Sumário. É a liberdade um bem supremo; sem ela, a própria vida parece não merecia os cuidados que lhe dispensamos; donde a urgência em recuperá-la, toda vez que perdida ou ameaçada. Para conjurar a violência à liberdade pessoal, prevê a Constituição da República (art. 5º, nº LXVIII) remédio jurídico específico: o “habeas corpus”.
I. É o “habeas corpus” o remédio jurídico-processual mais célere e eficaz para conjurar abusos e ilegalidades contra o direito à liberdade de locomoção do indivíduo.
Tem assento legal no art. 5º, nº LXVIII, da Constituição da República:
“Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
O art. 648 do Código de Processo Penal enumera as hipóteses de coação ilegal.
Ainda que instrumento processual de dignidade constitucional, próprio a tutelar a liberdade do indivíduo, não pode o “habeas corpus” substituir o recurso ordinário, máxime quando a “causa petendi” respeita a questões de alta indagação.
Mas, sem embargo de seus limites exíguos e rito especial, admite-se em processo de “habeas corpus” a análise de provas para aferir a existência (ou não) da justa causa para a ação penal; defeso é apenas seu exame aprofundado e de sobremão, como se pratica na dilação probatória.
Assim, para trancar ação penal por “habeas corpus”, sob o fundamento da ausência de “fumus boni juris”, é mister se mostre a prova mais clara que a luz meridiana, a fim de que se não subverta a ordem jurídica, entre cujos postulados figura o da apuração compulsória, pelos órgãos do Estado, da responsabilidade criminal do infrator.
À derradeira — o que para logo inculca a excelência do instituto —, podem os Juízes ou Tribunais conceder “habeas corpus” de ofício, “quando no curso do processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal” (art. 654, § 2º, do Cód. Proc. Penal).
II. Pedido de “habeas corpus”. Modelo.
“Habeas Corpus”
Suspensivo com Pleito de Liminar
Excelentíssimo Senhor Desembargador-Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Pedido de “Habeas Corpus” Suspensivo
Com Pleito de Liminar
1. O advogado (nome), regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, sob o nº ( _______ ), vem, mui respeitosamente, perante Vossa Excelência, na forma do art. 5º, nº LXVIII, da Constituição Federal, combinado com os arts. 647 e 648, nº V, do Código de Processo Penal, impetrar ordem de “Habeas Corpus” 1 em favor de (nome do paciente), pelas razões de fato e de direito adiante expostas.
2. Como quer que se acham presentes os requisitos legais que o justificam — existência de direito líquido e certo 2 e dano potencial irreparável —, requer o impetrante a Vossa Excelência tenha a bem conceder “in limine” a ordem ao paciente, para que aguarde em liberdade o julgamento definitivo de seu processo, expedindo-se-lhe alvará de soltura.
3. “A esperança nos Juízes é a última esperança” (Rui, Obras Seletas, t. VII, p. 204).
E.R.M.
São Paulo, (dia, mês e ano)
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(Nome do advogado e número da OAB)
Razões do Pedido de“Habeas Corpus” de (Nome do Paciente)
Ínclito Presidente,
Colenda Câmara:
I – Exórdio
1. “Como admitir que alguém fique preso, por um minuto mais, esperando o julgamento do habeas corpus, se já fez prova irretorquível do direito à fiança?” (Alberto Silva Franco, Medida Liminar em Habeas Corpus” in Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 1, p. 70).
II – Da Medida Liminar em “Habeas Corpus”
2. Andou em causa 3, mas agora se rejeita de plano, a perplexidade acerca do cabimento da medida liminar em processo de “habeas corpus”, que isto mesmo persuade a lição de juristas de sólido saber e distinta nomeada.
“Apesar da omissão do legislador — discursa Alberto Silva Franco —, a doutrina processual penal, na trilha das manifestações pretorianas, tem dado acolhida à liminar no habeas corpus, emprestando-lhe o caráter de providência cautelar” (op. cit., p. 72).
Julio Fabbrini Mirabete não se desconvizinha desta opinião: “Nada impede seja concedida liminar no processo de habeas corpus, preventivo ou liberatório, quando houver extrema urgência” (Processo Penal, 2a. ed., p. 696). À derradeira, em livro notável e prestantíssimo, no qual tratou ex professo a matéria, escreveu Pedro Gagliardi que o fim precípuo da liminar é “assegurar maior presteza aos remédios heroicos constitucionais, evitando que se complete uma coação ilegal ou impedindo o seu prosseguimento” (As Liminares em Processo Penal, 1999, p. 18; Editora Saraiva).
A medida liminar em “habeas corpus”, portanto, não somente o direito a admite, senão ainda que se tem por imperativo de justiça e de boa razão.
III – Dos Fatos
3. Por violação do preceito do art. 180, § 1º, do Código Penal, o MM. Juiz de Direito da __a. Vara Criminal da Capital impôs ao paciente a pena de 1 ano de detenção. À conta, porém, de seus antecedentes (que, aferindo-os por craveira draconiana, 4 averbou de maus), negou-lhe qualquer benefício.
Instado a reconhecer-lhe o direito de apelar em liberdade, como o permitia sua condição de réu comprovadamente primário, persistiu, no entanto, o nobre Magistrado-coator insensível a razões de toda a ordem. Ainda o direito de ser admitido a prestar fiança, para recorrer solto, denegou ao paciente. Não fora mais empedernido o coração do faraó (vênia!).
Está além de toda a disputa, 5 pelo conseguinte, que sofre o paciente constrangimento ilegal.
IV – Do Direito
4. Anotou a r. decisão de primeiro grau, com insigne arrojo, que se reputavam maus os antecedentes 6 do réu porque respondia a outro processo.
Tal argumentação, entretanto, não faz contra 7 o paciente. Com efeito, dispõe o art. 5º, nº LXVI, da Constituição Federal, que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.
O art. 594 do Código de Processo Penal, de sua vez, reza que não poderá o réu “apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança (…)”. Donde a inferência lógica imediata: prestando fiança nos casos em que a lei o não proíbe, o réu pode apelar em liberdade.
Isso de ter alguém outros processos não é argumento em que se possa fundar a denegação do benefício do art. 594 do Código de Processo Penal: à uma 8, porque não o reputa a lei óbice ao deferimento da fiança; à outra, porque a Constituição mesma preceitua que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 50, nº LVII) 9 (cf. Luiz Vicente Cernicchiaro, Direito Penal na Constituição, 1990, p. 86).
Se “a condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício” da suspensão condicional da pena (art. 77, § 1º, do Cód. Penal), por maioria de razão não poderá obstá-la a existência de outro processo, em que o réu não foi ao menos julgado. 10
5. De tudo o sobredito faz certo o impetrante a Vossas Excelências que:
a) é a fiança direito do réu, não podendo ser negada uma vez preenchidos seus requisitos legais (cf. JTACrSP, vol. 53, p. 159);
b) nos termos do art. 594 do Código de Processo Penal, pode o réu “apelar sem recolher-se à prisão”, contanto que preste fiança;
c) “a fiança poderá ser prestada em qualquer termo do processo, enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória” (art. 334 do Cód. Proc. Penal).
V – Do Pedido
6. Em face destas razões, e de outras muitas que passa em silêncio, por escusadas, visto é a Vossas Excelências, Magistrados em tudo eminentes, que se está dirigindo, espera o impetrante dignem-se deferir ao paciente ordem de “habeas corpus” para que aguarde em liberdade o julgamento definitivo de seu processo, expedindo-se-lhe alvará de soltura, preso que se acha na Casa de Detenção.
E.R.M.
São Paulo, (dia, mês e ano)
________________________________
(Nome do advogado e número da OAB)
_________________________
III. Satisfeitos os requisitos legais — tendo-se em conta sobretudo as circunstâncias do caso — pode o Juiz deferir, “in limine”, a ordem impetrada. A decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, adiante reproduzida, versa a hipótese:
PODER JUDICIÁRIO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Quinta Câmara – Seção Criminal. “Habeas Corpus” nº 968.645-3/3-00
Comarca: Itapevi
Despacho
Vistos, etc.
1. Fl. 22.
2. Requer a paciente, por seu digno advogado, reconsideração do despacho de fls.11/14, que lhe indeferiu a medida liminar pleiteada, de relaxamento da custódia provisória por excesso de prazo na formação da culpa. Alega ainda que está “no 8º mês de gestação”.
Entro a reexaminar-lhe o pedido.
Consta do ofício de informações de fls. 18/20 que, presa em flagrante aos 14.12.2005, por infração do art. 12, conjugado com o art. 18, nº IV, da Lei nº 6.368/76 (Lei de Tóxicos), ainda lhe não foi apurada a responsabilidade criminal.
A delonga na instrução do processo informou a nobre Juíza que decorreu da necessidade de expedir carta precatória à Comarca da Capital para o interrogatório da paciente.
É fora de dúvida, entretanto, que o processo a que responde já excedeu a “razoável duração” prevista em lei (art. 5º, nº LXXVIII, da Const. Fed.), pois, feitas boas contas, vai por 203 dias que a paciente, sem culpa formada, suporta os rigores do cárcere.
3. Ao demais, é muito para notar que, segundo o atestado que o impetrante acaba de trazer aos autos (fl. 23), a paciente “encontra-se no curso do 8º mês de gestação”; pelo que, mantê-la na prisão, nessas condições, seria mais do que afronta à lei escrita, porque fora gênero de iniquidade.
A maternidade — escreveu João Baptista Herkenhoff , brasão da Magistratura brasileira —, “a maternidade, por si só, tem força para libertar da cadeia uma futura mãe. No ato, também liberta o Juiz a criança que está no ventre materno” (Uma Porta para o Homem no Direito Criminal, 2a. ed., p. 1).
E, passos avante:
“A Justiça Criminal é sobretudo um ofício de consciência, onde importa mais o valor da pessoa humana, a recuperação de uma vida, do que a rigidez da lógica formal” (p. 2).
Argumento é este de muito alcance para justificar a libertação da paciente, visto que assenta no “princípio da dignidade da pessoa humana”, que nossa Carta Magna consagrou em seu art. 1º, inc. III.
“Mas ainda que a Constituição não acolhesse esse princípio” — advertiu o insigne Magistrado —, “ele teria de ser afirmado, especialmente pelos Juízes, porque o princípio da dignidade da pessoa humana está acima da Constituição e das leis. Integra aquele elenco de valores que a doutrina chama de metajurídicos” (in Diário de Notícias, 5.1.2006).
4. Em face do que levo exposto, concedo à paciente EMC a medida liminar pleiteada e relaxo-lhe a prisão. Expeça-se-lhe alvará de soltura, se por al não estiver presa. Dê-se vista dos autos à douta Procuradoria-Geral de Justiça para seu parecer.
São Paulo, 3 de julho de 2006
________________________
Des. Carlos Biasotti
Relator
IV. Há casos todavia em que, por amor da preservação da ordem pública e conveniência da instrução criminal — atenta ainda a notória gravidade do fato imputado ao paciente e sua periculosidade —, será força denegar-lhe “habeas corpus”. Obrou por esse feitio o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao indeferir pedido de liberdade requerida em favor de paciente contra quem fora decretada prisão preventiva por “formação de quadrilha para invadir propriedade”:
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Quinta Câmara – Seção Criminal
“Habeas Corpus” nº 990.09.141950-8
Comarca: São Paulo
Voto nº 12.000
Relator
– Não entra em dúvida que, a despeito do princípio da presunção de inocência, consagrado na Constituição da República (art. 5º, nº LVII), subsiste a providência da prisão preventiva, quando conspiram os requisitos legais do art. 312 do Código de Processo Penal: garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou
para assegurar a aplicação da lei penal, desde que comprovada a materialidade da infração penal e veementes os indícios de sua autoria.– Não requer o despacho de prisão preventiva o mesmo rigor que deve encerrar a decisão definitiva de condenação. É o escólio de Damásio E. de Jesus ao art. 312 do Cód. Proc. Penal: “A prisão preventiva exige prova bastante da existência do crime e indícios suficientes de autoria. Não é necessária a mesma certeza que deve ter o juiz para a condenação do réu” (cf. Código de Processo Penal Anotado, 23a. ed., p. 253).
– Matéria de alta indagação, como a que entende com a autoria do crime, é insuscetível de exame em processo de “habeas corpus”, de rito sumaríssimo; apenas tem lugar na instância ordinária, com observância da regra do contraditório. Trancamento de ação penal por falta de justa causa unicamente se admite quando comprovada, ao primeiro súbito de vista, a atipicidade do fato imputado ao réu, ou a sua inocência (art. 648, nº I, do Cód. Proc. Penal).
–“Exame de provas em habeas corpus é cabível desde que simples, não contraditória e que não deixe alternativa à convicção do julgador” (STF; HC; rel. Min. Clóvis Ramalhete; DJU 18.9.81, p. 9.157).
–“O dia em que se não cumprirem as decisões judiciais transitadas em julgado perecerá o direito, e com ele a liberdade, que faculta a plena realização da pessoa humana na sociedade em que vive” (Carlos Alberto Menezes Direito, Manual do Mandado de Segurança, 4a. ed., p. 200).
– Entre nós, tem o direito à propriedade garantia constitucional (art. 5º da Const. Fed.). Por isso, no limiar de toda propriedade (choupana, chácara, sítio e fazenda), bem se pode ler, sob a forma de advertência legítima, a imaginária inscrição: “Aqui, sem a minha autorização, só entra o Sol e ninguém mais!”.
1. Os ilustres advogados Dr. Aton Fon Filho, Dr. Leandro Lúcio Baptista Linhares, Dr. Roberto Rainha, Dra. Paloma Gomes e Dra. Giane Alvares Ambrósio impetram a este Egrégio Tribunal ordem de “habeas corpus”, com pedido de liminar, em prol de JAGM, sob o argumento de que padece constrangimento ilegal da parte do MM. Juízo de Direito da Comarca de Presidente Bernardes.
Afirmam, em extensa e esmerada petição (fls. 2/30), que, embora processado por formação de quadrilha (art. 288 do Cód. Penal), era manifesto o constrangimento ilegal que o paciente estava a sofrer, porquanto nenhum crime cometera.
Argumentam que, por isso, não havia subsistir o decreto de prisão preventiva, ou por falta de justa causa, ou por sua ilegalidade, pois que ausentes os pressupostos processuais que a poderiam autorizar.
Notam ainda de mal fundamentado o r. despacho que a decretou.
Rematam que o paciente é primário, tem residência fixa e família constituída.
Pleiteiam, destarte, à colenda Câmara tenha a bem conceder a ordem de “habeas corpus” para revogar-lhe a custódia cautelar, com expedição de contramandado de prisão.
Instruíram o pedido com cópia dos autos da ação penal e numerosos outros documentos (cf. Apenso).
O despacho de fls. 33/37 indeferiu a medida liminar pleiteada.
A mui digna autoridade judiciária indicada como coatora prestou as informações de praxe, nas quais esclareceu ter sido o paciente denunciado por infração do art. 288 do Código Penal.
Informou também que não foi ainda cumprido o mandado de prisão expedido contra o paciente (fls. 52/54).
A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em ponderado e escorreito parecer do Dr. Eder Lago Mendes Ferreira, opina pela denegação da ordem (fls. 45/50).
É o relatório.
2. Da denúncia, juntada a estes autos por cópia (Apenso), extrai-se que, desde 2005 até meados de maio de 2007, em Presidente Bernardes, o paciente, obrando em concurso e unidade de propósitos com três outros indivíduos, associaram-se em bando, para a prática de um número indeterminado de crimes de esbulho possessório, furtos, incitação ao crime e danos aos patrimônios particulares.
Instaurada a persecução penal, entrou o processo a correr seus trâmites.
Por decisão de 24.4.2009 — fls. 1.357/1.361 dos autos da ação penal (7º vol.) —, o MM. Juiz de Direito da Comarca de Presidente Bernardes, Dr. Gabriel Medeiros, decretou a prisão preventiva dos réus VUS e JAGM.
Fê-lo pelas seguintes razões de fato e de direito: constara-lhe, por provas e indícios, que o paciente JAGM — conhecido como “CM” —, que já respondia a processo por “formação de quadrilha para invadir propriedade”, tornara “a praticar novo crime, associando-se e liderando centenas de pessoas”.
Foi o caso que, no dia 17.4.2009, integrantes do denominado Movimento Sem-Terra (MST) teriam invadido a Fazenda Santa Teresinha, situada no município de Nantes, liderados — conforme o Boletim de Ocorrência nº 41 (fl. 1.336) — por JAGM (o paciente) e CMS.
Mesmo citados para os termos de Ação de Reintegração de Posse, o paciente, menoscabando a ordem judicial, protestara que, em nome do “movimento”, não deixaria o local.
Mencionou o Magistrado que a imprensa regional divulgara esses fatos, ilustrando-os com “foto dos invasores”, na qual figurava o paciente. Aludiu ainda à matéria do jornal “Oeste Notícias”, desta substância: “Polícia Civil investiga furto de gado em Iepê. Abate de bovinos pode ter ligação com integrantes do MST que ocupam área próxima” (fl. 1.359).
A Promotoria de Justiça de Presidente Bernardes, como se vê das fls. 1.342/1.343 (7º vol.), mandou reduzir a termo, aos 14.4.2009, as declarações de Marcos Antônio Sanches, fotógrafo de profissão, que, a pedido de Carlos Dias, proprietário da “Fazenda São Luís”, tirara fotos “das pessoas que estavam invadindo a área, que seriam integrantes do MST”. Aí lhe informaram que o líder era o indivíduo “Tião”, de quem se aproximou e ouviu logo a advertência que não queria ser fotografado. O declarante, porém, logrou tirar-lhe “uma foto de perfil”. Ajuntou que “Tião estava colocando a bandeira no pasto”. Fotografou também os “barracos que estavam sendo armados” e as “placas dos veículos utilizados pelos invasores”.
Usava “boné vermelho” e trajava “camisa preta” o indivíduo que se identificara por “Tião”.
Exibida, contudo, sua foto ao proprietário da “Fazenda São Luís”, este foi peremptório: “não era Tião e sim CM” (fl. 1.343).
Firmes nessas múltiplas e concretas circunstâncias, o mui digno Juiz de Direito da Comarca de Presidente Bernardes, indicado como autoridade coatora, teve a bem decretar a prisão preventiva do paciente JAGM, a quem nomeiam também “CM”.
Irresignado com a decisão que lhe impôs medida constritiva de liberdade, o paciente vem a este augusto Pretório de Justiça clamar por sua revogação.
Assistido de causídicos notáveis por seus talentos, competência e combatividade — que bem atestam a força e o prestígio da Classe dos Advogados, à qual todo o louvor é curto —, alega o paciente, em longa e erudita peça forense (fls. 2/30), que não concorriam na espécie “sub judice” os requisitos autorizadores da decretação da prisão cautelar.
Sustentam os nobres impetrantes que o paciente jamais colocou “em risco a ordem pública da comunidade paulista” (fl. 27).
Requerem, por isso, a revogação da custódia preventiva e a expedição de contramandado de prisão em favor do paciente.
3. Pelo que respeita aos protestos de inocência que seus esforçados patronos firmaram nos autos — de que, a admitir-se tenha sido o paciente “visto ou fotografado no latifúndio ocupado”, não era bastante a configurar “algum ilícito penal a recomendar a sua segregação cautelar” (fls. 9/10) —, não é ponto suscetível de resolução na esfera exígua do “habeas corpus”.
Com efeito, em razão de seu rito sumaríssimo, na via heroica do “habeas corpus” é defeso proceder a exame de matéria de alta indagação. Isto de haver ou não o paciente concorrido para a prática do crime que lhe imputou a denúncia, como se trata de questão que apenas pode ser dirimida na quadra de dilação probatória, na instância ordinária, não há apreciá-la no raio exíguo do processo de “habeas corpus”.
Assim, apenas na instância regular, sob o contraditório processual, será lícito apurar a alegada inocência do paciente.
Esta, com efeito, é a jurisprudência consagrada por nossos Tribunais, em acórdãos infinitos em número:
“Somente pode ser reconhecida e afirmada, em sede de habeas corpus — a falta de justa causa para a ação penal —, quando os fatos apontados como delituosos são atípicos ou quando a inocência do acusado se manifesta de forma desembuçada, clara, precisa, límpida e incontestável” (Rev. Tribs., vol. 499, p. 488).
Em tese, o fato atribuído ao réu tipifica ilícito penal; acha-se presente, pois, o “fumus boni juris”, que legitima e autoriza a instauração do processo-crime contra seu provável autor. Se a presença do paciente no lugar que os impetrantes denominam “latifúndio São Luís” era “pacífica” e não causara “dano à propriedade”, como inculcam (fls. 9/10), não cabe examiná-lo aqui: tratar-se-ia de juízo acerca do elemento subjetivo do tipo, incompatível com o rito e finalidade da ação de “habeas corpus”.
4. De outra parte, o r. despacho impugnado (cf. fls. 1.357/1.361 do 7º vol.), ao fundamentar a decretação da prisão preventiva, argumentou com sua necessidade e conveniência: exarou que o paciente, já demandado na Justiça Criminal por delito que causou profundo desassossego na região (formação de quadrilha), praticou novo crime: “associando-se e liderando centenas de pessoas, voltou a invadir nova propriedade” (fl. 1.358).
Sua custódia, portanto, foi determinada pela exigência indeclinável de garantia da ordem pública e conveniência da Justiça, que deve atender a que se não frustre a aplicação da lei nem periclite a paz social.
Era o quanto bastava para justificar a subsistência da prisão cautelar; pretender fosse além a digna autoridade apontada como coatora, seria o mesmo que antecipar decisão de mérito, o que passava por desmarcada abusão lógica e jurídica.
Ato mais relevante do ofício do Magistrado, a decisão deve ser fundamentada (art. 93, nº IX, da Const. Fed.), isto é, ao proferi-la deve dar as razões de seu convencimento.
Mas fundamentação percuciente, minuciosa e castigada só a requer decisão definitiva de mérito, não a que impõe prisão preventiva ou denega liberdade provisória; esta se satisfaz com a indicação da necessidade da decretação da custódia cautelar, que se infere da prova da materialidade da infração penal grave e de indícios veementes de sua autoria.
Vem aqui de molde o magistério da jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, abaixo reproduzido por sua ementa:
“Demonstrada a necessidade da medida cautelar constritiva da liberdade humana, concretizada em decisão, ainda que sucinta, onde consignadas as razões pelas quais entendeu necessária, descabe pretender desconstituí-la com a invocação do princípio da presunção de inocência, ou pela circunstância de ser o paciente primário, radicado no foro da culpa e com profissão definida” (Revista do Superior Tribunal de Justiça, vol. 58, p. 119).
O magistério de José Frederico Marques, processualista exímio, faz ao intento:
“Desde que a permanência do réu, livre e solto, possa dar motivo a novos crimes, ou cause repercussão danosa e prejudicial no meio social, cabe ao juiz decretar a prisão preventiva como garantia da ordem pública. Nessa hipótese, a prisão preventiva perde seu caráter de providência cautelar, constituindo antes, como falava Faustin Hélie, verdadeira medida de segurança. A potestas coercendi do Estado atua, então, para tutelar, não mais o processo condenatório a que está instrumentalmente conexa, e sim, como fala o texto do art. 312, a própria ordem pública. No caso, o periculum in mora deriva dos prováveis danos que a liberdade do réu possa causar — com a dilação do desfecho do processo — dentro da vida social e em relação aos bens jurídicos que o Direito Penal tutela” (Elementos de Direito Processual Penal, 1a. ed., vol. IV, pp. 49-50).
5. Há nos autos um registro que não pode correr em silêncio, neste momento de exame da legalidade dos fundamentos da decretação da prisão preventiva do paciente.
O Magistrado prolator da decisão atacada salientou, com arrimo no Boletim de Ocorrência nº 41/09 (fl. 1.336), que integrantes do Movimento Sem-Terra, “liderados pelos investigados” (um dos quais, o paciente), “invadiram na sexta-feira passada, dia 17.4.2009”; “já haviam sido citados” para a ação de reintegração de posse. “Os investigados (…), em nome do movimento, mesmo tendo conhecimento da ordem judicial, disseram que não deixariam o local, em total afronta à decisão do Poder Judiciário” (fl. 1.350).
Fato esse de suma gravidade, se verdadeiro!
É que, segundo o alto pensamento do Min. Carlos Alberto Menezes Direito, “o dia em que se não cumprirem as decisões judiciais transitadas em julgado perecerá o direito, e com ele a liberdade, que faculta a plena realização da pessoa humana na sociedade em que vive” (Manual do Mandado de Segurança, 4a. ed., p. 200).
6. Ainda que medida excepcional, a custódia preventiva não repugna ao Estado Democrático de Direito, se imposta com a finalidade de coibir violações da lei e preservar a ordem jurídica.
A jurisprudência dos Tribunais sempre reservou ao Juiz do processo autonomia para avaliar, com o arbítrio do bom varão, a necessidade e a conveniência de sua decretação.
Ora, a decisão do Magistrado da Comarca de Presidente Bernardes evidenciou, com rigor de lógica jurídica, que a segregação do paciente era necessária, em bem do interesse público. Afirmou-o Sua Excelência, após detido exame dos autos, com palavras textuais:
“O ato praticado pelo acusado, formação de quadrilha para invadir propriedade, disfarçado atrás do movimento social, provoca imensa repercussão de forma a abalar a ordem pública na pequena cidade de Presidente Bernardes, de apenas 13 mil habitantes, onde fatos como os debatidos nestes autos causam verdadeira sensação de insegurança jurídica” (fl. 1.357).
Cai a talho o ven. aresto do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
“Em sede de prisão preventiva, deve-se prestar máxima confiabilidade ao Juízo de primeiro grau, por mais próximo e, pois, sensível às vicissitudes do processo” (HC nº 46.192-0-PE; 6a. Turma; rel. Min. Hamilton Carvalhido; j. 7.3.2006; m.v.; apud Mohamed Amaro, Código de Processo Penal na Expressão dos Tribunais, 2007, p. 363).
7. O sonho de todo camponês de ter um dia sua gleba e poder cultivá-la é digno sempre de respeito. Ninguém haverá de embaraçar-lhe o caminho que o levará à Terra da Promissão, como cantou a musa rústica de Patativa do Assaré, inspirado poeta cearense:
“Se a terra foi Deus quem fez,
se é obra da criação,
deve cada camponês
ter uma faixa de chão”.
(in Dialógico, Revista do Movimento do Ministério Público Democrático, nº 25, p. 32).
Mas, os conflitos agrários não podem resolver-se com o sacrifício da lei e da ordem.
O Código Penal, por isso, define e pune como crime as invasões a propriedade e o esbulho possessório (art. 161, § 1º, nº II).
Entre nós, tem o direito à propriedade garantia constitucional (art. 5º da Const. Fed.).
Assim, no limiar de toda propriedade (choupana, chácara, sítio e fazenda), bem se pode ler, sob a forma de advertência legítima, a imaginária inscrição:
“Aqui, sem a minha autorização, só entra o Sol e ninguém mais!”.
Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:O despacho criticado atendeu às diretrizes do art. 312 do Código de Processo Penal; merece, pois, prevalecer, sem deslustre dos advogados do paciente, profissionais mui reputados pela ciência do Direito e dedicação ao nobre mister que abraçaram.
Em suma: porque os argumentos deduzidos pelo paciente não me persuadiram estivesse a sofrer constrangimento ilegal, indefiro-lhe o pedido de “habeas corpus”.
8. Pelo exposto, denego a ordem de “habeas corpus”.
São Paulo, 11 de agosto de 2009
Des. Carlos Biasotti
Relator