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A competência da Justiça do Trabalho para apreciação das demandas relativas à cobrança e execução de honorários advocatícios

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5 – BIPARTIÇÃO DA COMPETÊNCIA.

Cumpre, finalmente, destacar haver doutrinadores defendendo que a competência para apreciação do feito dependerá de quem estiver provocando a análise da questão. Se a ação for ajuizada pelo consumidor/tomador de serviços, valendo-se de seus direitos inerentes a esta condição, a competência será da Justiça Comum. Se for ajuizada pelo fornecedor/trabalhador, para a cobrança de créditos decorrentes de seu trabalho, competente será a Justiça do Trabalho. A premissa de que partem os defensores desta tese é a de que de um mesmo fato jurídico podem nascer duas relações distintas e, sendo assim, há de se apurar, para fixação da competência, se o fato gerador decorreu da relação de trabalho ou de consumo. Adepto desta corrente doutrinária, assim se pronunciou o Ministro João Oreste Dalazen:

Vale dizer: se não se cuida de litígio que surge propriamente da relação de consumo, mas da relação de trabalho que nela se contém, regulada pelo Direito Civil, não atino para a razão de descartar-se a competência da Justiça do Trabalho. É o que se dá, por exemplo, na demanda da pessoa física prestadora de serviços em favor de outrem pelos honorários ou preço dos serviços contratados.

Eis porque reafirmo que a circunstância de haver subjacente à lide uma relação contratual de consumo não obsta a que profissionais liberais e autônomos em geral doravante demandem, nesta qualidade jurídica, na Justiça do Trabalho, uma vez que o façam como sujeitos de uma relação jurídica que também é de trabalho e a lide não seja concernente a direitos do consumidor. [09]

Manoel Antônio Teixeira Filho, outro defensor desta corrente, assim resumiu o seu entendimento:

Resumamos nosso entendimento sobre a matéria:

a) na relação de consumo, regulada pelo CDC, pode estar subjacente uma relação de trabalho, por parte do fornecedor, sob a modalidade de prestação de serviços. Neste caso, a competência para apreciar pretensões que o fornecedor deseje exercer em face do consumidor será da Justiça do Trabalho;

b) esta justiça Especializada, todavia, não possuirá competência para apreciar ação: 1) do fornecedor, no caso de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição e comercialização de produtos; 2) do consumidor, mesmo na qualidade de tomador dos serviços; [10]

Esta doutrina tem sido alvo de críticas injustas e sem fundamento. Os seus opositores sustentam, em síntese, que a) a bipartição da competência afrontaria a lógica jurídica e seria, portanto, inadmissível; b) considerar a Justiça trabalhista competente para apreciar as relações de consumo inviabilizaria a especialização desta justiça laboral, pois findaria por atribuir-lhe competência também para julgar as demandas conexas. Tais assertivas, contudo, são facilmente rebatíveis.

Primeiramente porque não há a obrigatoriedade de se transferir o julgamento das reconvenções dos clientes aos profissionais liberais para a Justiça do Trabalho. A legislação processual é clara ao estipular que o réu somente poderá reconvir ao autor no mesmo processo se a reconvenção for conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa. Ora, em se entendendo que a discussão acerca de suposta imperícia do advogado na condução do processo não pode ser apreciada por esta justiça especializada, nada impede que a petição reconvencional seja remetida para o juízo competente ou simplesmente indeferida.

A assertiva de que esta bipartição da competência afrontaria a lógica jurídica não se sustenta. Eventual crédito cível que o marido tenha em face da esposa, ou de indenização que este estenda lhe ser devida, não pode ser questionado em reconvenção ao pedido de divórcio litigioso ajuizado por ela, e nem por isso se fala em repartição absurda da competência da Vara de Família.

É preciso ter em mente que a conexão entre as ações não é a regra, mas a exceção, somente cabível quando efetivamente justificada. Outrossim, se a reconvenção não pode ser apreciada pelo juízo competente para a ação principal, a necessidade de discussão da ação em outro feito não implica repartição absurda da competência, mas mera observância do princípio da especialidade de determinados órgãos judiciais.


6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Após esta breve análise do entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca da competência para apreciar questões atinentes à cobrança e execução de honorários advocatícios após a Emenda Constitucional n. 45, as seguintes considerações se fazem possíveis:

1) Eventual solução acerca da competência da Justiça do Trabalho para apreciar questões relacionadas com a cobrança ou execução de honorários advocatícios há que passar por uma análise acerca da abrangência da expressão "relação de trabalho", definindo se ela engloba ou não aquelas situações também tuteladas pelo direito do consumidor;

2) Para os que defendem que nenhuma alteração adveio da adoção da expressão "relação de trabalho" em detrimento daquela que antes denotava "relação de emprego", entendimento minoritário e que tende a ser desconsiderado pelos Tribunais, a competência para cobrança e execução de honorários advocatícios continua sendo da Justiça Comum Estadual.

3) Entre os que optaram por restringir a abragência da expressão "relação de trabalho" há os que defendem que a competência da Justiça Especializada estaria adstrita às hipóteses em que se verifique a presença de pessoalidade na prestação de serviços; precariedade empresarial do prestador de serviços; exploração da mão-de-obra para a satisfação dos interesses empresariais ou econômicos de outrem; o que excluiria dela os conflitos oriundos das relações jurídicas que se formam entre o advogado e seu cliente;

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4) Entre os que o fazem apenas excluindo do conceito de "relação de trabalho" as relações de consumo, o reconhecimento da competência da Justiça do trabalho para apreciar as cobranças e execuções de honorários advocatícios é um imperativo legal que decorre do fato de as relações entre advogado e cliente não serem relações de consumo.

5) Para os que entendem que a expressão relação de trabalho deve ser interpretada de forma ampla abrangendo inclusive aquelas situações que também caracterizam a relação de consumo, não há dúvidas quanto à competência da Justiça do Trabalho para apreciar as questões relacionadas à prestação de serviços dos advogados.

6) Por fim, há que se ressaltar o entendimento pessoal de que a melhor solução é aquela que propugna pela bipartição da competência vez que de um mesmo fato jurídico podem nascer duas relações distintas e, sendo assim, há de se apurar, para fixação da competência, se o fato gerador decorreu da relação de trabalho ou de consumo. Por conseguinte, a Justiça do Trabalho será competente para apreciar as ações dos advogados na persecução de seus honorários advocatícios, mas jamais a de seus clientes questionando a qualidade do serviço que lhe fora prestado.


Notas

01 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao processo do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 119.

02 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Justiça do trabalho: A Justiça do Trabalhador? In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes e FAVA, Marcos Neves (coord.). Nova competência da justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 187/188.

03 Neste sentido é o magistério de Valton Pessoa. Manual de Processo do Trabalho. Salvador: JusPODIVUM, 2007, P. 67.

04 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 5ª edição. São Paulo: LTr, 2007, p. 206

05 Também do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região emanou o seguinte julgado no mesmo sentido: EMENTA: ADVOGADO. HONORÁRIOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A relação que se estabelece entre o advogado e o cliente é uma relação de trabalho, como definida no inciso I do art. 114 da Constituição Federal, atraindo a competência da Justiça do Trabalho. Difere de uma relação de consumo sob todos os aspectos, constituindo múnus público remunerado mediante honorários, denominação esta que já evidencia sua diametral oposição para com uma relação de natureza comercial. Acórdão n. 20060800440. Processo TRT/SP n. 00673200600302001. Recurso Ordinário – 3ª VT de São Paulo. 4ª Turma, Presidente Artur Costa e Trigueiros. Relator: Sergio Winnik. Data do Acórdão: 3 de Outubro de 2.006.

06 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Revista da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 5ª Região. v I, n. 5. Salvador: 2005, p. 245.

07 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 10ª edição. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 233.

08In: http://www.juspodivm.com.br/noticias/noticias_1018.html

09 COUTINHO, Grijalbo Fernandes e FAVA, Marcos Neves (coord.). Nova competência da justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 157.

10 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Breves comentários à reforma do poder judiciário: com ênfase à justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 2004. p. 146.

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Sobre o autor
Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho

Mestre e Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutor em Direito pela Université de Nantes (França). Professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas. Professor, Coordenador de cursos de pós-graduação e membro do Conselho Curador da Escola Superior de Advocacia da OAB/SP. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti. A competência da Justiça do Trabalho para apreciação das demandas relativas à cobrança e execução de honorários advocatícios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1493, 3 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10215. Acesso em: 18 mai. 2024.

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