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A Lei nº 11.232/2005 e sua repercussão no direito processual do trabalho.

Efeitos práticos

12/09/2007 às 00:00
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Sumário: Reflexão histórica. Superando a crise do modelo executivo do CPC. A lei 232/2005 e os efeitos da sentença. Citação. Multa. A CLT e o CPC na execução de sentença. Aspectos que sustentam a aplicação da lei 11.232/2005 para cumprimento da sentença trabalhista.


1.Reflexão Histórica

            Com suas raízes fincadas na tradição romano-germânica, conforme as lições de Ovídio Batista da Silva [01], o direito processual civil tem sua gênese nos conceitos do Direito Romano de jurisdictio e imperium, o primeiro contendo em si a idéia de jurisdição exercida por intermédio do procedimento privado, a actio. O segundo conceito, por sua vez, trata de um exercício de poder do praetor, não se traduzindo no exercício de jurisdição, mas de império e promovido por intermédio de atos executórios.

            O juiz privado, iudex, limitava-se a produzir sentenças meramente declaratórias do direito controvertido na causa. A condenação, condemnatio, nada mais era do que simples declaração, vislumbrada atualmente na sentença condenatória.

            O direito romano tinha firmemente consagrado concepção estreita de jurisdição como simples declaração e evidencia a oposição entre os conceitos de iurisdictio e imperium.

            Com a modernidade, o conceito romano de jurisdição ficou enclausurado no processo de conhecimento, o procedimento ordinário ou ordo iudiciorum privatorum, não contendo em si a faculdade de ordenar.

            Esta constatação está no pensamento de Liebman [02], segundo o qual "não é função do juiz expedir ordens às partes e sim unicamente declarar qual é a situação existente entre elas segundo o direito vigente".

            O Processo de Conhecimento, neste sentido, tem a função de ser um processo exclusivamente declarativo.

            O conceito moderno de jurisdição, por sua vez, também compreende o imperium, na chamada execução jurisdicional, quando o "Juiz exerce atividade tendente a tornar praticamente realizado, no plano da realização empírica, o direito por ele próprio reconhecido na sentença [03]".

            Esta clara divisão entre a condenação e a execução, entretanto, foi tornando-se cada vez mais tênue em razão das constantes alterações vividas pelo Processo Civil na última década.

            Novos institutos surgiram com o escopo de superar a crise vivida pelo processo executivo, decorrente da busca acentuada do direito contemporâneo por efetividade.

            Neste sentido podemos citar a ação monitória (Art. 1102-A, CPC) e tutela inibitória com a possibilidade de antecipação de seus efeitos (Artigos 461 e 461-A, do CPC).

            Toda esta produção legislativa demonstra o esforço para se dar pleno sentido e eficácia à disposição contida no inciso LXXVIII no Art. 5º da Constituição da República, segundo a qual "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".


2. Superando a crise do modelo executivo do CPC.

            As mudanças trazidas pela Lei 11.232/2005, como veremos, são substanciais e vão além da simples mudança de procedimentos.

            Conforme Marinoni e Arenhart [04], ao comentarem o texto do Art. 461 do CPC expressam que este modelo executivo "original do Código não era apenas impotente para viabilizar a tutela ressarcitória na forma específica, mas também incapaz de permitir a obtenção das tutelas inibitórias e de remoção do ilícito. Ou melhor, a técnica processual executiva, posta originariamente no Código de Processo Civil, não foi feita para viabilizar a tutela específica dos direitos, mas apenas para permitir o alcance da tutela ressarcitória pelo equivalente e da tutela da obrigação contratual inadimplida".

            Sustentam com propriedade a idéia de que o direito processual deve oferecer ao juiz os instrumentos necessários ao exercício do seu poder, visando oferecer ao jurisdicionado a tutela jurisdicional efetiva.

            Neste sentido as inovações existentes nos Artigos 461 e 461-A do CPC, nos quais não se pode cogitar da existência de uma ação de execução.

            Também mencionam os dois autores que a clássica doutrina processual, refletida no já mencionado conceito de Liebman, "ao conceber o seu sistema processual executivo, outorgou o mínimo de poder ao juiz. Isto porque a grande preocupação da doutrina da época do Estado liberal era a de proteger a esfera jurídica de liberdade do cidadão contra a possibilidade de arbítrio do Estado e, por conseqüência, contra o uso indevido do poder jurisdicional".

            "Por esta razão, visando garantir a liberdade do executado, tal doutrina desenvolveu a idéia de que a esfera jurídica do devedor apenas poderia ser invadida mediante os meios de execução previamente definidos pelo legislador".

            E, finalmente, que "a restrição do poder do juiz aos meios de execução tipificados na lei, deu origem ao princípio da tipicidade dos meios executivos, considerado um princípio cardeal do velho processo de execução".


3. A lei 232/2005 e os efeitos da sentença.

            A partir da Lei 11.232/2005, o cumprimento do ofício jurisdicional não mais ocorre com a publicação da sentença de mérito, conforme a nova redação do Art. 463 do CPC [*].

            A condenação contida na decisão proferida depende de execução e impõe o prosseguimento do processo de conhecimento até a entrega da tutela pretendida pela parte.

            Submete-se o cumprimento da sentença às regras dos artigos 475-J e seguintes do CPC.

            Marinoni e Arenhart, no mesmo texto, dizem que ocorre infiltração da execução no processo de conhecimento, "não há mais qualquer dúvida, diante da fisionomia atual do Código de Processo Civil, que a execução da sentença se dá em razão de uma única ação e no interior de um único e mesmo processo".

            De outro modo não se justificaria a presença destes dispositivos no Livro I do CPC, que cuida do Procedimento de Conhecimento, tratando-se de um capítulo específico (Capítulo IX).


4. Citação.

            Para os objetivos deste estudo aponto aspecto que considero fundamental dentre as alterações promovidas pela Lei 11.232/2005.

            A citação, como ato processual típico (CPC, Art. 213), visa chamar o réu em juízo para defender-se e, neste sentido estabelecer nova relação jurídica. No caso deste estudo, a citação estabelecia o então processo de execução [05].

            Dispensada a citação, bastando mera intimação da parte, até por intermédio do advogado (art. 475-I e seguintes), não se pode dizer que outra relação jurídica está sendo formada.

            Neste sentido, não mais se cogita da necessidade de citação da parte que sofrerá os efeitos dos atos executivos.

            Esta condição é corolário das conclusões trazidas pela doutrina, ou seja, o fim do processo de execução civil.


5. Multa.

            A multa de 10% prevista no art. 475-J, por sua vez, não se constitui no verdadeiro mote da reforma processual, mas num incentivo ao devedor, apontando-lhe para os inconvenientes de protelar o cumprimento da decisão.


6. A CLT e o CPC na execução de sentença.

            Na interpretação das regras da CLT, a jurisprudência dos Tribunais do Trabalho e a doutrina sempre buscaram afirmação e apoio nas disposições do CPC para a execução forçada, não se tratando de algo que mereça grandes digressões.

            Também não houve disputas acirradas no tocante à recepção pelo processo do trabalho dos institutos da ação monitória e da tutela inibitória.

            A profundidade das alterações da Lei 11.232/2005, por sua vez, merece reflexão mais detida, embora seja possível afirmar sua completa compatibilidade com o texto da CLT e mais, com os princípios que a permeiam.


7. Aspectos que sustentam a aplicação da lei 11.232/2005 para cumprimento da sentença trabalhista

            7.1.O conceito de sentença

            Não se discute que o conceito de sentença sempre foi aquele contido no Art. 162, §2º do CPC.

            Mesmo quando se trata de sentença proferida por juiz do trabalho, esta decisão está revestida daquele conceito [06].

            Com a Lei 11.232/2005, podemos afirmar que, no exercício da jurisdição, mesmo trabalhista, a sentença atualmente é ato do juiz "que implica alguma das situações previstas nos Artigos 267 e 269 desta Lei" e não mais o "o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa".

            Nesta etapa, ao proferir a sentença e acolher o pedido do autor, o juiz resolve o mérito, mas não põe termo ao processo (ex. Art. 269, I, do CPC).

            O juiz do trabalho não extingue o processo de conhecimento, mas resolve o seu mérito, pratica ato de cognição, tão somente.

            É a esta sentença que se busca dar cumprimento e não àquela que extinguia o processo de conhecimento e exigia o processo de execução forçada para total efetividade da jurisdição.

            7.2.A citação no processso do Trabalho

            Para este tópico, que considero de extrema importância, aponto importante comentário de Manoel Antônio Teixeira Filho [07] quando escreve sobre a execução trabalhista, o qual se mostra extremamente pertinente, com o pequeno senão da exigência da citação.

            De acordo com este autor, ao abordar a citação no procedimento executivo trabalhista: "A distinção ideológica do procedimento executivo está igualmente espelhada no escopo da citação: enquanto no processo cognitivo esse importante ato visa dar ciência ao réu da existência da ação ajuizada - e abrir-lhe oportunidade para defender-se -, na execução cita-se o devedor para que cumpra a obrigação, no prazo da lei, sob pena de penhora e expropriação judicial dos bens constritos".

            Embora seja possível concordar no conteúdo, não é possível aceitar a forma sugerida.

            Assim como não se cogita de outro conceito de sentença, não há outro conceito de citação.

            Conforme o Art. 213, tratando-se do "ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender", tratando-se de requisito indispensável para a validade do processo, nos termos do Art. 214 do mesmo CPC.

            Os dispositivos que agora tratam do cumprimento da sentença no Processo Civil de Conhecimento contêm justamente aquele objetivo de instar o réu, agora devedor, ao cumprimento da obrigação de pagar, sob pena de penhora de seus bens e posterior expropriação judicial.

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            Por outro lado, não exigem a citação do devedor.

            Uma leitura atual do comando contido no Art. 880 na CLT, a partir do novo conceito de sentença, impõe o reconhecimento de que ali estão presentes as condições para tornar eficaz o seu cumprimento.

            O ato judicial previsto no Art. 880 da CLT não pode ser chamado de citação, porque efetivamente não o é.

            Não há, portanto, motivos para praticá-lo na forma exigida, ou seja, mediante mandado cumprido por oficial de justiça e na pessoa do devedor ou de seu represente legal.

            Mais uma vez, na mesma obra, o ensino de Manoel Antonio Teixeira Filho: "No processo do trabalho, a cientificação do devedor, que se realiza por intermédio do mandado em exame, não representa, como no processo civil, ato constitutivo da relação jurídica executiva, porquanto - é importante reiterar - a execução corresponde apenas a um capítulo do processo cognitivo, a sua expressão constritiva, por assim dizer; logo, ela faz parte da relação jurídica iniciada, muito antes, com a citação do réu, ocorrida no processo de conhecimento".

            A exigência da citação do devedor na forma prevista pela CLT é incoerente com a própria dinâmica do processo de conhecimento que sequer está encerrado em conseqüência da nova conceituação da sentença, pois para o seu início a citação pode ser realizada por meio postal e é impessoal (Art. 841 da CLT).

            Da mesma forma, o conhecimento da sentença proferida também deve ser dado à parte, como requisito de validade (Art. 834 da CLT), sendo defeso à parte discutir o seu conteúdo posteriormente (art. 879, §1º, da CLT).

            Sequer é possível cogitar de nulidade processual a prática deste ato por outro meio, porque não há prejuízo processual, na esteira do Art. 794 da CLT.

            Estando formada a relação processual e sendo claro que o objetivo é o de compelir o devedor a cumprir a obrigação já estabelecida, em face da qual não cabe discussão, não há justificativas para exigência da prática de ato processual com tal ausência de sentido.

            Este entendimento mostra-se assim, em total adequação ao texto da Constituição da República, expresso no Art. 5º, LXXVIII.

            7.3.A incidência da multa de 10%

            A multa pecuniária já mencionada é corolário desta nova sistemática para efetividade da decisão proferida e não se sustenta sozinha.

            Trata-se de sanção imposta ao devedor que não cumpre a obrigação de pagar quantia certa contida na sentença, aquela que não extingue o processo, mas que reclama efetividade plena.

            7.4.A adequação à CLT

            Considerando o atual conceito da sentença trabalhista e a previsão do Art. 832 §1º da CLT, não há motivos para não se aplicar inteiramente os dispositivos da Lei 11.232/2005 até onde exigem o cumprimento das obrigações contidas na decisão que resolve o mérito da lide, ou seja, determinar-se a intimação do devedor para cumprir a sentença em 15 dias sob pena de multa de 10% e penhora de bens.

            Obviamente, superada esta fase processual ou havendo constrição, as regras para expropriação do bem ou análise de eventuais embargos à execução, estão contidas de modo claro na CLT e, neste tópico, o próprio CPC não sofreu mudanças substanciais.

            Observo que a novel figura da impugnação, conforme Art. 475-J §1º do CPC, contém a mesma natureza dos embargos à execução do Art. 884 da CLT.

            Quando à liquidação de sentença, da mesma forma, a CLT tem regras claras e específicas, não se cogitando de outro meio para sua realização.


Notas

            01

Silva, Ovídio Araújo Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. 2. ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.

            02

Liebman, Enrico Tullio. Processo de Execução. Edição 2003. Araraquara: Bestbook Editora Distribuidora Ltda.

            03

Silva, Ovídio Araújo Baptista da; Gomes, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 2ª ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

            04

Marinoni, Luiz Guilherme. Arenhart, Sérgio Cruz. Curso de processo civil, volume 3: execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

            05

Bebber, Júlio César. Princípios do processo do trabalho. São Paulo: LTr, 1997.

            06

Teixeira Filho, Manoel Antonio. A sentença no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 1994.

            07

______________. Execução no Processo do Trabalho. 7ª ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2001.

            [*] Nota:

Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: (Redação dada ao caput pela Lei nº 11.232, de 22.12.2005, DOU 23.12.2005, com efeitos a partir de 6 (seis) meses após a publicação)

          Assim dispunha o caput alterado:

            "Art. 463. Ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, só podendo alterá-la:"

            I - para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo;

            II - por meio de embargos de declaração.

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Sobre o autor
Bráulio Gabriel Gusmão

Juiz do Trabalho, titular da 4ª Vara do Trabalho de Curitiba (PR), mestrando em direito pela UniBrasil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUSMÃO, Bráulio Gabriel. A Lei nº 11.232/2005 e sua repercussão no direito processual do trabalho.: Efeitos práticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1533, 12 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10403. Acesso em: 4 mai. 2024.

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