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Demanda contratada de energia elétrica:

natureza jurídica

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16/08/2007 às 00:00
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Conclusão

            O custo do fornecimento de energia elétrica, por força do disposto no art. 14, do Decreto nº 62.724/68, é repartido entre os componentes de demanda de potência e de consumo de energia elétrica (daí falar-se em tarifa binômia). O componente consumo refere-se ao registro do quanto de energia elétrica foi consumida durante determinado período. Já a demanda é a medida de grandeza da energia consumida. Como a demanda utilizada é objeto de periódica medição, a exemplo do que ocorre com o consumo, tal circunstância se mostra suficiente para infirmar a alegação de que o consumidor estaria suportando, por força do contrato, o pagamento de uma energia que não chegou a ser consumida, pois a potência objeto da demanda contratada cuja utilização veio a ser objeto de medição pressupõe o consumo da energia elétrica.

            Pelo que resta demonstrado, a demanda contratada constitui componente indissociável da tarifa devida à concessionária, pois corresponde ao consumo de energia dividido pelo tempo adotado na verificação e sua utilização, por quem a tenha contratado, é periodicamente apurada, para fins de tarifação, na forma prevista na legislação. A demanda contratada não constitui um "critério" para efeito de cálculo do ICMS sobre transmissão de energia elétrica e nem se trata, consoante muitas vezes se afirma, de contrato de energia elétrica para reserva, mesmo porque a energia não pode ser armazenada.

            O valor concernente à demanda contratada constitui, assim, componente indissociável da tarifa, mesmo porque o consumo de energia elétrica de um aparelho elétrico está diretamente relacionado à sua potência e ao tempo em que permanecer em funcionamento, sendo desinfluente, para fins de determinação da base de cálculo do imposto, a discriminação tarifária procedida.

            Tendo em vista, então, que a tarifa binômia adotada para fins de determinação da remuneração devida à concessionária comporta o componente demanda de potência e o componente consumo, conclui-se pelo desacerto do entendimento que procura dissociar a potência de energia elétrica utilizada do componente consumo, como se a demanda de potência faturável não integrasse o valor da operação, como custo que é do fornecimento da energia elétrica consumida e ao próprio consumo não estivesse ela umbilicalmente associada.

            A inclusão do componente tarifário na base de cálculo do ICMS, além de afeiçoar-se ao que estabelece o art. 155, II, da CF, encontra fundamento no art. 9º, § 1º, II, da Lei Complementar nº 87, de 1996, no que dispõe ser a base de cálculo do imposto o valor praticado na operação final, visto que, somente assim, ao incorporar todos os custos incorridos nas etapas antecedentes, estará traduzindo o real o valor da operação da qual decorre a entrada da energia elétrica no estabelecimento consumidor (LC, art. 13, VIII).

            Com efeito, como a base imponível do imposto deve resultar, como no caso, da valoração de ambos os elementos que integram o núcleo material da hipótese de incidência do ICMS sobre a energia elétrica, a tarifa binômia, por abrigar componentes distintos do custo diretamente afeto ao fornecimento da energia elétrica, deve necessariamente integrar sua base de cálculo, pois, somente assim, estará exprimindo a real dimensão financeira do fato gerador do imposto, mesmo porque, tal como se passa com a energia consumida, a potência elétrica contratada é igualmente objeto de medição, para efeito de faturamento.

            Por conseguinte, a restrição exegética que se procura imprimir à base impositiva do ICMS não se revela compatível com o art. 13, I, da Lei Complementar nº 87/96, quando estabelece que a base de cálculo é o valor da operação - com cuja disposição é compatível o disposto art. 9º, § 1º, II, da LC 87/96 - que, ao autorizar a lei estadual a atribuir a responsabilidade às empresas geradoras ou distribuidoras de energia elétrica pelo seu pagamento - desde a produção até a última operação - deixou expresso que o cálculo do imposto deve ser efetuado sobre o preço praticado na operação final.

            Aliás, essa previsão legislativa não constitui nenhuma inovação, decorrente que é do que se contém no art. 34, § 9º, do ADCT, quando contempla idêntica hipótese de atribuição de responsabilidade tributária a terceiro e estabelece que a base de cálculo das operações com energia elétrica é o preço praticado na operação final, assim entendido na medida em que incorpora, naturalmente, todos os custos incorridos desde a geração até sua entrega ao consumidor final. Nesse sentido, aliás, dispunha também o art. 19, do Convênio 66/88, e assim o dizem o art. 9º, § 1º, II e o art. 13, VIII e § 1º, II, "a", ambos da Lei Complementar nº 87, de 1996.

            Como a base de cálculo lógica e típica no ICMS, na hipótese de energia elétrica, é o valor de que decorrer sua entrega ao consumidor, este valor outro não poderá ser, por conseguinte, senão aquele que constituir objeto da fatura emitida pela concessionária, por abrigar naturalmente todos os custos incorridos desde a geração até a entrega do produto, residindo aí o motivo pelo qual, como o preço da energia consumida foi acrescido para embutir o valor da demanda contratada, a base de cálculo sobre a qual incide o ICMS deve ser o quantum inserido na nota fiscal/fatura.

            "O ICMS, já o disse o árbitro maior das questões que envolvam a aplicação do direito federal, deve incidir sobre o valor real da operação, descrito na nota fiscal de venda do produto ao consumidor (AgRg no REsp 625.001, Relator Min. Castro Meira), mesmo porque, segundo já se afirmou, a nota fiscal entregue ao comprador é o documento onde se demonstra a ocorrência da operação de compra e venda, expressando o valor para fins de incidência do ICMS (REsp 137.783, Relator Min. Milton Luiz Pereira).

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            Com efeito, no caso, a expressão financeira da base impositiva do ICMS, real dimensão da materialidade da sua hipótese de incidência, é naturalmente revelada na fatura de venda do produto, documento representativo da mudança da titularidade da energia elétrica e versão documental, que a operação subjacente tem por forma de materialização, onde são discriminados os valores das tarifas aplicadas sobre os componentes de consumo e de demanda de potência, elementos quantificadores da operação relativa à circulação da energia elétrica.

            E, ao contrário do que se tem decidido, a inclusão do valor da demanda contratada, apurado após feita medição da potência utilizada, não implica a incidência do imposto sobre o quantum contratado ou disponibilizado. O valor da operação, no caso, é composto pelos dois componentes tarifários, cuja apuração, em separado, por meio de medidores instalados na unidade consumidora, é feita com vista a induzir, mediante cobrança de tarifas diferenciadas, o uso racional da energia elétrica e ressarcir a concessionária pelos altos custos dos investimentos realizados para atender uma alta demanda pela energia elétrica. Sendo assim, o valor apurado dos dois componentes tarifários guarda correspondência com a base de cálculo lógica e típica do ICMS que consiste, como é ressabido, no valor da operação de que decorre a entrega do produto na unidade consumidora.

            Pelo que se vê, a controvérsia acerca da incidência do ICMS sobre o valor apurado da demanda de potência utilizada pela unidade consumidora resolve-se, naturalmente, em face da correta compreensão de sua natureza jurídica, que, como visto, não se confunde com a simples garantia de suprimento ininterrupto da energia elétrica, que teria por contrapartida o compromisso do consumidor de pagamento de um valor mínimo, mesmo que que viesse a consumir a energia elétrica em quantidade medida inferior ao limite contratado.

            A matéria, ao que se conclui, merece ser reexaminada pela Corte a quem a Constituição confiou dizer por último sobre a aplicação do direito federal.

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Sobre o autor
José Benedito Miranda

procurador do Estado em Belo Horizonte (MG), ex-procurador-geral da Fazenda Estadual de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, José Benedito. Demanda contratada de energia elétrica:: natureza jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1506, 16 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10287. Acesso em: 18 abr. 2024.

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