Resumo: Esta monografia objetiva expor os problemas enfrentados pelos consumidores no cotidiano da vida civil, assim como analisar as normas regentes explorando soluções para diminuir o número de casos relacionados ao abuso do poder das empresas e consequentemente os prejuízos causados aos consumidores. Para tanto, pormenoriza e contextualiza a evolução histórica dos Direitos do Consumidor, expõe os conceitos de consumidor e fornecedor. Traz à baila a análise de casos concretos, bem como conceitua e exemplifica como os órgãos de proteção ao consumidor funcionam. Como metodologia, emprega a pesquisa bibliográfica, realizada a partir da revisão de literatura em sites de internet, artigos jurídicos, pesquisas acadêmicas, doutrinas e legislações que contribuem para a compreensão do tema em análise. Ao final do estudo conclui-se que os problemas enfrentados pelos consumidores são, em grande parte, decorrente do consumidor não conhecer seus direitos. Outrossim, conclui-se que os órgãos de proteção do consumidor, como o PROCON, são de suma importância para auxiliar, guiar e educar o consumidor.
Palavras-chave: Direitos do Consumidor; Problemas dos consumidores perante às empresas; Análise de casos práticos.
Sumário: Introdução. 1. Evolução histórica do consumo. 1.1. Conceito de consumidor. 1.2. Fornecedor. 2. Principais problemas sofridos pelos consumidores. 2.1. Análise dos casos à luz do Código de Defesa do Consumidor, demais diplomas legais e jurisprudência. 2.2. Órgãos de proteção ao consumidor. 3. Melhorias necessárias para auxiliar na defesa do consumidor. Conclusão. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Considerando o desenvolvimento tecnológico da sociedade, com o avanço de tecnologias em diversas áreas do nosso cotidiano, deduziu-se que o Direito também deve se atualizar para proteger os direitos dos cidadãos. Com efeito, corroborando para o desenvolvimento do Direito, em pesquisa pela legislação brasileira, buscou-se métodos de atenuar os danos/prejuízos sofridos pelos consumidores, demonstrando as principais normas para seu controle, análise de casos concretos, bem como os direitos dos consumidores à luz da legislação vigente e órgãos responsáveis por auxiliá-los.
Neste trilhar, o problema que deu origem a esta pesquisa interroga pelos desafios enfrentados pelos consumidores, bem como pelos cumpridores do Direito. Outrossim, questiona-se como aplicar as normas reguladoras que protegem os direitos do consumidor, em face do número excessivo de ações judiciais, principalmente cobrança indevida nas contas de internet, CPF negativado indevidamente, cancelamento do serviço mesmo com o pagamento em dia, bloqueio injustificado da linha telefônica (mesmo com pagamento em dia), atraso na entrega de produtos comprados online, cobranças indevidas na conta de luz, negativação permanece mesmo após pagar dívida, fraude bancária em nome do consumidor, cobrança indevida após cancelamento do serviço.
A reflexão acerca da insuficiência de programas para auxiliar e educar o consumidor, assim como a não abrangência sobre todos os problemas enfrentados pelos consumidores das normas vigentes, é de suma importância, visto que uma das principais alternativas para auxiliar nesta luta seriam os programas de divulgação e conscientização social, através de parceiras do poder público e entidades midiáticas.
O tema escolhido visa a urgência do caso, destacando, portanto, que o crescimento de ações judiciais, de modo incontrolável, não era o que o legislador almejava quando do momento da criação do Código de Defesa do Consumidor.
Outrossim, com o avanço tecnológico, como já destacado, as empresas buscaram cada vez mais adentrar no meio eletrônico, efetuando vendas através da internet. Isso posto, a presente monografia empreende uma análise e reflexão da legislação vigente, no intuito de proteção ao Direito do Consumidor.
Para a consecução do objetivo geral proposto, esta monografia encontra-se dividida em três capítulos.
O primeiro capítulo contextualiza a origem de “consumo”, bem como sua evolução histórica, além dos conceitos de consumidor e fornecedor, demonstrando a legislação atuante, bem como a doutrina aplicada.
O segundo capítulo expõe aspectos sobre os problemas sofridos pelos consumidores, a análise de casos concretos e a atuação de órgãos competentes no auxílio do consumidor.
Por fim, o terceiro capítulo traz questões que dizem respeito às melhorias necessárias no Direito do Consumidor, com exposição de alguns pontos a serem abrangidos, tendo em vista a evolução da sociedade.
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONSUMO
Primordialmente, antes de adentrarmos no mérito do trabalho é necessário expormos alguns tópicos, como é o caso da evolução do consumo ao longo do tempo, bem como a definição de consumidor e fornecedor, estes a luz do nosso ordenamento jurídico, em especial, o Código de Defesa do Consumidor.
O consumo emerge desde os primórdios da humanidade, antes mesmo da existência da moeda, como conhecemos nos dias de hoje. Entretanto, os povos antigos produziam seus alimentos, porém não conseguiam produzir todos os necessários e, assim, trocavam parte do que era produzido por outros bens/alimentos. Esta prática era conhecida como “escambo”.
O grande problema desta técnica era que muitas das vezes mercadorias mais valiosas eram trocadas por outras de menor valor. Com isso, a ideia da moeda era tornar as trocas de mercadorias mais justas. Nota-se que as relações de consumo já eram estabelecidas nesta época.
Com a revolução industrial, alguns produtores e criadores de mercadorias perderam sua autonomia, uma vez que as máquinas eram muito mais eficientes. Diante deste fato, bem como a abusividade praticada pelos industriais, se conjecturou pela necessidade de aperfeiçoar a proteção ao consumidor.
Segundo (MELLO, 2010, p. 07) foi a partir do discurso do Presidente John Kennedy, em mensagem enviada ao congresso americano, em 15 de março de 1962, que se desencadeou um amplo movimento mundial em defesa do consumidor, especialmente nos países desenvolvidos.
Em seu discurso, John Kennedy elencou direitos fundamentais ao consumidor, tais como o direito à segurança e a informação, além do direito à dignidade humana. E devido à importância do tema, o dia 15 de março ficou consagrado como Dia Internacional do Consumidor.
Escreve (MELLO, 2010, p. 07) que merece ainda destaque a edição da Resolução n° 39/248, datada de 10 de abril de 1985, editada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que conferiu ao direito do consumidor o status de direito da humanidade [...]. Tal resolução influenciou, de maneira marcante, a elaboração de nosso Código de Defesa do Consumidor, bem como outras legislações consumeristas por todo o mundo.
Outrossim, nosso Código de Defesa do Consumidor foi sancionado e publicado na data de 11 de setembro de 1990, como a atual lei 8.078. Contudo, antes da criação do Código de Defesa do Consumidor, outros órgãos vieram, como é o caso da Associação de Proteção do Consumidor (APC), criada em 1975 por Frederico Renato Mótola, em Porto Alegre. No ano seguinte, 1976, foi fundado o Sistema Estadual de Proteção ao Consumidor, atualmente denominado com PROCON, na cidade de São Paulo. O Procon foi o primeiro órgão oficial com o intuito de orientar os consumidores.
No ano de 1977, o primeiro projeto de lei que tinha como objetivo criar o Código de Defesa do Consumidor foi apresentado pela deputada federal Nina Ribeiro. Entretanto, como visto, somente foi finalizado no ano de 1990. Durante este período, foram criados diversos outros órgãos visando a proteção do consumidor, como o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC), a implementação dos Juizados Especiais, a Secretaria de Defesa do Consumidor em São Paulo, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), dentre outros. (GOMES, s/d)
A Lei 8.078/90, intitulada como Código de Defesa do Consumidor, foi um enorme avanço no que tange à proteção do consumidor, uma vez que tem como objetivo tutelar os diferentes, não os iguais, como é o caso do Código Civil, mas justamente tutelar os desiguais, como é o caso de consumidor e fornecedor, para, assim, ser alcançada a igualdade, paridade na relação de consumo. (GARCIA, 2006, p. 03)
Nesta senda, Ada Pellegrini Grinover e Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamim (2004, p. 06):
A sociedade de consumo, ao contrário do que se imagina, não trouxe apenas benefícios para os seus atores. Muito ao revés, em certos casos, a posição do consumidor, dentro desse modelo, piorou em vez de melhorar. Se antes fornecedor e consumidor encontravam-se em uma situação de relativo equilíbrio de poder de barganha (até porque se conheciam), agora é o fornecedor (fabricante, produtor, construtor, importador, ou comerciante), que, inegavelmente, assume a posição de força na relação de consumo e que, por isso mesmo, “dita as regras”.
Grinover e Benjamin (2004, p. 07), expõem que o consumidor é vulnerável frente ao fornecedor na relação de consumo, justificando a necessidade da criação do CDC, citando Eike von Hippel:
É com os olhos postos nessa vulnerabilidade do consumidor que se funda a nova disciplina jurídica. Que enorme tarefa, quando se sabe que essa fragilidade é multifária, decorrendo ora da atuação dos monopólios e oligopólios, ora da carência de informação sobre qualidade, preço, crédito e outras características dos produtos e serviços. Não bastasse tal, o consumidor ainda é cercado por uma publicidade crescente, não estando, ademais, tão organizado quanto os fornecedores.
Em síntese, conclui-se que as legislações de proteção ao consumidor visam, em sua maioria, reequilibrar a relação de consumo, projetando o consumidor como parte vulnerável e elencando diversos direitos “incomuns” em outros negócios jurídicos.
1.1. CONCEITO DE CONSUMIDOR
A proteção ao consumidor, com o advento da Constituição Federal de 1988, tornou-se uma garantia constitucional, prevista no artigo 5°, inciso XXXII, como princípio da ordem econômica nacional.
Contudo, o conceito de consumidor, estampado no artigo 2° do Código de Defesa do Consumidor, gerou muita controvérsia na doutrina, assim como na jurisprudência:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Comentando o dispositivo, Nehemias Domingos de Melo afirma que o conceito faz referência à “pessoa física ou jurídica que adquire o produto, para uso próprio ou de terceiro, ou contrato de serviço, condicionando apenas a que seja o destinatário final, isto é, que não recoloque o produto ou serviço adquirido no mercado de consumo” (MELO, 2008, p. 32)
Ainda que o artigo 2°, da Lei Nº 8.078 (CDC), define o consumidor de forma precisa, como sendo "toda pessoa física ou jurídica, que adquire ou utiliza, produto ou serviço, como destinatário final". A doutrina, por divergir sobre a melhor definição acerca do tema, introduziram-nos três correntes teóricas: A teoria finalista, teoria maximalista e teoria finalista ampliada/aprofundada.
A teoria finalista, também chamada de teoria finalista pura ou subjetiva, é considerado consumidor “quem adquire no mercado de consumo o produto ou serviço; aquele em razão de quem é interrompida a cadeia de produção e circulação de certos bens e serviços, para usufruir ele mesmo, ou terceiro a quem os ceda, das respectivas funções, de modo não profissional (destinatário final econômico)” (SILVA, 2008, p. 08)
Segundo Vidal Serrano Nunes Júnior (2008, p. 14), a teoria finalista:
(...) alberga o entendimento de que se deve proceder in casu a uma interpretação restrita do que se tem por consumidor, diminuindo sobremaneira a protetiva incidência do Código, afeta, apenas, aos casos de rela existência de um pólo hipossuficiente, inferior.
Cláudia Lima Marques (apud MARQUES, 2006, p. 304), comentando sobre a restrição da teoria finalista, menciona:
Esta interpretação restringe a figura do consumidor àquele que adquire (utiliza) um produto para uso próprio e de sua família; consumidor seria o não profissional, pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável. Consideram que, restringindo o campo de aplicação do CDC àqueles que necessitam de proteção, ficará assegurado um nível mais alto de proteção para estes, pois a jurisprudência será construída sobre casos em que o consumidor era realmente a parte mais fraca da relação de consumo, e não sobre casos em que profissionais-consumidores reclamam mais benesses do que o direito comercial já lhes concede.
Nesta senda, o seguinte julgado da 3ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, o qual dispõe sobre a aplicação da teoria finalista:
(…) 1. Consoante orientação predominante no STJ, a vulnerabilidade do consumidor, pessoa física, é presumida, enquanto que a da pessoa jurídica deve ser demonstrada no caso concreto. Assim, há de se ponderar, no caso dos autos, o conceito de consumidor, a fim de evitar a aplicação desmedida do diploma legal (CDC) acabando por descaracterizar a igualdade material buscada. 2. Destinatário final é o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo (destinatário final fático), e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, incrementar sua atividade, pois ele não é o consumidor final, já que está transformando e utilizando o bem para oferecê-lo, por sua vez, ao cliente, ao consumidor do produto ou serviço. 3. O STJ adota o conceito subjetivo ou finalista de consumidor para fins de aplicação da legislação específica, não se encaixando o perfil da agravante no contrato em questão diante do apreciado escopo de incrementar a sua atividade negocial(…) no qual vê-se que o seu objeto social (cláusula quinta) é o transporte de cargas em geral, extração e o comércio de areia, cascalho e brita, nítido incremento de sua atividade negocial, impossibilitando in casu as regras do CDC Lei 8078/90 e seus institutos facilitadores em privilégio do consumidor destinatário final.(…).
AGR 201500200218941. Agravo de Instrumento, Relator: ALFEU MACHADO, Data de Julgamento: 08/04/2015, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 18/05/2015. Pág.: 220.
Outrossim, conforme expõe o professor Flávio Tartuce (2013, p. 85), "trata-se de uma teoria de abrangência mínima, que restringe a existência da relação de consumo, na medida em que desconsidera determinadas situações onde a mesma se concretiza".
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, conforme jurisprudências anexadas abaixo, entendeu que a pessoa jurídica pode ser considerada consumidora, contanto que não se qualifique como a usuária final do bem ou serviço:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CÉDULA DE CRÉDITO COMERCIAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA. REDUÇÃO DA MULTA MORATÓRIA. DESCABIMENTO. 1.- O critério adotado para determinação da condição de consumidora da pessoa jurídica é o finalista. Desse modo, para caracterizar-se como consumidora, a pessoa jurídica deve ser destinatária final econômica do bem ou serviço adquirido. 2.- Na hipótese, o Acórdão recorrido, examinando o contrato firmado pelas partes, conclui que a Cédula de Crédito Comercial teve por finalidade o fomento da atividade empresarial do recorrente. Consequentemente, a ele não se aplicam os ditames contidos no art. 52, § 1º da Lei consumerista. 3.- Não havendo relação de consumo entre as partes, não cabe a redução da multa moratória com fundamento no Código de Defesa do Consumidor. 4.- Agravo Regimental improvido.
STJ. TERCEIRA TURMA. Agravo Regimental no Recurso Especial Nº 1386938. REL. MIN. SIDNEI BENETI. DJE DATA: 06/11/2013
APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONTRATO PARA USO DE SOFTWARE DE VENDAS ON LINE. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES DA CORTE. 1.- Quanto à aplicação do CDC, conforme entendimento firmado por esta Corte, o critério adotado para determinação da relação de consumo é o finalista. Desse modo, para caracterizar-se como consumidora, a parte deve ser destinatária final econômica do bem ou serviço adquirido. 2.- No caso dos autos, em que pessoa jurídica contrata uso de software de vendas on line, não há como se reconhecer a existência de relação de consumo, uma vez que o programa teve o propósito de fomento da atividade empresarial exercida, não havendo, pois, relação de consumo entre as partes. 3.- Agravo Regimental improvido.
STJ. TERCEIRA TURMA. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 245697. REL. MIN. SIDNEI BENETI. DJE DATA:07/06/2013.
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO PARA AQUISIÇÃO DE FRANQUIA CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. RELAÇÃO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA. 1.- Conforme entendimento firmado por esta Corte, o critério adotado para determinação da relação de consumo é o finalista. Desse modo, para caracterizar-se como consumidora, a parte deve ser destinatária final econômica do bem ou serviço adquirido. 2.- No caso dos autos, em que se discute a validade das cláusulas de dois contratos de financiamento em moeda estrangeira visando viabilizar a franquia para exploração de Restaurante "Mc Donald's", o primeiro no valor de US$ 368.000,00 (trezentos e sessenta e oito mil dólares) e o segundo de US$ 87.570,00 (oitenta e sete mil, quinhentos e setenta dólares), não há como se reconhecer a existência de relação de consumo, uma vez que os empréstimos tomados tiveram o propósito de fomento da atividade empresarial exercida pelo recorrente, não havendo, pois, relação de consumo entre as partes. 3.- Agravo Regimental improvido.
STJ. TERCEIRA TURMA. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL Nº 1193293. REL. MIN. SIDNEI BENETI. DJE DATA:11/12/2012.
Em suma, a teoria finalista visa proteger a parte mais vulnerável na relação de consumo, não banalizando o Código de Defesa do Consumidor, mas preocupando-se com a vulnerabilidade do consumidor que adquiriu determinado produto ou serviço, de fato.
A teoria maximalista ou teoria objetiva, amplia o conceito de consumidor e entende que o artigo segundo da Lei 8.078/90 deve ter uma interpretação extensiva. Jorge Alberto Quadros de Carvalho Silva (SILVA, 2008, p. 08), ao dispor sobre a corrente maximalista, expressa as seguintes ponderações sobre o tema:
Consumidor é quem adquire no mercado de consumo o produto ou serviço; aquele em razão de quem é interrompida a cadeia de produção e circulação de certos bens e serviços, para usufruir ele mesmo, ou terceiro a quem os ceda, das respectivas funções – ainda que esses bens e serviços possam ser empregados, indiretamente, no exercício de sua empresa ou profissão, isto é , ainda que venham a ser interligados, acessoriamente, à sua atividade produtiva ou profissional, coletiva ou individual, voltada ou não para o lucro (destinatário final fático).
Nesse sentido, a teoria maximalista expande o entendimento de consumidor. Com isso, nesta corrente, não importa se o produto ou serviço será utilizado como benefício econômico pela parte que a adquiriu. Requisita-se, apenas, a retirada do produto do mercado. (NEVES, 2006, p. 103)
Com efeito, Cláudia Lima Marques (apud MARQUES, 2006, p. 305), exemplifica sobre a amplitude da teoria maximalista:
A definição do art. 2º (CDC) deve ser interpretada o mais extensamente possível, segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações no mercado. Consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final seria o destinatário fático do produto, aquele que retira do mercado e o utiliza, o consome, por exemplo, a fábrica de toalhas que compra algodão para transformar, a fábrica de celulose que compra carros para o transporte de visitantes, o advogado que compra uma máquina de escrever para seu escritório, ou mesmo o Estado quando adquire canetas para uso nas repartições e, é claro, a dona de casa que adquire produtos alimentícios para a família.
Na aplicação desta teoria, a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, se posicionou da seguinte maneira:
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – TEORIA MAXIMALISTA – REFORMA DA SENTENÇA – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE EXCLUSÃO DA MULTA RESCISÓRIA – CULPA EXCLUSIVA DA OPERADORA DE TELEFONIA. – A corrente maximalista considera o CDC um estatuto geral do consumo, aplicável a todos os agentes do mercado, que ora ocupam a posição de fornecedores, ora de consumidores. Para os adeptos de tal entendimento, o conceito insculpido no art. 2º deve ser interpretado da forma mais ampliativa possível. Dessa forma, o destinatário final seria o destinatário de fato do produto, aquele que o retira do mercado. – Conquanto a teoria finalista seja amplamente difundida, a crítica que se faz a tal corrente de pensamento consiste no fato de que, se por um lado, a interpretação restritiva do conceito de destinatário final justifica a existência do microssistema consumerista, por outro, pode afastar a tutela protetiva das partes nitidamente vulneráveis da relação contratual. – Preliminares rejeitadas; agravo retido improvido e apelo provido.
TJ-MG – AC: 10145095311653001 MG, Relator: Domingos Coelho, Data de Julgamento: 10/04/2013, Câmaras Cíveis / 12ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 22/04/2013.
Ainda que minoritária, a teoria maximalista também já foi aplicada em alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça:
Financiamento para aquisição de automóvel. Aplicação do CDC. O CDC incide sobre contrato de financiamento celebrado entre a CEF e o taxista para aquisição de veículo. A multa é calculada sobre o valor das prestações vencidas, não sobre o total do financiamento (art. 52, § 1º, do CDC).Recurso não conhecido.
STJ. QUARTA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 231208. REL. MIN. RUY ROSADO DE AGUIAR CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DATA: 07/02/2000.
CONTRATOS BANCÁRIOS – CONTRATO DE REPASSE DE EMPRÉSTIMO EXTERNO PARA COMPRA DE COLHEITADEIRA – AGRICULTOR – DESTINATÁRIO FINAL – INCIDÊNCIA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – COMPROVAÇÃO – CAPTAÇÃO DE RECURSOS – MATÉRIA DE PROVA – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA. I – O agricultor que adquire bem móvel com a finalidade de utilizá-lo em sua atividade produtiva, deve ser considerado destinatário final, para os fins do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor. II – Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às relações jurídicas originadas dos pactos firmados entre os agentes econômicos, as instituições financeiras e os usuários de seus produtos e serviços. III – Afirmado pelo acórdão recorrido que não ficou provada a captação de recursos externos, rever esse entendimento encontra óbice no enunciado n.º 7 da Súmula desta Corte. IV – Ausente o prequestionamento da questão federal suscitada, é inviável o recurso especial (Súmulas 282 e 356/STF). Recurso especial não conhecido, com ressalvas quanto à terminologia.
STJ. TERCEIRA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 445854. REL. MIN. CASTRO FILHO. DJ DATA: 19/12/2003
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Incidência. Responsabilidade do fornecedor. É de consumo a relação entre o vendedor de máquina agrícola e a compradora que a destina á sua atividade no campo. Pelo vício de qualidade no produto respondem solidariamente o fabricante e o revendedor (art. 18. do CDC).
STJ. QUARTA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 142042. REL. MIN. RUY ROSADO DE AGUIAR. DJ DATA: 11/11/1997
A teoria maximalista tem sido deixada de lado cada vez mais, uma vez que amplia exageradamente o conceito de destinatário final, deixando de lado um dos princípios primordiais do Código de Defesa do Consumidor, a preocupação com a vulnerabilidade do consumidor na relação consumerista.
Isto posto, a teoria maximalista visa ampliar o conceito de consumidor/destinatário final, não sendo o foco principal o sujeito da relação de consumo, mas sim o objeto, diferentemente da teoria finalista, que se preocupa com o sujeito.
A teoria finalista ampliada, também chamada de aprofundada, mitigada, abrandada, mista ou híbrida, originou-se com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Trata-se, portanto, de uma teoria intermediária, que leva em conta, além do destinatário ou serviço adquirido, o porte econômico do consumidor, primando, assim, pelo princípio da vulnerabilidade, um dos principais do nosso Código de Defesa do Consumidor.
Cláudia Lima Marques (apud MARQUES, 2006, p. 305) sobre a corrente finalista aprofundada:
A partir de 2003, com a entrada em vigor do CC/2002, parece estar aparecendo uma terceira teoria, subdivisão da primeira – que aqui passo a denominar de “finalismo aprofundado” – na jurisprudência, em especial do STJ, demonstrando ao mesmo tempo extremo domínio da interpretação finalista e do CDC, mas com razoabilidade e prudência interpretando a expressão “destinatário final” do art. 2º do CDC de forma diferenciada e mista.
Com efeito, a Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Nancy Andrighi, explica as características da teoria finalista aprofundada:
CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO. ALCANCE. TEORIA FINALISTA. REGRA. MITIGAÇÃO. FINALISMO APROFUNDADO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. VULNERABILIDADE.
1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica.
2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo.
3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29. do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor.
4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor).
Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra).
5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora.
6. Hipótese em que revendedora de veículos reclama indenização por danos materiais derivados de defeito em suas linhas telefônicas, tornando inócuo o investimento em anúncios publicitários, dada a impossibilidade de atender ligações de potenciais clientes. A contratação do serviço de telefonia não caracteriza relação de consumo tutelável pelo CDC, pois o referido serviço compõe a cadeia produtiva da empresa, sendo essencial à consecução do seu negócio.
Também não se verifica nenhuma vulnerabilidade apta a equipar a empresa à condição de consumidora frente à prestadora do serviço de telefonia. Ainda assim, mediante aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257. do RISTJ, fica mantida a condenação imposta a título de danos materiais, à luz dos arts. 186. e 927 do CC/02 e tendo em vista a conclusão das instâncias ordinárias quanto à existência de culpa da fornecedora pelo defeito apresentado nas linhas telefônicas e a relação direta deste defeito com os prejuízos suportados pela revendedora de veículos.
7. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 1195642/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 21/11/2012)
Cabe esclarecer que, a teoria finalista aprofundada, foi adotada pelo STJ, tornando-se entendimento majoritário na corte, para aplicação em casos análogos.
Com efeito, tendo como base o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, temos que o conceito de consumidor é, além do disposto no artigo 2° do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, destinatário final, também aquele que for parte vulnerável em uma relação consumerista, ainda que em atividade de produção, com a finalidade de desenvolver atividade comercial ou profissional, desde que comprovada sua hipossuficiência.
1.2. FORNECEDOR
Como consabido, para que tenhamos uma relação de consumo necessário se faz termos a figura do fornecedor. Fornecedor vem definido no artigo 3° do Código de Defesa do Consumidor, como observamos a seguir:
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Nas palavras de Maria Helena Diniz (1998. p. 585), em seu Dicionário Jurídico, fornecedor trata-se de:
(...) a pessoa natural ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, ou ente despersonalizado, que desenvolve atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Nota-se que a autora segue os traços do Código de Defesa do Consumidor para definir e conceituar o fornecedor. Contudo, impõe destacar que o fornecedor somente poderá ser aquela pessoa que coloca produtos ou serviços no mercado de consumo de maneira HABITUAL. (NORAT, 2011)
Ressalta-se que diante da necessidade de existência de um fornecedor para que haja uma relação de consumo e, assim, possa ser tutelado pelo Código de Defesa do Consumidor, que a definição de fornecedor é estendida/ampliada.