Garantia legal e direito de arrependimento
Caro leitor, certamente você já se deparou com uma situação em que efetuada a compra de um produto pela internet, este, apresentou determinado defeito, frustrando assim suas reais expectativas sobre o bom funcionamento do mesmo. Ainda, em referência ao título, possa ter findado seu interesse em certa aquisição logo após a compra do serviço ou produto, prontificando-se imediatamente à solicitação de cancelamento.
É certo, contudo, que em um ou outro caso, muitas vezes os serviços prestados para resolução do problema são deficientes, justamente para impedir maiores prejuízos aos fornecedores.
Faz-se necessário, portanto, desmistificar ambos os institutos, tanto da garantia legal quando do arrependimento em 7 dias, consignando desde já, que ambos são direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor, pelos quais não podem ser livremente restringidos por mero contrato de adesão como de praxe no mercado.
1- DIREITO DE ARREPENDIMENTO
De primeiro, o direito de arrependimento é aquele previsto no artigo 49 do CDC, o qual estabelece:
“O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.”
Assim, não há muito o que destrinchar sobre tal disposição expressa, valendo apenas ressaltar que o verbete “fora do estabelecimento comercial”, atualmente, refere-se às compras pela internet, site, whats’app ou qualquer outro meio não presencial.
2 – GARANTIA LEGAL E CONTRATUAL
Passando ao próximo instituto, do qual, infelizmente, abarrota o judiciário de demandas, dada a clara desídia dos prestadores de serviço em respeitá-lo, ficando ainda certa crítica ao PROCON que pouco se impõe nas resoluções extrajudiciais, temos o a garantia do produto.
Em verdade, há duas espécies de garantia, a contratual e a legal, a primeira obviamente sendo aquela muitas vezes “indicada no site” ou mesmo inclusa em determinado “termo de adesão”, sendo certo que a maioria dos consumidores não se atenta a tal informação até a necessidade, enfim, sempre com disposições genéricas de “garantia contratual de 3 meses ou mesmo de 12 meses”.
No entanto, dispõe o artigo 50 do CDC: A garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito.
Significa dizer que, embora defendido pelos prestadores de serviço ou produto que certa “garantia expirou”, em nada implica na garantia legal, já que como visto, a disposição é meramente complementar e mesmo que haja cláusula indicando: “ESTE CONTRATO NÃO POSSUI CLÁUSULA DE GARANTIA”, ainda prevaleceria a garantia legal, pois esta, meu caro leitor, não pode ser afastada por disposição nestes termos.
Prosseguindo, como se observa pelo CDC, a garantia legal é aquela prevista no artigo 26:
Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;
II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.
§ 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.
O que em um primeiro momento pode levar à conclusão de que seria menor do que a própria disposição contratual de 1 ano, mas é junto ao parágrafo 3º do mesmo dispositivo que se aprofunda a análise, pois nele se estabelece:
§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.
Mas iremos por partes aos elementos desta regra, este vício oculto apontado, por definição do professor Cavalieri Filho é: “aquele que não pode ser percebido desde logo, que só vem a se manifestar depois de um certo tempo de uso do produto ou de fruição do serviço, mas dentro do seu período de vida útil. (CAVALIERI FILHO, 2014, p. 363)”
Entendendo-se o que seria tal vício oculto, como um celular que após certo tempo apresenta problemas em sua bateria, ou uma televisão que passa a apresentar pixels danificados em sua tela, temos de definir o que seria este “período de vida útil” da acepção acima.
Os produtos e serviços são divididos em duráveis e não duráveis, como esclarecido pelo professor:
Serviços e produtos não duráveis são aqueles de vida útil breve, consumidos com pouco tempo de uso, como, por exemplo, alimentos, alguns tipos de medicamentos, produtos de limpeza, entre outros. Produtos e serviços duráveis são aqueles que têm vida útil prolongada, como veículos, eletrodomésticos, móveis, imóveis, entre outros. Santanna, Gustavo. Direito do consumidor. Disponível em: Minha Biblioteca, Grupo A, 2018.
Certo, sabemos, portanto que grande parte dos produtos eletrônicos são duráveis, como celulares, geladeiras, carros, etc. basta pensarmos que a aquisição do bem, por sua natureza, implica que será utilizado por longo período, não havendo justificativa comum na troca anual destes produtos.
Mas ainda fica a questão, qual o prazo de vida útil destes produtos duráveis?
A lei certamente não define e, nestes casos, se torna necessário certa pesquisa jurisprudencial, ou seja, cada produto possui um prazo de vida útil próprio e isso depende do consenso entre os julgadores dos tribunais, mas a título de exemplo, algumas ementas de julgados:
Aparelho televisivo:
RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. Defeito em aparelho de televisão após 6 anos da compra. Fabricante reconhece o defeito, mas informa que não fornece mais a peça para o conserto. Critério de vida útil. Artigo 32, parágrafo único do CDC – período razoável de tempo. Estudos apontam que uma televisão tem vida útil de 4 a 10 anos. Prazo não ultrapassado. Sentença de parcial procedência mantida. Recurso desprovido. (TJSP; Recurso Inominado Cível 1001046-30.2021.8.26.0306; Relator (a): Milena Repizo Rodrigues; Órgão Julgador: 4ª Turma Cível; Foro de José Bonifácio - Juizado Especial Cível e Criminal; Data do Julgamento: 31/01/2022; Data de Registro: 31/01/2022
Celular:
Arts. 25, caput, c.c. 51, I, do CDC. E a vida útil de um celular não pode ser apenas vinte e sete meses. Hipótese a revelar, ao menos em tese, obsolescência programada, na espécie por incompatibilidade. Sentença anulada de ofício, prejudicado o apelo. CONSUMIDOR. VÍCIO OCULTO. O sistema constitucional vigente impede sejam estabelecidas presunções contra o polo consumidor. É do fornecedor o ônus exclusivo de provar a inexistência de defeito e/ou que o consumidor/terceiro foi o único a dar causa ao evento, na clara dicção do art. 12, § 3º, I e II, do CDC. Lei nº 8.078/90 que toma como pressuposta a responsabilidade objetiva do fornecedor ao lhe atribuir o ônus de demonstrar uma das causas legalmente aptas a desqualificar esse nexo normativo de imputação. Consumidor que não está obrigado a provar que o defeito existe. Perícia nos aparelhos que, neste caso e às expensas da ré, mostra-se indispensável. Sentença anulada de ofício, prejudicado o apelo. (TJSP; Apelação Cível 1004674-56.2022.8.26.0576; Relator (a): Ferreira da Cruz; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto - 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/12/2022; Data de Registro: 12/12/2022)
Veículo:
1 – As garantias contratual e legal não encerram a responsabilidade das fornecedoras por eventuais vícios ocultos que se manifestem depois desses respectivos prazos, vigendo, em nosso ordenamento jurídico, o conceito de garantia durante a vida útil do produto, noção que é apreciada concretamente pelo Magistrado à luz das peculiaridades fáticas. Jurisprudência pacífica do C. Superior Tribunal de Justiça. 2 – No caso, embora a garantia fosse de três anos, o sistema de transmissão do veículo, segundo o manual do proprietário entregue junto com o produto, tinha vida útil de 160.000 km. (TJSP; Apelação Cível 1048114-10.2019.8.26.0576; Relator (a): Maria Lúcia Pizzotti; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/05/2023; Data de Registro: 03/05/2023)
3 – CONCLUSÃO
Em conclusão, a garantia legal é independente da garantia contratual, não havendo como ser afastada, mas sim complementada, isto porque o código de defesa do consumidor é norma impositiva, pois seus termos são pautados na própria Constituição Federal de 88, conforme artigo 5.º, inciso XXXII.
Aliás, configura-se como uma garantia fundamental do cidadão, estabelecida, como cláusula pétrea do Texto Magno, em seu artigo 60, § 4.º, inciso IV, valendo dizer que tal garantia constitucional possibilita até mesmo a revisão de contrato assinado, no todo ou em cláusulas específicas, a fim de assegurar o equilíbrio das pactuações.
Santanna, Gustavo. Direito do consumidor. Disponível em: Minha Biblioteca, Grupo A, 2018.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de direito do consumidor. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2014.