O verdadeiro tribuno encanta com a criatividade e dispensa acessórios externos para brilhar. Conduz o público para um passeio mental, por um caminho de encanto; faz com que a plateia “veja” coisas sem que as materialize.
Quando o discurso lido é exigência
O discurso pode ler lido ou pode ser improvisado. Mesmo no chamado improviso, o orador deve ter uma linha prévia de planejamento; as palavras são improvisadas, mas as ideias seguem um mapa que conduz a algum lugar de utilidade.
Ler um discurso, por outro lado, não é sinal de despreparo e é uma alternativa que pode ser usada em vários ambientes, a considerar a relevância do momento. Mas há ocasiões em que a leitura é obrigatória ou recomendável, seja por força de protocolo, seja pela necessidade de registro em anais, seja porque é tradição naquele ambiente. Na Academia Brasileira de Letras, por exemplo, seria inadmissível um discurso de improviso; no meio acadêmico, diferentemente do que acontece no ambiente político movido estritamente pelas emoções do instante, a leitura é a segurança da objetividade e faz parte do ritual que valoriza o orador e o público.
Sob a ótica protocolar, ainda que haja modulação em países de cultura mediana, não se admite como adequado o discurso de improviso perante altas autoridades. A leitura, no caso, dá ao cerimonial a garantia do conteúdo, evitando constrangimentos que, muitas vezes, oradores empolgados acabam criando ao calor do momento.
Além disso, o texto escrito permite o fiel registro pelos meios de comunicação; facilita a síntese pelos profissionais de comunicação social que fazem a cobertura para as mídias da instituição na qual o evento é realizado com caráter de oficialidade. Veja-se que um discurso de improviso, por melhor impressão que passe à plateia no momento em que é proferido, não possui mais do que 30% de utilidade. Os repórteres que cobrem atos oficiais não conseguem anotar com fidelidade os pontos essenciais; e raros dispõem de tempo para ouvir uma gravação na íntegra para dali espremer um caldo de fundamento.
Outras ocasiões também exigem discurso escrito. O paraninfo de uma formatura cometerá enorme gafe se usar o púlpito na solenidade como se estivesse em um comício ou em uma festa do clube de atletismo. Não é raro formandos convidarem políticos para paraninfarem a turma. Esses atores, acostumados a outros palcos, nem sempre se esmeram na produção de uma peça à altura do momento; vão à tribuna e disparam um laudatório repetitivo e convencional e um conteúdo desconectado com a relevância da cerimônia – isso quando não enveredam para abordagens inapropriadas.
O paraninfo, em prestígio àquele marco na vida dos futuros profissionais, tem o dever ético de ler um texto que mereça ser reproduzido. Alguns discursos nessas ocasiões entraram para a história porque eles foram registrados na sua íntegra como verdadeiras aulas de ciência e de vida, como a famosa Oração aos Moços, título atribuído por Rui Barbosa ao paraninfar em 1920 a turma de formandos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo.
A leitura não tira o encanto da oratória
Não se confunda a leitura com uma postura estática. Gestos adequados, modulação de voz e olhar para o público são requisitos que tornam o uso da tribuna como espaço de sedução. Até o silêncio, as breves pausas, são fundamentais.
Valem os seguintes aconselhamentos:
a) Não fique estático, com os olhos vidrados, grudados no papel. O processo de comunicação exige um conjunto de elementos. A fala, apenas ela, representa pouco, nada além de 7% do contexto de comunicação. Para que o público absorva a oratória são necessários artifícios, como o olhar, a gesticulação adequada e as pausas nas ocasiões devidas.
b) Movimente-se com leveza. Se no discurso de improviso os gestos são largos e até espalhafatosos, cenográficos, no discurso lido eles são comedidos. Os movimentos são mais lentos. As mãos não podem se afastar demasiadamente do corpo, nem subir além da altura da cabeça. Há quem fique com um papel em uma mão e a outra mão solta no ar, girando como se fosse a hélice de helicóptero. Isso não é gesticular (compreendido como comunicação por gestos); são, simplesmente, movimentos sem sentido, sem formar um conjunto harmonioso com a fala. Por serem desconectados do conteúdo, ganham aparência ridícula.
c) Olhe para o auditório. O papel não é o único centro de atenção. Ele é apenas um material de trabalho. O centro da atenção é o público. Este precisa ser visto, encarado, percebido. A cada momento de impacto, quando o texto apresentar um conteúdo forte, olha-se para o auditório, como se dele estivesse a recolher as impressões daquilo que foi dito.
d) Não leia rápido, como se quisesse logo ficar livre do encargo. Muito menos faça uma leitura monótona, reta, sem altos e baixos. O texto tem que ser lido com oscilações. É exatamente isso o que faz com que as atenções sejam mantidas. Não sendo assim, o discurso será como o som de uma cachoeira usando em sessões de relaxamente. Pois se evitem o mesmo tom e o mesmo volume, evidentemente fazendo as modulações em sintonia com aquilo que é dito.
e) Saiba usar as pausas. Perceba que a riqueza da música erudita está exatamente no jogo entre as notas musicais e o silêncio. Intercale a fala com segundos de reflexão. E, neste instante, olhe para a plateia. Percorra o auditório. Coloque a mão no queixo. Faça um gesto leve, que, a depender do conteúdo, pode expressar indignação ou entusiasmo. Dar-se-á, então, um momento mágico, de completa interação entre o orador e o público.
f) Procure falar em pé. A oratória exige postura; e a melhor posição é a em pé. Ao ler um discurso, o orador deve apresentar-se por completo. Assim, é imperativo que saia da mesa, ocupe a tribuna e fale “de todo corpo”. Será mais visto; terá mais facilidade em manter o interesse.
g) Utilize microfone com pedestal. É imagem feia um orador com um papel em uma mão e o microfone na outra. Deve, por isso, providenciar microfone com suporte alto que lhe permita falar em pé, tendo as mãos livres. O ideal é o discurso apoiado no púlpito e as mãos ocupadas da forma seguinte: uma, virando as páginas e marcando as linhas, outra, gesticulando com leveza, como o maestro que pontua o ritmo da sinfonia.
h) Cuidado com a ordem das folhas. Confira se estão na disposição exata. Já ocorreu de o orador levar discurso preparado por assessoria com duas folhas fora de ordem e uma folha faltando. Foi um caos, por evidente!
i) O texto deve estar escrito em letras grandes. Outrora, com os míseros recursos de uma máquina de escrever, somente se utilizava a chamada “caixa alta” ou se trocava a cor da fita. Se de um lado aumentava o tamanho da letra, de outro o texto ficava com uma apresentação esquisita e de confusa leitura. Afinal, no cotidiano, ninguém está habituado a ler escritos com essa configuração. Com o computador a situação mudou. A fonte 16 parece ideal, dando absoluto conforto de espaço e de vista.
j) Utilize parágrafos curtos. O texto não pode ser como uma ata de reunião de condomínio, sem espaçamento, sem estética, sem condições que permitam, rapidamente, encontrar as palavras e os tópicos. Por isso, os parágrafos não podem ter mais do que dez linhas. O ideal é entre cinco e oito. Porque se o orador se perder ao desviar o olhar, logo encontrará a linha onde estava. Ademais, isso serve para compassar a própria respiração.
k) Leia o discurso para si, duas, três, cinco vezes. Ensaie. Não é feio. Feio é errar. São recorrentes os casos de políticos cujos discursos são elaborados pela assessoria. Eles recebem o papel na hora da solenidade e falam como se fossem locutores de rádio ao qual o redator entrega, com urgência, uma notícia para ser lida em edição extraordinária. Sequer sabem o que está escrito na sequência. Certo vice-governador chegou a ler: “Senhoras e senhores, bom dia, boa tarde, ou boa noite, conforme a hora”. O “conforme a hora” era uma observação do redator.
l) Dê “alma” ao encerramento. Aproveite que a ideia está escrita para colocar ao final a parte emocionante de um poema, a citação de um filósofo ou uma frase de efeito pesquisada para a ocasião. Não deixe o discurso morrer aos poucos para enterrá-lo com um mórbido “Tenho dito”, ou com a insignificante expressão “Eram essas as considerações que tinha a lhes trazer”. Feche o palco com um gran finale. Faça o povo ficar uma hora, um dia, um mês, uma vida, pensando naquilo que foi dito no final da sua fala.
Pequena quebra de protocolo
O tribuno brilhante consegue atender a imposição protocolar, introduzindo, sutilmente, alguns momentos de fala não escrita como recurso parra animar os interlocutores. Pode até preparar para a memória ou usar uma anotação paralela de lembrete. Tem excelente efeito quando, o discurso lido relata um caso extravagante e o orador, faz uma pausa, fixa o olhar no público e diz, “não é sem razão que se diz que a realidade é mais rica do que a ficção”. E gesticula levemente, em clima de surpresa, com o olhar ou com as mãos. É uma quebra do cerimonial que se admite em nome do melhor resultado. Na formatura, na inauguração de uma obra, em uma conferência sobre um tema técnico, esse recurso bem usado tem extraordinário efeito. Ao mencionar na leitura que o empreendimento teve o custo de elevada cifra, pode-se, para dar leveza, fazer uma comparação graciosa: “Esse valor é maior do que o preço de todos os jatinhos particulares usados por jogadores de futebol no mundo”. A cifra é uma referência absoluta; a comparação não exige precisão, mas, tendo lógica, aquele número frio ganhou impacto na memória das pessoas.
Recursos gerais que valorizam o discurso lido
A técnica do discurso escrito está, portanto, relacionada aos apontamentos que aqui foram alinhados. Mas isso não é tudo. Ela será complementada com o conhecimento das partes do discurso e com outros elementos relacionados ao conteúdo em si. Por exemplo, a maneira correta de enfocar os assuntos. Um mesmo tema pode ser dito de maneira que agrada, de maneira que ofende e de maneira cuja compreensão é distorcida. Ao orador cabe achar a forma confortável e elegante de dizer. Jamais indispor-se com o público, ou criar situação que tenha de explicar a posteriori. O que se tenha de justificar depois, não se deve dizer.
A apresentação pessoal do orador, a maneira de se comportar no ambiente e a simpatia que demonstrar no relacionamento interpessoal é um conjunto que reflete no sucesso ou no fracasso da empreitada. No mundo nada existe por absoluto e tudo é interpretado a partir das percepções. Faça, portanto, com que a sua imagem seja preservada sempre, ou será visto na tribuna como um ator, um intérprete, um impostor.
Os movimentos, os gestos, ajudam a passar emoção que, mesmo no discurso lido, deve estar inserida. Considere que a memória fixa aquilo que altera padrões de conhecimento (surpresa) e aquilo que emociona. E o discurso – aquele que verdadeiramente envolve o público é o que surpreende favoravelmente ou que emociona. Grave isso: quem escreve para outros lerem trabalha com a razão; quem discursa, opera com as emoções; e mesmo ao discorrer sobre uma matéria árida é possível produzir um abalo positivo nos sentimentos.
O que não se pode é usar as mãos em gestos inúteis ou que distraiam a atenção. Por exemplo, sacudir uma caneta, em movimentos incontroláveis e irritantes; tamborilar com os dedos, mesmo durante a escuta de um aparte; olhar no relógio enquanto outro está a falar, coçar o nariz, a orelha, a cabeça. Assim as mãos descredenciam o orador e, por vezes, irritam a plateia.
Então onde colocar as mãos? As mãos, como dito, são instrumentos de poderosa comunicação. Complementam a fala e, às vezes, substituem a palavra. Um gesto, um movimento com elas pode dizer muito. Portanto, o bom orador sabe usar as mãos ao seu favor fazendo-as dizer tanto quanto o discurso em si. No momento certo, um dedo encostado à testa, por exemplo, com um olhar perplexo ao público, diz mais do que a leitura de dez parágrafos. Quem não desenvolver essa habilidade, não pode, pelo menos, deixar que as mãos atrapalhem.
As mãos servem para dar vida às palavras, assim como as tintas dão a cor à tela do artista. Nessa linha, o orador dirá:
“As vítimas sentem, como se o coração fosse atingido...”
(Põe-se a mão no peito)
“Eu vejo...”
(Coloca-se um dedo próximo aos olhos.)
“Aqui, no meu pensamento...”
(Encosta-se um dedo na cabeça.)
Atrair a atenção: o orador deve, já no início da sua fala, conquistar a confiança do público. Jamais iniciar pedindo desculpas por falhas ou confessando as suas limitações. Certa vez o orador começou explicando que fora acometido de gripe, estava rouco e teria dificuldade em falar. No momento seguinte, ninguém no auditório tinha interesse em ouvi-lo. As pessoas passaram a conversar entre si. Se essa limitação for real, mude-se o enfoque: “Uma indisposição nas vias respiratórias não serão suficientes para tirar a disposição de falar para uma plateia desse nível”. Com isso, o orador chega ao auge da empatia.
Os cotovelos não podem ficar grudados ao corpo, o que leva, também, ao encolhimento dos ombros, passando a imagem da fraqueza. Por outro lado, jamais o orador deve apoiar os cotovelos abertos sobre a mesa. Perde em elegância. Um dos cotovelos pode ser apoiado à mesa, com uma das mãos ao rosto no momento de escuta de um aparte ou da fala de terceiro, simbolizando atenção. Isso é elegante. Será ouvido aquele que tem respeito durante a fala de outro.
Os olhos exercem grande papel na comunicação. Há quem “fale” com o olhar. Durante o discurso, mesmo lido, o orador deve olhar para todo o auditório. Não como uma massa humana, mas parando, fixando, como se estivesse a conversar com cada rosto. A maneira mais prática é dividir o auditório por partes: frente, meio, atrás e lados direito e esquerdo. Na medida em que a oratória se estende, joga o olhar a cada setor.
A seguir, reproduz-se o formato:
ORADOR
Divisão do auditório
PLANO A
PLANO B
PLANO C
PLANO D
Primeiro o conferencista concentrará o olhar no meio do quadrado A; depois, sutilmente, em outro momento do discurso, ele muda para o centro do quadro B. E assim prossegue, para o C e o D. Ao cumprir esse percurso, que leva em média três segundos em cada espaço, ele recomeçará, em outro momento, mudando a ordem. Dessa forma – é impressionante – todas as pessoas terão a impressão que o orador está a falar diretamente para cada uma delas.
Esse recurso vale no tribunal, quando, a fazer esse movimento com o olhar, o advogado consegue “falar” com cada ministro ou com cada desembargador.
Tenha-se, todavia, sensibilidade. Essa movimentação visual precisa ser articulada de forma a dar a impressão de que o orador está, mesmo, olhando uma determinada pessoa e que o faça dentro de um contexto do discurso, como a provocar a reflexão daquela parcela de indivíduos.
Em um auditório com mesa de honra, não esqueça os seus integrantes. Mas, claro, não concentre neles as suas atenções. Há que discurse para os componentes do espaço cerimonioso e não fale para o público. A medida certa é, em meio aos olhares para os “quadrados” em que o auditório foi dividido, faça uma visita aos componentes da mesa, dirigindo, a cada um deles, alguns segundos de fixação, podendo citar o nome como a buscar a anuência daquela pessoa (que se sentirá valorizada). Mas fale basicamente para a plateia.
Há situações, no entanto, em que o palestrante pode olhar para o teto. É também um recurso de comunicação. Ocorre em momento especial, em que quer passar a impressão de que está procurando uma resposta.
É verdade que alguns profissionais simulam determinados gestos como fórmulas de comunicação durante um debate. É possível, ao receber uma pergunta inquietante, olhar para o interlocutor e coçar a cabeça. É como se pensasse: “Poxa, ele me pegou!”. Mas, ato seguinte, quando a plateia acha que o orador está encurralado, ele surpreende com a solução. Pode até brincar: “Sabe, sonhei com isso essa noite!”. Desta forma, ele, experiente, valeu-se de um artifício para valorizar a resposta. O que as pessoas viram foi fundamental para dar importância àquilo que ouviriam depois.
As viagens mentais
A matéria prima do orador é a atenção da plateia. De nada, absolutamente nada, adianta o mérito do tema se ele não for oferecido para um púbico atento predisposto, receptivo. É por isso que se empregam técnicas que, no início, despertam a atenção e, depois, mantêm aceso o interesse dos ouvintes.
É conveniente destacar um curioso fenômeno: a mente adora viajar. O pensamento não fica parado. Ele vem e vai; e onde ele menos gosta de ficar é no presente. Por isso, toda vez que o indivíduo está em algum lugar com a mente desocupada (no trânsito, na cadeira do dentista, em espera no aeroporto) a mente aproveita e escapa. Quando a pessoa percebe, ela viajou. Vai ao passado, remexendo lembranças; vai ao futuro, imaginando coisas. Ela teima em não permanecer junto ao corpo, ali, naquele presente de monotonia. Há aqueles que têm naturalmente déficit de atenção, mas em maior ou menor grau, todos experimentam esse quadro. Se estiver no teatro e a peça for enfadonha, lá vai a mente, outra vez, na sua escapadela. Até no cinema, quando retorna dessa viagem, uma cena do filme foi perdida porque, naquele instante, o pensamento resolveu deixar o presente e enveredar para alguma recordação ou pelos caminhos de algum projeto da semana seguinte. Há estudos, a propósito, que apontam que uma pessoa consegue, em uma sala de aulas ou no auditório de uma conferência, manter a atenção absoluta por até vinte minutos. Depois disso, experimenta o fenômeno das viagens mentais; e se o orador não adotar estratégias desde o início, é possível que a perambulação comece nos primeiros cinco minutos.
Na oratória, então, é relevante enfrentar essa situação e prender, ao máximo, a atenção daqueles que são os clientes do verbo. Como não se pode mudar a natureza, o jeito é aproveitar o fenômeno; ou seja, transforma-se o discurso em um passeio, levando e trazendo a mente dos outros. Ora, ela é empurrada para o passado, lembrando um fato histórico, e, depois, é recuperada ao presente, para mostrar onde aquilo se encaixa no contexto do discurso; ora indo ao futuro, com projeções surpreendentes, despertando a curiosidade no amanhã e, novamente, voltando para o tempo atual, colocando na argumentação aquele exercício de futurologia. É assim que o tribuno mantém a assistência na sua companhia.
A mente aprecia, também, passear por uma boa anedota, mas precisa ser curta e ser realmente criativa. Por exemplo, o aluno de direito, ao fazer prova oral, vê-se questionado pelo mestre:
– O que é uma fraude?
– É o que o senhor está fazendo – responde o aluno.
O professor fica indignado.
– Ora essa, explique-se.
Então diz o aluno:
– Segundo o Código Penal, comete fraude todo aquele que se aproveita da ignorância do outro para o prejudicar.
Com esse divertido passeio, a mente retorna ao tempo presente. Estará refeita, descontraída, receptiva para a continuidade do discurso. Mas cuidado com anedotas de gosto duvidoso, que possam ser interpretadas como preconceito e com aquelas que todos já ouviram e o orador insiste em dizer como se fosse novidade: “Lá na minha terra (...)”. E a história é contada por todos os cantos desde o Império.
Nessa linha de astúcia, leva-se adiante a experiência de viajar com o pensamento dos outros. Aproveita-se a força da natureza, como o remador se vale da corrente do rio a favor, como o velejador se serve da direção dos ventos. A natureza põe limites àquilo que lhe é contrária, mas disponibiliza, em contrapartida, mecanismos que podem ser usados para vencer as suas próprias resistências. Então, essa mania que o pensamento tem de não ficar quieto pode ser algo muito bem aproveitada para um discurso que torne leve e contagiante o tema por mais áspero que seja.
O orador e o poder do silêncio
O silêncio comunica. Por vezes, envolve as pessoas mais do que um argumento proferido. É oportuno destacar o político Leonel Brizola, certamente o mais expressivo exemplo de competência nesse particular. Na década de 1950, rompeu todas as dificuldades de uma infância difícil e chegou ao Congresso Nacional com uma oratória veemente; depois, como no episódio que ficou conhecido como a Campanha da Legalidade. O seu carisma, à época, era enorme e todo o seu poder estava diretamente relacionado à força da palavra diante às multidões; mas como orador, o forte de Brizola não era a ideia, não era a causa, não eram os argumentos (embora ele também tivesse essas virtudes): era a extraordinária capacidade de usar o silêncio e causar impacto. Não se conhece tribuno no Brasil que tenho realizado esse exercício com tal maestria. Mesmo décadas depois, ele continuou a fascinar aqueles que escutavam os seus discursos ao vivo; e ainda hoje os registros da sua oratória são indicativos de estudo.
Veja-se, a propósito, que Leonel Brizola esteve no auge exatamente quando a televisão era incipiente. Os comícios concentravam facilmente milhares de pessoas. As reuniões, nas sedes partidárias, eram pousarem nas pequenas cidades em rústicos monomotores, uma multidão aguardava. E era nesse contexto que o caudilho brilhava. Ele jogava uma afirmação ou um questionamento para o auditório e ficava em silêncio. E todos, perplexos, esperavam com ansiedade a sua conclusão.
Esse é um método que só os oradores de excelência o usam. Pode ser aproveitado diante de um plenário, frente a um conselho de sentença, perante um auditório com pessoas que ali se encontram exatamente para aquele ato. Portanto, os oradores modernos, em que pese a necessidade da comunicação rápida e objetiva, podem se valer do silêncio para envolver a todos. Não é sem razão que se diz que se a palavra é de prata, o silêncio é de ouro.
O que é o silêncio na oratória? O silêncio pode ser uma pausa reflexiva, na qual o orador lança uma afirmação forte, surpreendente, que choque as pessoas, e olhe para todos, passeando pelos quatro cantos da sala, como se a observar a reação de cada um. “O governo de uma nação, que os gregos consideravam que deveria ser entregue à pessoa com virtude, hoje é um espaço de domínio de psicopatas institucionais em pelo menos 130 farsas democráticas do planeta; e é isso o que leva mais de um bilhão de irmãos à miséria – gente com os mesmos sentimentos e necessidades que nós temos e que não são supridas”. E dá ênfase: “Eu falei, psicopatas que as pessoas desavisadas elegem!”. Dito isso, o orador fixa-se na plateia com olhar perplexo e faz uma pausa como a interpretar a reação de todos. São segundos; e ele verá que toda a assistência estará envolvida nessa reflexão.
Outro meio é fazer uma pergunta cuja resposta é óbvia. “O agente público que desvia as finanças que seriam para hospitais, para construir escolas, para alimentar os pobres, pode ser juridicamente tratado com tolerância que se tem com o furto famélico?”. Pode usar um trocadilho para ampliar o efeito: “Quem furta um milho para comer e quem se apropria de um milhão do dinheiro público são criminosos do mesmo naipe?”. O palestrante faz essa leitura (ou comentário em paralelo) em tom forte, aumenta a vibração da voz, e lança a pergunta como se buscasse a resposta. Alguém da plateia irá responder? Não. Em um ambiente acadêmico, sobretudo, o auditório não se manifesta; em outros cenários, nem haverá tempo de reação. Nos três a quatro segundos de silêncio, cada ouvinte fará o seu julgamento; o orador manterá a atenção pela forma e será credor do respeito pela abordagem apropriada.
Em síntese, essa ferramenta gera emoção ou comoção. Todos ficam paralisados. “Ouve-se” o silêncio no ar. Essa é a suprema técnica!
Veja-se esse fabuloso exemplo. O orador que estava a abordar o controvertido tema aborto. Esse assunto, toda vez que é lançado a público, divide e sempre dividirá opiniões. Pois foi assim, em um auditório repleto, que o expositor, para se posicionar contra a interrupção da gravidez, citou o caso de uma mulher doente mental, casada com um homem desequilibrado em todos os sentidos. Alcoolista e desocupado, ele estava longe de ser o modelo de marido e de pai. Esse casal, no entanto, teve quatro filhos. O primeiro, doente mental; o segundo, paralítico; o terceiro e o quarto, acometidos cada qual com enfermidades irreversíveis. E, com todo esse histórico de tragédia, a mulher estava grávida pela quinta vez!
Foi assim, com esse relato, que o orador envolveu a plateia para lançar a pergunta. Ele disse: “Os senhores acham que essa gravidez pode continuar? O que será do fruto desse ventre que o destino desgraçou? A maternidade absoluta pode ser multiplicadora de desgraça?”.
Lançada a questão com tom enfático, silêncio total. O orador apenas corria, com os olhos, todos os cantos do auditório. As pessoas estavam paralisadas, ou a organizar um raciocínio qualquer. Cada qual, do seu jeito, imaginando o quadro que fora exposto na tribuna e fazendo, para si, a sua interpretação de acordo com as suas convicções.
Quando o orador percebeu que aquele silêncio ocultava um não (que ninguém ousava pronunciar), ele balançou a cabeça e, para o espanto geral, concluiu: “Pois bem, quem pensou “não” acabou de matar Ludwüing Von Bethoven”. O efeito foi impressionante. Gente que baixou a cabeça, para esconder as lágrimas. Gente que caiu em choro convulsivo. Pessoas petrificadas nas cadeiras, em estado de choque total.
O orador fez novo silêncio. E, abusando da própria competência, arrematou com voz solene: “A vida é um mistério que não nos é dado compreender. Muito menos, nos é permitido decidir sobre ela”.
Não precisou de nenhum outro argumento. Dez, quinze, vinte anos depois, as pessoas que estavam no auditório terão essa cena em memória. E, sempre que o assunto for aborto, o orador será lembrado.
Exiguidade do tempo e a pressa
Sem falar nos dez ou quinze minutos que os advogados têm para sustentação oral nos tribunais, é certo que as palestras atualmente, no meio acadêmico ou institucional, são limitadas a uma média de trinta minutos. Há oradores que se desesperam e tentam dizer tudo o que sabem dentro desse tempo e, então, desencadeiam uma correria verbal. Não se faz isso. É melhor abordar um ou dois tópicos com técnica, com pausas, com elegância, do que discorrer sobre vinte possíveis vertentes do tema de forma apressada.
Se o discurso é comunicação, não se imagine comunicar com o despejo de argumentos em série; com a voz acelerada e, por vezes, ofegante. Mais valem o gesto, as pausas, o silêncio programado, a surpresa, a emoção, do que a correnteza de ideias, caindo como água fria de cachoeira que bate nas pedras e segue pelo rio sem que uma gota fique retida.
Nesse diapasão, não acelere. Foque no principal e, em torno dele, crie situações impactantes; seja o único a dizer daquela forma; faça com que as pessoas que o ouvirem percebam a diferença; cumprimentem-no, não por mera cortesia, mas porque foram tocadas pelo conteúdo.
Quem fala rápido somente fala, não discursa. O discurso tem de deixar mensagem.
CONCLUSÃO
O discurso lido não é necessariamente amorfo, incipiente. Pode ser grandioso e marcar a história. Ele ganha vida quando apresentado com habilidade. Ademais, o orador pode se valer da sua versão escrita para fazer anotações marginais ou a cores de forma a lhe observarem os momentos de pausa; a conveniência de lançar a pergunta; de se dirigir à mesa de cerimônia; de acelerar a voz por um instante, como se estivesse indignado; de abaixar o tom (sem comprometer a audição), para mostrar que está seguro daquilo que diz. Alguns, com a experiência, o fazem naturalmente; àqueles que iniciam fica a sugestão.
Com esse breve estudo fica claro que, afastadas as ocasiões informais, deve-se levar em conta a relevância da preparação de um texto. Ele não afasta de todo a possibilidade da comunicação parcialmente improvisada; ou mesmo alguma referência introduzida no momento aproveitando-se de um fato. Por acidente, por exemplo, o copo com água entorna e o orador se aproveita. Levanta os olhos da leitura e improvisa uma brincadeira: “Os gregos diziam que quando a água entorna, é porque o orador está certo”. A frase logicamente é jocosa, mas com essa descontração o tribuno mantém a audiência seduzida e avança com uma peça até chegar ao ápice do encantamento.