Fim da conciliação ambiental e novidades na fiscalização

10/03/2023 às 08:15
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Foto: Shutterstock

Com a transição de Governo no início deste ano, foram publicados diversos decretos, medidas provisórias e outras normativas, alterando não apenas a estrutura e organização do próprio Governo, como também a estrutura procedimental de questões ambientais e agrárias, dentre elas o processo administrativo, aquele que se inicia após a ocorrência de uma infração ambiental.

O Decreto Federal nº 11.373/2023 trouxe novidades bastante relevantes e, para isso, utilizamos o fluxograma adiante para resumir as fases do processo administrativo ambiental, já com as alterações promovidas pela normativa, sendo que a compreensão destas etapas é de fundamental observância para garantir respeito aos direitos do autuado, como a ampla defesa, o contraditório e, principalmente, o devido processo legal, que deve orientar todas as fases processuais.

Figura 1. Fluxograma representativo das fases do processo administrativo ambiental.

Fonte: Pedro Puttini

Uma das grandes novidades com o Decreto Federal nº 11.373/2023 é a extinção do Núcleo de Conciliação Ambiental, consequentemente a extinção das audiências de conciliação ambiental antes realizadas no Ibama, possibilitando a composição amigável entre o órgão fiscalizador e o autuado, antes mesmo de qualquer discussão de mérito.

A extinção da conciliação ambiental foi levada em consideração devido às críticas ambientalistas (ADPF 755, Supremo Tribunal Federal) de que tal procedimento inviabilizava cobrança de multas de infratores, bem como pelo fato de que a conciliação tecnicamente deveria ser conduzida por conciliador isento, o que não acontecia junto ao Ibama, ICMBio e outros, pois os conciliadores eram servidores dos próprios órgãos de fiscalização.

Por outro lado, enquanto existiram, é inegável que as audiências de conciliação foram relevantes para dar fim a muitos processos e autos de infração, visto que o órgão fiscalizador era obrigado, por lei, a apresentar a conciliação como forma de encerrar o processo, reduzindo não só tamanha carga de processos aguardando julgamento, muitas vezes prescritos, como também reduzindo custos dos órgãos ambientais por meio de acordos firmados com os infratores para recuperação dos danos causados, mesmo que com desconto sobre os valores das multas, que muitas vezes não quitadas.

Ainda com relação à extinção do Núcleo de Conciliação Ambiental, implica não apenas na extinção das audiências de conciliação antes da defesa, como no próprio prazo da defesa ambiental, cuja contagem se iniciava após a audiência de conciliação sem acordo, contabilizando-se 20 dias para sua apresentação e que, agora, sem mais a possibilidade de conciliação prévia, o prazo é contado logo no recebimento do auto de infração ambiental, como acontecia antes da existência dos núcleos de conciliação ambiental.

Além do mais, segundo o novo texto, o autuado possui agora quatro alternativas – não excludentes entre si – no prazo de 20 (vinte) dias após receber o auto de infração: 1) apresentar defesa; 2) solicitar conversão da multa em serviços ambientais; 3) pagar a multa à vista com desconto; ou 4) solicitar parcelamento da multa.

Portanto, embora inexistente a audiência de conciliação, ainda assim é possível dar fim aos processos administrativos ambientais solicitando conversão da multa em serviços, o que muitas vezes pode ser interessante ao autuado, após avaliação jurídica e técnica do caso.

Ao optar por apresentar a defesa ambiental, é importantíssimo não deixar passar um dia sequer deste prazo sem procurar consultorias jurídicas e técnicos, pois na maioria das vezes é necessário não apenas um trabalho jurídico com as teses de nulidade da multa, como também o trabalho de engenheiros e peritos para fazer um laudo complementar às razões jurídicas de defesa, o que pode levar dias para encontrar, ou não, alguma solução.

Sobre a defesa jurídica, após receber um auto de infração ambiental, a defesa é a primeira e melhor oportunidade de apresentar todas as teses para exercer o direito ao contraditório. Por isso gostaria de exemplificar rapidamente algumas possíveis razões de nulidade das multas ambientais: 1º Incompetência ou ilegitimidade do órgão fiscalizador; 2º Vício de forma ou de finalidade do auto de infração; 3º Ausência de motivo ou causa da infração; 4º Ausência de objeto ou conteúdo da infração; 5º Falta de motivação da infração; 6º Falta de autoria da infração; 7º Prescrição: intercorrente ou quinquenal; 8º Cerceamento de defesa (instrução, alegações finais, recurso); dentre muitas outras teses.

Se a opção for a conversão da multa em serviços ambientais, permanecem as antigas diretrizes de conversão entre direta e indireta, sendo que na primeira (direta), o próprio autuado elabora e apresenta projeto ao órgão ambiental para aprovação e implementação por seus próprios meios, antes recebendo 35% de desconto na multa, que agora passa a ser escalonado em 40% no momento da defesa ou 35% até alegações finais; e na indireta, o autuado adere a um projeto selecionado pelo órgão fiscalizador, antes recebendo desconto de 60% no valor da multa, que agora passa a ser de 60% até o prazo de defesa e 50% até o prazo de alegações finais.

Houve ainda inovações como a criação da Câmara Consultiva Ambiental, a redefinição da destinação dos valores arrecadados ao Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), o procedimento das alegações finais, dentre outras situações comentadas a seguir.

Uma das novidades, antes não regulamentada por lei, é a obrigatoriedade de dar publicidade aos autos de infração, aos processos administrativos deles originais e aos polígonos das áreas embargadas, agora obrigatoriamente “disponibilizados à população via sítio oficial na internet” (artigo 96, §6º, Decreto 6514/2008), devendo os órgãos responsáveis pela autuação “manter base de dados pública de todos os autos de infração emitidos” (artigo 96, §7º, Decreto 6514/2008).

Outra novidade foi a redefinição do percentual de destinação ao Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) dos valores arrecadados com o pagamento de multas administrativas ambientais aplicadas pela União, que passou de 20% para 50%, como no passado.

Por fim, houve inovação no procedimento de alegações finais, que é traduzido como o momento ou o instrumento de manifestação do autuado após encerramento da instrução processual, onde o novo decreto estabeleceu que estariam convalidadas todas as notificações por edital para apresentação de alegações finais realizadas até 24/05/2022, data do Decreto Federal nº 11.080, gerando grande insegurança jurídica e futuras demandas judiciais, pois o órgão ambiental deve notificar pessoalmente o infrator para alegações finais.

Enfim, aos autuados, muita atenção neste período de transição de regras, com o cancelamento de audiências já designadas e o prazo de defesa, pois é recomendado que a autoridade ambiental notifique pessoalmente para apresentação de defesa ambiental nos processos já iniciados com audiência cancelada, porém, pode ser que não aconteça como recomendado.

Sobre o autor
Pedro Puttini Mendes

Advogado, Consultor Jurídico (OAB/MS 16.518, OAB/SC nº 57.644). Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Sócio da P&M Advocacia Agrária, Ambiental e Imobiliária (OAB/MS nº 741). Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Colunista de direito aplicado ao agronegócio para a Scot Consultoria. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. Membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA), Membro Consultivo da Comissão de Direito Ambiental e da Comissão de Direito Agrário e do Agronegócio da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Anhanguera (2011). Cursos de Extensão em Direito Agrário, Licenciamento Ambiental e Gestão Rural. PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA: "Pantanal Sul-Mato-Grossense, legislação e desenvolvimento local" (Editora Dialética, 2021), "Agronegócio: direito e a interdisciplinaridade do setor" (Editora Thoth, 2019, 2ª ed / Editora Contemplar, 2018 1ª ed) e "O direito agrário nos 30 anos da Constituição de 1988" (Editora Thoth, 2018). Livros em coautoria: "Direito Ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988" (editora Thoth, 2018); "Direito Aplicado ao Agronegócio: uma abordagem multidisciplinar" (Editora Thoth, 2018); "Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul - explicada e comentada" (Editora do Senado, 2017).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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