SUMÁRIO: 1. Introdução ao Tema de Repercussão Geral nº 1.093: a Lei Complementar nº 190/2022 e o movimento de adequação da legislação pernambucana atinente à matéria. 2. A suspensão da eficácia e interpretação conforme a Constituição Federal da Lei Complementar nº 190/2022 na ADI nº 7.066: análise do atendimento aos princípios da anterioridade anual e nonagesimal. 3. Distinção entre os requisitos para a concessão de medida liminar em mandado de segurança e a suspensão da exigibilidade do débito por meio do depósito do montante integral previsto no art. 151, II, do CTN. 4. Inexistência de definição acerca do montante integral e a impossibilidade de deferimento do depósito do art. 151, II, CTN. 5. Referências bibliográficas.
1. Introdução ao Tema de Repercussão Geral nº 1.093: a Lei Complementar nº 190/2022 e o movimento de adequação da legislação pernambucana atinente à matéria
A legitimidade da cobrança da Diferença de Alíquotas do ICMS – DIFAL nas operações interestaduais envolvendo consumidores finais não contribuintes do imposto, nos termos da Emenda Constitucional nº 87/2015, foi objeto recente de discussão, no julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 1.093.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 1287019 / DF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 1.093), fixou a tese de que “a cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais”. Tal conclusão está ancorada no argumento de que o Convênio interestadual não pode suprir a ausência de lei complementar dispondo sobre obrigação tributária, contribuintes, bases de cálculo/alíquotas e créditos de ICMS nas operações ou prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto, como fizeram as cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta do Convênio ICMS nº 93/15.
Com o julgamento do Tema nº 1.093 restou definido que, apenas com a edição da referida lei complementar, poderia ser cobrado o DIFAL, tendo o STF modulado os efeitos da decisão para que sua eficácia fosse postergada para o exercício seguinte (2022), exceto a situação das ações já em curso.
Desse modo, os Estados que efetuavam cobrança com base em lei própria poderiam realizar a cobrança do DIFAL até o fim de 2021 e, a partir de 2022, seria necessária a edição de lei complementar.
Diante da certeza da exigência de lei complementar, verifica-se que, no caso específico do Estado de Pernambuco, este se antecipou e alterou a legislação estadual, já ciente de que em breve seria editada a lei complementar a estabelecer normas gerais sobre o DIFAL, cujo projeto já tramitava há algum tempo. Foi então editada, em 31 de dezembro de 2021, a Lei Estadual nº 17.625, com o intuito de alterar a Lei Estadual do ICMS, adaptando-a à norma geral que se seguiria (Lei Complementar nº 190, de 05 de janeiro de 2022).
Os contribuintes do imposto, contudo, têm colocado a questão de que a Lei Estadual nº 17.625/2021 teria que atender à anterioridade anual e nonagesimal. Asseveram que, apenas após a edição da LC nº190/2022 é que se poderia falar nos respectivos prazos, ou seja, além de atender os noventa dias (anterioridade nonagesimal), apenas poderia se dar a cobrança a partir do exercício seguinte à edição da lei complementar (anterioridade anual), ou seja, somente no exercício de 2023.
2. A suspensão da eficácia e interpretação conforme a Constituição Federal da Lei Complementar nº 190/2022 na ADI nº 7.066: análise do atendimento aos princípios da anterioridade anual e nonagesimal
Com base nos supramencionados fundamentos, foi ajuizada em 14 de janeiro de 2022 a ADI nº 7.066, com o objetivo de suspender a eficácia e conferir interpretação conforme a Constituição Federal à Lei Complementar nº 190/2022. Na ADI nº 7.066, em apertada síntese, busca-se a aplicação da anterioridade anual e nonagesimal, não tendo sido proferida ainda qualquer decisão esclarecedora sobre a matéria.
No entanto, é de se destacar que o Relator da ADI nº 7066 é o Ministro Alexandre de Moraes, sendo interessante observar como o Exmo. Ministro tem se posicionado acerca do DIFAL em outros casos, o que pode trazer indícios acerca do possível entendimento do Exmo. Relator sobre a matéria.
Ora, no RE 1.287.019, em conjunto com a ADI nº 5.469, o Ministro Alexandre de Moraes entendeu que não seria imprescindível a edição de uma nova lei complementar para regulamentar a cobrança do DIFAL, posto que a EC nº 87/15 não inovou, mas apenas reformou o tema. Consignou, desse modo, que a referida modificação imposta ao texto da Constituição Federal apenas ampliou a incidência do diferencial de alíquota do ICMS, que já era existente na redação originária, para as hipóteses em que o destinatário é contribuinte do imposto, para as operações e prestações que destinassem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS, não instituindo a cobrança de novo tributo que exigisse uma nova lei complementar. Ou seja, a referida lei apenas teria estendido a sistemática constitucional de aplicação do diferencial de alíquota do ICMS em operações e prestações que destinassem bens e serviços a consumidor final contribuinte para aqueles também não contribuintes1.
Ademais, o Ministro asseverou que não houve alterações quanto às matérias tributárias cuja regulamentação por lei complementar é obrigatória, conforme previsto nos artigos 146, incisos I e III, alínea "a", e 155, inciso XII, alíneas "a", "c", "d" e "i", da Constituição Federal. O que teria havido, na verdade, seria simplesmente uma alteração das regras de divisão de receitas, sem que houvesse a criação de qualquer novo tributo, a incidência de novas formas de tributação, pois, antes do advento da EC nº 87/15, o art. 155, § 2º, VII, a e b, e o inciso VIII da Constituição Federal já previam o tributo.
Portanto, para o Ministro Alexandre de Moraes, o DIFAL não seria imposto propriamente dito, mas tão somente uma sistemática de distribuição e adequação do ICMS em operações interestaduais e, desse modo, dispensável a edição de lei complementar específica, posto que o DIFAL já era cobrado anteriormente ao advento da EC 87/15 nas situações em que o consumidor final é contribuinte do imposto (artigo 155, §2º, VII, "a" da Constituição Federal em sua redação originária) e não se exigia, para tanto, a edição de lei complementar versando especificamente sobre a matéria.
Com efeito, o entendimento prevalente no egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE) tem sido de que a LC nº 190/2022 não instituiu o DIFAL, mas apenas teria fixado as balizas para a instituição pelos Estados. Não teria a LC nº 190/2022, desse modo, tratado de relações jurídicas específicas quanto aos seus efeitos, até porque à União não compete instituir o ICMS, mas sim aos Estados.
De fato, é de se notar que o STF, ao modular os efeitos da decisão acerca da necessidade de lei complementar abriu, na prática, prazo para que os Estados promovessem as alterações necessárias em suas legislações, tendo sido preservadas as relações tributárias oriundas das normas instituidoras estaduais anteriores a 2021, como é o caso do Estado de Pernambuco, até que isso não acontecesse. A ideia, ao que parece, foi dar uma solução de continuidade, para que não deixasse de haver arrecadação.
Uma vez fixada, no julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 1.093, a necessidade de lei complementar a instituir normas gerais acerca do DIFAL, cumpre analisar a exigência (ou não) de atendimento à anterioridade anual ou geral.
Ora bem. É sabido que é vedado ao poder estatal fiscal cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei que implique majoração ou instituição de tributo, de modo que a norma jurídica que institui ou majora tributos apenas incidirá sobre os fatos jurídicos ocorridos no exercício financeiro subsequente ao de sua publicação, com o intuito de promover a segurança jurídica e não surpresa.
Eduardo Sabbag, sobre o princípio da anterioridade, esclarece que:
“Nessa medida, tal espera anual, que sempre esteve presente na seara tributária brasileira, existindo com exclusividade até o advento da Emenda Constitucional n. 42/2003, prevê uma postergação da eficácia da lei tributária para o 1º dia do exercício financeiro subsecutivo ao daquele em que tenha havido a publicação da lei instituidora ou majoradora da exação tributária. Daí se falar em “postergação ou diferimento de eficácia da lei tributária” ou, simplesmente, em adoção do “princípio da eficácia diferida.”2
Desse modo, por mais que a Lei pernambucana (Lei Estadual nº 17.625/2021) tenha sido promulgada no fim do prazo considerado limite, o que não era desejado pelo contribuinte, não se pode dizer, a meu ver, que o princípio da anterioridade não foi cumprido, por ser a legislação estadual anterior à LC nº 190/2022. Promulgada a lei estadual em 31 de dezembro de 2021, o exercício em pode ser exigida a exação é 2022, circunscrevendo-se a análise, claro, unicamente ao atendimento ao princípio da anterioridade anual.
Veja-se que o STF consignou que a cobrança do DIFAL – que já ocorria –, apenas seria permissível após a edição de lei complementar tratando das regras gerais. A legislação estadual não tratou das normas gerais, ao revés, adaptou-se ao texto da Lei Complementar nº 190/2022. Se não há contrariedade entre as normas gerais estabelecidas e o texto da lei pernambucana, não há qualquer óbice à aplicação desta, o que, repise-se, apenas poderia ocorrer após a edição da lei complementar. Ou seja, a lei pernambucana ficaria com sua eficácia “suspensa” até advir a lei complementar de normas gerais, que foi promulgada logo em seguida. Logo, também teria restado atendido o princípio da anterioridade anual, podendo ser aplicada a legislação impugnada em 2022.
Nesse sentido, o voto condutor no julgamento do Tema nº 1.093:
“(…) “E, aplicando à presente discussão a orientação da Corte prevalecente no RE nº 917.950/SP-AgR e no RE nº 1.221.330/SP, Tema nº 1.094, julgo que as leis estaduais ou do Distrito Federal editadas após a EC 87/15 que preveem o ICMS correspondente ao diferencial de alíquotas nas operações ou prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto são válidas, mas não produzem efeitos enquanto não for editada lei complementar dispondo sobre o assunto.”3
Perceba-se, por oportuno, que esse entendimento tem sido defendido em diversos Estados, mesmo nas situações em que a lei estadual foi editada apenas após a lei complementar, não sendo, segundo os Estados, o caso de respeito ao princípio da anualidade, por não se tratar de instituição de tributo novo, vez que a cobrança do DIFAL já vinha regulamentada pelo Convênio ICMS 93/2015. A maioria dos Estados, portanto, passou a exigir o DIFAL a partir de abril de 2022, frente ao respeito único à anterioridade nonagesimal.
No que se refere à anterioridade nonagesimal, por sua vez, a discussão parece um pouco mais complexa. Conforme redação do artigo 3º da referida lei, o DIFAL poderá ser cobrado no prazo de 90 dias a contar da publicação da lei complementar, ocorrida em 05/01/2022. Considerando a interpretação literal do texto da lei, a cobrança do DIFAL passaria a valer, portanto, em abril/2022:
Art. 3º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea c do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal.4
O projeto de lei, contudo, dispunha o seguinte:
Art. 3º Fica assegurada, até a data do início da produção de efeitos desta lei complementar, a eficácia das legislações tributárias estaduais anteriores que tratem da exigência do ICMS correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a interestadual, ficando suspensa, a partir da data do início da produção de efeitos desta Lei Complementar, a eficácia dessas legislações tributárias estaduais, no que lhe forem contrárias.
Art. 4º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos após decorridos noventa dias da publicação.5
O Estado de Pernambuco, em diversos feitos submetidos à apreciação desta Corte de Justiça, tem defendido que a mudança de redação parece deixar claro que a Lei Complementar entra em vigor na data da sua publicação, sob o argumento de que, no art. 3º, o legislador não prescreve que a cobrança do DIFAL deva ocorrer no exercício seguinte e após noventa dias da publicação da lei complementar. O Estado defende que, o que a lei ali faz, é apenas consignar, em reprodução à Constituição, que, quando num determinado ente federativo competente, houver instituição ou aumento de tributo (justamente, as hipóteses expressamente contempladas no art. 150, III, da CF), deve ser atendida a anterioridade nonagesimal. Argumenta, por conseguinte, que a anterioridade deve ter por referencial a lei apta a instituir ou majorar o tributo, e não aquela destinada apenas a veicular normas gerais, ou seja, o que a lei nacional diz é que a produção de efeitos não deve ignorar a anterioridade nonagesimal. Admitir o contrário, a seu ver, implicaria a conclusão de que estaria a União a instituir isenção heterônoma, em violação ao art. 151, III, da CF e ao princípio federativo (art. 1º a 18 da CF).
Ora, considerando que, no julgamento do Tema nº 1.093, foi esclarecido que a edição de Lei Complementar seria apenas uma condição de eficácia da lei estadual, é razoável compreender que, ao menos a princípio, não deve ser exigido quaisquer outros prazos.
Com efeito, há muita discussão em torno da vigência da Lei Complementar nº 190/2022 e as correspondentes legislações estaduais, o que apenas será aprofundado por ocasião do julgamento da ADI nº 7.066.
Na referida ADI nº 7.066 foi proferida decisão pelo Ministro Relator Alexandre de Moraes que, como já previsto, seguiu exatamente a linha de raciocínio que o Exmo. Ministro defendeu no julgamento do RE 1.287.019, em conjunto com a ADI nº 5.469. O Exmo. Ministro, nos autos da ADI nº 7.066 (DJe 20.05.2022), indeferiu o pedido de medida cautelar formulado para suspender a produção de efeitos da Lei Complementar nº 190/2022:
“(…) A EC 87/2015, frise-se, estendeu a sistemática de aplicação do diferencial de alíquota do ICMS em operações e prestações que destinassem bens e serviços a consumidor final contribuinte para aqueles também não contribuintes, especialmente – ponto em que havia a necessidade de adequação legislativa – nas operações interestaduais provenientes do comércio eletrônico.
Nesse cenário, houve a estipulação de novas regras de divisão de receitas do ICMS na circulação interestadual de mercadorias e serviços, sem o propósito de elevar o ônus fiscal a cargo do contribuinte. Como mencionado, as alterações no texto constitucional visaram a conciliar um conflito entre as Fazendas dos Estados, sem repercussão fiscal e econômica sobre os sujeitos passivos da tributação.
Deve-se reconhecer que a compreensão majoritária da CORTE no julgamento do RE 1.287.019-RG e ADI 5469 apontou a impossibilidade de que tais alterações normativas se consolidassem no mundo jurídico apenas com a normatividade estabelecida na própria Constituição, sendo necessária a edição de lei complementar pelo Congresso Nacional para a regularização do novo arranjo fiscal relacionado à sujeição ativa do ICMS nas operações em questão (divisão da arrecadação na operações interestaduais destinadas a consumidor não contribuinte).
A conclusão daquele julgamento, entretanto, não parece ser suficiente para impor a incidência do princípio da anterioridade (…).As hipóteses são distintas, pois uma coisa é averiguar se a cobrança do DIFAL atrairia a incidência do art. 146, da CF, em vista da alegação de se tratar de “norma geral de direito tributário”, por regular uma relação entre sujeitos antes não diretamente vinculados (contribuinte e Fazenda do Estado de destino da mercadoria); questão diversa, e mais específica, é definir se a regulamentação do DIFAL pela LC 190/2022 importou naquilo que o art. 150, III, “b”, da CF, menciona como “lei que os instituiu ou aumentou”, referindo-se a “tributos” que se pretenda cobrar no mesmo
exercício; o que, nesse juízo de cognição sumária não parece ter ocorrido.O princípio da anterioridade de exercício posto no art. 150, III, “b”, da CF, é, notadamente, um instrumento constitucional de limitação do poder de tributar, pelo qual, em regra, nenhum tributo, seja da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, poderá ser cobrado no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a Lei que o instituiu ou aumentou, tendo por finalidade evitar a surpresa do contribuinte em relação a uma nova cobrança ou um valor maior, não previsto em seu orçamento doméstico.
A LC 190/2022 não modificou a hipótese de incidência, tampouco da base de cálculo, mas apenas a destinação do produto da arrecadação, por meio de técnica fiscal que atribuiu a capacidade tributária ativa a outro ente político – o que, de fato, dependeu de regulamentação por lei complementar – mas cuja eficácia pode ocorrer no mesmo exercício, pois não corresponde a instituição nem majoração de tributo.
A qualificação da incidência do DIFAL em operações interestaduais como nova relação tributária (entre o contribuinte e a Fazenda do Estado de destino) não é capaz de mitigar o fato de que a EC 87/2015 (e a LC 190/2022, consequentemente) preservou a esfera jurídica do contribuinte, fracionando o tributo antes devido integralmente ao Estado produtor (alíquota interna) em duas parcelas devidas a entes diversos.
O Congresso Nacional orientou-se por um critério de neutralidade fiscal em relação ao contribuinte; para este, não é visada, a princípio, qualquer repercussão econômica relacionada à obrigação principal da relação tributária, apenas obrigações acessórias decorrentes da observância de procedimentos junto às repartições fazendárias dos
Estados de destino, em acréscimo ao recolhimento junto à Fazenda do Estado de origem (por uma alíquota menor). E tais obrigações, por não se situarem no âmbito da obrigação principal devida pelo contribuinte, não se sujeitam ao princípio da anterioridade, na linha do que afirmado pela CORTE em relação a obrigações acessórias tais como prazo, condições e procedimentos para pagamento.
Nesse sentido a Súmula Vinculante 50:“Norma legal que altera o prazo de recolhimento de obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade”.
O Princípio da anterioridade previsto no art. 150, III, “b”, da CF, protege o contribuinte contra intromissões e avanços do Fisco sobre o patrimônio privado, o que não ocorre no caso em debate, pois trata-se um tributo já existente (diferencial de alíquota de ICMS), sobre fato gerador antes já tributado (operações interestaduais destinadas a consumidor não contribuinte), por alíquota (final) inalterada, a ser pago pelo mesmo contribuinte, sem aumento do produto final arrecadado.
Em momento algum houve agravamento da situação do contribuinte a exigir a incidência da garantia constitucional prevista no referido artigo 150, III, “b” da Constituição Federal, uma vez que, a nova norma jurídica não o prejudica, ou sequer o surpreende, como ocorre com a alteração na sujeição ativa do tributo promovida pela LC 190/2022 (EC 87/2015). A EC 87/2015 previu a progressiva substituição da incidência da alíquota interna pela soma da alíquota interestadual com o DIFAL, transferindo a receita dos Estados de origem para os Estados de destino, nessa modalidade de operação (art. 99 do ADCT).
A disciplina do Convênio ICMS CONFAZ 93/2015 pretendeu alcançar o mesmo arranjo fiscal que, agora, a LC 190/2022 preservou, a fim de sanar o vício formal apontado pela CORTE no julgamento da ADI 5469, mas sem qualquer inovação relevante no tratamento da matéria.
Além disso, a suspensão da incidência do DIFAL, mantida a incidência apenas da alíquota interestadual, seria inconsistente sob o ponto de vista de que essa tributação não ocorria assim antes da lei impugnada (ou da EC 87/2015), quando incidia a alíquota interna em favor do Estado de origem. Caso se entendesse que a nova sistemática de tributação não poderia ser exigida no presente exercício, como pretende a Requerente ABIMAQ, a solução adequada seria resgatar a sistemática anterior à EC 87/2015, e não aplicar parte da regulamentação que se reputa ineficaz, sob pena de, a pretexto de evitar majoração, causar decesso na arrecadação do tributo.
Dessa maneira, em sede de cognição sumária, não se constata a presença do fumus boni juris a justificar a suspensão da eficácia da norma impugnada.
(…) INDEFIRO AS MEDIDAS CAUTELARES requeridas na ADI 7066, proposta pela ABIMAQ”.6
Desse modo, a prevalecer o entendimento esposado pelo Exmo. Ministro Relator Alexandre de Moraes, não há necessidade de atendimento aos princípios da anterioridade anual nem nonagesimal. A questão, contudo, não está decidida em definitivo, tendo havido a suspensão, em 27/09/2022, do julgamento de três ações que discutem a cobrança do DIFAL ICMS, diante do pedido de vista do Exmo. Min. Dias Toffoli.
3. Distinção entre os requisitos para a concessão de medida liminar em mandado de segurança e a suspensão da exigibilidade do débito por meio do depósito do montante integral previsto no art. 151, II, do CTN
Coloca-se, contudo, uma outra questão, diante do encaminhamento, até o momento, da discussão acerca da (des)necessidade de observância aos princípios da anterioridade anual e da anterioridade nonagesimal. Partindo-se da premissa de que, provavelmente, a conclusão da Corte Suprema será pela não exigência de atendimento aos referidos princípios, cumpre analisar se, em autos de Mandado de Segurança, é direito do contribuinte o deferimento do pedido de depósito do montante integral do débito em juízo para a suspensão da sua exigibilidade. Em outras palavras, resta saber se esse direito persistiria mesmo diante da concepção de que, no mérito, o writ estaria fadado ao fracasso, diante da incontornável aplicação da tese fixada no julgamento do Tema nº 1.093 de Repercussão Geral.
Reis Friede7, acerca do direito do contribuinte de depositar judicialmente o quantum tributário discutido, argumenta que:
“(…) no âmbito doutrinário e jurisprudencial, sendo pacífico o entendimento, inclusive no âmbito administrativo-fiscal, no sentido de que o disposto no art. 151, II, do Código Tributário Nacional – CTN (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966) constitui-se em um sinérgico direito subjetivo do contribuinte, cujo exercício corresponde a uma ampla e irrestrita faculdade pertencente a este de, a qualquer tempo, suspender a exigibilidade do crédito tributário, independente da presença de qualquer requisito vinculante, ou mesmo pressuposto genérico, como o denominado fumus boni iuris lato sensu (condição específica de viabilidade de qualquer ação judicial). (Friede; Nogueira Júnior, 2011, p. 123)”.
Nesse sentido, vejamos:
TRIBUTÁRIO E PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DEPÓSITO DO MONTANTE INTEGRAL. ARTIGO 151, II, DO CTN. AJUIZAMENTO DE AÇÃO CAUTELAR DE DEPÓSITO. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PRESCINDIBILIDADE. FUMUS BONI IURIS DESVINCULADO DO MÉRITO DA AÇÃO PRINCIPAL. 1. O fumus boni iuris ensejador da concessão da cautelar incidental de depósito previsto no artigo 151, II, do CTN, causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário, não reside na relevância da pretensão contida na ação principal, mas, sim, na possibilidade jurídica da medida assecuratória pleiteada. 2. O depósito, em dinheiro, do montante integral do crédito tributário controvertido, a fim de suspender a exigibilidade do tributo, constitui direito subjetivo do contribuinte, prescindindo de autorização judicial e podendo ser efetuado nos autos da ação principal (declaratória ou anulatória) ou via processo cautelar, nada obstante o paradoxo defluente da ausência de interesse processual no que pertine ao pleito acessório (Precedentes desta Corte: REsp 697370/RS, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, publicado no DJ de 04.08.2006; REsp 283222/RS, Relator Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, publicado no DJ de 06.03.2006; REsp 419855/SP, Relator Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, publicado no DJ de 12.05.2003; e REsp 324012/RS, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, publicado no DJ de 05.11.2001). 3. Deveras, a aludida medida assecuratória da suspensão da exigibilidade do crédito tributário, além de prevenir a incidência da correção monetária sobre a dívida tributária em debate, impede o Fisco de postular, efetivamente, o objeto da obrigação tributária, inibindo-lhe a prática de quaisquer atos posteriores à constituição do crédito tributário. 4. Entrementes, o depósito judicial configura ainda garantia da satisfação da pretensão executiva do sujeito ativo, a favor de quem os valores depositados serão convertidos em renda com a obtenção de decisão favorável definitiva legitimadora do crédito tributário discutido (artigo 156, VI, do CTN). 5. Ademais, como é de sabença, a sucumbência do depositante na ação principal, por decisão trânsita em julgado, estende-se à ação instrumental, razão pela qual não se infere prejuízo na autorização cautelar do depósito ainda que em sede de mandamus com sentença denegatória. 6. Recurso especial provido. (REsp 466.362/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/03/2007, DJ 29/03/2007, p. 217)8
Percebe-se, destarte, que não há que se confundir a suspensão da exigibilidade pelo depósito com os requisitos para a concessão de medida liminar em mandado de segurança:
“Na prática forense sempre foi comum o depósito no bojo da ação mandamental e a expedição de ordem liminar para suspensão da exigibilidade. Todavia, imperioso que não se confunda a causa suspensiva com o instrumento da sua efetivação, o continente e o conteúdo. Impõe-se esclarecer de início que depósito ou caução nunca foram pré-requisitos para concessão da liminar em mandado de segurança, embora fosse comum neste tipo de demanda. O que ocorria era que alguns juízes costumavam exigir a caução como forma de contracautela para evitar prejuízos à Fazenda Pública. (…) Quando havia depósito judicial integral no writ a suspensão da exigibilidade decorria em razão do depósito. A liminar cumpria a função meramente de declarar o direito do contribuinte à suspensão com fulcro no art. 151, II do CTN. Por outro lado, quando não havia depósito no writ, a suspensão da exigibilidade exigia do juiz fundamentação quanto aos requisitos da concessão previsto na lei, quais sejam: o fumus boni iuris e o periculum in mora. (…) E no mandado de segurança o que se deveria entender por fumus boni iuris? A fumaça do bom direito deve se relacionar simplesmente com a existência de depósito ou outra garantia ou com a pretensão de fundo (causa de pedir) subjacente à demanda proposta? Não haveria de ser a existência de depósito a balizar a presença ou não da “fumaça do bom direito”, pois a suspensão da exigibilidade pelo depósito prescinde da liminar em mandado de segurança. É um direito do contribuinte, conforme ensinou HUGO DE BRITO MACHADO (1994, p. 232). (…) Descarta-se por consectário lógico que o fumus boni iuris se relacione com a oferta de outra garantia, pois somente o depósito é previsto como causa suspensiva de exigibilidade. Ademais, como dito alhures, sua exigência em sede de mandado de segurança nada tinha a ver com o requisito da fumaça do bom direito, era sim medida de contracautela em favor da Fazenda Pública”.9
Portanto, mesmo que se entenda que não estão presentes os requisitos exigidos para a concessão da medida liminar em mandado de segurança – periculum in mora e fumus boni iuris –, seria devida a suspensão da exigibilidade do débito em virtude do depósito do montante integral em dinheiro, com fundamento no artigo 151, II, do CTN.
4. Inexistência de definição acerca do montante integral e a impossibilidade de deferimento do depósito do art. 151, II, CTN
Ocorre que não se afigura admissível deferir autorização para realizar depósito sobre tributos ainda vincendos e não sobre valores vencidos, ou seja, não se revela possível o depósito do montante integral, pois esse “montante integral” não é certo e regularmente constituído.
Não se trata de crédito de ICMS específico e iniludivelmente delimitado, mas de crédito futuro e incerto, de modo que não é viável o deferimento do depósito judicial, que seria sim direito subjetivo do contribuinte se fosse integral e em dinheiro – ou seja, exigir-se-ia o conhecimento do exato montante discutido.
Nesse sentido, explica o Estado de Pernambuco, nos variados feitos em que se discute a matéria no TJPE10, que: (i) o ICMS DIFAL é, inicialmente, calculado pelo remetente da mercadoria (Cláusula Segunda, I, "c"); (ii) o recolhimento do DIFAL, por sua vez, pode se dar: (a) tratando-se de contribuinte sem inscrição estadual na unidade federativa de destino, a cada saída de mercadoria, mediante a emissão da GNRE respectiva (Cláusula Quinta); e tratando-se de contribuinte com inscrição estadual na unidade federativa de destino, até o décimo quinto dia do mês subsequente à saída da mercadoria (cláusula sexta, §2º). Por conseguinte, efetivado o cálculo do DIFAL, sua constituição provisória ocorre através de declaração do contribuinte por meio do preenchimento da Guia Nacional de Informação e Apuração do ICMS – Substituição Tributária (GIA-ST), por força do art. 27-A, I, "a" e "b", do Decreto Estadual nº 19.258/1996, c/c Ajuste SINIEF 04/93. Dessa forma, o contribuinte realiza inicialmente o cálculo do tributo gerando a GNRE para seu recolhimento, e o sistema da SEFAZ também efetiva o cálculo da exação devida por período fiscal, informando-lhe o valor devido através da disponibilização do Extrato de Notas Fiscais/Consumidor Final (art. 1º-A), que pode ser objeto de contestação pelo contribuinte, na hipótese de haver discordância com o cálculo efetivado (art. 1º-C).
Saliente-se, pois, como vem sendo pontuado pelo Estado de Pernambuco, que o cálculo do contribuinte é meramente provisório e a declaração na GIA-ST representa mera constituição provisória do crédito tributário, devendo ser objeto de posterior aferição pelo Fisco do montante real do tributo devido, que pode ser correspondente ao valor calculado pelo contribuinte, mas também pode representar quantia inferior ou superior àquele cálculo provisório.
Logo, uma vez correto o cálculo e o pagamento, o crédito é extinto. Porém, no caso em que o montante do crédito tenha sido declarado a menor, cumpre ao Fisco Estadual proceder ao lançamento complementar do valor devido, através de uma das modalidades de lançamento indicadas no art. 2º, da Lei Estadual nº 10.654/1991, inaugurando-se o processo administrativo tributário, ao fim do qual haverá a constituição definitiva do crédito tributário.
Ou seja, apenas nesse momento ocorre a constituição definitiva do crédito tributário e, por conseguinte, pode-se avaliar se eventual depósito em ação judicial é revestido ou não da integralidade a que alude o art. 151, II, do CTN. Por conseguinte, se não há ainda crédito tributário constituído, não há que se falar em exigibilidade do crédito, pairando incerteza sobre o montante efetivamente devido ao Fisco.
Por fim, embora se entenda que os requisitos da concessão de liminar em mandado de segurança são diferentes dos requisitos para a suspensão da exigibilidade pelo depósito integral do tributo, é de se dizer que, primeiro, não se pode falar em depósito do montante integral do débito porque este ainda não foi definitivamente constituído, tratando-se de crédito incerto, cujo valor ainda não foi delimitado. Segundo, é de se acrescer o indiscutível periculum in mora inverso, uma vez que se afigura patente o prejuízo à Fazenda Pública, em razão da multiplicidade de feitos da mesma natureza e do impacto econômico que adviria da autorização dos depósitos e consequente não ingresso imediato dos valores nos cofres públicos, o que leva à conclusão, desse modo, de que não é de ser deferida a suspensão da exigibilidade do débito com base no depósito do montante integral em dinheiro, fundamentado no artigo 151, II, do CTN.