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Breves considerações sobre as legislações anticorrupção pelo mundo

22/04/2023 às 13:32
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A corrupção não é mais vista como um problema dos países subdesenvolvidos, mas como um assunto de preocupação internacional.

A corrupção é um tema de extrema importância para o desenvolvimento dos países democráticos, já que suas consequências possuem estreita relação com a violação de Direitos Humanos.

Com a globalização, intensificaram-se os atos de corrupção já existentes nas sociedades, obstaculizando ainda mais o progresso de políticas públicas e sociais pelo mundo.

Corrupção, de acordo com o dicionário Aurélio, significa ato ou efeito de corromper-se; decomposição; devassidão; depravação e suborno. No entanto, moral e legalmente, esse conceito é bem mais amplo, abrangendo o declínio de valores ético-morais das relações comerciais e institucionais, por exemplo, e a desestruturação do sistema social das nações.

Por ser um fenômeno mundial, a partir da década de 1990, a comunidade internacional passou focar nas consequências e nos impactos da corrupção na condução de negócios internacionais.

O tema foi inicialmente debatido pelo Grupo de Trabalho sobre Suborno em Transações Comerciais Internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e culminou no primeiro acordo multilateral relacionado ao combate do suborno de servidores estrangeiros, em 1994.

No ano seguinte, a OCDE adotou a Recomendação sobre a Dedução de Impostos de Subornos de Funcionários Públicos Estrangeiros, e, em 1997, os Estados membros da OCDE, além do Brasil, da Argentina, da Bulgária, do Chile e da República Eslovaca, celebraram a Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, com entrada em vigor em 1999, refletindo um compromisso dos Estados signatários de adequar suas legislações às medidas necessárias à prevenção e combate à corrupção de funcionários públicos estrangeiros no âmbito do comércio internacional.

Nos anos que se sucederam, foram promulgadas e publicadas no Brasil as seguintes Convenções sobre a temática em análise: a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (Decreto nº 3.678, de 30 de novembro de 2000); a  Convenção Interamericana contra a Corrupção (Decreto nº 4.410, de 7 de outubro de 2002), e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006).

Como consequência das novas diretrizes a serem seguidas, a Lei nº 10.467/2002 alterou o Código Penal Brasileiro trazendo a tipificação de atos praticados por particular contra a administração pública estrangeira em transações comerciais internacionais.

Voltando ao cenário mundial, precisamos retroagir a 1977, com a publicação da Lei norte-americana de práticas de corrupção no exterior (Foreign Corrupt Practices Act), emendada em 1998, que trata das infrações relacionadas a atos corruptos e às obrigações contábeis das empresas em relação à administração pública estrangeira.

A Foreign Corrupt Practices Act, também conhecida pelas siglas FCPA, destina-se à aplicação de sanções criminais e cíveis às empresas não necessariamente com sede nos Estados Unidos, mas que possuem atividades naquele país, bem como aos empregados, aos agentes, aos administradores de empresas ou aos acionistas, sendo aplicável, outrossim, em caso de atos de corrupção praticados em solo americano, independentemente da nacionalidade do infrator.

Sobre a questão, os autores Luciano Vaz Ferreira e Fabio Costa Morosini asseveram em seu artigo “A implementação da lei internacional anticorrupção no comércio: O Controle legal da corrupção direcionado às empresas transnacionais”, publicado pela Revista Brasileira de Estratégia e Relações Internacionais, que “a corrupção não é mais vista como um problema dos países subdesenvolvidos, mas como um assunto de preocupação internacional.”, conforme mencionamos, e que “Na OEA, foi criada a “Convenção Interamericana contra a Corrupção”.

O acordo foi assinado em 1996 e entrou em vigor em 1997. Estabelece que os Estados signatários proibirão a oferta de subornos a funcionários públicos nacionais (artigo VI) e funcionários estrangeiros (artigo VIII).

Claramente influenciado pela FCPA, o instrumento regional fez história ao ser o primeiro a lidar, ainda que brevemente, com a corrupção feita por empresas transnacionais”.

O United Kingdom Bribery Act 2010 (Lei do Suborno do Reino Unido), que entrou em vigor em 1 de julho de 2011, é a norma britânica anticorrupção, com implicações nas esferas criminal e administrativa, sendo passíveis de punição pessoas físicas e jurídicas que pratiquem atos comerciais no Reino Unido.

A referida lei prevê multa ilimitada, a ser definida pelos tribunais, para as organizações comerciais e pessoas natuais, além de pena de prisão para estes, além de outras sanções, dentre elas a proibição da atuação dos Diretores condenados de atuar novamente no referido cargo por até 15 anos.

Por fim, em 1º de agosto de 2013, foi promulgada a Lei nº 12.846, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública nacional e estrangeira, a qual prevê sanções como multas no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, não podendo ser inferior à vantagem auferida, quando for possível estimá-la.

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A lei anticorrupção brasileira prevê a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas, ou seja, sem que precise se analizar dolo ou culpa, pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, o que a diferencia do FCPA que responsabiliza civil e criminalmente de forma subjetiva pessoas naturais e jurídicas. No Brasil, as pessoas naturais são respondem pelos seus atos de acordo com outras leis, como o Codigo Penal, a Lei de Improbidade Administrativa etc.

Outro ponto em que divergem as legislações dos EUA e do Brasil é que o FCPA pode ser aplicado tanto pelo DoJ (Department Of Justice — Departamento de Justiça dos Estados Unidos) quanto pela SEC (U.S. Securities and Exchange Commission — Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos).

O DoJ aplica sanções nas esferas civil e criminal e a SEC na esfera civil, mas as duas autoridades podem investigar e punir os indivíduos e as empresas que infringem a lei, enquanto a Lei Anticorrupção Brasileira prevê que a instauração e o julgamento de processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica cabem à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação, observados o contraditório e a ampla defesa.

Feitas as devidas e sucintas considerações sobre as legislações, voltamos a tratar as violações aos Direitos Humanos oriundas, ainda que indiretamente, de atos de corrupção.

Nesse sentido, remeto-me ao artigo do Doutor João Marcelo Negreiros Fernandes, publicado na Revista Acadêmica Escola Superior do Ministério Público do Ceará, cujo título é “Corrupção e violação a direitos humanos: obstáculos ao desenvolvimento brasileiro no século XXI”.

O referido artigo traz uma conclusão tão bem pontuada e objetiva, revelando o brilhantismo de uma escrita direta e clara, que encerro minhas considerações com sua transcrição: “é incontestável seus males [dos atos corruptos] nas sociedades democráticas ao acentuar problemas como a pobreza e a falta de oportunidades de classes menos favorecidas, já que as verbas destinadas a melhoria das estruturas estatais e a promoção de políticas públicas são desviadas de seus verdadeiros fins".

Diante deste cenário, é imensurável o grau de fragilização a diversos direitos fundamentais (saúde, vida, devido processo legal, governo da maioria, meio ambiente, etc.), sendo certo que práticas reputadas como corruptas contradizem os fins constitucionais encaminhados ao crescimento socioeconômico dos países e a realização dos valores humanos. Também é preciso reconhecer que o fenômeno tem ocasionado tempos difíceis em terrae brasilis, com escândalos em diversos setores e o preocupante desperdício de verbas públicas.

Os casos explorados no artigo demonstram a capacidade de certos grupos criminosos, vislumbrando as facilidades em subverter a máquina pública e diante da ineficiência legislativa, em comprometer o funcionamento da administração e a fruição de serviços pelos administrados.

Entre as instituições presentes no Brasil que têm atuado sem tolerância no combate ao fenômeno pode-se citar o Ministério Público e os Tribunais de Contas, os quais têm tentado identificar os agentes corruptos e, sobretudo, desestimular os incentivos econômicos que os levam a incidir em tais práticas.

Além do que, não se pode esquecer que tratados e convenções internacionais têm sugerido medidas a serem seguidas visando à proteção de direitos humanos.

Sobre a autora
Carolina Vieitas Krajnc Alves

A advogada Carolina Vieitas Krajnc Alves, atua como analista de negócios na Deloitte. Graduanda em Ciências Contábeis (formatura em 01.2024), possui mais de dez anos de experiência tanto no setor público quanto no privado. Atuou na área tributária da SEFAZ/RJ, na Procuradoria do INEA, na área de licitações e contratos, em escritórios de advocacia e na Deloitte na área de Consultoria Tributária, em indiretos. Atualmente, desempenha a função de analista de negócios na Deloitte com foco na prevenção, detecção e análise de riscos de corrupção, lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo. LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/carolinavieitasalves/

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Carolina Vieitas Krajnc. Breves considerações sobre as legislações anticorrupção pelo mundo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7234, 22 abr. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/103695. Acesso em: 9 mai. 2024.

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