quanto à celebração dos Tratados de Montevidéu (1889 e 1940).