A modulação é uma técnica de limitação da decisão judicial, que divide no tempo determinada controvérsia. Ela está intimamente ligada a boa-fé, visando resguardar as relações concretizadas na vigência da lei que era considerada válida (até o STF decidir de modo diverso) ou no precedente (que era a orientação anterior advinda das Cortes Superiores) que norteou o jurisdicionado até a sua alteração. Pode ser solicitada pelas partes, inclusive mediante Embargos de Declaração, ou, até mesmo, ser declarada de ofício.
O art. 27 da Lei nº 9.868/99 trata da modulação das decisões de inconstitucionalidade. Quando determinado tributo é declarado inconstitucional pelo STF, a regra é que tal pronúncia produza resultados retroativos (ex tunc) pela nulidade absoluta da norma inconstitucional. Todavia, em face da segurança jurídica ou de excepcional interesse social, é permitido ao Supremo aplicar a modulação, declarando efeitos prospectivos (ex nunc), fixando um marco temporal casuisticamente.
O Código de Processo Civil de 2015 ampliou as hipóteses de cabimento da modulação (Art. 927, § 3º), facultando a sua aplicação aos casos de alteração da jurisprudência dominante, modalidade conhecida na academia como “superação para frente dos precedentes”. O intuito é prestigiar o entendimento emanado do poder judiciário, que balizou estratégias e condutas dos cidadãos através da sua observância, porém referido precedente foi superado (overruling).
Das considerações iniciais retro apresentadas extrai-se que a modulação não é um instituto recém instituído. Corrobora a existência de seu emprego na seara tributária em julgados de 2015 (ADI nº 3106) e 2016 (ADPF nº 190).
Entretanto, nos últimos anos é que houve a sua alçada aos holofotes no segmento tributário, eis que tem sido amplamente discutida e utilizada.
Nesse sentido, é necessário que todos os atores que interagem com esse segmento, em especial CFOs, gestores, controllers, bem como departamentos jurídico, fiscal e contábil terem a compreensão dos efeitos decorrentes da modulação, estabelecendo as estratégias e condutas, eis que latente a progressiva restrição de recuperação pretérita de indébitos tributários imposta aos contribuintes decorrentes de modulações consumadas pró interesses do Fisco.
Sem o intuito de exaurir os casos, apresenta-se abaixo exemplos de temas tributários e a deliberação do judiciário no que tange a modulação:
i) não acolhida: nos Temas 1048 (exclusão do ICMS da CPRB) e Tema 906 (incidência do IPI na revenda de importados) da Repercussão Geral os contribuintes saíram vencidos e seus propósitos de modulação restaram infrutíferos;
ii) ressalvadas as ações protocoladas até a publicação do acórdão: a discussão sobre a necessidade de lei complementar para a exigência do ITCMD (Tema 825 da Repercussão Geral) vedou os Estados de cobrarem esse imposto, foram modulados os efeitos da decisão, por iniciativa dos próprios Ministros, aplicando eficácia ex nunc ao julgado considerando válida as exigências anteriores, exceto para os contribuintes que tinham ação protocolada quando o acórdão foi publicado;
iii) excetuadas as ações protocoladas até a data da seção na qual o julgamento foi proferido: na chamada "Tese do Século" (Tema 69 da Repercussão Geral – Exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS), o pleito da Fazenda foi parcialmente atendido e determinou-se a recuperação pretérita após 15/03/2017, exceto para as empresas que possuíam demandas protocoladas nessa data que foram autorizadas a recuperar os indébitos não prescritos;
iv) ressalvadas as ações protocoladas até a data do início do julgamento vinculante: na apreciação do Tema 962, a Suprema Corte definiu que a SELIC incidente nos indébitos tributários não está sujeita ao IRPJ e à CSLL, consistindo em julgamento de mérito pró contribuinte. Apesar disso, atendendo ao pedido da Fazenda Nacional, os Ministros, de forma unânime, entenderam cabível a modulação fixando como termo limite para os contribuintes não serem afetados a data do início do julgamento do mérito (17/09/2021). Dessa forma, houve a segregação em: (a) contribuintes que não tinham ação protocolada até o dia 17/09/2021: produção de efeitos a partir de 30/09/2021 (data da publicação da ata de julgamento do mérito), portanto não sendo permitida a recuperação passada; (b) contribuintes com ação protocolada até o dia 17/09/2021: foram ressalvados da modulação, sendo-lhes permitido reaver os valores pretéritos, inclusive os 5 anos anteriores ao protocolo das suas lides individuais.
Verifica-se que não há homogeneidade no histórico de aplicação da modulação, não permitindo a fixação de um modus operandi. Contudo, percebe-se uma inclinação do STF na antecipação da data base que exclui lides em andamento da modulação (termo a quo). Enquanto em maio/2021, ao apreciar o Tema 69, foram ressalvadas da modulação (ou seja, permitido a recuperação pretérita) as lides protocoladas até a data de encerramento do julgamento; em Abril/2022, quando do julgamento do Tema 962, não se sujeitaram a restrição da modulação as lides ajuizadas até o início do julgamento. O fato de que após a “Tese do Século” muitos contribuintes passaram a adotar a estratégia de protocolar suas demandas após o início do julgamento vinculante, ou quando alguns votos já tinham sido proferidos, foi explorado pela PGFN na petição dos embargos, culminando na postura mais restritiva exercida pela Suprema Corte, limitando a recuperação para a maioria dos contribuintes.
Além dos casos já apreciados, dentre as matérias que aguardam a análise dos pedidos de modulação constam o Tema 304 (mérito favorável aos contribuintes, possibilitando a apropriação de créditos de PIS/COFINS na aquisição de desperdícios, resíduos ou aparas e sucatas - pendente o pedido da Fazenda), a ADC nº 49 (na qual restou reconhecido que a transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não é fato gerador do ICMS - pendente pleito do Estado) e o Tema 985 (decisão reconheceu a tributação do terço de férias e os contribuintes apresentaram Embargos visando a modulação dos efeitos, por ser o caso de superação para frente de precedente, eis que havia recurso repetitivo no sentido da não tributação).
Não obstante objetivar proteger as relações concretizadas e a boa-fé, a aplicação da modulação enseja críticas, tais como: (i) gera incentivo a cobrança de tributos indevidos pelos entes estatais detentores da competência tributária, eis que mesmo declarado indevido parte dos valores arrecadados não serão devolvidos; (ii) sua utilização tem sido frequente e não tão somente excepcional; (iii) é um incentivo a judicialização, afetando a prestação jurisprudencial; (iv) fere a isonomia e a livre concorrência (ilustra-se com o Tema 962 descrito acima, eis que com ação protocolada em 16/09/2021 poderá reaver o indébito de 16/09/2016 em diante, enquanto outro que ajuizou sua lide em 18/09/2021 não terá direito a nenhuma repetição, visando dispensado do recolhimento apenas a partir de 30/09/2021, com o que o primeiro terá uma vantagem competitiva muito significativa frente ao segundo).
Como exposto, a aplicação do instituto da modulação foi ampliada pelo CPC 2015 e o reflexo é percebido no cotidiano daqueles que vivenciam o direito tributário contemporâneo.
É desejável que haja uma convergência para critérios mais homogêneos, que o seu emprego seja com moderação e é salutar legislação processual que defina procedimentos e limites para o saudável funcionamento desse instituto.