A polícia brasileira foi responsável pela prisão de um dos mandatários do crime organizado de maior importância no cenário mundial: o colombiano Juan Carlos Ramírez Abadía, responsável pelo controle do tráfico de drogas na Colômbia, mais especificamente do Cartel Vale do Norte, e tido como o sucessor de Pablo Escobar.
E, num rompante desenfreado, o noticiário nacional acena com a possibilidade de extradição do criminoso para os Estados Unidos da América, país no qual é acusado de ser o mentor da morte de 15 pessoas.
Entretanto, o real interesse pode ser atribuído ao recebimento da recompensa oferecida pelas autoridades daquele País na monta de U$5 milhões.
Jornalistas um pouco mais entusiasmados reportam a possibilidade de uma extradição imediata. Na prática, o procedimento não é assim tão simples e sua conclusão não será efetuada num momento imediato.
A Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro é clara em seu artigo 13:
"Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça".
Já o Código Penal trata da competência nacional:
"Art. 7°. Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
(...)
II – os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir (grifo nosso);
b) praticados por brasileiro;
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.§1° Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.
§2° Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições:
a) entrar o agente no território nacional;
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável."
Segundo os dispositivos acima, o Brasil tem capacidade de julgar e condenar um estrangeiro desde que sejam respeitadas algumas condições: o cometimento do crime em território nacional e previsão legal de punibilidade no ordenamento nacional.
Como o criminoso em questão não foi acusado da prática de homicídio em território nacional, e tampouco por tráfico, a única possibilidade de processo é pela prática de lavagem de dinheiro.
Sobre a matéria, o ordenamento jurídico brasileiro possui aparato suficiente para tipificar as condutas praticadas por Juan Carlos Ramírez Abadia.
A Lei n° 9.613 de 3 de março de 1998 tipifica em seu artigo 1°:
"Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II – de terrorismo e seu financiamento;
III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;
IV - de extorsão mediante seqüestro;
V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;
VI - contra o sistema financeiro nacional;
VII - praticado por organização criminosa.
VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira
Pena: reclusão de três a dez anos e multa.§ 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo:
I - os converte em ativos lícitos;
II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros".
O criminoso colombiano amealhou uma fortuna em território nacional pelo gerenciamento de negócio de dezesseis empresas. Como de praxe em negócios fomentados pelo crime organizado, as atividades são lícitas e regulares.
A forma de caracterizar a lavagem é o rastreamento do recebimento do dinheiro estrangeiro e da transmissão do dinheiro nacional para contas no exterior.
Segundo as normas do artigo 7° do Código Penal, quatro eventos concomitantes são exigidos para que se concretize uma extradição: o delito ser praticado por estrangeiro no Brasil; a previsão de punibilidade do delito também no País estrangeiro; estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; e não ter sido absolvido ou já ter cumprido pena pelo mesmo crime no estrangeiro.
Então, é necessária uma análise de compatibilidade com a norma americana. E, segundo o Decreto nº 55.750, de 11 de fevereiro de 1965, existe a possibilidade de extradição pelo cometimento de delitos como o previsto no item 19:
"Receptação de dinheiro, títulos de valor ou outros bens, sabendo que foram obtidos ilegalmente".
Todavia, o mesmo diploma preceitua em seu artigo 5°:
"Art. 5° Não será concedida a extradição em qualquer das seguintes circunstâncias:
1. Quando o Estado requerido, sendo competente, segundo suas leis, para processar o indivíduo, cuja entrega é pedida, pelo crime ou delito que determinou o pedido de extradição, pretenda exercer sua jurisdição".
Segundo esta previsão, somente será possível uma extradição se a justiça brasileira não tiver interesse na condenação do criminoso colombiano.
Mesmo assim, outro problema surge: não será possível a extradição para o Estado americano para o julgamento dos homicídios. E a justificativa não é a falta de previsão, porque o artigo 1° do Decreto assim o prevê, mas sim a existência do artigo 6°:
"Quando ao crime ou delito, em que se baseia o pedido de extradição, for aplicável a pena de morte, segundo as leis do Estado requerente, e as leis do Estado requerido não admitirem esta pena, o Estado requerido não será obrigado a conceder a extradição, salvo se o Estado requerente der garantias, que satisfaçam ao Estado requerido, de que a pena de morte não será imposta a tal pessoa".
Por tudo que foi exposto, a extradição não será feita num futuro próximo e será mais interessante para as autoridades uma extradição para o país de origem, porque lá o acusado responderá pelo homicídio de mais de 300 pessoas.
O aceno da competência americana parece um temor da fragilidade de cumprimento de sanções na Colômbia.
Então resta um acordo entre os dois países para a equação ter um denominador comum, dando o devido desfecho a tão preciosa prisão.