Aplicabilidade da prisão domiciliar à mulher gestante.

Análise teleológica e jurisprudencial

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Resumo: Busca-se analisar, através da revisão narrativa, a proporcionalidade da aplicação do direito material nos casos de prisão preventiva da mulher gestante, tendo em vista o grande número de mulheres nesta condição e as condições míseras a qual são submetidas nos estabelecimentos prisionais, transgredindo os ditames do princípio da dignidade da pessoa humana. Para isso, buscou-se identificar as condições dos presídios femininos, estudar a legislação processual penal no que tange a concessão de prisão domiciliar à mulher gestante e, ainda, analisar o posicionamento jurisprudencial acerca do assunto. Tratou-se de uma pesquisa exploratória e descritiva, utilizando-se da técnica de revisão narrativa, através da análise de artigos científicos, publicados desde 2018, bem como documentários realizados por grandes jornais do país. Ademais, foi possível verificar que a proporcionalidade é aplicada à lei, no entanto, o que mais falta no sistema prisional são medidas mais eficazes que lei mais rigorosas e, especialmente, falta dignidade às presas gestantes.

Palavras-chave: Prisão domiciliar. Prisão preventiva. Mulher gestante. Dignidade da Pessoa Humana.


1. INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como foco abordar sobre a prisão domiciliar face à prisão preventiva, mostrando sua aplicabilidade nos casos de prisão da mulher gestante.

Estamos vivendo em uma sociedade “moderna”, em que se vive sob o regramento de direitos e deveres, mas muitos deles são desrespeitados. Dentre esses direitos encontra-se a dignidade da pessoa humana, que é também um princípio universal e o mais desrespeitado, principalmente, quando se trata do tratamento de mulheres com liberdade cerceada.

Há uma grande parcela da população brasileira que vive sem as mínimas condições humanas de subsistência, e este cenário é repetido também dentro das penitenciárias, sobretudo, femininas. Ainda que o indivíduo esteja privado de sua liberdade, este é o único direito cerceado, todos os outros ainda lhe são garantidos conforme a lei.

São poucas as penitenciárias femininas no Brasil, menor também é a quantidade de celas que possuem condição de manter uma presa gestante, ou melhor/pior, menor é, ainda, a quantidade de presídios destinados a receber mulheres gestantes que tiveram prisão decretada.

O ponto crucial e relevante desta pesquisa visa analisar a proporcionalidade da aplicação do direito material nos casos de prisão preventiva da mulher gestante, e para isso, se faz necessário identificar as condições dos presídios femininos; estudar a legislação processual penal no que tange a concessão de prisão domiciliar à mulher gestante; bem como, analisar o posicionamento jurisprudencial.

É importante ressaltar que da totalidade de presídios existentes no Brasil, cerca de 1420 unidades prisionais, apenas 7% são exclusivamente femininas, ou seja, apenas cerca de 103 dessas unidades, e 239 delas são consideradas mistas, sendo que em algumas delas há informações de que não há divisão de gênero, ficando totalmente “misturados” em todos os ambientes do presídio.

Nesse ínterim, percebe-se que as condições a que as mulheres são submetidas nas prisões brasileiras são desumanas, ficando demonstrado que mulheres em estado gestacional não possuem a mínima dignidade de que necessitam.

Frisa-se que o ser que as apenadas estão gerando não são culpados pelo delito cometido, tampouco há comprovação da autoria delituosa, pois esta pesquisa trata-se acerca da prisão preventiva, somente.


2. PRISÕES FEMININAS NO BRASIL: SURGIMENTO E CONDIÇÕES

Somente na metade do século XIX, com a deficiência do sistema carcerário e dada a promiscuidade existente, que se começou a pensar propostas sobre o aprisionamento feminino, e sua implementação só ocorreu no século XX. Ressalte-se que a necessidade de presídios femininos jamais nasceu em razão de demanda.

Desde os primórdios, as mulheres já eram encarceradas em péssimas condições. Naquela época, as mulheres eram presas e, dependendo das suas condições físicas no ato da prisão, a autoridade competente decidia se ela ficaria junto com os homens ou se ficaria separada, mas no mesmo presídio, pois não havia prisões exclusivamente femininas.

Andrade (2011, p.17) apud Curcio, assim expõe sobre o que ocorria nas prisões “narrativas de abandono, abusos sexuais, problemas com a guarda – na maioria das vezes masculinas -, doenças, promiscuidade e outros, envolvendo mulheres encarceradas, estavam sempre presentes nos trabalhos de penitenciaristas do século XX”.

Em seus estudos, Curcio assim relata:

“Como a população feminina encarcerada era bastante reduzida, a busca de soluções para as situações degradantes em que viviam era postergada. Desta forma, algumas instituições penais destinadas às mulheres foram, na verdade, readaptadas em espaços já existentes”.

Como mencionado anteriormente, a criação de penitenciárias femininas não possuía relação com demanda, e acredite, também não se relacionava a trazer dignidade às prisioneiras. Assim supuseram Soares e Ilgenfritz (2022):

“A necessidade de construção de espaços específicos para mulheres estava muito mais direcionada à garantia da paz e da tranquilidade das cadeias masculinas, que propriamente a tentativa de promoção da dignidade das prisioneiras.”

Em 1940, com o novo Código Penal, que houve a obrigatoriedade legal de criar espaços exclusivamente para receber as mulheres que cometessem atos da qual fosse necessário subtrair-lhe o direito à liberdade. Assim, no Art. 29, §2º, do Código Penal de 1940, determinou-se que “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção adequada de penitenciária ou prisão comum, ficando sujeitas a trabalho interno”.

Em detrimento do novo Código Penal (de 1940) apenas duas penitenciárias femininas foram criadas. Dentre elas, uma das primeiras unidades prisionais destinada às mulheres foi um ambiente construído com função de residência, vindo, no ano de 1942, se tornar o “Presídio de mulheres”, que era supervisionado por freiras.

Nos dias atuais, as unidades prisionais femininas, em sua maioria, a estrutura dos ambientes é idêntica aos presídios masculinos, não havendo adaptação, principalmente, para presas gestantes, que é o objeto foco desta pesquisa.

No Brasil há cerca de 1420 presídios e apenas 7% deles são femininos, ou seja, apenas 103 penitenciárias. Destas unidades, somente 48 possuem adequação para mulheres privadas de liberdade em situação gestacional, sendo 35 específicas e 13 em unidades mistas.


3. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O SISTEMA CARCERÁRIO NO BRASIL

A dignidade da pessoa é um princípio basilar do Estado Democrático de Direito, que tem o ser humano como centro e fim do direito. Isso possui força legal nas letras do art. 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988.

Nesse sentido, esclarece Sarlet (2007, p. 62) apud Silva:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito por e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Apesar de não haver um conceito preciso sobre o que vem a ser dignidade da pessoa humana, o autor afirma que há um complexo de direitos e deveres que assegurem a pessoa contra todo e qualquer ato degradante e desumano, devendo-lhe ser prestado pelo Estado as condições mínimas de existência.

Dessa forma, conforme estabelece o art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. Não se pode, então, por questões sociais, raciais, biológicas ou intelectuais, reduzir a importância de qualquer individuo.

Depreende-se, portanto, que a dignidade da pessoa humana é um direito absoluto, não podendo haver distinção entre o homem, tampouco a perda deste direito. Isso impede que o homem seja coisificado, sendo-lhe resguardo direitos fundamentais contra ações ofensivas à dignidade, em que o Estado é obrigado a proteger e promover dignidade a todos.

Indo de encontro ao Direito Processual Penal, Nucci (2013, p. 90) preleciona:

A regulação dos conflitos sociais, por mais graves e incômodos, depende do respeito aos vários direitos e garantias essenciais á formação do cenário ideal para a punição equilibrada e consentânea com os pressupostos do Estado Democrático de Direito, valorizando-se, acima de tudo, a dignidade humana.

O ilustre doutrinador nos traz o entendimento de que todos os atos praticados no âmbito do processo penal devem seguir os preceitos do princípio em discussão. Assim complementa Silva (2018):

O princípio tem função limitadora e orientadora sobre os agentes públicos atuantes, como a polícia, ministério público e juízes, assim qualquer descumprimento aos princípios que regem o Processo Penal ou aos direitos humanos, significa violação da dignidade humana.

Sabendo disso e olhando para o sistema carcerário feminino brasileiro, Lima e Pinheiro (2019), aduzem que “as condições do cárcere feminino são muito precárias, pois não tem estrutura suficiente para que seja exercida a maternidade, levando a terem seus direitos e garantias violadas”.

As presas são submetidas a uma desumanidade gigantesca, especialmente, as presas gestantes. Assim relata Marynne Ferraz, detenta cumprindo pena em regime domiciliar, no quarto episódio do documentário “A solidão das mulheres na cadeia | Violência Encarcerada”:

"A minha gestação foi passando, a minha barriga foi crescendo, algumas pessoas não acreditavam que eu estava grávida porque não tinha nenhum exame, foi onde eles me tiraram do presídio e me levaram para fazer uma única ultrassom, que era pra comprovar minha gravidez pro presídio, então eu não fiz pré-natal, né, durante esse tempo que eu fiquei presa, e eu já saí de lá na iminência de ganhar a minha última filha, porque você não tem ali uma chance de ressocialização, já começando dali, porque ali você só é taxada como uma marginal e vai ficar aí e vai pagar tua pena".

Diante disso, é nítida a violação ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. As mulheres gestantes com liberdade cerceada não possuem o mínimo necessário para terem uma gestação tranquila, sem maiores preocupações com a saúde do ser humano que estão gerando.

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4. VISÃO GERAL DA MEDIDAS CAUTELARES NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

Uma medida cautelar é um procedimento judicial pela qual se busca a proteção, preservação e defesa de algum direito lesado, valendo tanto no âmbito civil, como no criminal, garantindo assim a eficácia de um direito específico.

Em 2011, a Lei n. 12.403 trouxe a regulamentação de novas medidas cautelares diversas da prisão, tornando a prisão uma medida subsidiária. As novas medidas foram acrescidas ao Art. 319, do Código de Processo Penal. Anterior à esta lei, nos crimes com pena máxima igual ou superior a 10 (dez) anos, a prisão preventiva era obrigatória. Foram estas as medidas cautelares, diversas da prisão, estabelecidas:

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;

IX - monitoração eletrônica.

Faz-se necessário esclarecer que as medidas cautelares devem ser aplicadas obedecendo aos critérios de necessidade, adequação e, também, de proporcionalidade (Art. 282, do Código de Processo Penal), sendo esse último requisito defendido pela doutrina.

Desse modo, antes de aplicar uma medida cautelar, o juiz deve questionar se a medida é necessária, se ela cumpre com o requisito de adequação para resolução do conflito social instaurado e, ainda, se ela é proporcional ao ato que foi praticado, ao contexto idealizado. Além disso, o juiz não pode decretá-la de ofício, será sempre requisitada pela parte interessada.

Salienta-se que, as medidas cautelares sempre restringirão a liberdade de algum modo, no entanto, a prisão preventiva, destitui o réu do seu direito à dignidade, enquanto a prisão domiciliar proporciona-lhe o contrário, lhe restringindo tão somente a liberdade de ir e vir livremente.

4.1 DA PRISÃO PREVENTIVA

A prisão preventiva está regulamentada nos artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal, e pode ser decretada no curso da investigação preliminar ou do processo, inclusive após a sentença condenatória recorrível, ou até mesmo na fase recursal, se houver necessidade real, com fundamento na garantia da aplicação da lei penal (LOPES JR., p. 698, 2021).

À luz do entendimento do renomado doutrinador Lopes Jr. (2021, p. 699), esta é uma modalidade cautelar que não pode ser decretada de ofício pelo juiz, pois implicaria na sua imparcialidade. Nas suas palavras:

A imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juiz-instrutor (poderes investigatórios) ou, pior, quando ele assume uma postura inquisitória decretando – de oficio – a prisão preventiva.

Ademais, assim leciona o art. 311, CPP:

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

São requisitos que fundamentam a prisão preventiva: garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado (Art. 312, CPP).

Destarte, tem-se como requisito da prisão preventiva o fummu commissi delicti, exigindo a existência de prova do crime e indícios suficientes de autoria, não admitindo causas de exclusão da ilicitude ou de exclusão da culpabilidade. E as suas hipóteses de cabimento estão elencadas no art. 313, do CPP.

Imprescindível se faz dizer que a prisão preventiva não tem por finalidade antecipar a pena art. 313, §2º, do CPP), sua função se resguarda a beneficiar a atuação do Estado no curso do processo penal, caso contrário, estaria ferindo os princípios da presunção de inocência, bem como da liberdade. Por isso, a Constituição Federal, pelos termos do art. 93, inciso IX, traz a obrigatoriedade da fundamentação das decisões.

4.2 DA PRISÃO DOMICILIAR

Esta é uma modalidade de cautelar que possui caráter substitutivo em relação à prisão preventiva. Está regulamentada nos art. 317 e 318 do CPP.

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Almeida (2018, p. 30) conceitua a prisão domiciliar aquela onde o segregado tem seu recolhimento provisório de forma permanente em sua própria residência, podendo se ausentar dela somente com a autorização judicial, conforme dispõe a previsão legal citada.

Nesse sentido, Rangel, 2018, p.932 apud Almeida, destaca:

Diferente do recolhimento domiciliar noturno como medida cautelar, constante no artigo 319, inciso V, do Código Processual Penal, que possibilita ao indivíduo exercer sua atividade laborativa de forma regular durante o dia, devendo recolher-se à sua residência somente no período noturno e feriados, quando este possuir residência e trabalho fixos, na prisão domiciliar há um mandado de prisão preventiva contra o acusado, que será cumprido em sua residência, sendo esta uma medida mais grave que perdura pelas 24 (vinte e quatro) horas do dia.

A distinção acima é muito importante, pois como pôde-se observar, há uma grande diferença entre o recolhimento domiciliar noturno e a prisão domiciliar, um lhe permite exercer atividade laborativa e o outro lhe priva totalmente a liberdade.


5. A LEGISLAÇÃO PROCESSUAL PENAL NOS CASOS DE PRISÃO PREVENTIVA DA MULHER GESTANTE

Inicialmente, somente podia ser concedida a prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva para a mulher gestante que estivesse com 7 (sete) meses de gestação ou em caso de gravidez de alto risco. Somente em 2016, por meio da Lei 13.257, que incluiu-se no rol de possibilidades de substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar, a mulher gestante.

No ano de 2018, com advento da Lei 3.769, foram inseridos à legislação processual penal os artigos 318-A e 318-B, trazendo condições, ou seja, restrições para a concessão da substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar, com a redação a seguir:

Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por criança ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que:

I – não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;

II – não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.

Art. 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319.

Portanto, para que haja a concessão de medida cautelar é necessário a análise do caso concreto, em que o acusado deverá requerer, bem comprovar que preenche os requisitos exigidos para tal.


6. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

Em face dos estudos realizados nesta pesquisa, percebeu-se que o crime nº 1 praticado pelas mulheres é o tráfico de drogas, sendo este um crime que por si só, causa abalo à ordem pública, bem como à sociedade. Portanto, os órgãos julgadores analisam caso a caso quando uma medida cautelar menos gravosa é solicitar em substituição à mais gravosa.

Analisar-se-á duas decisões relacionadas a essa prática criminal, uma favorável à paciente e outra desfavorável:

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PACIENTE GESTANTE. ART. 318-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA PELA PRISÃO DOMICILIAR. PROVIMENTO DETERMINADO EM HABEAS CORPUS COLETIVO JULGADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PARECER MINISTERIAL ACOLHIDO. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA.

1. O Supremo Tribunal Federal concedeu habeas corpus coletivo (HC n.º 143.641/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI) às mulheres presas, gestantes, puérperas e mães de crianças menores de doze anos de idade ou portadoras de necessidades especiais, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos Juízes que não reconhecerem o direito à prisão domiciliar.

2. A hipótese enquadra-se na situação excepcional. É certo que, na espécie, a prisão preventiva está fundada notadamente na suspensão do poder familiar relativamente às duas crianças de que a Paciente é mãe. Ocorre que essa circunstância não pode justificar a segregação de Ré em estado gestacional. Assim, está caracterizada flagrante ilegalidade em não se conceder prisão domiciliar.

3. Em 19/12/2018 foi editada a Lei n.º 13.769, que incluiu o art. 318-A ao Código de Processo Penal, o qual dispõe que a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: I)não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça à pessoa e II) não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.

4. Ordem de habeas corpus concedida para, em conformidade com o parecer ministerial, ratificar a decisão em que foi deferido provimento liminar para substituir a custódia preventiva da Paciente por prisão domiciliar, nos termos do art. 318 do Código de Processo Penal.

(HC 143.641/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 20/02/2018, DJe 08/10/2018.)

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. PRISÃO PREVENTIVA. PLEITO DE SUBSTITUIÇÃO POR PRISÃO DOMICILIAR. PACIENTE GESTANTE. CRIME COMETIDO COM VIOLÊNCIA. EXCEÇÃO PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO PREVISTA NO ART. 318-A, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO.

I - O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus coletivo n. 143.641, determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas.

II - Na mesma esteira, consigne-se que em recente alteração legislativa, a Lei n. 13.769, de 19/12/2018, ao incluir os arts. 318-A e 318-B no Código de Processo Penal, assegurou às mulheres gestantes, mães ou responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência, a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, exceto em casos de crimes cometidos com violência ou grave ameaça ou contra seus filhos ou dependentes.

III - Na hipótese, a conduta em tese perpetrada foi cometida mediante exacerbada violência, uma vez que trata-se roubo majorado, cometido em concurso de agentes, com restrição à liberdade das vítimas e emprego de armas de fogo, das quais duas foram encontradas na mochila da recorrente, que ostenta condenação anterior pelo crime de tráfico de drogas, conforme consignado pelas instâncias originárias, a consubstanciar a exceção específica positivada no art. 318-A, inciso I, do Código penal, não havendo possibilidade de substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, ante a ausência do requisito legal. Precedentes. Recurso ordinário desprovido.

Fica claro que a aplicação da legislação é cumprida à risca, na qual analisar o caso prático é essencial para que os direitos que presa possui e igualmente se a substituição não trará prejuízos ao meio social, tendo em vista o caráter que a prisão preventiva assume no processo penal.

Uma importante decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, foi o Habeas Corpus n. 143641, determinando a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar nos termos do art. 318-A do Código de Processo Penal.

"O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do HC 143641, concedeu ordem de habeas corpus coletivo para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar - sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP - de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício."

(Acórdão 1092393, unânime, Relator: ROMÃO C. OLIVEIRA, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 26/4/2018)

Essa decisão trouxe impactos positivos, levando à interpretação extensiva nos casos em que a mulher presa em regime semiaberto ou aberto, ainda que não tenha a condição de gestante ou tenha filho menor de 12 anos ou familiar com deficiência.

RECURSO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. EXECUÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE DE 9 ANOS DE RECLUSÃO. REGIME INICIAL FECHADO. CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DOS CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRETENSÃO DE CONCESSÃO DE PRISÃO DOMICILIAR. PACIENTE GENITORA DE CRIANÇAS DE 6 E 2 ANOS DE IDADE. POSSIBILIDADE. CARACTERIZADA INEFICIÊNCIA ESTATAL EM DISPONIBILIZAR VAGA À RECORRENTE EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL PRÓPRIO E ADEQUADO À SUA CONDIÇÃO PESSOAL, DOTADOS DE ASSISTÊNCIA MÉDICA PRÉ-NATAL E PÓS-PARTO, BERÇÁRIOS E CRECHES. ARTS. 82, § 1º, E 83, § 2º, DA LEP. PRESÍDIO FEMININO MAIS PRÓXIMOS DISTANTE 230 KM DA RESIDÊNCIA. CONVIVÊNCIA E AMAMENTAÇÃO IMPOSSIBILITADA. PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA. PRIORIDADE. HC COLETIVO STF N. 143.641/SP. PRECEDENTES DO STJ. LIMINAR DEFERIDA. PARECER MINISTERIAL PELA CONCESSÃO DA ORDEM, EM MENOR EXTENSÃO, A FIM DE QUE A CORTE DE JUSTIÇA SEJA INSTADA A EXAMINAR O MÉRITO DO WRIT IMPETRADO NAQUELA INSTÂNCIA NO TOCANTE À TESE ALEGADA NA INICIAL DA AÇÃO MANDAMENTAL. ILEGALIDADE MANIFESTA EVIDENCIADA. RECURSO PROVIDO.

1 . A Suprema Corte, no julgamento do HC Coletivo n. 143.641/SP, concedeu a ordem para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar [...] de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, [...] excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas (HC n. 143.641/SP, Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma do STF, DJe 9/10/2018). Precedentes do STJ no mesmo sentido.

2 . Ademais, o CPP (com as alterações promovidas pela Lei nº 13.769/2018) passou a prever a substituição da prisão preventiva por domiciliar à mulher gestante, mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, desde que não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça e o delito não tenha sido cometido o crime contra seu filho ou dependente, facultando, ainda, a aplicação de medidas cautelares (arts. 318-A e 318-B do CPP).

3 . No entanto, a execução de condenação definitiva em prisão domiciliar, em regra, somente é admitida ao reeducando do regime aberto, desde que seja maior de 70 anos, portador de doença grave, ou mulher gestante ou mãe de menor ou deficiente físico ou mental (art. 117 da LEP). Porém, excepcionalmente, se admite a concessão do benefício às presas dos regimes fechado e semiaberto quando verificado pelo juízo da execução penal, no caso concreto - em juízo de ponderação entre o direito à segurança pública e a aplicação dos princípios da proteção integral da criança e da pessoa com deficiência -, que tal medida seja proporcional, adequada e necessária e que a presença da mãe seja imprescindível para os cuidados da criança ou pessoa com deficiência, salvo se a periculosidade e as condições pessoais da reeducanda indiquem que o benefício não atenda os melhores interesses da criança ou pessoa com deficiência.

4 . Outrossim, a jurisprudência desta Corte tem se orientado no sentido de que deve ser dada uma interpretação extensiva tanto ao julgado proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus coletivo n. 143.641, que somente tratava de prisão preventiva de mulheres gestantes ou mães de crianças de até 12 anos, quanto ao art. 318-A do Código de Processo Penal, para autorizar também a concessão de prisão domiciliar às rés em execução provisória ou definitiva da pena, ainda que em regime fechado (Rcl n. 40.676/SP, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, DJe 1º/12/2020).

5 . Essa possibilidade, concessão de prisão domiciliar regulada no art. 117 da LEP, em qualquer momento do cumprimento da pena, ainda que em regime fechado, desde que excepcionalidade do caso concreto imponha, tem sido reconhecida por esta Corte Superior. Precedentes das Turmas da Terceira Seção.

6 . Também a Suprema Corte tem admitido, em situações absolutamente excepcionais, a concessão de prisão domiciliar a regimes mais severos de execução penal, a exemplo das ordens implementadas nas hipóteses em que o condenado estiver acometido de doença grave, a demandar tratamento específico, incompatível com o cárcere ou impassível de ser oferecido pelo Estado (AgR na AP n. 996, Ministro Edson Fachin, Segunda Turma, DJe 29/9/2020).

7 . In casu, verifica-se que a recorrente se enquadra nos termos definidos no HC Coletivo n. 143.641/SP, isto é, mulher em vias de ser presa, mãe de criança de 6 e 2 anos de idade (fl. 20), não sendo caso de crimes praticados por ela mediante violência ou grave ameaça contra seus descendentes.

8 . Outrossim, também, caracterizada a ineficiência estatal em disponibilizar vaga à recorrente em estabelecimento prisional próprio e adequado à sua condição pessoal, dotados de assistência médica pré-natal e pós-parto, berçários e creches para seus filhos (arts. 82, § 1º, e 83, § 2º, da LEP), especialmente, porque o presídio com capacidade para presas do sexo Feminino mais próximo da residência da Paciente fica localizado aproximadamente 230 km de distância, fato que impossibilitaria o contato da Paciente para amamentação e demais cuidados ao recém-nascido (fl. 208).

9 . Recurso em habeas corpus provido, confirmando-se a liminar, para permitir que a recorrente possa cumprir pena em regime domiciliar, com monitoração eletrônica, sem prejuízo da fixação de outras medidas cautelares, a critério do Juízo a quo, a serem implementadas pelo Juízo da Execução penal competente, referente à condenação proferida na Ação Penal n. 0034937-03.2017.8.13.0487 da 2ª Vara Cível, Criminal e da Infância e da Juventude da comarca de Pedra Azul/MG.

( RHC 145.931/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/03/2022, DJe 16/03/2022).

Essa é uma decisão recente, do ano corrente, em que percebe-se a preocupação dos órgãos julgadores em analisar a aplicação da legislação proporcionalmente à prática delitiva, trazendo à baila o que a doutrina defende e ampliando o arcabouço de suporte na fundamentação das decisões.

Sobre os autores
Jairo de Sousa Lima

Advogado. Professor da FAESF-PI. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Bacharel em Direito pela Faculdade de Ensino Superior de Floriano. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal, pela Uninovafapi. Advogado da ABECS-PI (Associação beneficente de cabos e soldados e bombeiros militares). Membro da ANACRIM. Presidente da Subcomissão de Relacionamento com o Poder Judiciário da OAB/PI. Palestrante. Autor de dois livros e mais de 70 artigos jurídicos publicados no Canal Ciências Criminais e outros portais e revistas. WhatsApp (89) 9 9474 4848

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