O imposto ICM, criado em 1967, recebeu com a Constituição de 1988 a letra “s”, passando a incorporar a partir de então impostos que eram exclusivos da União, entre os quais sobre combustíveis, minerais, energia elétrica e comunicações, passando a se denominar ICMS.
Quando da sua promulgação, a Constituição Federal de 1988 tinha a previsão legal de permitir aos Estados a cobrança de ICMS (Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre as exportações de mercadorias.
No entanto, a edição da Lei Complementar 87/1996, a conhecida Lei Kandir, ao invés de tributar as exportações como previsto em 1988, determinou a não incidência do ICMS nas exportações, porém com a manutenção dos respectivos créditos do ICMS das compras necessárias para realização destas exportações.
O motivo para este revés foi o fato de que o Brasil na ocasião, vinha de um longo período inflacionário iniciado em 1979 e de vários planos econômicos fracassados. O Plano Real criado em 1994 estava dando certo e o Brasil precisava equilibrar a sua balança comercial, aumentando as suas exportações.
Criou-se desde então o consenso de que o Brasil para ser competitivo não pode exportar os seus tributos, e sim apenas as mercadorias, daí o motivo de desonerar as exportações do ICMS na Lei Complementar 87/1996.
Em contrapartida à perda da arrecadação prevista, os Estados obtiveram a aprovação de um fundo de compensação às perdas da Lei Kandir, constante no Artigo 32. Este fundo estabeleceu um repasse orçamentário de créditos da União aos Estados, calculados sobre as perdas destes pela não tributação do ICMS exportação e liberação dos créditos de ICMS pelos Estados.
A história nos mostra que tanto o ressarcimento às empresas dos créditos de ICMS decorrentes da exportação, quanto o ressarcimento pela União aos Estados das perdas com arrecadação, não funcionaram adequadamente ao longo destes 26 anos.
Isto porque nem as empresas nem os Estados receberam na integralidade os créditos decorrentes da desoneração do ICMS das exportações previstos na Lei Kandir.
Quanto as empresas existem uma infinidade de créditos de exportação a serem ressarcidos, face as dificuldades impostas pelos Estados que inviabilizam que estas possam reaver os recursos a que tem direito. As exceções no ressarcimento ficam por conta atualmente do Estado de São Paulo e Paraná, os quais possuem legislação e sistemáticas vigentes próprias para este ressarcimento.
A Lei Kandir também estabeleceu o direito ao crédito de ICMS sobre os bens de uso e consumo adquiridos pelas empresas. Este direito foi criado em 1996, tem sido sucessivamente postergado até 1º de janeiro de 2033. (LC 171/2019).
Um verdadeiro paradoxo jurídico, onde o direito existe desde 1996, mas a legislação prevê a sua vigência apenas a partir de 2033, trinta e sete anos depois. Não é demais referir que vários processos judiciais ao longo destas três décadas tentaram reverter este assunto, no entanto sem êxito, pois as decisões acabam sendo políticas em nome da preservação dos recursos do caixa do governo.
No âmbito constitucional há uma violação clara a regra da não cumulatividade, onde se estabelece no Inciso I do § 2º do Artigo 155 da Constituição Federal de 1988 que prevê que: “o imposto será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias com o ou prestação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou Distrito Federal.”
Entre as alterações legislativas implementadas durante a pandemia do Coronavírus 2019, foi aprovada a Emenda Constitucional 109/2021, que extinguiu a obrigação da União em indenizar as perdas dos Estados, ao mesmo tempo que extinguiu o fundo criado para ser utilizado na indenização das perdas da cadeia exportadora.
Com a aprovação da Lei Complementar 176/2020, ficou acordado em que a União pagará aos Estados entre 2020 e 2037 a importância de 42 bilhões, quitando assim a dívida contraída e deixando de haver reposição de perdas a partir de então.
Há de se considerar que no âmbito privado as empresas exportadoras continuarão a acumular créditos de ICMS. Uma das alternativas válidas de buscar este ressarcimento é compensar o ICMS das suas exportações passando a importar, pois o ICMS como sabemos é devido antecipadamente no ato do desembaraço aduaneiro das importações.
Nos Estados onde não há uma previsão clara para ressarcimento destes créditos, a empresa deles detentora pode solicitar regime especial para compensar internamente o seu imposto com os débitos de importação, ao invés de buscar sem sucesso o ressarcimento junto ao fisco. Caso não tenha operações de importação por conta própria, esta compensação poderá ocorrer através de importações por conta de
Neste sentido, no âmbito federal a Instrução Normativa 1861/2018 disciplina as modalidades de importação estabelecendo os conceitos e requisitos das importações nas modalidades: “Importação Por Conta Própria”, “Importação Por Conta e Ordem de Terceiros” e “Importação Por Encomenda”.
Apesar da matriz constitucional estabelecida pela Lei Kandir, cada unidade da federação regula de forma diferente o pagamento de ICMS, ao estabelecer quem é o contribuinte nas operações de importação por conta própria e de terceiros. Ora determinando que o contribuinte é real adquirente, ora determinando que o contribuinte é o importador.
Com o processo administrativo adequado e a obtenção de regime especial autorizando a compensação do ICMS importação com os créditos existentes, é possível reaver estes recursos, mesmo se a importação for de terceiros, obtendo-se sempre a prévia autorização da Fazenda Estadual da unidade da federação em que o contribuinte está estabelecido.
Entendemos que os recursos que serão utilizados pela União até 2037 para ressarcir os Estados das perdas com a Lei Kandir devam ser utilizados para pagar os resíduos de créditos de ICMS das empresas da cadeia exportadora, desta forma respeitado o princípio constitucional da não cumulatividade do ICMS previsto na Constituição Federal. (Inciso I, § 2º do art. 155)