Reforma trabalhista. Supressão de direitos na jornada de trabalho 12x36

04/04/2023 às 21:09

Resumo:


  • A reforma trabalhista no Brasil, Lei nº 13.467/17, alterou a regulamentação da jornada de trabalho 12x36, afetando direitos como intervalos para repouso e alimentação e remuneração de feriados e horas noturnas.

  • Francisco Edivar Carvalho, Auditor Fiscal do Trabalho e especialista em Direito do Trabalho, discute os impactos negativos da reforma, que, em sua visão, representam um retrocesso nas conquistas trabalhistas.

  • O artigo aborda questões como a redução do intervalo interjornada para 30 minutos, a indenização em substituição ao descanso e a inclusão dos feriados e horas noturnas na remuneração mensal sem acréscimos, contrariando jurisprudências anteriores.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Reforma trabalhista. Supressão de direitos na jornada de trabalho 12x36.

Francisco Edivar Carvalho. Auditor Fiscal do Trabalho. Especialista em Direito do Trabalho. Autor dos livros: Empregado Doméstico, LTR 2001; Trabalho portuário avulso antes e depois da lei de modernização dos portos, LTR 2005 e Abordagem prática do trabalho portuário e avulso, LTR 2011. Autor de artigos jurídicos publicados nos sites jusnavigandi e consultor jurídico, entre outros.

Este artigo comenta aspectos legais da jornada de trabalho de 12 horas por 36 horas ininterruptas de descanso em decorrência das disposições da Lei nº 13.467/17, popularmente conhecida como reforma trabalhista. Três aspectos serão abordados, quais sejam: o intervalo interjornada e sua redução ou indenização; o trabalho em dia de feriado e a prorrogação do horário noturno além das 5 horas da manhã.

Nas últimas décadas tornou-se corriqueiro se falar em reformas. A mídia, os partidos políticos e os governantes estão frequentemente a falar em reformas. É reforma da previdência, tributária, administrativa, trabalhista e por aí vai. Na acepção literal da palavra, reformar significa promover alterações em alguma coisa para melhorá-la. Quando alguém reforma a casa ou apartamento opera mudanças para torná-los melhor, mais amplo, mais confortável, mais ventilado etc. Entretanto, há reformas que tornam a situação pior do que era antes.

Até o advento da reforma trabalhista instituída pela Lei nº 13.467/17, a jornada de trabalho de 12 horas por 36 de descanso não tinha previsão legal. No âmbito das relações de emprego, algumas categorias profissionais, principalmente da área médica, já trabalhavam nesse regime e aos poucos outras passaram a adotá-la por meio de convenções coletivas de trabalho.

Diante do comando constitucional da jornada normal de trabalho ser de 8 horas diárias e sua possível prorrogação em até duas horas, perfazendo 10 horas diárias, via-se com certo assombro o labor durante 12 horas seguidas. É importante destacar que, salvo algumas categorias profissionais regidas por leis específicas, a duração do trabalho dos empregados em geral tem na Consolidação das Leis do Trabalho capítulo próprio (Artigos 57 a 75) que disciplinam as disposições constitucionais sobre duração do trabalho insculpidas no Artigo 7º da Constituição Federal.

Nos hospitais e nos serviços de vigilância e segurança, a jornada de 12 x 36 foi instituída de forma consuetudinária e aos poucos foi formalizada em convenções coletivas de outras categorias profissionais. Em decorrência, começaram a surgir questionamentos pertinentes a vários aspectos. São exemplos: A folga de 36 horas cobria o descanso dominical e o trabalho em dia de feriado? Qual o intervalo para repouso e alimentação (descanso intrajornada)? O trabalho noturno, nos casos em que a jornada ultrapassava as 5 horas da manhã, é devido? Horas extras são devidas, em face do limitador constitucional da jornada diária em 8 horas?

A primeira questão relevante a ser abordada diz respeito ao intervalo para repouso e alimentação, coisa elementar em qualquer trabalho, haja vista que até as máquinas precisam de pausas. A História é farta ao demonstrar as precárias condições de trabalho ao longo dos anos. Diante desse quadro, a sociedade evoluiu, criou leis para limitar o labor diário em algumas horas e um tempo mínimo para descanso, de forma a propiciar ao trabalhador a recuperação de suas energias. Assim, no Brasil, foi estabelecido um descanso dentro da jornada de trabalho para repouso e alimentação (mínimo de 1 hora e máximo de 2 horas. Art. 71 da CLT), um descanso entre uma jornada e outra (11 horas consecutivas. Art. 66 da CLT), um descanso semanal remunerado (Art. 67 da CLT e Lei 605/49) e um descanso anual (Férias. Artigos 129 a 149 da CLT). Na contramão destas históricas conquistas, o legislador da reforma trabalhista abriu a possibilidade do intervalo mínimo de 1 hora para repouso e alimentação ser reduzido para 30 minutos nas jornadas acima de 6 horas mediante convenção ou acordo coletivo, segundo o Art. 611-“A” da CLT, com redação dada pela Lei nº 13.467/17. Como sói acontecer hodiernamente, o discurso é o de que as partes são livres para negociar.

Inúmeros julgados dos tribunais do trabalho e da mais alta corte trabalhista do Brasil (TST) trilharam caminho no sentido de que na jornada de trabalho de 12 x 36 alguns direitos permaneceriam incólumes, mas, contrariando tudo que os estudiosos do Direito do Trabalho conhecem até então acerca da necessidade do trabalhador descansar, o legislador inovou mais ainda, quando permitiu no final da redação do Artigo 59-A da CLT, a indenização do descanso. Ora, desde quando dinheiro recupera energias gastas no desempenho do trabalho? Tal permissão vai na contramão da concessão obrigatória de um descanso mínimo de 1 hora nas jornadas acima de 6 horas. Fico a me perguntar como se sente um motorista profissional depois de dirigir durante 12 horas seguidas sem descanso, no caso de ser indenizado ou até mesmo se tiver, apenas, 30 minutos de descanso. Quais as consequências físicas, biológicas, mentais e até de acidente para um trabalhador desse? Com base neste dispositivo legal, muitos empregadores estão a pagar o descanso, ao invés de concedê-lo.

Outro ponto de suma importância a ser abordado diz respeito ao descanso semanal aos domingos e em dia de feriado. Havia questionamentos se a folga de 36 horas compensaria ou não o trabalho nesses dias, em face do comando do Art. 7º, XV da Constituição Federal e da Lei nº 605/49, respectivamente. A jurisprudência consolidada pela Súmula 444 do TST assegurava a remuneração em dobro dos feriados trabalhados. O Art. 9º da Lei nº 605/49 prevê o pagamento em dobro ou a compensação com outro dia de folga. E aí, mais uma vez, o legislador reformista trabalhista inovou, contrariou e retirou um direito já consagrado pela jurisprudência trabalhista, ao estatuir no parágrafo único do Art. 59-A da CLT que a remuneração mensal pactuada pelo horário previsto no caput abrange os pagamentos devidos pelo descanso semanal remunerado e, também, pelo descanso em feriados. Assim, a Súmula 444 do TST e o Artigo 9º da Lei nº 605 passam para o arquivo morto.

Até aqui vimos dois retrocessos relativamente à jornada de 12x36 com a reforma trabalhista. Um foi a possível redução do intervalo para repouso e alimentação para 30 (trinta) minutos ou sua indenização, o outro, o não pagamento ou a compensação dos feriados trabalhados.

A jurisprudência trabalhista consolidada na Súmula 60 do TST já tinha, também, firmado o entendimento que a prorrogação do horário noturno além das 5 horas da manhã é considerada horário noturno. Portanto, se o empregado trabalhasse no horário das 19:00h às 07:00h do dia seguinte, ele teria direito à duas horas noturnas (das 05:00h às 07:00h). A redação, in fine, do acima citado artigo 59-A diz que além dos feriados, serão considerados compensadas as prorrogações de trabalho noturno, ou seja, a partir da reforma trabalhista o empregado não tem mais esse direito. Portanto, em apenas um só parágrafo foram retirados dois direitos dos empregados que laboram na jornada de 12x36 já consagrados pela jurisprudência trabalhista. Desta forma, a Súmula 60 do TST, também, vai para o arquivo morto.

Para concluir, dessume-se que o legislador da reforma trabalhista desconsiderou aspectos históricos e da justiça especializada que garantiam aos empregados uma melhor retribuição pelo esforço do seu trabalho nesta extenuante jornada. Foi uma reforma para piorar.

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Sobre o autor
Francisco Edivar Carvalho

Professor universitário, graduado e pós-graduado em Administração de Empresas. Especialista em Direito do Trabalho. Auditor Fiscal do Trabalho. Autor dos livros Empregado Doméstico (LTr 2001) e Trabalho Portuário Avulso (LTr 2005).<br>.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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