Resenha da obra “Cultural Backlash: Trump, Brexit, and Authoritarian Populism”, de Pippa Norris e Ronald Inglehart

17/05/2023 às 22:26
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A obra “Cultural Backlash: Trump, Brexit, and Authoritarian Populism” – em tradução livre “Reação cultural: Trump, Brexit e populismo autoritário – é um livro de autoria de Pippa Norris e Ronald Inglehart – cientistas políticos, caucasianos e ocidentais – com a proposta de traçar as principais características, com bases empíricas, do autoritarismo e do populismo no território europeu e nos Estados Unidos da América. A obra foi elaborada com o intuito de apresentar uma teoria sobre as razões do fortalecimento de políticas autoritárias-populistas e propor meios para mitigar os prejuízos dessas políticas causados à democracia liberal.

No levantamento de dados, os autores puderem observar fenômenos gerais que possibilitaram a fundamentação das teorias propostas durante toda a obra. E, ainda que exceções puderam ser detectadas, estas não foram relevantes suficientes para prejudicar a argumentação construída. Os argumentos foram construídos a partir da exposição de conceitos até as conclusões a que chegaram diante dos resultados das pesquisas realizadas.

É iniciada a obra com uma série de conceituações sobre os temas chaves do texto. Para os fins propostos na pesquisa, o populismo é compreendido como as ações de políticos que assumem uma postura de crítica ao establishment e o papel de defesa da soberania popular, construindo uma imagem de únicas personalidades que se propõem a defender a pátria. Esse fenômeno não é recente, sendo, por exemplo, amplamente utilizado por políticos na história dos Estados Unidos da América.

Os autores, ainda, conceituam o que seria o autoritarismo, composto por alguns elementos cruciais, como, por exemplo, a postura de defesa do elemento nacional contra o elemento estranho (estrangeiro, imigrante, minoria, pós-materialista, novo). Outros elementos do autoritarismo seriam a conservação dos valores tradicionais da comunidade e a necessidade de lealdade ao líder protetor capaz de romper com a revolução silenciosa, marcada pela mudança de valores da comunidade mundial, com a popularização da defesa da igualdade e da liberdade em suas mais amplas formas.

Compreende-se o oposto do populismo como a pluralidade, que defende a legitimidade das instituições e de seus governantes. A legitimidade, por sua vez, trata-se da crença de que essas instituições são as mais adequadas. E a antítese do autoritarismo seria a postura libertária, em defesa das liberdades pessoais, do pluralismo e do individualismo.

Tais conceitos, entre outros levantados, são importantes para contextualizar as discussões que serão tomadas nos próximos capítulos, que envolvem a teorização da revolução silenciosa e a resposta reacionária das forças autoritárias-populistas. Destaca-se, ainda, que o autoritarismo e o populismo – mesmo sendo conceituações e tipagem de políticos diferentes – são atualmente vistos, em muitos contextos, unidos, como se a presença de uma figura populista atraísse a postura autoritária e a postura autoritária pudesse se aproveitar de uma conduta populista. E, embora possam atuar de forma separada, a sua junção seria a causa de graves riscos à defendida democracia liberal.

Para o estudo proposto, a obra é dividida em quatro partes. Após a primeira parte, conceitual, segue-se a parte voltada para o que os autores chamam de demanda do autoritarismo-populismo. A demanda é marcada pelo contexto histórico, cultural, social e político de um determinado território, que explicaria quais as condições sociais que permitiram o surgimento de políticos autoritários-populistas.

Após o estudo das demandas da sociedade, a obra inicia uma análise sobre o que é chamado de oferta. Esse aspecto é marcado pelas condições favoráveis que a política institucionalizada apresenta, seja nas divisões ideológicas dos próprios partidos políticos, seja na formatação do processo eleitoral que pode ser menos ou mais favorável ao surgimento de forças autoritárias-políticas.

Por fim, na quarta parte, os autores se voltam para as implicações que o estabelecimento dessas forças autoritárias, sobretudo no território europeu e nos EUA, geram na difícil manutenção da democracia liberal, entendida nesta obra como a defesa suprema de valores como igualdade religiosa, étnica, racial, de gênero, sexual, entre outras formas. E as conclusões dos autores, argumentadas no final de cada um dos treze capítulos da obra, estão fundamentadas nos dados e tabelas expostos no decorrer do discurso.

Além da macrodivisão do livro em conceituação, demanda, oferta e resultado, cada um dos treze capítulos da obra foi dividido em três partes. Cada capítulo foi esquematizado de forma a conter uma parte dedicada às teorias dos autores e suas possíveis conclusões sobre o tema, outra parte expondo e interpretando os dados que os autores tiveram acesso sobre o assunto em específico e, por fim, os resultados obtidos no estudo desses dados, confirmando ou não sua teoria.

É possível encontrar durante toda a leitura o argumento de que o atual surgimento de políticos autoritários-populistas seria uma resposta do conservadorismo à revolução silenciosa. Tal revolução é caracterizada pela mudança de valores. Há uma mudança perceptível, de uma sociedade materialista caminhando para uma sociedade pós-materialista, com novas gerações mais propícias a tomar atitudes mais liberais a respeito de temáticas sociais, em oposição às gerações anteriores, que são mais tradicionalistas.

Há, ainda, a identificação setorial de grupos da sociedade europeia e estadunidense mais voltados para o conservadorismo, como os cidadãos rurais, os homens, os trabalhadores e os que não tiveram acesso à educação formal. Por outro lado, o grupo reiteradamente identificado como mais propícios a propostas libertárias são as pessoas identificadas como minorias ou grupos em vulnerabilidade, assim como os cidadãos urbanos e as pessoas que tiveram acesso à educação formal em maiores graus.

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Outro ponto de abertura para o surgimento de autoritários-populistas, não necessariamente juntos, é o nível de confiança da população na política. Os dados apresentados pelos autores demonstram que há um baixo nível, surgem pessoas que se identificam como a única solução para os problemas enfrentados pela sociedade e, para isso, sacrificariam os valores mais caros da democracia liberal, como as liberdades pessoais.

O surgimento de políticos autoritários-populistas está presente em várias regiões. Isso foi possível em virtude da mudança de valores verificadas em diferentes lugares. Para cada transformação, a reação daqueles que se sentem oprimidos por tais mudanças foi proporcional aos efeitos dessa revolução silenciosa. Capaz de se adaptar aos diferentes processos eleitorais, os autoritários-populistas se apresentaram como resposta às demandas da parcela da sociedade, acerca de suas queixas econômicas e ansiedades culturais.

O estudo das reclamações econômicas e culturais da população foram analisadas com recorte geográfico (território europeu e estadunidense), em nível individual e coletivo, assim como em seu espectro longitudinal, ou seja, ao longo do tempo. E foi perceptível a aproximação das gerações anteriores (entreguerras e baby boomers) com as autoridades autoritárias e a aproximação das gerações mais recentes (X e Y) com as autoridades populistas. Tal fenômeno é interessante para se entender o porquê de figuras autoritárias-populistas alcançarem rápidos crescimentos em diferentes países.

É possível categorizar diferentes formas de se fazer política. Nesse contexto, pode-se identificar a existência de políticos autoritários-populistas, autoritários-libertários e populistas-libertários. Por outro lado, os autores propõem a categorização das posições partidárias no espaço tridimensional, qual seja, analisando no espectro esquerda-direita, autoritário-libertário e populismo-pluralismo.

O ano de 2016 foi marcado pelas eleições que deram vitória a Donald Trump nos Estados Unidos da América e pela vitória do Brexit em referendo no Reino Unido. Tais momentos históricos foram utilizados como exemplo das consequências da influência e da concretização de políticas identificadas pelos autores como autoritárias-populistas. Nos EUA, a vitória de Trump foi o resultado da ampliação do poder da ala mais extremista dos conservadores e de sua abertura social nas últimas décadas, tanto os partidos políticos como os setores sociais voltados ao autoritarismo.

O Brexit é identificado como algo surpreendente até para os cidadãos do Reino Unido que viram a participação de seu país na União Europeia – algo percebido como estável há décadas – ser arruinada por um jogo político de David Cameron, ex-primeiro-ministro do Reino Unido (2010-2016), e o Partido de Independência do Reino Unido (UKIP). Tal ação deu vitória à política autoritária-populista, contrária à abertura imigratória e à visão globalizada, com forte sentimento nacionalista.

Na última parte da obra, foi demonstrado como, durante os ciclos históricos, as ondas democráticas sempre foram seguidas por ondas reversas e de modo contrário também. Isso foi perceptível no século XX, com as Grandes Guerras substituídas pelo fortalecimento de valores democráticos em todo o globo até o surgimento da onda oposta subsequente, que instalasse as ideias autoritárias-populistas, em prejuízos dos valores liberais.

Por fim, os autores invocam os leitores a entenderem a força positiva que políticas populistas podem ter ao influenciar a população a ser mais ativa nas decisões políticas, ampliando o acesso democrático da sociedade na tomada de decisões. Por outro lado, as críticas e o trabalho de oposição são necessários no jogo político e, para que o extremismo não se apodere das isntituições democráticas, é necessária a resposta efetiva aos problemas reais da população – inclusive na questão econômica, com a redução da desigualdade, e na questão cultural, com meios de diminuir o medo do outro – e a mobilização da juventude, propícia à defesa de valores democráticos liberais.


Referência

NORRIS, Pippa; INGLEHART, Ronald. Cultural Backlash: Trump, Brexit, and Authoritarian Populism. Cambridge, Reino Unido: Cambridge University Press, 2019.

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Sobre a autora
Lorena Ferreira de Araújo

Advogada | Doutoranda e Mestra em Direito Privado | Pós-Graduanda Lato Sensu em Direito Público

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O presente trabalho foi apresentado na avaliação de conclusão como aluna ouvinte da disciplina “Tópicos Especiais Relações Internacionais II”, ministrada pelo Dr. Marcelo de Almeida Medeiros, no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE, em 2021.

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