Aplicação das provas digitais no processo do trabalho

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  1. CONCEITO

As provas digitais conceituam-se como os fatos reais ou os ocorridos em meio virtual, elucidados por meios digitais, chamadas de “evidence”. Também retratam como fatos documentados (proof) em meio digital2, sejam eles referenes a fatos ocorridos em meio virtual ou na própria realidade, todos eles direcionados à elucidação da verdade judicial (truth) de forma mais próxima possível dos fatos realmente ocorridos.

  1. ESPÉCIES

As espécies de provas digitais dividem-se segundo as suas fontes (source). As de fontes abertas são extraídas de meios abertos ao público por meio da internet, sejam elas de órgãos oficiais (como no caso do REDESIM3) ou não (como no caso da Wayback Machine4). Elas são de acesso livre e demandam conhecimento técnico para sua interpretação5

As espécies de fontes fechadas são as que requerem autorização judicial para o seu uso6, sejam elas apenas para extrair informações sigilosas (conforme art. 5º, XI e XII da CR/887), como o INFOSEG8, ou mesmo as de realização de constrições patrimoniais propriamente ditas, como o SISBAJUD9 e o RENAJUD10, à luz dos arts. 12 e 22 da Lei 12.96511 e da Lei Complementar 10512.

3 – REQUISITOS PARA SUA UTILIZAÇÃO

O direito autônomo à produção de provas típicas e atípicas (à luz do art. 369 do CPC), é corolário do direito ao contraditório prévio e substancial (segundo os arts. 5º, LV da CR c/c 9º e 10 do CPC) e do princípio do devido processo legal substantivo (consoante o art. 5º, LIV da CR/88), abrangendo inclusive as provas digitais. E esses meios de prova possuem atributos de segurança e integridade para serem adequadamente produzidos em processos judiciais.

O primeiro deles é a confidencialidade, definida como a garantia de que os dados tratados (à luz do art. 5º, X da Lei 13.709/18 – LGPD13) somente serão visualizados e acessados por pessoas ou sistemas autorizados por criptografia, senhas, redes seguras e etc.14Essa condição é corolária do sigilo constitucional de dados (art. 5º, XI e XII da CR/88) a controladores e operadores (segundo o art. 5º, VI e VII da LGPD), nos requisitos de tratamentos definidos no art. 7º da LGPD e segundo os princípios do art. 6º da LGPD.

A segunda é a integridade, conceituada como a manutenção do conteúdo dos dados encaminhados desde a origem, verificada pela análise15 do código hash16 ou código fonte do arquivo.17 E essa integridade deve ser mantida em todo o processo de investigação a elucidar-se pelas provas digitais em todos os seus possuidores, do reconhecimento ao descarte, chamada de Preservação da Cadeia de Custódia, presente no art. 158-A a art. 158-F do Código de Processo Penal18, corolária da paridade de armas e do dever de lealdade das partes, aplicados subsidiariamente ao Processo do Trabalho à luz do art. 769 da CLT.19e20

A terceira é a disponibilidade, no sentido de que o meio de difusão dos dados deve ser íntegro e disponível para essa finalidade. A manutenção desse meio reclama limpeza de cache e programas para evitar ataques de interrupção da rede.21

A quarta é a autenticidade, definida como a aptidão ou autorização para enviar ou receber informações, efetivada por meios como login e senha, modelos pares de chaves simétricas22 e assimétricas23 do ICP Brasil24 (Medida Provisória nº 2.200 de 2001)25, biometria26, dentre outros.27

A quinta e a irretratabilidade ou a impossibilidade de negar a autoria dos dados e informações fornecidas de forma autêntica.

4 – CARACTERÍSTICAS DAS PROVAS DIGITAIS

As provas digitais pressupõem fatos ou meios de prova virtuais, de forma a diferenciá-las substancialmente das provas corolárias do meio real. Elas são imateriais, frágeis, voláteis, alteráveis, falsificáveis com facilidade, bem como efêmeras, temporárias, precárias e não duráveis, além de instáveis, dispersas e dinâmicas. 28

A imaterialidade é algo não composto de matéria ou que não se pode tocar e que é invisível a olho nu, haja vista que os dados informáticos são impulsos elétricos independentes de suporte físico originário para existirem. 29 E essa condição os torna suscetíveis de fácil acumulação em dispositivos de armazenamento, bem como de transferência para outros dispositivos eletrônicos e, também, de eliminação prática com comandos realizados pelo seu operador, característica essa denominada de volatividade.

Essa condição os torna frágeis para o desaparecimento, seja pela eliminação ou pela adulteração da sequência numérica em sua essência. Mais ainda, a volatilidade enseja a facilidade de sua clonagem em cópias fiéis, com todos os bits que o compõem, como um espelhamento ou imagem30 e sem possibilidade de distinção entre o original e as cópias.

Por outro lado, os dados produzidos reclamam a utilização de equipamentos para o seu processamento compreensível para os seres humanos.31 Não apenas em função de os dados serem invisíveis a olho nu e codificados, mas também em virtude de o aprimoramento das tecnologias enaltece a velocidade de sua produção e processamento para obstar a cognoscibilidade deles por um ser humano comum, situação essa chamada de big data32, corolária da Internet das Coisas (IoT)33.

5 – RELAÇÃO DIRETA COM O ACESSO À JUSTIÇA E DEVIDO PROCESSO LEGAL SUBSTANCIAL

Os meios atípicos de prova (conforme art. 369 do CPC) relacionam-se diretamente com o direito humano, fundamental e autônomo à produção de provas, visto que corolário do acesso a justiça e do devido processo legal substantivo. Isso porque além de possuírem previsão expressa no art. 5º, LIV e LV da CR/88, instrumentos internacionais de direitos humanos os consagram nos arts. 8º, “1” e 25 do Pacto de San Jose da Costa Rica34, 14 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos35, ratificados como hard law36 supralegal e obrigatório perante o Poder Judiciário, a luz da eficácia vertical de repercussão lateral dos Direitos Fundamentais37 com aplicação direta e imediata (conforme art. 5º, §§ 1º e 2º da CR/88), bem como do RE 466.34338, do art. 20 da Lindb39 e do Art. 1º da Recomendação 123 do CNJ40.

O controle de convencionalidade41 enseja a eficácia paralisante da ratificação e internalização completa do tratado de direitos humanos por parte do Brasil, inclusive os que abarcam o acesso à justiça e devido processo legal, relacionados à efetividade do direito autônomo a produção de provas digitais. Eventuais decisões judiciais ou normas primárias domésticas que estejam em desacordo com o tratado de Direitos Humanos não possuem eficácia, diante da paralisação imposta pelo diploma internacional de estatura hierárquica piramidal superior.42

Nesse sentido, o Direito Humano e Fundamental à produção de provas digitais é inequívoco e não pode simplesmente ser obstado pelo magistrado trabalhista de forma arbitrária, à luz dos arts. 765 da CLT e 372 e 139 do CPC. Se as provas digitais são suficientes para descortinar a realidade de uma forma mais próxima da tese veiculada pela parte em sua manifestação, ela possui o direito de produzi-la, em tese, de forma que ele não se submete ao bel prazer do Juiz e a recusa deve ser proporcionalmente fundamentada.

6 – CAPILARIZAÇÃO DE INSTRUMENTOS TECNOLÓGICOS E RELAÇÃO COM O PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO TRABALHISTA

O enaltecimento da tecnologia e da Indústria 4.0 na ideia de Thomas Malone43 ensejou o advento de instrumentos tecnológicos para o processo judicial trabalhista e como meios de produção de provas digitais capazes de influência sensível para o deslinde da lide. O processo eletrônico do art. 12 da Lei 11.419/200644 e da Resolução nº 185 de 2017 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho45 e nos arts. 2º e 3º do Ato Conjunto TST.CSJT.GP.GVP.CGJT Nº 6/202146.

E essa condição remonta a uma evolução histórica do processo de produção de provas digitais no processo do trabalho, passando por meios magnéticos (Lei 12.682 de 201247), pelo marco civil da internet (Lei 12.965, de 2014, especialmente pelos sistemas Vigia para provedores de conexão48 e plataformas Google Lers49, Uber Lert50 e Whatsapp Lers51 para provedores de aplicação, sempre com ordens judiciais para acesso às informações, à luz da LGPD)52 e pela ISO 27.03753.

A extração de informações dos titulares dos dados ainda perpassa pelo armazenamento, extração, transmissão e outras formas de tratamento de dados de pessoas jurídicas e de pessoas naturais, sendo essas últimas protegidas pela LGPD, à luz dos arts. 1º a 3º c/c art. 6º e Capítulo II da LGPD. E essas limitações são aptas a preservar o Direito de privacidade e intimidade, qualificados como direitos de personalidade ( consoante os arts. 5º, XI e XII da CR/88 c/c 11, 20 e 21 do Código Civil54, perfeitamente aplicáveis ao Processo do Trabalho, à luz dos arts. 8º e 769 da CLT.

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A exibição de documentos (segundo o rito dos arts. 396 a 404 do CPC) e a produção antecipada de provas (art. 381 e 382 do CPC), por outro lado, devem observar as peculiaridades das provas digitais no Processo Judicial Eletrônico. Tanto é assim que o Ato Conjunto nº 31 de 4 de agosto de 2021 do TST, do CSJT e da CGJT estabelece inclusive diretrizes a serem seguidas pela Microsoft quando se trata de solicitação de dados armazenados55.

Por outro lado, as audiências telepresenciais são também meios de produção de provas digitais, seja por meio de depoimentos testemunhais em audiências telepresenciais (segundo os arts. 828 da CLT e 442 do CPC c/c art. 453 do CPC) por meio de plataforma digital56 de difusão de imagens, como o Zoom e o Google Meet, enaltecidas especialmente em tempos de pandemia e pelo Juízo 100% Digital57

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, a utilização de provas digitais, seja para retratar acontecimentos reais ou virtuais, vai ao encontro da efetividade da prestação jurisdicional, à luz da progressiva complexidade social da sociedade, bem como se compatibiliza com a incessante busca de efetividade da prestação jurisdicional ao trabalhador, muitas vezes credor de parcelas alimentares imprescindíveis ao seu patamar mínimo civilizatório.

REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Márcio Fernandes Lima da Costa

Pós-graduado em Direito Público pela Universidade do Estado do Amazonas – ESA/OAB-AM. Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Amazonas. Servidor Público Federal do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região. Autor da Obra: “Conciliar na Justiça do Trabalho: É sempre a melhor opção?” da Editora RTM.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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