Meios integrativos, Constituição e o conciliábulo normativo

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Importante frisar que a Constituição Federal exerce importante papel sistemático e uniformizador no ordenamento jurídico pátrio, no sentido de não permitir lacunas sob o aspecto sistêmico.

A força normativa da Constituição e o seu papel sistematizador em virtude da hierarquia dos seus princípios e preceitos reduz a severidade de uma observância vinculada dos institutos de integração das normas.

Os valores e princípios jurídico-sociais que norteiam os preceitos são importantes fontes para o conciliábulo normativo, ou seja, para a integração das normas, que, para nós, é um termo mais abrangente que o denominado diálogo de fontes, por incluir aspectos subjetivos e objetivos da hermenêutica que incide sobre todos e qualquer ato normativo – sob o aspecto vertical e horizontal das fontes.

O art. 4º da Lei de Introdução tem sido objeto de várias discussões práticas, tendo em vista o papel normativo-concretizador que a Constituição desempenha na hermenêutica e na aplicação do Direito aos casos sob análise.

Os meios integrativos são institutos que se relacionam ao tema das lacunas normativas. Estas são a ausência de leis ou preceitos que poderiam regulamentar e solucionar situações jurídicas ou judicializadas.

As leis ou os preceitos podem ser lacunosos, mas não o sistema jurídico do Estado, principalmente com o fortalecimento do conciliábulo normativo e com a ideia de neoconstitucionalismo.

Impossível a lei tratar de forma específica de toda e qualquer relação jurídica que se apresenta na dinâmica das relações sociais. Definitivamente a celeridade das transformações não é acompanhada pelas leis tecidas pelos órgãos constituintes competentes.

O processo legislativo é relativamente moroso pois procedimental e dependente de conciliação entre vertentes ideológicas ínsitas no Parlamento. Muitos projetos de leis de interesse popular são tangenciados pelos parlamentares, inclusive para obstar a credibilidade de um ou outro no atendimento do interesse público. Prevalece no legislativo a guerra ideológica em detrimento do interesse público.

A força normativa da Constituição tem angariado êxito pela transformação das análises com base nas premissas do denominado constitucionalismo contemporâneo ou neoconstitucionalismo que, por conseguinte, relativiza o teor do art. 4º da LINDB e a ideia de taxatividade na ordem dos métodos de integração[1].

No Estado de Direito, o princípio da legalidade direciona e administra a função legisferante, a atividade judiciária e a executiva.  Logo, a analogia é um instituto que não poderia ocupar o posicionamento de reserva primária da lei, ou seja, de uma saída para o agente competente em decidir como segunda opção taxada.

Grafar que são situações apenas parecidas não é suficiente para resguardar a segurança jurídica que se espera nos processos decisórios. A justiça e a certeza são fundamentais. Aplicar a mera analogia gera descontentamento, insegurança, inconformismo e dúvidas outras sobre a séria prática da justiça. Espera-se que a “lei” seja aplicada, pois derivada da legitimidade democrática, da anuência popular, detentor da soberania. A analogia pode ser instrumento de excessos no ativismo judicial.

Dessa feita, o ativismo, somado à possibilidade de se valer da analogia, pode ultrapassar as linhas da razoabilidade, ensejando a criação de normas pelo Poder Judiciário – o que é vedado pela Constituição – afora seus regimentos e regras outras internas.

Interpretar as normas distingue-se da atividade de criar. Inclusive, entendemos que a hermenêutica seja instrumento aberto, principalmente das normas de conteúdos abstratos ou indeterminados. Como regra, a análise por parte do intérprete resulta numa subsunção, ou seja, no enquadramento perfeito de uma questão apreciada aos preceitos legais – sejam eles permissivos ou proibitivos. A ausência de preceito específico de tipicidade viabiliza uma análise mais ampla do ordenamento seguindo os valores da justiça e certeza a de se buscar o conciliábulo normativo, logo, a perfeita sistematização do ordenamento. Referida certeza diz respeito à convicção de que, ao final do processo decisório prevaleceu a razoabilidade, a justiça, a ponderação, o bom senso e a proporcionalidade, que podem ser obtidos por um lógica jurídico-normativa por parte do intérprete, do seu culturalismo, de sua cognoscibilidade e senso de justiça.

Entendemos que tanto nos processos judiciais quanto nos processos administrativos e de controle a comunicação entre fontes normativas é uma importante ferramenta de justiça, desde que não haja exacerbado ativismo por parte dos agentes que possuem competências decisórias, como tem acontecido no Judiciário que, deixando de lado sua função de julgar, tem criado leis e executado políticas públicas sem respaldos orçamentários, funções essas típicas do Legislativo e do Executivo respectivamente, infringindo, deste modo, um dos princípios mais importantes da estrutura política do Estado: a Separação dos Poderes (art. 2º da Constituição Federal).

O Poder Judiciário está vinculado ao princípio da ação ou da inafastabilidade – de índole constitucional[2]. O Poder Executivo, nos processos administrativos internos pode agir de ofício ou mediante provocação, o mesmo em relação aos Tribunais de Contas, que são órgãos de controle e fiscalização que podem agir de ofício, pois trata-se de uma função inerente à instituição, ou mesmo por via de provocação nos processos de controle – Tomada de Contas, Auditorias etc.

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Não se pode obliterar que o princípio da legalidade tem especial função limitativa do arbítrio dos Poderes no Estado de Direito face os administrados ou jurisdicionados. No âmbito do Poder Executivo é ainda mais assente a força deste princípio (caput do art. 37 da Constituição Federal) tendo em vista que a maioria dos atos praticados possui natureza substancial ou concreta, necessitando, dessa feita, de legitimidade e legalidade para produzir os efeitos finalísticos por eles emanados, ou seja, possuem seu fundamento de validade na lei em sentido amplo ou na Constituição.

Face ao princípio da legalidade, bem como ao conciliábulo normativo (instrumento de uniformidade e sistematização lógica do ordenamento) e a força normativa da Constituição, a analogia, como instrumento integrativo perde em força e razão jurídica. A integração normativa relacionada à força substancial da Constituição deve ser o primeiro meio a ser analisado pelo intérprete para a aplicação do Direito.

A finalidade interpretativa e aplicativa não é só a de impor princípios e preceitos do ordenamento ao caso sob sua apreciação, mas buscar a justiça por meio da certeza quanto a razoabilidade decisória.

A analogia, por fim, é a aplicação de um preceito normativo a um caso que se assemelha ao que é por ele regulamentado. Como referido, os instrumentos alhures referidos obstam o uso da analogia de forma primária, tendo em vista possuírem maior concisão com o sistema jurídica, além, pois, de estarem munidos de maior capacidade de impor a justiça com razoabilidade.

Pelos motivos expostos, os costumes não deveriam estar municiados deste poder normativo-integrativo, pois o princípio da legalidade e o Estado de Direito obstam, exceto se a própria lei dispuser expressamente o uso de costumes específicos que sempre incidiram sobre dadas relações – como as relações comerciais, por exemplo.

Conceitua-se os costumes como as práticas sociais reiteradas tidas como psicologicamente obrigatórias pelos envolvidos. Diz-se que dois são os requisitos para a configuração de um costume: a) a prática contínua de um determinado comportamento (critério objetivo ou fático) e; b) a convicção psicológica de que tal prática é obrigatória.

No Estado de Direito os costumes, em sua maioria, transformam-se em preceitos formais, pois são fontes substanciais valorativas para a criação ou edição das normas jurídicas. Por isso que muitos deles, não são apenas costumes, estão de acordo com a lei, ou seja, secundum legem. Os costumes utilizados para suprir lacunas, só o podem nos casos em que a própria lei permita a verificação no caso concreto dos usos e costumes. Neste caso, há permissivo legal, logo, não é uma forma integrativa, mas interpretativa. No caso é denominado de costume praeter legem. Proibidos os costumes contrariamente a lei, pois se não foram valorados ao ponto de se transformarem em norma, tem sua razão de ser. São os denominados costumes contra legem.

Os princípios gerais do direito, não poderiam estar inclusos como meios integrativos, pois possuem aplicabilidade imediata, já que quando não expressamente prescritos pela Constituição e pelas Leis, são extraídos do sistema como princípios implícitos. Possuem primária força normativa, não havendo razão para figurar como meio secundário ou meramente integrativo.

A equidade não é instrumento integrativo, mas hermenêutico-interpretativo. Entendemos que a equidade seja um valor, dessa feita, possui um teor ainda mais abstrato que os princípios, um significado demasiadamente abrangente, pois significativa dos objetivos ou fins da própria norma jurídica. Todo o ordenamento jurídico, todos os atos dos agentes públicos, incluindo os membros do Poder Judiciário devem estar norteados pela equidade – igualdade na busca pelo bem comum. O art. 5º da LINDB corrobora com a ideia abstrata do termo ao determinar que o juiz deverá atender os fins sociais a que lei é dirigida, bem como às exigências do bem comum.  Liga-se ao valor justiça em seu mais amplo conceito.

Por derradeiro, é equivocada a pretensão de que o rol constante no art. 4º da LINDB para a integração de lacunas no ordenamento esteja estabelecido em ordem de observância. Alhures referimo-nos à necessidade do conciliábulo normativo, da sistematização como norte e aplicação concreta dos princípios e preceitos constitucionais face a sua força normativa. Logo, datada de 1942, os tempos mudaram, e achamos por bem a alteração do referido artigo, para conciliar com a evolução do direito e de sua aplicabilidade.



[1] Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

[2] Inciso XXXV do art. 5º: “A Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Sobre o autor
David Augusto Souza Lopes Frota

DAVID AUGUSTO SOUZA LOPES FROTA Advogado. Servidor Público Federal. Pós-graduado em Direito Tributário. Pós-graduado em Direito Processual. Especialista em Direito Administrativo. Especialista em Licitações Públicas. Especialista em Servidores Públicos. Foi analista da Diretoria de Reconhecimento Inicial de Direitos – INSS – Direito Previdenciário. Foi analista da Corregedoria Geral do INSS – assessoria jurídica e elaboração de pareceres em Processos Administrativos Disciplinares - PAD. Foi Analista da Diretoria de Recursos Humanos do INSS - Assessor Jurídico da Coordenação de Recursos Humanos do Ministério da Previdência Social – Lei nº 8.112/90. Chefe do Setor de Fraudes Previdenciárias – Inteligência previdenciária em parceria com o Departamento de Polícia Federal. Ex-membro do ENCCLA - Estratégia Nacional de Combate a Corrupção e à Lavagem de Dinheiro do Ministério da Justiça. Convidado para ser Conselheiro do Conselho de Recursos da Previdência Social - CRPS. Convidados para atuação junto ao Grupo Responsável pela Consolidação dos Decretos Federais da Presidência da República. Assessor da Coordenação Geral de Recursos Logísticos e Serviços Gerais do MPS - COGRL. Elaboração de Minutas de Contratos Administrativos. Elaboração de Termos de Referência. Pregoeiro. Equipe de Apoio. Análise das demandas de controle interno e externo do MPS. Análise das demandas de Controle Interno e Externo do Ministério da Fazenda - SPOA. Assessor da Coordenação Geral do Logística do Ministério da Fazenda - CGLOG – SPOA. Assessor da Superintendência do Ministério da Fazenda no Distrito Federal - SMF-DF. Membro Titular de Conselho na Secretaria de Direitos Humanos para julgamento de Processos. SEDH. Curso de Inteligência na Agência Brasileira de Inteligência - ABIN. Consultoria e Advocacia para prefeitos e demais agentes políticos. Colaborador das Revistas Zênite, Governet, Síntese Jurídica, Plenus. Coautor de 3 livros intitulados "O DEVIDO PROCESSO LICITATÓRIO" tecido em 3 volumes pela editora Lumen Juris.

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