CONCLUSÃO
A emancipação é um instituto de Direito Civil que assegura um plus na conquista pelo jovem entre 16 anos completos e 18 incompletos de uma série de prerrogativas até então praticadas por seus pais ou responsáveis. Não pode implicar um minus, a perda de um status constitucional assegurado a todo cidadão desde seu nascimento.
A educação é um direito social, de segunda geração, atribuindo aos co-obrigados o dever prestacional de criar condições reais de realização do conteúdo material garantido constitucionalmente.
O ato unilateral da emancipação não pode assegurar ao devedor a extinção de suas próprias obrigações legais, em detrimento de um adolescente, cuja autonomia e vontade ainda estão protegidas por lei, contra todas as formas de violência, negligência ou opressão. A negligência dos pais ou responsáveis não pode ao mesmo tempo ser uma situação legal de risco, assim definida no art. 98, inciso II, do Estatuto da Criança e Adolescente, e, ato seguinte, permitir a extinção da obrigação legal derivada do artigo 6º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. É a negação do princípio constitucional da proteção integral, bem como da interpretação conforme a constituição.
A obrigação legal derivada do artigo 6º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação implica a ação de matricular e exigir a freqüência e aproveitamento dos filhos menores, a partir dos seis completos e 18 incompletos. A melhor locução da expressão menor é a tomada em seu sentido quantitativo, e não qualitativo. O Código Civil atual ou mesmo o anterior sempre valeram-se da expressão menor para indicar as pessoas contidas numa certa faixa etária. Tanto os absoluta [17] quanto os relativamente [18] incapazes sempre foram definidos no texto legal dentre as pessoas com uma certa idade. Já, a menoridade pode cessar por ato unilateral dos pais. Menor e menoridade são expressões com sentido legal diverso, portanto. Menor com um sentido quantitativo. Menoridade, qualitativo.
O direito à educação antes mesmo de sua positivação constitucional, já era reconhecido historicamente como um dos direitos humanos [19], e assim inalienável por natureza. O ato de disposição é incompatível com a indisponibilidade de direitos pertencentes a menores de idade. Deriva pois que a educação é um direito público subjetivo, juridicizando-se qualquer violação havida na relação originária.
Se a emancipação implicasse relativização dos direitos públicos subjetivos, chegaríamos ao paradoxo de admitir as seguintes aberrações jurídicas: a) que os filhos entre 16 e 18 anos emancipados poderiam livremente realizar em favor dos pais trabalho infantil perigoso, insalubre ou penoso, cuja restrição também é constitucional; b) em situação de risco, não seriam alvo de proteção especial e assim o Conselho Tutelar estaria dispensado de intervir protetivamente em favor do adolescente emancipado, mesmo que sujeito a violência física, sexual ou moral. Seria, pois, um exclusivo caso de polícia; c) extinta a condição que autoriza a proteção integral, o adolescente emancipado não teria prioridade no atendimento hospitalar ou à saúde física ou mental; d) o poder público somente está obrigado a fornecer gratuidade no ensino fundamental, merenda, material e transporte escolar aos alunos não emancipados, mesmo que freqüentando ensino regular.
Portanto, a emancipação é válida apenas para constituir novas competências à realização de atos da vida civil. Não implicará qualquer restrição ou redução, visto que já assimilados ao patrimônio individual do adolescente. Nesse contexto, é inadmissível que pais ou responsáveis, por ato unilateral, possam desconstituir uma obrigação pessoal derivada de direitos públicos subjetivos de natureza constitucional, em relação aos quais são (co)devedores.
Emancipar para liberar alguém de uma obrigação legal que eleva a pessoa humana às dimensões mais ativas da cidadania nos inspira uma preocupação com significativas, mas ainda não bem compreendidas implicações sociais: a que ponto as pessoas são levadas a assimilarem hábitos e desejos (ou a renunciarem desejos) em razão de um sistema que os impele a buscarem unicamente a satisfação de suas necessidades mais imediatas e primárias [20]. E, ainda, qual é o papel dos operadores diante desse fenômeno comportamental e contingencial?
Depois de consagrados uma série de direitos fundamentais, sobretudo os de natureza social, cultural e econômicos, um dos grandes desafios para este milênio é não permitir que o mesmo fato histórico que contribuiu para o seu respectivo surgimento - a crescente e sistemática industrialização, bem como as guerras que se abateram no século passado – provoquem a sua sucedânea derrocada.
É difícil a tarefa de mensurar o que se pretende por desenvolvimento sustentável. Atualmente, a interpretação constitucional e a correspondente realização dos direitos estão na permanente e perigosa contingência da persecução do desenvolvimento econômico nacional, inclinando-se para um modelo sensivelmente liberal que sistematicamente viola garantias historicamente conquistadas. Se até o século passado era possível afirmar que a crise assentava-se no Estado de Direito, na sua passagem para o século XXI a questão deslocou-se para o plano político da interpretação constitucional e da formulação e execução de políticas públicas. O problema não é mais de objeto, mas de método. Não é de legislação, mas de aplicação e execução.
Buscamos em Humberto Eco, em sua imortal obra "O Nome da Rosa", as conclusões derradeiras. A ação crítica está no conhecimento. Na ignorância, os riscos abatem-se em danos. As pessoas os desconhecem e mesmo assim vão levando a sua vidinha, num credo que escraviza não somente corpos, mas também almas.
BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Lei Federal 8.069, de 13 de julho de 1990. Diário Oficial República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 jul. 1990. Disponível em: http://www.mp.rs.gov.br/infancia/legislacaoc/legislacaoc/id187.htm. Acesso em: 27 jul. 2007.
BRASIL. Lei Federal 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em: 27 jul. 2007.
BRASIL. Lei Federal 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 27 jul. 2007.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. E Teoria da Constituição. 3a. ed. Coimbra: Editora Almedina, 1999, p. 1087
ECO, Humberto. O nome da Rosa. Trad. Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade. Rio de Janeiro: O Globo, Folha de São Paulo, 2.003.
JELLINEK, G. Sistema dei diritti pubblici subbietivi. Milano, 1910. Fonte:http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000200012&script=sci_arttext, acesso em 16mai2007.
MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. São Paulo: RT Editora, 1983, Tomo I, p. 201
RUBIO, S. R.; FLORES, J. H. ; CARVALHO, S. (Org). Direitos Humanos e Globalização: Fundamentos e Possibilidades desde a Teoria Crítica. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2.004.
STUART, C. Yudofsky; ROBERT, E. Hales. Neuropsiquiatria e Neurociências Na Prática Clínica. 4a. ed. Porto Alegre: Artmed, 2.006.
NOTAS
01 Na obra, o autor retrata uma série de homicídios ocorridos no interior de uma abadia do sul da Itália, no século XIV. O ambiente é muito significativo, porque a repressão instrumentalizava-se na exata medida em que o conhecimento era cada vez mais refratário a poucos integrantes da Igreja Católica. A obra consagra a máxima de que o conhecimento é a redenção do mal da ignorância. O conhecimento ativa, recria, constrói. O conhecimento torna o homem mais ciente de suas deficiências e o inspira para alcançar soluções. O conhecimento é um perigo para os que se beneficiam da inércia dos outros. É a negação de um sistema de trocas e a afirmação da relação de poder capaz de escravizar e reproduzir sempre o mesmo status quo. A ação da (auto)crítica é obtida pelo (auto)conhecimento.
02 regime de economia familiar é realizado pela distribuição de atividades e compartilhamento das correspondentes vantagens dentre os integrantes da família.
03 na atividade de Promotora da Infância e Juventude tive oportunidade de verificar emprego de mão de obra de meninas adolescentes grávidas na atividade de enfardamento do fumo, já que é possível realiza-la sentada.
04 Tive oportunidade de ouvir de um grande dirigente da indústria fumageira a seguinte expressão: "não fica fumo na lavoura"
05 é um direito que nasce em meados do século XIX, quando os direitos ditos de primeira geração, os de liberdade, não mais eram capazes de suprir as novas demandas surgidas com o desenvolvimento industrial e a produção em massa. Novos direitos surgem com a exploração do trabalho assalariado: os direitos trabalhistas e paulatinamente a necessidade de prestação de serviços públicos básicos, como saúde do trabalhador e da gestante, e alguns alinhavos do que no séculos seguinte viria a se confirmar como direitos previdenciários. Tudo tem início pela necessidade de se assegurar bem estar a todo o indivíduo, como consectário do exercício da igualdade entre os homens.
06 In JELLINEK, G. Sistema dei diritti pubblici subbietivi. Milano, 1910. Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392004000200012&script=sci_arttext, acesso em 16mai2007. Importante notar que enquanto direito público subjetivo, essa condição permite ao indivíduo assimilar do ordenamento jurídico bens e direitos objetivos, transformando-os em seus, daí a expressão subjetivo. Essa subjetivação desencadeia um processo de exibigilidade do direito pelo seu próprio titular, de sorte que tal direito transforma-se em público subjetivo.
07 Os princípios no ordenamento estatal são mandatos de otimização das regras postas. É fácil identificar uma regra, pelo seu algo grau de determinabilidade de objeto e sujeitos que deverão cumpri-lo. É semelhante a um jogo do tudo-ou-nada. A obrigação existe ou não. Já, princípio é um mandato de otimização e o resultado pode ser identificado em graus, i.é., maior ou menor intensidade. Os princípios possuem também um grau de abstração muito maior do que as regras legais. No trato das regras, identifica-se o conteúdo do direito (grau de determinabilidade), seus destinatários e a forma (imediata ou não) de sua correspondente realização (suscetibilidade de aplicação direta pelo aplicador, seja juiz, seja legislador). Os princípios, entretanto, não possuem esse grau de densificação e extrair o seu conteúdo passa por um processo de interpretação, não gramatical, mas contextual e política. É a otimização (ou balanceamento) tão necessária à extração de seus conteúdos. Nesse sentido, é o magistério do Professor J.J.G. Canotilho: "Conseqüentemente, os princípios ao constituírem exigências de optimização (sic), permitem o balanceamento dos valores e interesses (não obedecem, como as regras, à ), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflituantes (In CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. E Teoria da Constituição. 3a. Ed. Coimbra: Editora Almedina, 1999, p. 1087.)
08 art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
09 ut art. 4º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9394/96, c/c 208, 210, 213-4 da Constituição Federal do Brasil
10 Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9394/96.
11 Ut art. 6º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9394/96.
12 Art. 5º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I. os menores de dezesseis anos.
13 Art. 6º São incapazes relativamente a certos atos da vida civil:
I. Os maiores de dezesseis anos e os menores de vinte e um anos.
14 Ut art. 1º,inciso III, 3º, incisos I, III e IV, e 205, todos da Constituição Federal.
15 A lei civil dispõe bastante a vontade integrativa dos pais para a concessão de emancipação. Em sentido contrario, MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. São Paulo: RT Editora, 1983, Tomo I, p. 201.
16 A emancipação é constitutiva em relação aos direitos do emancipando, e desconstitutiva, em relação aos pais ou responsáveis, pois extingue o poder familiar. Mas por óbvio, não pode desconstituir no tocante à educação fundamental, direito constitucional de conteúdo social, estando acima de qualquer interesse jurídico de natureza puramente civil.
17 Pela atual definição legal, são absolutamente incapazes os menores de 16 anos, independentemente de sexo.
18 Pela atual definição legal, são relativament e incapazes os maiores de 16 e os menores de 18 anos, independentemente de sexo.
19 Os direitos humanos são constructos históricos derivados das vicissitudes e conquistas universais. É com a consagração da teoria dos direitos humanos que se delineia um status, um mínimo existencial para a defesa da dignidade do homem. Algumas características são apontadas como indispensáveis à defesa de tais direitos: universalidade – apesar da polêmica da relativização cultural e regional -, imprescritibilidade, inalienabilidade e irrenunciabilidade.
20 A escolarização adia momentaneamente os benefícios que podem ser conquistados pelo trabalho precoce. É guiada pelo princípio da razão. O trabalho precoce deriva da imediatidade dos desejos e aspirações humanas. Muitas vezes, guiadas pela contingência. Mas o trabalho precoce é a contingência sem prazer. Estudos comprovam que o trabalho deve estar associado a sentimentos de prazer e quando não o é, desencadeia um processo de frustração, rejeição e a médio ou longo prazo, sofrimento psíquico, para não dizer também físico.