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Operações societárias. Reflexões sobre a transformação

10/03/2023 às 16:45
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A transformação societária modifica por completo a estrutura e regras da sociedade, sem afetar sua existência, de modo que permanece a mesma pessoa jurídica.

As operações societárias são regularmente previstas tanto no Código Civil de 2002 quanto na Lei 6.404/762. Em decorrência da transformação societária, por exemplo, cria-se novo regime jurídico, altera-se substancialmente o tipo da sociedade, sendo que a mudança estrutural implica na adaptação do estatuto ou contrato social, com nova redação, condizente com a realidade jurídico-econômico pretendida pelos incorporadores.

Cabe sujeitar tais documentos sociais às regras do novo tipo a que subordinar-se-á a sociedade empresária. A transformação societária modifica por completo a estrutura e regras da sociedade, sem afetar sua existência, de modo que permanece a mesma pessoa jurídica (a bem de ver, a transformação se assemelha a um ato constitutivo, mas com a diferença de não haver criação de nova pessoa jurídica). Inexiste dissolução ou liquidação da sociedade, mas mera alteração do tipo. Mantida imutável, pois, a personalidade jurídica, diante da alteração do conteúdo do estatuto ou contrato social.

Há necessidade de consentimento de sócios/acionistas, salvo se contrato/estatuto forem expressos ao contrário. O dissidente se pode retirar da sociedade, caso não concorde com a transformação pretendida. Na sociedade limitada é possível tal transformação por deliberação da maioria dos sócios, sendo de salientar que, conforme art. 222 da Lei 6.404/76, os direitos dos credores não são alterados, em havendo, de fato, a transformação societária, bem como continuam com iguais garantias em relação à pessoa jurídica, sócios/acionistas ou terceiros.

Assevera Ricardo Negrão que

Entre as prerrogativas das pessoas jurídicas figura o direito de alterar sua estrutura fundamental, reorganizando-se a qualquer tempo, em especial quanto à reunião ou separação patrimonial entre sociedades, ou, ainda, em relação à mudança do tipo social e à decorrente responsabilidade imposta aos sócios. Agrupam-se aqui os procedimentos de transformação, incorporação, fusão e cisão3

Não obstante permaneça hígida a personalidade jurídica da entidade objeto da transformação, a sociedade empresária se submete às regras próprias de constituição do tipo societário em que transformar-se-á, isto é, as regras concernentes à elaboração de contrato social ou estatuto com o conteúdo exigido pela lei de regência, sem descuidar das especificações de cada tipo societário, lavrando-se, na hipótese em exame, escritura pública ou elaboração de assembleia geral de constituição (fundação), como exige a Lei 6.404/76.

Como se trata de transformação e não constituição de nova sociedade empresária, inexiste a determinação de que os bens que compõem o patrimônio sejam avaliados. No campo fático, tudo permanece exatamente como está.

Após a transformação do tipo societário deverá ocorrer a alteração de sua inscrição perante a Junta Comercial, cumprindo-se as determinações legais, sob pena de a sociedade se tornar irregular. De ponderar que a inscrição perante o órgão próprio continua exatamente a mesma, com o mesmo número de ordem, permanece o mesmo número do cadastro nacional de pessoas jurídicas. O que muda, isso sim, são os dados que identificam o novo tipo societário, em decorrência da averbação, de caráter indispensável.

Ocorrendo a abertura da falência da sociedade empresária após a transformação, os atos praticados dentro do determinado lapso temporal previsto no art. 99, inc. II, da Lei 11.101/05 poderão ser questionados judicialmente, tanto no âmbito da revocatória falimentar quanto na ação declaratória de ineficácia relativa de ato. Portanto, a transformação societária poderá ser questionada judicialmente pelo administrador judicial e demais legitimados, caso haja prejuízo aos credores ao à própria entidade falida, por exemplo.

Cabe ainda observar, quanto a falência da entidade, a regra do art. 1.115, parágrafo único, do Código Civil, no sentido de que somente produzirá efeitos em relação aos sócios que, no tipo anterior, a eles estariam, caso o pedirem os titulares de créditos anteriores à transformação, sendo certo que somente estes serão beneficiados.

Diante das grandes transformações que vêm ocorrendo na economia do país e do mundo, as operações societárias se traduzem em práticas bastante usuais – previstas em várias legislações4 -, adotadas por aquelas entidades nacionais ou transnacionais que buscam expandir a atividade econômica ou mesmo pretendem maior aporte de capitais financeiros ou, em última análise, o ingresso de novos acionistas. Considerando a abertura de fronteiras, plenamente possível a nacionalização de sociedade estrangeira em brasileira, mediante transformação.

Impactos na mudança de tipo societário

A seguir elencar-se-ão alguns impactos que ocorrerão na estrutura societária, em caso de transformação.

O primeiro impacto advindo da alteração de tipo societário é a significativa mudança no regime tributário, passando de sociedade limitada para sociedade anônima fechada. Quando os incorporadores resolvem constituir sociedade empresária, precisam definir o regime tributário aplicável à nova entidade. Estes são os regimes nacionais:

O simples nacional possui sistema de tributação é bastante simplificado, como o próprio nome está a dizer.

O lucro presumido, que se traduz em regime de tributação simplificado, já definido na legislação brasileira da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) e do imposto de renda. Nessa modalidade, a pessoa jurídica já tem ciência a respeito do quanto será tributada, justamente porque a alíquota é igual para todas, consoante tabela disponibilizada pela Receita Federal.

Nesta hipótese específica não carece calcular de forma exata o montante do lucro obtido no período. A questão que pode pesar é o fato de que a entidade pode pagar mais tributos além do montante que seria de fato devido, caso a margem de lucro tenha sido menor que a estabelecida pela lei.

O lucro real ganha contornos de complexidade, na medida em que a base de cálculo de tributação é justamente o lucro líquido apurado no período. Há necessidade da verificação exata de qual o lucro líquido auferido pela pessoa jurídica.

Em consonância com o resultado, a alíquota de tributação é reduzida. Em caso de haver prejuízo, a pessoa jurídica não precisará pagar o pagamento dos tributos. Em tal regime tributário, a entidade é obrigada a apresentar determinados registros à Receita Federal.

Optando-se pela transformação societária, mudando-se o tipo societário para sociedade anônima fechada, com a inclusão de novos acionistas (pessoas jurídicas), a entidade certamente terá de optar por fazer parte da tributação do lucro presumido ou do lucro real. Em relação a estes dois tipos de tributação, seguem algumas considerações.

Quanto a tributação de PIS e Cofins, no lucro presumido as entidades pagas as duas tributações de forma separada. As alíquotas são calculadas sobre o valor total da nota fiscal, isto é, da receita bruta auferida. Não cabe dedução de despesas, salvo a hipótese de abatimentos, devoluções de vendas e aquelas vendas canceladas.

No lucro real, a alíquota é mais elevada, sendo possível fazer a dedução de determinadas despesas (aluguel, por exemplo).

Em havendo despesas mais elevadas, o lucro real é bem mais vantajosos. Por outro lado, despesas mais baixas indicam que o lucro presumido é de rigor.

Quanto a tributação de imposto de renda e CLSS, ambos são calculados em consonância com o lucro. O presumido, conforme exposto, é obtido de forma genérica, por assim dizer, e a alíquota é determinada pela Receita Federal. No lucro real, a entidade utiliza o resultado do cálculo real, computando custos e despesas. A Receita Federal exige que as entidades apresentem detalhamento de informações, especialmente apontando tributos e dados sobre vendas efetuadas.

No lucro presumido, o detalhamento não tem caráter tão rigoroso. No lucro real, há obrigatoriedade da entrega de várias informações, o que induz exigência de contabilidade rigorosa, com indisfarçável caráter técnico e rigoroso, a fim de que ocorram falhas.

O segundo impacto se refere à mudança na estrutura contábil empresarial e relatórios que hão de ser apresentados à Receita Federal. A contabilidade de uma pessoa jurídica é constituída por demonstrações contábeis, ou seja, documentação que demonstra a situação patrimonial do ente. Tais demonstrações contábeis podem ser modificadas conforme o (novo) tipo societário que se deseja adotar.

Optando por regime tributário simples nacional ou lucro presumido, o processo é bem menos rigoroso, por assim dizer. Optando pelo lucro real, o qual é alterado de forma significativa, de modo que as pessoas jurídicas carecem ter contabilidade em estreita harmonia com a legislação aplicável.

As sociedades anônimas, regidas pela Lei 6.404/76, são obrigadas a elaborar relatórios ao final de cada exercício social, quais sejam:

Balanço Patrimonial;

Demonstração de fluxo de caixa;

Demonstração de Lucros e Prejuízos Acumulados;

Demonstração do Resultado do Exercício;

Demonstração do Valor Adicionado, na companhia de capital aberto.

É possível de que tais relatórios sejam acompanhados de notas explicativas, cujo objetivo é prestar esclarecimento a respeito da situação do patrimônio e resultados apresentados durante o exercício. A apresentação de documentos é importante a fim de que a entidade demonstre transparência em seus atos internos e externos, os quais deverão ser auditados.

A auditoria pode ocorrer de forma independente e neste caso é realizada avaliação técnica a fim de verificar se adequada a situação patrimonial e financeira, qual é, de fato, o resultado operacional e de que forma os recursos estão sendo aplicados pelos incorporadores.

O resultado será materializado em parecer, o qual pode ser de três tipos: Sem ressalva (inexiste identificação de irregularidades); Com ressalva (há determinada discordância, mas não é grave a ponto de comprometer a situação contábil); Adverso (há falta de informações ou quando estão incompletas, prejudicando o parecer com ressalva); Abstenção de opinião (há falta de informações suficientes e que impedem a elaboração de parecer).

As sociedades anônimas de capital aberto ou fechado, consideradas de grande porte, são obrigadas a efetuar publicações e auditoria, visando maior transparência e segurança. Outras entidades são obrigadas a efetuar publicações, mas dispensada auditoria.

No que se refere ao controle fiscal e ao controle contábil, necessários e indispensáveis às entidades, aquele é levado a efeito pelo Fisco e diz com a cobrança de tributos. O contábil visa a proteção dos ativos da pessoa jurídica e a garantia de que todas as informações prestas estão em consonância com a realidade econômica societária.

Quanto ao terceiro impacto, diz com a folha de pagamento. Entidades que optam pelo lucro presumido ou lucro real como regime tributário não sentem grandes diferenças quando da transformação societária. Quanto aos encargos, as pessoas jurídicas são obrigadas a pagar: 20% de tributo relativo ao INSS patronal; entre 1% e 3% de risco de acidente de trabalho e contribuição adicional, de modo que o percentual é variável devido ao risco da função; em torno de 5% de contribuição relativa a outras entidades; 8% da remuneração a título de fundo de garantia por tempo de serviço, sendo incluído no cálculo do 13º salário, horas extras e assim por diante; 20% de contribuição previdenciária.

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No que se refere à retenção de talentos, as sociedades anônimas têm mais possibilidades para fins de incentivos a longo prazo, existindo duas alternativas: stock options e vesting. Os planos de stock options oportunizam aos beneficiários o direito de, em momento futuro, adquirirem ações da companhia pelo preço definido no momento da concessão do benefício (o chamado strike price).

Havendo valorização da entidade econômica durante o período mínimo que deve transcorrer para o efetivo exercício da opção (vesting period), o beneficiário terá vantagem: comprará ações por um preço inferior ao seu valor econômico, o que se traduz em formidável benefício econômico-financeiro. Em última análise, o beneficiário se torna acionista da pessoa jurídica. Assim, gera-se incentivo não só para que este colaborador permaneça na companhia, como também a que ele trabalhe visando à elevação do valor global da entidade a qual pertence.

Nas assim denominadas phantom stocks inexiste efetiva aquisição de ações. Após o cumprimento das condições fixadas no plano (que podem incluir, dentre outros itens, prazo e metas), concedem-se ao beneficiário, sem o pagamento de qualquer preço, direitos ínsitos aos de um acionista (distribuição de dividendos e recebimento do valor de valorização das ações). Não há vínculo societário formal, mas mera ficção criada entre as partes contratantes.

A diferença entre as phantom stocks e as SARs é que nestas não se mantém a ficção do vínculo societário por período posterior ao do exercício. Perquire-se a respeito da valorização do valor econômico da companhia durante o período transcorrido entre a concessão e o exercício e se faz o pagamento deste valor no mesmo ato. Caso o colaborador se torne acionista da entidade, seu vínculo não é afetado. Entrementes, a Receita Federal entende que é forma de remuneração, materializada em oportunidade de investimento aos colaboradores.

Quanto ao diretor, pode ser pessoa externa, sem vínculos societários com a entidade, sendo eleito em assembleia geral de acionistas, de modo que não se trata de mero colaborador, mas sim aquele que exerce funções relevantes no âmbito da pessoa jurídica.

No que se refere ao quarto impacto, é o financeiro. Em havendo transformação de limitada para sociedade anônima fechada, como se pretende, em tese, imprescindível que ocorra revisão dos controles internos, a fim de que se obtenha o maior número de informações acerca da contabilidade da entidade. A identificação de falhas, equívocos, inconsistências de toda ordem e riscos de negócio pode melhorar a segurança dos gestores da pessoa jurídica, a busca de estratégias empresariais e de novos mercados.

Para tanto, os gestores da entidade hão de ter em mente a ideia de que controles internos se tornam imprescindíveis para fins de mantença da atividade econômica e busca de resultados, a fim de que se mantenha relevante posição no mercado competitivo.

Os colaboradores também desempenham papel fundamental, porque, além de prestarem serviço à pessoa jurídica,, visando o crescimento como um todo certamente melhor despenharão seu papel dentro do corpo econômico.

A adoção do assim denominado sistema Enterprise Resource Planning – ERP – planejamento de recursos da entidade -, pode ser salutar, na medida em que a finalidade precípua de tal software é justamente integrar os dados dos variados departamentos da entidade, fazendo com que permanecem em apenas um local, com maior abrangência de visão da atividade econômica.

No que se refere ao quinto impacto, é justamente o societário. Com a transformação de limitada para sociedade anônima fechada, a entidade carecerá de controle bem mais rigoroso, até mesmo diante de seu aspecto estatutário, e não meramente contratual. A hígida escrituração contábil é de rigor. Outros livros serão imprescindíveis, considerando assembleias que deverão ocorrer; livro de registro de ações, e assim por diante. Os livros obrigatórios são estes:

Livro de registro de ações nominativas (para inscrição, anotação ou averbação); livro de transferência de ações nominativas, destinado ao lançamento de transferência de ações; livro de registro de partes beneficiárias nominativas e transferência de partes beneficiárias, caso sejam emitidas; livro de atas das assembleias gerais; livro de presença de acionistas; livros de atas das reuniões do conselho de administração, caso haja, e de atas das reuniões da diretoria; livro de atas e pareceres do conselho fiscal5.


  1. Artigo 220. Transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro.

  2. Manual de direito comercial e de empresa. Teoria geral da empresa e direito societário. 12ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2015, p. 509.

  3. Há estatutos legais que restringem a transformação em algumas espécies de sociedade, havendo peculiaridades em relação a alguns tipos societários.

  4. Não se olvide dos livros fiscais propriamente ditos (registro de entradas, registro de saídas, registro de controle da produção e do estoque, registro de utilização de documentos fiscais e termos de ocorrência, registro de inventário, registro de apuração do ICMS e assim por diante).

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLARO, Carlos Roberto. Operações societárias. Reflexões sobre a transformação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7191, 10 mar. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102906. Acesso em: 22 nov. 2024.

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