INTRODUÇÃO
A Lei 11.101/05, também conhecida como Lei da Falência e Recuperação de Empresas, trata das diversas formas de solucionar legalmente o fenômeno de crise nas empresas, seja por meio da recuperação judicial, da recuperação extrajudicial ou a falência do empresário e da sociedade empresária.
Tal dispositivo normativo, diferentemente da Lei de Falência e Concordata que vigorava desde 1945, salvaguarda, sobretudo, a obrigatoriedade de se pugnar pela restauração da unidade produtiva.
A nova lei tem como um de seus escopos expor a relevância que a manutenção da unidade produtiva possui no contexto social e econômico, conforme, inclusive, preceitua a própria Constituição, em seu art. 5º, inciso XXIII que enfatiza que “a propriedade atenderá a sua função social” (BRASIL, 2015) e ainda em seu Artigo 182, § 2º que prevê que “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor” (BRASIL, 2015).
Nesse diapasão, a Lei 11.101/05 institui mecanismos que visem estimular a continuidade das atividades econômicas e deem primazia aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência.
Não obstante toda essa mudança paradigmática da nova Lei de Falências que concede relevância ao princípio da preservação da empresa, nem sempre a recuperação judicial é possível, visto que, com o advento cada vez mais acentuado do fenômeno da globalização, a ordem capitalista centrada na liberação dos mercados tem propiciado uma disputa cada vez maior entre as empresas, por conseguinte, essas estão se tornando cada vez mais vulneráveis e suscetíveis às instabilidades do mercado. Dessa maneira, para muitas unidades produtivas, o melhor caminho é realmente a decretação da falência.
Diante desses breves comentários até aqui tecidos, insta, desde já, trazer à baila importante definição de falência dada pelo Prof. Dr. Ivanildo Figueiredo (2015, slide 02) que leciona que “falência é uma situação que resulta de dívidas não pagas ou de obrigações inadimplidas, levando geralmente o devedor à insolvência.”
Destarte, como preconiza a própria Lei 11.101/05, em seu artigo 75, a falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.
Na acepção de grande parte da doutrina, a exemplo de André Luiz Santa Cruz Ramos (2014), tem-se que esse dispositivo supramencionado da Lei de Falências é reflexo de dois princípios basilares do Direito Falimentar: a preservação da empresa e o princípio da maximização dos ativos.
Pois bem, no âmbito nacional, verifica-se que a fraca atividade econômica vivenciada atualmente pelo país tem ocasionado uma redução da capacidade de geração de caixa nas empresas, uma elevação das taxas de juros e restrição de créditos, tudo isso, tem levado, em muitos casos, ao encarecimento do capital de giro e consequente mácula aos indicadores de solvência das empresas, resultando em um aumento dos caso de pedido de falência (JURISITE, 2015)
Nesse contexto, os pequenos empreendimentos são demasiadamente prejudicados, pois, encontram mais dificuldades para manterem-se no mercado atual do que as grandes empresas, tanto devido a grande competitividade como também a todas as frequentes mudanças da atividade empresarial, as quais muitas vezes são insuportáveis por esses pequenos empreendedores.
Verbi gratia, de acordo com recente pesquisa do instituto Jurisite, tem-se que no primeiro semestre do corrente ano, as microempresas e pequenas empresas foram responsáveis por 85% dos pedidos de falência e 87% dos pedidos de recuperação judicial. 1
Diante dessa realidade, o estudo de caso sobre o processo de decretação de falência de uma microempresa é de suma importância, pois, mesmo sendo a análise de um caso pontual, representa situação análoga de muitas outras unidades produtivas, logo, tal estudo pode propiciar um embasamento para um melhor entendimento sobre diversos pontos polêmicos da Lei de Recuperação de Empresas e Falências.
Conforme já mencionado, optou-se nesse artigo por uma abordagem de estudo de caso. Escolheu-se a microempresa Stock Calçados Ltda. O exame do caso foi realizado a partir do levantamento de documentos processuais relativos ao processo de decretação da falência.
No que concerne à natureza das fontes de dados, desenvolveu-se pesquisas bibliográfica e documental, no tocante ao processo falimentar em que se encontra a microempresa. Dentre os documentos analisados referentes ao processo de falência, o estudo de caso concentrou-se, principalmente nos seguintes documentos: a sentença que decretou a falência, o edital de falência, o relatório do administrador judicial, o auto de arrecadação, a ata de leilão, o laudo pericial, o laudo pericial complementar, o termo de declaração.
Diante desses documentos, procurou-se estudar os pontos mais relevantes capazes de propiciar um aprofundamento a cerca da Lei 11.101/2005, captando institutos jurídicos basilares desse dispositivo normativo e pontos controversos suscitados na petição de falência, na contestação e na sentença que decretou a falência.
Caracterização do caso estudado
O caso estudado trata de decretação da falência da empresa Stock Calçados Ltda. A empresa foi constituída em 20 de Maio de 2004, o endereço da sede da empresa é na Rua Bartolomeu de Gusmão, 71, bairro Canudos em Novo Hamburgo, RS. A empresa possuía 5 filiais, sendo uma em Capão da Canoa/RS, três em Novo Hamburgo (RS) e uma em Sapiranga (RS).
Em seu Plano de negócios a sociedade tem como objetivos principais: comércio varejista de calçados, bolsas, carteiras e acessórios em geral; comércio varejista de confecções, artigos de couro e viagem; representação comercial por conta própria e/ou terceiros. O pedido de quebra foi realizado pela credora Grendene S/A, no dia 06 de Junho de 2009, no Fórum de Novo Hamburgo, Vara de Falências e Concordatas, processo número 019/1.09.0012249-8, face ao não pagamento de diversas duplicatas vencidas e não pagas pela demandada, devidamente protestadas, com valor total de 111.441, 82 (cento e onze mil, quatrocentos e quarenta e um reais e oitenta e dois centavos).
Após o exame do referido pedido de falência, na data de 20 de Outubro de 2009, nos termos do art. 94, inciso I, da Lei de Recuperação de Empresas e Falências, Lei nº 11.101/2005, foi decretada a falência da empresa Stock Calçados Ltda pelo Juiz de Direito da Vara de Falências e Concordatas da Comarca de Novo Hamburgo, Dr. Alexandre Kosby Boeira.
A empresa está sob a administração judicial da Flocke Hack & Medeiros Advogados Associados, na pessoa de Laurence Bica Medeiros, escritório especializado em recuperação judicial e falência, situado na Rua Júlio de Castilho, nº 679, salas 111 e 112, Centro, Novo Hamburgo – RS.
Procedimento de análise dos dados
Por meio de uma abordagem qualitativa, empregou-se a pesquisa descritiva com a análise dos dados de forma indutiva. Procurou-se nas principais peças processuais do caso estudado, os pontos mais polêmicos e que pudessem trazer à baila a discussão de pontos debatidos em sala de aula e nas leituras complementares realizadas nos manuais de Direito Comercial e nas indicações de leitura do professor e orientador desse trabalho.
Utilizou-se a coleta de dados e a pesquisa ex-post-facto com intuito de realizar um procedimento de coleta e posterior análise dos dados de forma mais eficiente. Foram analisadas as decisões referentes ao processo de decretação da falência da Microempresa Stock Calçados Ltda bem como decisões relacionadas ao mesmo tema, inferindo as principais orientações jurisprudenciais e doutrinárias sobre a temática.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 Dos documentos auxiliares ao processo falimentar
Antes de adentrar na análise das principais controvérsias contidas no pedido de decretação da falência, na contestação e na sentença que decretou a falência da empresa Stock Calçados Ltda, mister se faz trazer a esse trabalho, as informações relevantes contidas nos outros documentos auxiliares analisados, pois, que além de esclarecer ainda mais os pontos a serem tratados nesse trabalho, permitiram aprofundar diversos conceitos apreendidos na disciplina de Direito Comercial sobre o Direito Falimentar.
No Termo de Declaração, percebeu-se que todos os requisitos preconizados no art. 104, I, da Lei de Recuperação Judicial e Falências (LRE) foram cumpridos. Ademais, desse documento foi possível extrair importantes informações alegadas pela empresa Stock Calçados a respeito dos motivos de sua quebra, in verbis (fl.1109) :
Em Julho de 2008 a empresa vinha num crescimento projetado chagando a possuir quatro pontos de vendas. Como no ramo de calçados há necessidade de renovação de modelagens foram efetivados pedidos de monta referentes a mercadoria de preço mais elevado, apostando o depoente em boas vendas para o final daquele ano. Trataram de segmentar da melhor maneira visando otimização das vendas. Ocorre que em setembro de 2008, ocorreu o fenômeno das bolsas americanas/europeias, que resultaram num impacto negativo na economia nacional. Assim, ficaram conjugados os fatores de alto estoque, o custo corrente e a alteração de modelagens. O depoente informa que vendiam a crédito mas apenas uma parcela de cerca de 5%. Mas, mesmo assim, não houve margem suficiente para cobrir essa defasagem. O depoente com credores chamados ‘pequenos’ acertou seus débitos com pagamentos semanais e em alguns casos com devolução da mercadoria. Mas grandes grupos, como a Grendene não aceitaram qualquer situação de composição do débito. Assim, sem crédito, a empresa sucumbiu.
Ao analisar os Laudos Periciais, elaborados pelo Perito Contábil Silvio Luciano Santos, percebeu-se exemplar detalhamento a cerca do balanço patrimonial da empresa. O perito objetivou examinar os Balanços dos anos de 2007 a 2009 e também os Livros obrigatórios e fiscais.
De acordo com os exames realizados, o perito concluiu que o estado geral de contabilidade da empresa não atendeu totalmente às determinações da legislação comercial, no que diz respeito, principalmente, quanto à escrituração contábil e que não foram apresentados os Livros Fiscais Obrigatórios.
A perícia demonstrou que o valor do ativo da empresa, datada do último balancete apresentado, era de R$ 1.173.201,08 (um milhão cento e setenta e três mil duzentos e um reais e oito centavos). Através das demonstrações contábeis confirmou que a empresa apresentava uma situação econômico-financeira instável, não se justificando a manutenção das atividades da empresa.
Através da Ata de Leilão obteve-se a informação de que o total de bens a serem leiloados alcançava o montante de R$ 441.939,00, entretanto, o martelo foi batido, depois de esgotadas todas as tentativas de que propostas maiores fossem oferecidas, por apenas R$ 240.000,00 para Pessoa Jurídica também do ramo de calçados.
3.2 Do pedido de decretação da falência
Assim como a maioria dos pedidos de falências, o caso em comento constitui-se em um pedido de falência feito por um credor. De acordo com os ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho, essa é a situação mais comum:
Regra geral, é o credor o maior interessado na instauração do processo de execução concursal, até mesmo porque o pedido de falência tem-se revelado um eficaz instrumento de cobrança. (COELHO, 2013, p.294)
Ainda de acordo com o entendimento de Ulhoa (2013) e de grande parte da doutrina, o credor ao solicitar a falência do devedor, em decorrência da impontualidade do devedor, visa, acima de tudo, o recebimento de seu crédito e não, necessariamente, a quebra do devedor.
Os legitimados para requerer a falência do devedor estão descritos no art. 97 da Lei de Falências, in verbis:
Art. 97. Podem requerer a falência do devedor:
I – o próprio devedor, na forma do disposto nos arts. 105 a 107 desta Lei;
II – o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor ou o inventariante;
III – o cotista ou o acionista do devedor na forma da lei ou do ato constitutivo da sociedade;
IV – qualquer credor.
§ 1o O credor empresário apresentará certidão do Registro Público de Empresas que comprove a regularidade de suas atividades.
§ 2o O credor que não tiver domicílio no Brasil deverá prestar caução relativa às custas e ao pagamento da indenização de que trata o art. 101 desta Lei.
Destarte, a requerente do caso em apreço, a empresa Grendene S/A, situa-se no inciso I do artigo supramencionado, pois, trata-se de credora da empresa Stock Calçados S/A.
A empresa Grendene foi fundada em 1971 e, atualmente, é uma das maiores produtoras mundiais de calçados. Destaca-se por possuir tecnologia proprietária e exclusiva na produção de calçados para os públicos feminino, masculino e infantil. A Companhia é detentora de marcas reconhecidas e de sucesso, como Melissa, Grendha, Ilhabela, Zaxy, Rider, Cartago, Ipanema, Pega Forte, Grendene Kids e Grendene Baby. Além disso, atua também através de licenciamentos de celebridades e personagens do universo infanto-juvenil (GRENDENE, 2015).
A requerente afirmou ser credora da Stock Calçados no valor de R$ 111.441,82 (cento e onze mil, quatrocentos e quarenta e um reais e oitenta e dois centavos), referentes a inúmeras duplicatas vencidas e não pagas pela empresa demandada. A empresa Grendene S/A ainda alegou e comprovou nos autos que todas as duplicatas foram devidamente protestadas.
Ainda sobre o artigo 97, agora em seu parágrafo primeiro, insta registrar que a requerente cumpriu a determinação legal de apresentar a Certidão do registro Público de Empresas, atestando, assim, a regularidade de suas atividades como unidade produtiva.
3.3 A fundamentação do pedido de decretação da falência
Superada a análise da legitimidade elencada no artigo 97 da referida lei, passa-se, então, para o exame da fundamentação do pedido de falência. Tal pleito lastreou-se no inciso I do art. 94 da Lei 11.101/2005, o qual dispõe sobre a possibilidade de decretação da falência do empresário quando o mesmo “sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 salários mínimos na data do pedido de falência.”
Embasando seu pedido no art. 94, inciso I, a requerente utilizou-se para provar a insolvência da microempresa Stock Calçados S/A do sistema da impontualidade injustificada.
Sobre o instituto da impontualidade injustificada, para o caso em análise, é salutar trazer à baila importante menção de Almeida (2005) apud Gonçalves (2008):
A impontualidade sem relevante razão de direito se mostra no momento em que o devedor empresário, não paga no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cambialmente, cujo valor supere a quantia de 40 (quarenta) salários mínimos na data do pedido de falência do empresário. Essa impontualidade, ‘por sua vez, exterioriza-se não pela mera cessação do pagamento, mas pelo protesto’, ou seja, mesmo que haja uma sentença judicial, essa deve ser levada ao protesto cambial, para que assim atenda o requisito condicionante da lei de falências. Através da certidão do protesto que o credor fundamentará o pedido de falência do devedor
Tal trecho supramencionado é importante para o caso em análise, pois, que a empresa Stock Calçados Ltda, dentre outros argumentos, suscitou ausência de insolvabilidade e alegou inexistência de protesto especial para fins falimentares.
3.4 Da contestação ao pedido de falência
Ab initio, antes de tecer comentários sobre tal ponto, insta registrar que a empresa Stock Calçados Ltda não se utilizou de importante instituto, o depósito elisivo da falência. Conforme leciona o exímio André Santa Cruz Ramos (2014):
“A elisão da falência é feita com o depósito em juízo do valor da dívida reclamada no pedido falimentar, devidamente corrigido e acrescido de juros e honorários advocatícios.”
Seria totalmente cabível tal instituto, pois, que o art. 98, parágrafo único da Lei 11.101/2005 aduz que para casos como esse em apreço, isto é, que baseiam o pedido de decretação da falência de determinada empresa com fulcro nos incisos I e II do caput do art. 94 da referida Lei, ao devedor é dada a faculdade de, no prazo da contestação, depositar montante correspondente ao total de crédito, hipótese em que a falência não será decretada e, caso julgado procedente o pedido de falência, o juiz ordenará o levantamento do valor pelo autor.
No que tange especificamente à contestação, a Lei 11.105/2005 dispões que para o caso em apreço, isto é, pedido de decretação da falência com base no art. 94, inciso I da referida Lei, é possível que a empresa alegue:
I – falsidade de título;
II – prescrição;
III – nulidade de obrigação ou de título;
IV – pagamento da dívida;
V – qualquer outro fato que extinga ou suspenda obrigação ou não legitime a cobrança de título;
VI – vício em protesto ou em seu instrumento;
VII – apresentação de pedido de recuperação judicial no prazo da contestação, observados os requisitos do art. 51 desta Lei;
VIII – cessação das atividades empresariais mais de 2 (dois) anos antes do pedido de falência, comprovada por documento hábil do Registro Público de Empresas, o qual não prevalecerá contra prova de exercício posterior ao ato registrado.
A empresa Stock Calçados Ltda, dentre as possibilidades elencadas no art. 96, alegou os incisos III, IV e V para tentar afastar o pedido de quebra e argumentou, em síntese que tal pedido estava repleto dos seguintes vícios formais: a ausência de insolvabilidade, carência da ação, desnecessidade do pedido de falência, inexistência de protesto especial para fins falimentares, nulidade das intimações do protesto.
No que tange ao mérito, alegou que as partes teriam novado a dívida, através de instrumento particular de confissão da dívida e que teria realizado parte do pagamento. Contudo, os autos demonstraram que não havia registro formal dessa novação, apenas um pagamento realizado, inclusive fora do prazo que a própria Stock Calçados Ltda havia estipulado.
3.5 Da necessidade de protesto especial para fins falimentares
Nesse ponto a demandada equivocou-se, pois, de fato, embora o único meio hábil de demonstrar a impontualidade injustificada seja o protesto do título, o protesto especial para fins falimentares, exigido pela Stock Calçados S/A, só é imprescindível para títulos que não comportem o protesto cambial, o que não é o caso em apreço.
Nesse sentido, o Juiz que decretou a falência colacionou importantes julgados a respeito, como por exemplo:
“APELACÃO CÍVEL. PEDIDO DE FALÊNCIA. IMPONTUALIDADE. INDEFERIMENTO DA INICIAL. INÉPCIA. AFASTAMENTO. Tendo a autora formulado pedido de falência, com fulcro no artigo 1º do Decreto- Lei nº 7.661/45, não falar em comprovação do estado de insolvência que na espécie, ante a anexação de título executivo vencido e protestado, é presumido. Ademais disso, o pedido de falência, em face de sua natureza, implicitamente contempla pedido de pagamento da dívida, cabendo ao credor, quando munido de documentos hábeis, a faculdade de optar pela via executiva ou pelo pedido de quebra. Nesse contexto, a inépcia da inicial se afigura provimento de impossível caracterização, pois, a fim de que seja declarada, demanda obediência restrita aos termos do inciso I e do parágrafo único, ambos do artigo 295 do Código de Processo Civil. APELO PROVIDO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA”
(AC 70008071698, 5ª Câmara Cível, Rel. Dr. Antonio Vinicius Amaro Silveira, j. em 15.05.2004).
Nesse sentido fazendo uma breve busca sobre tal ponto, corroboram-se os argumentos do magistrado e traz-se outra decisão bastante didática sobre esse ponto:
TÍTULOS DE CRÉDITO. PROTESTO. PEDIDO DE FALÊNCIA. Os títulos de créditos subordinados ao protesto comum escapam à necessidade de protesto especial. No caso, onde se discute a suficiência do protesto, o cheque, levado a protesto regular, é título hábil para instruir o pedido de falência. Precedentes citados: REsp 50.827-GO, DJ 10/6/1996, e REsp 74.847-SP, DJ 2/6/1997. REsp 203.791-MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, julgado em 8/6/1999 (grifos nossos)
3.6 Da Intimação do protesto na pessoa de representante legal da empresa
Outro ponto polêmico que merece ser debatido no estudo desse caso, foi o fato da demandada alegar que as intimações dos protestos não foram válidas. Segundo a empresa Stock Calçados S/A tais intimações deveriam ser anuladas, pois, que só seriam válidas se houvesse sido feitas na pessoa do sócio da empresa.
A suposta necessidade de que o devedor seja intimado pessoalmente é tema que já gerou bastante controvérsias na doutrina e jurisprudência pátrias. Por isso, com o escopo de realizar uma melhor análise desse ponto, optou-se por trazer a tal trabalho inferências de um breve estudo sobre tal temática feito pelo Tabelião João Figueiredo Ferreira (2015) o qual tratou de forma muito didática tal polêmica, trazendo outros dispositivos legais, além da Lei 11.105/2005.
De acordo com Ferreira (2015), a Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973 que instituiu o Código de Processo Civil, ainda vigente, em seu art. 883 versou sobre a intimação do devedor no protesto, e tal dispositivo determina que tal intimação deva ser feita por carta registrada ou que seja entregue em mãos o aviso. In verbis, eis o artigo:
Art. 883. O oficial intimará do protesto o devedor, por carta registrada ou entregando-lhe em mãos o aviso.
Com esse artigo tanto a doutrina como a jurisprudência dominantes passaram a admitir como válida a intimação por carta registrada remetida pelo correio com aviso de recepção, já no que diz respeito ao aviso enviado pelo Tabelionato, deveria este ser entregue diretamente ao devedor, isto é, a intimação deveria ser na pessoa do devedor (FERREIRA, 2015).
Conquanto o legislador tenha tido toda a preocupação em restringir tal ato, Ferreira afirma que o Decreto nº 83.858/79, que trata do Regulamento do Serviço Postal, dispôs quanto à entrega da carta registrada de modo mais aberto, o que é um contrassenso, pois, a maior liberalidade para o funcionário dos Correios do que a entrega da carta protocolada pelo funcionário do Cartório. In verbis, também se traz a baila tal dispositivo do Regulamento do Serviço Postal:
Art. 100. O objeto postal registrado destinado à distribuição domiciliária será entregue, mediante recibo, a qualquer pessoa adulta no endereço indicado que se apresente para recebê-lo, exceto no caso de indicação de entrega em mão própria.
Diante dessa análise dos dispositivos legais que tratam da exigência da intimação pessoal do devedor, a Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997, trouxe contribuições ao regulamentar os serviços de protesto (FERREIRA, 2015).
De acordo com tal Lei, o procedimento de intimação do devedor passou a considerar cumprida a intimação quando comprovada a sua entrega no endereço do devedor, fornecido pelo apresentante do título (art. 14).
Art. 14. Protocolizado o título ou documento de dívida, o Tabelião de Protesto expedirá a intimação ao devedor, no endereço fornecido pelo apresentante do título ou documento, considerando-se cumprida quando comprovada a sua entrega no mesmo endereço. (grifos nossos)
Destarte, percebe-se que não há vício na intimação como alegado pelo devedor, pois não mais se exige a intimação seja entregue em mãos do devedor, conforme o art. 883 do Código de Processo Civil. Atualmente vale o entendimento de que será válida a intimação quando comprovada sua entrega no endereço do devedor fornecido pelo apresentante.
Pois bem, essa situação é a do caso em apreço, conforme apontou o Juiz Alexadre Kosby Boeira, que decretou a falência e argumentou que às fls. 235/552 seria possível comprovar que as intimações foram recebidas por pessoas devidamente identificadas e no endereço que o devedor havia designado para receber quaisquer comunicados.
Fundamentando sua decisão de modo consoante ao entendimento aqui explanado, o insigne magistrado colacionou as seguintes jurisprudências para aduzir que a intimação do caso em análise foi regular, por isso, devendo ser indeferido o pedido da Stock Calçados nulidade devido à vício na intimação:
“Falência. Processamento. Protesto dos títulos. Regularidade. Uma vez satisfeitos os pressupostos dos arts. 1º e 11, da lei de quebras, e de restar mantida a sentença que decretou falência da agravante. Ocorrido o protesto comum das duplicatas torna-se desnecessário o protesto especial da lei falencial. Regularidade da intimação pessoal do protesto, certificada nos respectivos instrumentos, sem haver prova em sentido contrario, a afastar a presunção da fé publica dos apontados atos. Inexistência de comprovação, inclusive, de que a credora estivesse utilizando o processo falimentar apenas como forma de coerção para a cobrança do seu credito. Agravo desprovido.” (Agravo de Instrumento Nº 70005254404, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Leo Lima, julgado em 13/03/03).
“Falência. protesto especial. desnecessidade. protesto. Intimação pessoal. duplicatas. liquidez, certeza e exigibilidade. Pagamentos parciais. inocorrência. havendo necessidade de protesto obrigatório dos títulos que embasam o pedido, desnecessário, a teor do art. 10 da lei de falências, o protesto especial. A irregularidade do protesto efetuado nos títulos e exceção que deve ser demonstrada pela agravante. Na ausência de qualquer adminiculo probatório considera- se regular o protesto efetuado na pessoa de funcionário da empresa. Duplicatas devidamente protestadas e acompanhadas de comprovantes de entrega e recebimento das mercadorias possuem presunção de liquidez, certeza e exigibilidade, só atacável ante prova robusta do contrario. A alegação de pretenso pagamento parcial do debito não vinga, pois as quantias adimplidas referem-se a títulos diversos aos que instruíram o presente pedido. Agravo improvido.”
(Agravo de Instrumento Nº 70000857268, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha, julgado em 11/05/00).
Do administrador judicial
Por fim, é salutar uma análise a respeito de importante ator envolvido no processo de decretação da falência, pois que através desse exame será possível aplicar os conhecimentos adquiridos durante a disciplina de Direito Comercial V ao se verificar se atuação desse profissional esteve pautado pela legalidade preconizada na Lei de Falências.
Nesse sentido, vale trazer à baila que a atribuição primordial do administrador judicial é auxiliar o juiz, contudo, toda a sua atuação é feita em nome próprio, fato que o investe de certa autonomia no processo falimentar.
Rubens Requião, citando a doutrina francesa de Percerou e Desserteaux, sobre a importância de tal figural afirma que a mesma representa parte fundamental à administração da falência, pois:
"É o órgão essencial da falência, e ninguém, dentro do processo, tem um lugar comparável ao seu. Não há nada de exagero, acentuam esses autores, em dizer que é sobretudo de seu valor moral e profissional que depende, de fato, o sucesso da instituição."
A Lei nº 11.101/2005 de modo expresso, em seu art. 21, requer habilitação especial para o desempenho dessa atividade:
O administrador judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada.
Para o caso em comento, foi nomeado o Administrador Judicial Flocke Hack & Medeiros Advogados Associados, na pessoa de Laurence Bica Medeiros, conforme já descrito no início desse trabalho, trata-se de escritório especializado em recuperação judicial e falência, situado na Rua Júlio de Castilho, nº 679, salas 111 e 112, Centro, Novo Hamburgo – RS.
Através dos documentos analisados nesse trabalho, percebeu-se que o Administrador Judicial agiu com toda a diligência que a Lei determina. Por exemplo, no que tange a ausência de apresentação dos Livros Obrigatórios para realização da Perícia, o Administrador Judicial fez as devidas observações e, em seu relatório, na parte das disposições sobre a “conduta do devedor antes e depois da sentença de decretação da falência” (fls.1738/1739), aduziu corretamente que tal conduta – não entrega de todos os livros obrigatórios – constitui crime falimentar. De modo bastante pertinente, assim fundamentou:
“uma vez que, assim procedendo, os falidos poderão estar encobrindo outros delitos, já que impossibilitam ao administrador judicial e ao perito contábil uma apuração fidedigna das movimentações financeiras realizadas, assim como dos bens existentes em nome da empresa, além da própria apreciação de atos de má-gestão praticados pelos sócios falidos.”
O Administrador Judicial do caso em apreço, de acordo com o art. 7º, § 2º da lei 11.105/2005, colacionou aos autos (fls. 1525/1527) informações muito bem organizadas e detalhadas a respeito dos credores, fez um quadro de credores, constituído por:
créditos trabalhistas julgados;
créditos quirografários apurados contabilmente;
créditos fiscais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O advento da Lei de Recuperação Judicial e Falências, Lei nº 11.101/2005, embora tenha trazido diversas inovações com o intuito de preservar a empresa, não foi descabida no que tange a perpetuar unidades produtivas incapazes de se sustentar na dinâmica da economia global.
Desse modo, através desse estudo de caso, dentre outras ilações, foi possível perceber que a permanência de uma empresa que não dispõe de uma situação financeira minimamente saudável pode trazer muitos mais prejuízos à ordem econômica do que a decretação de sua falência. Através da falência é possível ao menos a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos da empresa, conforme norteia o princípio da maximização dos ativos, princípio basilar do Direito Falimentar.
Dentre as questões mais polêmicas da Lei de Falências também foi possível consolidar o conhecimento a respeito da prescindibilidade de protesto especial nos casos gerais do processo falimentar e da desnecessidade de intimação exclusivamente na pessoa do devedor da empresa. Também foi possível como mecanismo de aprofundamento teórico desse trabalho o esquadrinhamento da Lei de Falências correlacionando-a com diversos outros dispositivos legais, bem como o estudo mais minucioso de diversos de seus institutos: impontualidade injustificada, elisão da falência, administrador judicial, Laudo pericial, Termo de Declaração, Ata de Leilão, dentre outros explanados nessa pesquisa.
Destarte, assinala-se que por meio desse trabalho foi possível aplicar de maneira mais aprofundada e prática diversos conhecimentos estudados em sala de aula, o que sem dúvidas, revela-se em grande contribuição tanto à formação acadêmica, quanto a futura atuação profissional.
Por fim, insta registrar que quaisquer dúvidas, críticas ou sugestões serão muito bem aceitas, pois, acredita-se sempre ser necessário o aprofundamento daquilo que nos propomos a realizar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Amador Paes. Curso de Falência e Recuperação de Empresa. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 26.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 4.ed. São Paulo: Método, 2014.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 16. Ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 208.
Informações estatísticas extraídas do site: <http://www.jurisite.com.br/noticias_juridicas/not66.html>, Acesso em 15 de Jul. de 2015, às 22h34︎