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A figura do serial killer versus o ordenamento jurídico brasileiro: A (in) eficiência das leis penais

Resumo:


  • A Constituição Federal de 1988 destaca o direito à vida como fundamental e inalienável, sendo corroborado por documentos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

  • O conceito de homicídio é apresentado de maneira sucinta no Código Penal brasileiro, e a semi-imputabilidade ou imputabilidade são aplicadas a indivíduos com transtornos como os psicopatas, levando em conta sua capacidade mental.

  • Assassinos em série, ou serial killers, possuem características psicopáticas e são geralmente imputáveis, pois têm consciência de seus atos, o que gera debates sobre o tratamento penal e a necessidade de legislação específica para esses casos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1.INTRODUÇÃO

 A Constituição Federal de 1988, a lei máxima do país, ressalta a importância do direito à vida, elencando-o como direito fundamental primário (bene-fine primário) a todos os seres humanos. Em seu artigo 5º, ela expõe:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]

No que tange às declarações de direitos, convém salientar importantes documentos, tais, como:

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU-1948):

Art. 3º – Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem (1950):

Art. 2.1. – O direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei. Ninguém poderá ser intencionalmente privado da vida, salvo em execução de uma sentença capital pronunciada por um tribunal, no caso de o crime ser punido com esta pena pela lei”.

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966):

Art. 6.1. – O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”.

Algumas décadas antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, no ano 1955, Nelson Hungria, um dos mais notáveis penalistas brasileiros, em seu comentário ao Código Penal afirmou que “todos os direitos partem do direito de viver, numa ordem lógica, o primeiro dos bens é o bem da vida”. Hungria segue dizendo que o homicídio tem grande importância sobre todos os outros crimes, pois o seu cometimento é um atentado a ordem e segurança geral, tendo em consideração que o principal direito do indivíduo é o respeito a sua existência.

O autor aborda a definição do criminalista italiano Giovanni Carmignani, apesar de afirmar não ter “demasiada explicitude”:

 Segundo a clássica definição de Carmignani, homicídio (de homini excidium) é a violenta hominis caedes abhomine injuste patrata (ocisão violenta de um homem injustamente praticada por outro homem).

 Posteriormente, Hungria (1955, p.25) discorre sobre a sua própria definição de homicídio como “[..] uma reversão atávica às eras primevas, em que a luta pela vida, presumivelmente, se operava com o uso normal dos meios brutais e animalescos. É a mais chocante violação do senso médio da humanidade civilizada”.

Nelson Hungria disserta sobre o homicídio com destreza, expondo de forma concisa o conceito e suas considerações sobre este que se trata de um tema complexo e de demasiadas teses.

O Código Penal brasileiro traz em seu artigo 121, caput, o conceito de homicídio, o que consiste em duas únicas palavras e exibe, notoriamente, a acepção da palavra homicídio: Matar alguém.

À face do exposto, indubitavelmente, para o direito, o doente mental é inimputável, não cabendo a eles o mesmo tratamento de um preso em pleno gozo de suas capacidades mentais. Com isso, é sabido que, o psicopata não possuiu qualquer doença mental, portanto, aplicar-se-á a semi-imputabilidade ou, na maioria dos casos, tratá-lo como imputável e lhe dar o mesmo tratamento oferecido a um preso habitual. A verdade é que este é um assunto complexo, pois o psicopata é normal demais para a inimputabilidade, contudo, indivíduos com características psicopáticas são distintos em demasia para serem tratados como presos comuns. Mesmo não possuindo doença mental, está claro que o serial killer possui uma espécie de transtorno que o leva a compulsão para matar e com isso, seria inviável tratá-los da mesmo forma que um homicida comum.

O presente artigo tem como objetivo discutir a figura do serial killer, suas características psicopáticas e qual o tratamento oferecido a estes, que passeiam entre a inimputabilidade, a semi-imputabilidade e a imputabilidade. O trabalho ainda abordará estudos de casos, mencionando alguns serial killers brasileiros e as penas aplicadas a estes que, muitas das vezes, ultrapassam o limite máxima permitido na atual legislação penal, 40 anos.

 2. A FIGURA DO SERIAL KILLER

 Tem-se em mente que os serial killers são indivíduos de características estranhas, sendo sempre os principais suspeitos de um crime, tudo isso por adotar uma personalidade fria, calculista e distinta do que é considerado “normal” para o padrão da sociedade em geral, como expressado de forma incessante em produções cinematográficas e obras literárias de autores como Jeffery Beaver (O Colecionador de Ossos), Robert Bloch (Psicose), Jeff Lindsay (Dexter) e Thomas Harris (O Silêncio dos Inocentes).

Ressalta-se que, em “O Colecionador de Ossos”, “Psicose” e “O Silêncio dos Inocentes”, os autores inspiraram-se no mesmo homem para criar tais obras, Edward Gein, que após a morte da mãe em 1945, passou a roubar corpos no cemitério da cidade com a finalidade de criar móveis e roupas com os restos mortais de mulheres que em sua maioria assemelhavam-se com sua falecida mãe, Augusta. Nos anos seguintes e diante da dificuldade de roubar novos corpos, o próprio Edward passou a cometer assassinatos. Concludentemente, as produções norte-americanas abusam de características extravagantes, que divergem da realidade, como, por exemplo no filme Halloween, onde o assassino em série utiliza uma máscara e persegue as suas vítimas com uma faca.

Guido Arturo Palomba, psiquiatra forense, que já atuou em diversos casos de repercussão nacional e importante estudioso sobre o tema, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, fala sobre Tiago Henrique Gomes da Rocha, o serial killer de Goiânia, preso após assassinar 39 pessoas e em sua fala, Palomba fornece a sua própria definição de serial killer:

 Os "serial killers" vivem em uma zona cinzenta, fronteiriça, entre a loucura e a normalidade. Nascem, crescem e morrem com essa sina. Têm uma deformidade de caráter que os torna pessoas consideradas como de "altíssima periculosidade". Não conhecem o remorso, o arrependimento. Matar é uma viagem sem volta. Quando começam, não param mais. Uma vez presos, sob tratamento, parecem pessoas normais. Mas, se forem soltos, um gole de álcool ou uma situação de estresse trará de volta o "serial killer".

 Ao afastar-se da visão fictícia e aproximar-se do perfil psicológico, vemos a realidade é dessemelhante àquelas retratadas nos cinemas e livros, em muitas das vezes os assassinos em série possuem uma vida dupla, esforçando-se para mostrar uma figura distinta da que realmente possui, onde são conceituados como indivíduos gentis e racionais, porém, a máscara rui diante de sua vítima, e então revela-se o ser perverso que estava dissimulado até então.

Ted Bundy, assassino em série que matou mais de 30 mulheres entre os anos de 1974 e 1978, chamava atenção por sua pulcritude, o que contribuía para que ele atraísse estudantes universitárias com longos cabelos negros e pele branca, seu perfil ideal de vítima. O documentário Ted Bundy: Apaixonada por um Assassino descreve a vida de Elizabeth Kloepfer, namorada de Bundy durante os anos de 1969 a 1974, época em que viveu ao lado de Ted, juntamente com sua filha pequena Molly. Na matéria do blog Quinta Capa sobre a série da Amazon Prime é narrado o primeiro encontro de Ted e Elizabeth em 1969:

 Eles se conheceram em um bar de Seattle em 1969. Elizabeth, mãe solteira, era nova na cidade. Bundy estava sentado sozinho à mesa e pediu para dançar com ela. Ela ficou lisonjeada, além de achá-lo “engraçado, maduro, polido”. Eles foram para sua casa juntos naquela noite. Na manhã seguinte, Bundy preparou o café da manhã para a filha Molly. “Eu não tive isso com mais ninguém, logo de cara me senti conectada com ele”, diz Elizabeth. “Pareciam duas peças de um quebra-cabeça se juntando. Simplesmente se encaixavam. Foi espetacular”.

 A palavra serial killer foi usada pela primeira vez na década de 1970 por Robert Kenneth Ressler, ex-agente do Federal Bureau of Investigation (FBI) e escritor de histórias de crimes reais. Devido a sua grande importância na definição do perfil psicológico de criminosos, Robert é representado em uma série televisiva denominada Mindhunter.

Tal-qualmente, no Brasil, Ilana Casoy, conceituada criminóloga e escritora, faz o estudo psicológico de serial killers:

 [...] indivíduos que cometem uma série de homicídios durante algum período de tempo, com pelo menos alguns dias de intervalo entre eles. O espaço de tempo entre um crime e outro os diferencia dos assassinos em massa, indivíduos que matam várias pessoas em questão de horas.

Ainda, buscando esclarecer a razão dos crimes, Ilana Casoy descreve:

O motivo do crime ou, mais exatamente a falta dele é muito importante para a definição de um assassino como serial. As vítimas parecem ser escolhidas ao acaso e mortas sem nenhuma razão aparente. Raramente o serial killer conhece sua vítima. Ela representa, na maioria dos casos, um símbolo. Na verdade, ele não procura uma gratificação no crime, apenas exercita seu poder e controle sobre outra pessoa, no caso a vítima. (CASOY, 2017, p. 22) 

Da mesma maneira, Guido Palomba, discorre sobre as características do assassino serial:

 [...] as principais deformidades, são as deformidades do sentimento, porque são indivíduos que não possuem nenhum sentimento superior de piedade, de altruísmo ou compaixão. São pessoas com uma insensibilidade imensa e desejos deformados, como, por exemplo, maltratar animais para se divertir, matar para ver cair, entre outras coisas. São indivíduos que se comprazem em fazer o mal e uma outra característica bastante marcante dos condutopatas é ausência completa de remorso daquilo que eles fazem.

 Apesar dos diversos conceitos, a verdade é que não há um consenso firmado sobre à classificação do psicopata e se este realmente se enquadraria nas características de um indivíduo portador de doença mental, deixando uma imensurável lacuna a ser preenchida.

  3.O ASSASSINO E SUAS CARACTERÍSTICAS

 A priori, apesar da desordem de personalidade, o serial killer não possui nenhum tipo de psicopatologia, são indivíduos conscientes e sabem que estão descumprindo as normas legais, contudo, não encontram qualquer motivo plausível para respeitá-las.

 A grande parte dos assassinos em série tem características psicopáticas e/ou personalidade antissocial, cabendo ressaltar que, distintivamente a psicopatia, onde o psicopata já nasce com tal deformidade, a personalidade antissocial é desenvolvida durante a vida do indivíduo devido a acontecimentos traumáticos durante seu desenvolvimento biopsicológico.

Como relatado alhures, a psicopatia ou a personalidade antissocial não se referem a uma deformidade mental e sim a ausência de freios morais, como abordado na definição do psiquiatra e psicoterapeuta Flavio Gikovate, que diz que o ser humano possui três freios que orientam o seu comportamento: o medo, a culpa e a vergonha.

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 Nos seres humanos, o medo da represália (ou da punição divina) às vezes constitui a única barreira entre fazer e deixar de fazer. A razão poderá introduzir freios mais elaborados, modificando o jeito de ser e de agir, mas esses freios não existem em todas as pessoas. 

Ilana Casoy (2014, p. 18) destaca em seu livro Serial Killer: louco ou cruel?, os requisitos que precisam fazer-se presentes para que possamos distinguir o assassinato em série do homicídio comum:

 O primeiro obstáculo na definição de um serial killer é que algumas pessoas precisam ser mortas para que ele possa ser definido assim. Alguns estudiosos acreditam que cometer dois assassinatos já faz daquele assassino, um serial killer. Outros afirmam que o criminoso deve ter assassinado pelo menos quatro pessoas.

 Uma particularidade de extrema importância para as autoridades policiais e ressaltada pela mídia é o modo de operação desse assassino, como ele comete os seus crimes e quais são os padrões deixados por ele. Modus Operandi, ou modo de operação, é o método utilizado pelo assassino para matar suas vítimas quase sempre com as mesmas características.

Francisco de Assis Pereira, o maníaco do parque, normalmente abordava mulheres no Parque do Ibirapuera, outras em estações de metrô e paradas de ônibus, sempre em uma motocicleta, onde, após escolher a vítima, aproximava-se e as envolvia em sua boa conversa e passando-se por um agente de modelos, dizia que estas mulheres possuíam a aparência necessária para tais trabalhos. Após conseguir com que estas lhe acompanhassem, as levava para uma região de mata, onde as estrangulava e após matá-las, vilipendiava os seus cadáveres. As mordidas deixadas em todas as vítimas ajudaram as autoridades a associar os crimes e chegar até o assassino.

 4.DOENÇA MENTAL?

 Um artigo publicado pela Escola Superior de Polícia Civil, intitulado O Perfil Psicológico dos Assassinos em Série e a Investigação Criminal, traz em seu texto a informação de que, em geral, os assassinos em série sofrem de psicopatia ou psicose:

A maioria das pessoas tende a imaginar o serial killer como uma pessoa louca ou doente mental, o que se verifica não ser verdade na maioria dos casos. Há, no entanto, consenso de que os assassinos seriais possuem ligações íntimas com a psicopatia e a psicose, que são desvios mentais distintos.

De acordo com a legislação brasileira, psicopatas são passíveis de pena privativa de liberdade e medidas de segurança. Ainda, a justiça brasileira pode considerar o psicopata imputável, onde ele é punido como um criminoso comum por ter plena consciência dos seus atos; e semi-imputável, onde a sua capacidade de percepção dos fatos é reduzida, mas ainda sim tem consciência de seu crime.

5.JOSÉ AUGUSTO DO AMARAL

Supostamente, José Augusto do Amaral foi o primeiro serial killer brasileiro. José era filho de escravos do Congo e com 17 anos foi beneficiado com a Lei Áurea, sendo alforriado. Sem muitas oportunidades de emprego e após ter deixado o exército como desertor, José vivia de subempregos.

No ano de 1926, ele foi acusado de estrangular e sodomizar um homem de 27 anos, sendo acusado de matar e praticar necrofilia com os cadáveres.

Depois do primeiro crime, mais outros dois foram cometidos com as mesmas características. Ao tentar matar a sua quarta vítima, esta conseguiu escapar das garras de seu algoz, o denunciando em seguida. O homem apontou José Augusto do Amaral como aquele que tentou tirar a sua vida.

Após a denúncia, José Augusto foi preso e torturado pela polícia, o que acabou obrigando-o a confessar os crimes.

Antes mesmo da prisão a mídia já estampava capas com títulos enormes de um assassino em série solto nas ruas e o denominava: “O Monstro Negro” e “O Diabo Preto”.

Nem é preciso dizer que o racismo imperava e que isso foi usado para aflorar ainda mais os ânimos raivosos da população, que supunham fielmente que José Augusto, o “Preto Amaral” era o assassino em série que aterrorizava a cidade de São Paulo.

José nunca foi julgado, mas até hoje é considerado o primeiro serial killer brasileiro. É importante que se ressalte que, mesmo após a prisão de “Preto Amaral”, os crimes não pararam.

O Código Penal brasileiro é datado do ano de 1940, especificamente o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, mas a figura do serial killer é pouco abordada, para não dizer inexistente. Consequentemente, o ordenamento jurídico brasileiro não tem uma punição adequada para assassinos seriais. No caso de José Augusto do Amaral, parece claro que seus crimes não tenham causado tanto alvoroço quanto a sua pessoa.

6.MANÍACO DO PARQUE

 O motoboy Francisco de Assis Pereira, alcunhado de “Chico Estrela”, se autointitulava um “caça-talentos” e chocou todo o Brasil pela brutalidade de seus crimes ocorridos na cidade de São Paulo no fim da década de 90 e a partir daí ganhou nova alcunha: O Maníaco do Parque.

Francisco de Assis fez 23 vítimas, 11 delas foram cruelmente assassinadas, todas eram mulheres. Os corpos dessas 11 vítimas foram encontrados sucessivamente no Parque do Estado, uma região de mata em São Paulo, bem como se destaca do da Polícia Civil de São Paulo (2019, p. 1):

 Em meados de 1998, diversos corpos de mulheres foram sendo encontrados, um a um, no Parque do Estado, situado na região Sul de São Paulo, em meio à mata. Alguns corpos estavam ajoelhados, com sinais de violência sexual e marcas de mordidas. Outros estavam esqueletizados.
Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

 Após os corpos serem encontrados, não demorou muito para que a polícia ligasse os assassinatos e se direcionassem a um mesmo autor, pois Francisco estabeleceu um modus operandi onde o clímax de seus crimes concentrava-se nas mordidas e estupros.

Ao nos debruçarmos sobre o tema, vemos que o assassino em série tem fases de desenvolvimento e normalmente suas primeiras vítimas saem com vida desses ataques, pois estes não chegaram ao ápice de sua fase mais violenta, sendo uma espécie de “treinamento” para o seu clímax, como informado nos arquivos da Polícia do Estado de São Paulo:

 Pesquisas realizadas por policiais civis do DHPP revelaram que 23 mulheres haviam sofrido ataques naquele parque, dentre as quais 11 tinham sido assassinadas. As demais vítimas foram estupradas, mas saíram com vida, porque o “maníaco” não havia atingido o ápice de sua fase mais violenta.

 Uma das características comumente associadas a serial killers é o poder de convencimento que estes tem sobre as pessoas e isso o maníaco do parque tinha de sobra, pois era através dessa sua habilidade que atraia as suas vítimas com falsas promessas de emprego.

 Com fala mansa, conversa agradável e distribuindo elogios, convencia as vítimas de que uma equipe publicitária as aguardava no Parque do Estado, para fazer teste fotográfico como modelo. Atraídas pela possibilidade de seguir uma carreira artística, as mulheres subiam na garupa da motocicleta de Francisco e eram conduzidas ao Parque do Estado.

 Ao chegarem no local escolhido por Francisco, as vítimas eram surpreendidas por sua face obscura e doentia. Ali no meio do mato, Francisco de Assis Pereira dava lugar a um ser violento e impulsivo, incapaz de controlar os seus instintos assassinos: “[...] com torturas físicas e psicológicas sobre as vítimas, através de ofensas e agressões, enquanto se embrenhavam pela mata, mostrando às moças os cadáveres de suas vítimas anteriores.”

O maníaco, após assassinar as mulheres, vilipendiava seus cadáveres e os mordia a ponto de arrancar pedaços de carne com isso.

 O significado de “vilipendiar” no dicionário é descrito como destratar ou humilhar; tratar com desdém; fazer com que algo ou alguém se sinta desprezado ou desdenhado; menosprezar; julgar algo ou alguém por baixo; não validar as qualidades de; ofender através de palavras, gestos ou ações.

 O maníaco do parque foi considerado semi-imputável, devido a sua capacidade de compreensão reduzida, no entanto, não foi desconsiderada a sua imputabilidade.

Na semi-imputabilidade o juiz pode até mesmo reduzir a pena de 1/3 a 2/3, tudo isso com base em um laudo de insanidade mental. Mesmo sendo considerado semi-imputável, Francisco foi condenado a 121 anos e 11 meses, atualmente cumprindo pena em presídio destinado a presos condenados por estupro ou que estão ameaçados de morte dentro do sistema prisional.

7.O MONSTRO DE RIO CLARO

Laerte Patrocício Orpinelli, o Monstro de Rio Claro, declarou ter matado mais de cem crianças entre os anos de 1970 e 1990 em algumas cidades do interior de São Paulo, sendo a cidade de maior atuação, Rio Claro.

Os cabelos desgrenhados, roupas sujas despertava o sentimento de pena em todos, que o ajudavam oferecendo comida e até mesmo o contratando para que realizasse pequenos reparos em suas casas.

Aproveitando-se da bondade destas pessoas, Laerte ganhava a confiança até mesmo de seus filhos, que vendo-o constantemente, o deixavam de considera-lo estranho. Depois de atrair as crianças com doces ou oferendo uma carona em sua bicicleta, Laerte as levava para uma região de mata e lá cometia o abuso sexual simultaneamente com o espancamento seguido do estrangulamento. Segundo Laerte, o ápice dos assassinatos era a expressão de horror nos olhos das crianças e em seguida observar os corpos nus e sem vida, como relatado por ele em entrevista à Revista IstoÉ:

 Quando bebo incorporo o satã, fico nervoso e sinto esse desejo. Sinto prazer em vê-las aterrorizadas.

 Na mesma entrevista descreve de forma fria os meios que utilizava para findar as vidas das crianças:

 Quem não se comportava eu matava com soco, mas se a criança obedecia eu só estrangulava.”

 Como abordado nos tópicos acima, Laerte também conseguia cativar as pessoas que mal o conheciam, não por sua imagem ou diálogo bem elaborado, mas pelo sentimento de pena que conseguia arrancar dos moradores. O que muitos desconheciam era o seu passado conturbado e os inúmeros internamentos em clínicas psiquiátricas.

 O serial killer foi levado a júri no ano de 2001 e sua condenação veio somente em 2008, 100 anos de prisão.

 8.MANÍACO DA CRUZ

 Dyonthan Celestrino ficou conhecido em 2008 após matar com requintes de crueldade três pessoas no Mato Grosso do Sul, ele tinha apenas 16 anos.

A denominação de “Maníaco da Cruz” foi dada pela mídia, pois o jovem colocava suas vítimas, já mortas, em posição de crucificação no chão.

O serial killer afirmava que matava as vítimas para que estas fossem purificadas e que instantes antes de serem assassinadas pedia para que relatassem suas atividades sexuais e qual o seu nível de relacionamento com Deus e com a religião.

Sabemos que no Brasil, o jovem menor de 18 anos é considerado penalmente inimputável devido ao seu estado de desenvolvimento incompleto, não podendo ser punidos como adultos, com isso, são sujeitos a uma legislação especial, o ECA. O Código Penal brasileiro traz em seu artigo 27 o seguinte texto:

 Art. 27 – Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos as normas estabelecidas na legislação especial.

Do mesmo modo, a Constituição Federal em seu artigo 288 estabelece:

Art. 288 – São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

 O jovem serial killer totalizou o cumprimento de sua medida socioeducativa em 2013, mas não obteve a liberdade, pois acredita-se que ele não está apto para a vida em sociedade.

Desde os 16 anos, a cada seis meses Dyonathan é submetido a exame psiquiátrico e o diagnóstico é sempre o mesmo, ainda não seria o momento de reinseri-lo no meio social.

De acordo com apelação apresentada pela defesa do jovem, após avaliação de psiquiatra, constatou-se que ele não possuiria nenhuma doença mental, o que tornava a sua interdição civil e, por consequência, internação compulsória, ilegal:

Se não existisse o diagnóstico de psicopatia, o jovem deveria, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ter cumprido três ano de internação em um Unidade Educacional de Internação, preenchidos entre os anos de 2008 e 2011, pois no tempo de sua apreensão, era menor de idade. Caso não fosse possível a sua soltura após os três anos, deveria continuar internado até atingir a idade de 21 anos, o que deveria ter acontecido em 2013, mas devido as reavaliações negativas, não foi possível.

Cabe ressaltar que, dos treze anos de sua captura, ele está internado há nove anos na ala de saúde do Instituto Penal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, pois o estado não possui local adequado para o quadro de psicopatia do indivíduo, outra falha no sistema penal brasileiro: o descaso do poder público com os hospitais de custódia.

Quando se observa tais indivíduos encarcerados por tantos anos, como Dyonathan, Laerte, Francisco e os diversos mais inseridos no sistema penal brasileiro, surge a dúvida sobre essas sanções que mais parecem ter caráter perpétuo devido a falta de certeza para o fim de sua pena.

Em regra, no Brasil é expressamente vedada a pena perpétua e tal preceito é considerado cláusula pétrea, bem como explicitado no artigo 75 do Código Penal:

Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos.
§ 1º Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.

 Bem como súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

Súmula 527 do STJ: “O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.”

 Entretanto, o STJ com analogia entre o Decreto 24.559/34, que trata da assistência e proteção à pessoa e aos bens dos psicopatas, regulando questões civis e sua internação compulsória, e na Lei 10.216/01, passou a permitir a internação psiquiátrica compulsória, desde que determinada pela justiça e baseada em laudo médico que justifique tal medida.

 Alexandre Magno, professor de Direito Penal e Processual Penal, pondera que:

 Considerando impossível a mudança dos citados dispositivos constitucionais, por serem cláusulas pétreas, restaria uma mudança radical na jurisprudência que reabriria a possibilidade de duração indeterminada da medida de segurança. Atualmente, a única opção legal é uma antiga norma editada por Getúlio Vargas: o Decreto nº 24.559/34, que, civilmente, regula a internação compulsória de psicopatas. Chega a ser irônica que a única norma federal a tratar de um assunto tão moderno como psicopatia tenha sido promulgada há mais de 70 anos!

9.CONCLUSÃO 

 A reposição do assassino em série no seio da sociedade é algo arriscado e imprevisível, pois como já dito, em sua maioria possuem um desvio de conduta acentuado. A psicopatia é uma maneira muito errada e distorcida do indivíduo enxergar a sociedade, não seguindo regras ou importando-se com o outro, satisfazendo as suas próprias vontades.

De fato, a legislação penal não aborda de maneira aprofundada qual deverá ser o tratamento oferecido ao assassino em série, distinguindo aqueles que possuem doenças mentais e aqueles que não apresentam nenhum tipo de enfermidade.

É irrefutável a alta periculosidade de indivíduos com as características descritas por Ilana Casoy e Guido Palomba. Quando não identificados, a sociedade fica vulnerável a um ser de extrema periculosidade, que demonstra uma falta demasiada de afetividade. Entretanto, não há nenhum comprometimento de sua capacidade de compreensão da realidade e, portanto, há um debate muito forte entre os psiquiatras sobre o isolamento desse tipo de criminoso dos presos comuns, a fim de não prejudicar a ressocialização dos demais, pois os apenados com características psicopáticas comumente reiniciem, praticando os mesmos crimes pelos quais foram condenados, porém, com mais brutalidade e mais zelo, dificultando a sua identificação.

Notavelmente, são insuficientes as abordagens utilizadas no contexto atual e até mesmo ineficientes, pois atualmente, como já visto, o serial killer é julgado de acordo com o artigo 121 do Código Penal, considerando o homicídio em série um tipo de qualificadora para o crime.

É de grande importância a fusão da legislação penal brasileira com as ciências complementares, tais como perícia forense e psicologia para a melhor compreensão de tais criminosos, de modo que, seja provido um julgamento eficiente, bem como a atualização de legislação específica para tal matéria, tal como a PL 140/2010 de autoria do ex-senador Romeu Tuma e que atualmente encontra-se arquivado. O Projeto de Lei visaria acrescentar os parágrafos 6º, 7º e 8º e 9º ao Código Penal brasileiro com o objetivo de oferecer tratamento diferenciado para seriais killers:

“O criminoso que comete 3 homicídios dolosos (intencionais), no mínimo, em determinado intervalo de tempo, sendo que a conduta social e a personalidade do agente, o perfil idêntico das vítimas e as circunstâncias dos homicídios indicam que o modo de operação do assassino implica em uma maneira de agir, operar ou executar os assassinatos sempre obedecendo a um padrão pré-estabelecido, a um procedimento criminoso idêntico.

O Projeto de Lei seria um grande passo para a atualização – mais que necessária – de um Código Penal datado da década de 1940, pois trataria de forma distinta os assassinos em série, aplicando com maior rigorosidade as suas penalidades, vedando quaisquer tipos de benefícios no curso de sua pena, bem como: “a concessão de anistia, graça, indulto, progressão de regime ou qualquer tipo de benefício penal ao assassino em série”.

Outrossim, o projeto traria ainda uma atenção especial a avaliação mental do indivíduo, buscando a sua adequação efetiva a legislação penal contemporânea.

10.REFERÊNCIAS

 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal, volume V, arts. 121 a 136. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1955.

 SCHECHTER, Harold. Serial killers: anatomia do mal. 1ª ed. DarkSide Books, 2013.

 CASOY, Ilana. Serial killer: louco ou cruel?. 1ª ed. DarkSide Books, 2014.

 FRIAS, Silvia. Preso sem prazo para ser solto, Maníaco da Cruz recorre de condenação de 15 dias. Disponível em: https://www.campograndenews.com.br/brasil/cidades/preso-sem-prazo-para-ser-solto-maniaco-da-cruz-recorre-de-condenacao-de-15-dias. Acesso em: 07 de junho de 2021.

 PSQUIATRA analisa desvios de conduta identificados no Maníaco da Cruz. G1: MS, Mato Grosso do Sul. 01 de mar. de 2012. Disponível em:http://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2012/03/psiquiatra-analisa-desvios-de-conduta-identificados-no-maniaco-da-cruz.html. Acesso em:14 de jun. de 2021.

 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial – arts. 121 a 234 do CP, volume 2. 13ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 1998.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

9 Coisas Sobre Ted Bundy Que O Prime Video Revelou Em Seu Documentário. Disponível em: https://quintacapa.com.br/9-coisas-sobre-ted-bundy-que-o-prime-video-revelou-em-seu-documentario/#:~:text=%E2%80%9CEle%20me%20disse%20que%20agora,Ele%20era%20viciado%20em%20matar. Acessado em: 01 de jun. 2022

 SANCHES, Valdir. Psiquiatra forense diz que https://m.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/10/1538747-psiquiatra-forense-diz-que-assassinos-em-serie-tem-deformidade-de-carater.shtml. Acesso em: 02 de junho de 2021.

Documentário Instinto Assassino: "O Monstro de Rio Claro", T2:E2, Canal Investigation Discovery, às 08h30, de 22/07/2022.

 SÃO PAULO, Polícia Civil do Estado de São Paulo. O Maníaco do Parque, 2019. Disponível em: 27 https://www.policiacivil.sp.gov.br/portal/faces/pages_home/noticias/noticiasDetalhes? rascunhoNoticia=0&collectionId=358412565221036839&contentId=UCM_048822&_ afrLoop=1144176868433209&_afrWindowMode=0&_afrWindowId=null#!%40%40%3 F_afrWindowId%3Dnull%26collectionId%3D358412565221036839%26_afrLoop%3D 1144176868433209%26contentId%3DUCM_048822%26rascunhoNoticia%3D0%26 afrWindowMode%3D0%26adf.ctrl-state%3D17h5rewp1b_79. Acesso em 01 ago de 2022

Projeto de Lei Complementar PLC 140/2010. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/96886> . Acesso em: 23 jan. 2023. Texto Original.

                                                                                                

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Graziela Bruna Sousa. A figura do serial killer versus o ordenamento jurídico brasileiro: A (in) eficiência das leis penais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7154, 1 fev. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102150. Acesso em: 17 dez. 2025.

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