Em períodos de crise econômica como a que vivemos atualmente, há muitos postos de trabalho sendo fechados e poucos sendo abertos. Assim, há um número cada vez maior de desempregados, ao mesmo tempo em que muitas pessoas empregadas sofrem com o gradual esvaziamento dos seus direitos.
Desse modo, muitos trabalhadores estão sem emprego e buscando quase que desesperadamente uma nova posição no mercado. Simultaneamente, aqueles com emprego estão intensamente à procura de outro melhor ou com perspectivas mais resplandecentes. Por consequência, a vulnerabilidade negocial dos trabalhadores se acentua, dada a maior competição por vagas.
Assim, o que acontece quando um candidato, em um processo seletivo para vaga de emprego, com base na conduta do empregador, desenvolve uma legítima expectativa de que será contratado? E se ele se demite do emprego anterior porque tem convicção de que a nova empresa irá lhe contratar? Ou, mais especificamente, se lhe foi dito que será contratado? Se tudo isso ocorre e, ao fim, o suposto empregador lhe diz, com ou sem pedido de desculpas, que "a vaga fechou", ou que "outra pessoa foi contratada para aquele posto"? Teríamos aqui, sob o prisma da boa-fé, um caso de responsabilidade pré-contratual da empresa?
Nesse sentido, pontua-se que, na fase pré-contratual, as partes, ao iniciarem negociações preliminares, veem surgir para si deveres anexos de conduta, os quais são decorrentes da boa-fé (em especial da boa-fé objetiva), a qual está positivada em nosso ordenamento jurídico, exemplificativamente, nos arts. 113, 187 e 422 do Código Civil:
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
Conceitua-se, nesse cenário, que a boa-fé objetiva se caracteriza pela imposição de um “standard” de conduta que deve ser observado pelas partes do negócio jurídico ou da relação de emprego. Não se trata de convicções pessoais, o que está relacionado ao aspecto subjetivo do instituto.
Outrossim, tratando da fase de admissão para a relação de emprego, são exemplos de atitudes que criam tal expectativa legítima no candidato: a requisição, por parte do empregador, da realização de exames médicos admissionais e da abertura de conta-salário; a retenção da Carteira de Trabalho; a entrega de uniformes da empresa, dentre outros (1). Nesse sentido, as ações do empregador no período negocial são relevantes para o Direito e devem seguir os ditames da boa-fé objetiva, como leciona Judith Martins-Costa:
Ainda não há, nessa fase preliminar, relação contratual, pois as negociações preliminares configuram tratos, e ainda não contratos, nem negócios jurídicos. Porém, é preciso atenção: a fase formativa não é destituída de relevância jurídica. Aí já há a tutela do direito que impõe deveres de correção no comportamento dos negociadores (2).
No mesmo sentido explica Enéas Costa Garcia:
O "estar em tratativas" cria expectativas e uma confiança na parte contrária. Daí a necessidade das partes agirem com lealdade, de maneira honesta, preservando esta confiança surgida do contato negocial. A boa-fé, portanto, desempenha um papel relevante na determinação do conteúdo desta relação pré-negocial. Pela amplitude do conceito, a boa-fé permite identificar qual o comportamento probo, leal, esperado no caso concreto (3).
Ao divulgar uma vaga, a empresa deve estar ciente de que interagirá com os sentimentos de diversas pessoas que buscam um emprego. As informações solicitadas e prestadas ao longo das tratativas devem refletir uma perspectiva real do processo, ou seja, a empresa não deve dar indicativos que gerem uma expectativa positiva irreal ao candidato. Isso inclui o silêncio que, muitas vezes, representa uma verdadeira manifestação de vontade, como dispõem Chaves de Farias e Rosenvald:
Em princípio, o silêncio puro não detém valor declarativo. (...) Porém, quando as circunstâncias e os usos autorizarem, o silêncio possuirá significado social relevante, como forma de aceitação e declaração negocial, produzindo efeitos positivos (4).
É evidente que, em geral, a companhia possui o direito de contratar aquele que considerar mais apto. Ainda, possui autonomia negocial para romper as tratativas, havendo justo motivo. Porém, a partir do momento em que, por sua própria conduta, gera no candidato uma legítima confiança de que será contratado, ela passa a ser responsável pelos gastos decorrentes dessa expectativa. Não pode a companhia falsamente dar a crer que a vaga será preenchida pelo possível empregado, ou fazê-lo crer que está em posição melhor do que de fato está e, posteriormente, romper imotivadamente as tratativas. O íntimo do trabalhador, sua legítima expectativa e sua personalidade são tutelados pelo Direito, não podendo ser alvo de verdadeiros descasos por parte do empreendedor.
Nesse sentido, Regis Fichtner explica que:
Para que surja a responsabilidade do contraente pela não-realização do negócio, é preciso que ele tenha praticado algum ato que suprima naquela situação específica a sua faculdade de não realizar sem qualquer justificativa o contrato negociado (5).
O desrespeito à legítima expectativa do candidato, concretizado pelo rompimento injustificado das negociações preliminares, configura, pois, violação à boa-fé objetiva. Ademais, quanto mais complexas e profundas forem as negociações, bem como quanto mais pessoalizado for o contato, maior envolvimento das partes haverá. Com isso, maiores gastos e, evidentemente, maior confiança no fechamento do negócio. Ou, ao menos, maior confiança na boa-fé alheia e na condução justa e honesta do processo negocial.
Temos aqui um claro caso de aplicação da proibição ao venire contra factum proprium. As ações da empresa que indicam ao candidato a sua virtual contratação são um fato, e o rompimento das tratativas sem justo motivo constitui uma ilegal contradição de conduta patronal.
Como explica Fichtner:
Tem razão essa corrente em vislumbrar na proibição do venire contra factum proprium o fundamento mais concreto da responsabilidade pela interrupção das negociações contratuais (6).
Deve a empresa, portanto, reparar o dano causado ao trabalhador pela quebra da expectativa de contratação. Tal dano abarca o abalo moral in re ipsa, bem como o ressarcimento dos gastos efetivamente despendidos em virtude da promessa de emprego (7). Em havendo recusa a uma proposta de terceiro no período das negociações, configura-se a perda de uma chance, a qual também deve ser indenizada.
Por fim, destaca-se que dito posicionamento tem sido amplamente acolhido na jurisprudência, como se observa das seguintes decisões do TST:
Ficou incontroverso que a reclamante passou por todas as etapas do processo de contratação, estando nítida a intenção da reclamada de contratá-la, diante da requisição de abertura de conta-salário e da declaração firmada pela autora em documento com logomarca da empresa, no sentido de que não estava recebendo seguro-desemprego à época. Por outro lado, consta do acórdão regional que "a ré não produziu prova de que a autora foi reprovada em seu exame admissional como alegado, não se desincumbindo, assim de seu ônus". Diante da premissa fática descrita pelo TRT, tem-se que, nos casos em que a contratação não é efetivada após a realização de longo processo admissional, com a apresentação de documentos e realização de exames, a conduta é, efetivamente, passível de ser compensada a título de indenização por dano moral, pois o ato ofendeu o dever de lealdade e boa-fé, pois gerou ao empregado séria e consistente expectativa de celebração de um novo emprego, de modo que a sua frustração causa prejuízos não apenas financeiros, mas também afeta a moral de permanecer na situação de desemprego, entrando na esfera íntima do lesado, caracterizando, portanto, prática de ato ilícito, em desrespeito aos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho, da boa-fé objetiva, consagrados nos arts. 1º, III e IV, da Constituição Federal e 422 do Código Civil, surgindo daí o dever de indenizar. Trata-se de dano in re ipsa . Precedentes. Agravo não provido. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PROMESSA DE CONTRATAÇÃO FRUSTRADA. QUANTUM INDENIZATÓRIO . A jurisprudência nesta Corte Superior, no tocante ao quantum indenizatório fixado pelas instâncias ordinárias, vem consolidando orientação de que a revisão do valor da indenização somente é possível quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada a título de reparação de dano moral, em flagrante violação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Tal circunstância de violação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade não se verifica na hipótese dos autos . In casu , a Corte Regional reduziu o valor da indenização por dano moral de R$ 5.000,00 para R$ 3.000,00, para "não acarretar enriquecimento ilícito do autor considerando ainda os parâmetros sugeridos pelo C. STJ, quais sejam: arbitramento com moderação e razoabilidade, proporcional ao grau de culpa, ao nível socioeconômico da vítima e ao porte econômico da reclamada, tudo isso, ainda, aliado às regras de experiência e bom senso". Dessa forma, tem-se que a decisão não comporta reforma nesse aspecto, não havendo como esta instância extraordinária depreender manifesta inobservância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Precedentes. Agravo não provido .
(TST - Ag: 105423320195150046, Relator: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 09/03/2022, 2ª Turma, Data de Publicação: 11/03/2022)
1 - Há transcendência política quando se constata em exame preliminar o desrespeito da instância recorrida à jurisprudência atual, notória e iterativa do TST. 2 - No caso, o TRT indeferiu o pleito do reclamante de indenização por danos morais em razão da expectativa frustrada de promessa de contratação por parte do reclamado, mesmo após ter registrado que: a) as alegações da defesa comprovam que o reclamante se submeteu a exame admissional; b) "as conversas realizadas através de WhatsApp também demonstram que o reclamante participou de processo seletivo, ficando apenas no aguardo de ser chamado para dar início à prestação de serviços" . Ou seja, extrai-se da decisão recorrida que o reclamante, após passar por processo seletivo e exame admissional, ficou apenas no aguardo de ser contratado pelo reclamado (expectativa gerada pelas conversas de WhatsApp) , o que não ocorreu. 3 - A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a frustração da promessa de contratação por parte da empresa sem justificativa, caso dos autos, viola a lealdade e a boa-fé objetiva e enseja indenização por danos morais. Julgados. 4 - Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.
(TST - RR: 10003834920215020064, Relator: Katia Magalhaes Arruda, Data de Julgamento: 06/04/2022, 6ª Turma, Data de Publicação: 08/04/2022).
É pacífica, na ordem jurídica do País, a responsabilidade por danos morais pré-contratuais. Com efeito, a teoria da indenização pela perda de uma chance, inspirada na doutrina francesa, consigna que, se alguém, ao praticar um ato ilícito, fizer com que outrem perca a oportunidade de obter uma situação mais vantajosa ou evitar um prejuízo, deve indenizar a parte prejudicada pelos danos causados . A indenização, nesses casos, pressupõe a existência de um dano real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade , não sendo suficientes meras conjecturas ou possibilidades, pois o dano potencial ou incerto, via de regra, não enseja indenização. No caso concreto , o Tribunal Regional, analisando com zelo e minúcia o conjunto fático-probatório produzido nos autos, manteve a sentença que condenou a Reclamada ao pagamento de indenização por dano moral decorrente da não contratação do Reclamante , porquanto restou comprovado que o Autor foi submetido a exigências e procedimentos das etapas de seleção realizadas pela Ré - entrevistas, preenchimento de ficha, solicitação de documentação, solicitação de número de conta em banco, exame de saúde admissional e realização de curso, tendo inclusive, pedido tamanho para aquisição de uniforme, sendo, contudo, inadmitido . Tais condutas da Reclamada importaram em criar, para o Reclamante, uma justa expectativa de que seria contratado, com base no postulado civilista da boa-fé objetiva. Com efeito, não obstante tais expectativas criadas, a Reclamada, contraditoriamente, não perfez a contratação do Reclamante - afrontando o princípio da boa fé objetiva que veda o comportamento contraditório - "nemo potest venire contra factum proprium". Logo, a frustação superveniente dessa justa, efetiva e real expectativa, importou em gerar, no Reclamante, um dano de cunho extrapatrimonial e o conseguinte dever da Reclamada de indenizá-lo. Ademais, de acordo com o TRT, "a ré imputa à parte autora o não preenchimento dos requisitos do processo seletivo, mas não comprova tal alegação, sequer especifica quais requisitos seriam estes, situação que não se pode presumir, mormente diante do quanto demonstrado no curso da instrução". Isso porque a circunstância de o empregador, na fase que antecede à formalização do contrato de trabalho, gerar no trabalhador a expectativa de efetivação do pacto, sendo que, na sequência, acaba por não efetivá-lo, enseja a condenação ao pagamento de indenização por dano moral, valendo reiterar que, na hipótese, além do desrespeito aos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, consagrados no art. 1º, III e IV, da CF, resultou ofendido o princípio da boa-fé objetiva, insculpido no art. 422 do Código Civil. Agravo de instrumento desprovido .
(TST - AIRR: 211917520185040021, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 20/04/2022, 3ª Turma, Data de Publicação: 29/04/2022).
Considerações finais:
Como se observou, a proteção aos direitos de personalidade dos trabalhadores incide desde a fase pré-contratual, em que são discutidas as cláusulas e a própria existência da futura relação de emprego. Assim, incumbe a ambas as partes, durante as negociações, observar os ditames da boa-fé objetiva como padrão para orientar suas condutas.
Nesse cenário, conforme entendimento jurisprudencial pacífico no TST, a conduta da empregadora que gera uma legítima expectativa de contratação no obreiro e, posteriormente, de forma injustificada, rompe as tratativas, viola a boa-fé objetiva. Trata-se de postura inadmissível no ordenamento jurídico pátrio, gerando um efetivo abalo moral “in re ipsa”, o qual deve ser indenizado.
Outrossim, no caso concreto, será possível o ressarcimento de eventuais danos materiais sofridos, como gastos com deslocamentos e instrumentos de trabalho. Por fim, como inclusive já se manifestou o TST, pode restar configurada a perda de uma chance, caso comprovado que o trabalhador perdeu uma outra oportunidade efetiva e concreta em decorrência da conduta da empresa, como, por exemplo, por ter recusado oferta de emprego de um terceiro.
Referências:
1- Nesse sentido, decisões do TST, exemplificativamente: RR 0001987-50.2013.5.09.0128; Quarta Turma; Rel. Min. João Oreste Dalazen; DEJT 19/12/2016; Pág. 5130; AIRR - 807-19.2012.5.18.0181, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, 7ª Turma, DEJT 22/05/2015; RR-122000-14.2008.5.09.0303, Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, 6ª Turma, DEJT 1º/3/2013. Acórdãos extraídos do DVD Magíster, Ed. 71 – Jan/Dez 2017.
2- MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-fé no Direito Privado: critérios para a sua aplicação. 1. Ed: São Paulo, 2015, p. 383.
3- GARCIA, Enéas Costa. Responsabilidade pré e pós-contratual à luz da boa-fé. 1 Ed., Editora Juarez Oliveira. São Paulo, 2003, p. 62.
4- FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: contratos. 5. Ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 68.
5- PEREIRA, Regis Fichtner. A responsabilidade pré-contratual. 1. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 339.
6- PEREIRA, Regis Fichtner. A responsabilidade pré-contratual. 1. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 300.
7- COELHO, Luciano Augusto de Toledo. Responsabilidade Civil Pré-contratual em Direito do Trabalho. 1. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 131.
8- Nesse sentido, TRT4 - RO 0000138-31.2015.5.04.0801, julgado em 27/08/2015. Relator Des. Ricardo Martins-Costa. Disponível no DVD Magíster, Ed. 71 – Jan/Dez 2017)