Resumo: O presente trabalho tem por objetivo realizar uma análise sobre o Projeto de Lei nº 2630/2020, conhecido como Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Busca-se apresentar os fatos concretos que motivaram sua propositura, a base teórica que fundamenta sua formulação, bem como os principais conceitos abordados no projeto, com o propósito de elucidar as questões relacionadas à interferência digital no processo democrático e à influência das grandes empresas de tecnologia nas escolhas da sociedade. Para tanto, utiliza-se o método dedutivo e a pesquisa bibliográfica, com o intuito de oferecer um esclarecimento fundamentado acerca dos objetivos, da importância e das controvérsias que envolvem o referido projeto de lei.
Palavras-chave: Democracia, ACDN, Big Techs e Fake News.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceitos e definições fundamentais. 2.1. Visão histórica da transparência e responsabilidade digital. 2.2. Serviços de mensageria redes sociais e ACDN. 2.3. A influência digital sobre a tomada de decisões. 3. O projeto de lei. 3.1. Objetivos do projeto de lei. 3.2. Da identificação de contas falsas e automatizadas. 3.3. Remoção de conteúdo. 3.4. Da publicidade e fiscalização. 3.4.1. Da publicidade. 3.4.2. Da fiscalização. 3.5. Do conselho de transparência e responsabilidade na internet. 3.6. Sanções e responsabilização. 4. Controversas do projeto. 5. Leis estrangeiras. 5.1. União Europeia: Lei de Serviços Digitais (Digital Service Act - DSA). 5.2. Alemanha: Lei de Cumprimento da Rede (do alemão – Netzwerkdurchsetzungsgesetz - NetzDG). 5.3. Índia: A Lei de Tecnologia da Informação. 5.4. Reino Unido: Projeto de Lei dos Danos Online (do inglês - Online Harms Bill). 6. Considerações finais. Referências.
1. Introdução
A influência da mídia digital na sociedade brasileira e mundial tem crescido a cada dia com o avanço da inclusão social na tecnologia. À medida que aumenta a quantidade de usuários ativos nos meios digitais, cresce também a influência das grandes empresas de tecnologia no mundo moderno. Atualmente, em 2023, Apple, Amazon, Microsoft, Alphabet (Google) e Meta figuram como as cinco maiores empresas de tecnologia do mundo. O fenômeno do surgimento de empresas com o porte dessas cinco ficou conhecido como Big Techs, termo usado para se referir às empresas de tecnologia com nível de influência global, capazes de interferir diretamente na forma de trabalho, relacionamento, consumo e convivência nas sociedades.
O avanço tecnológico dessas grandes empresas foi responsável por mudanças significativas na comunicação, mais especificamente por meio dos serviços de mensageria e das redes sociais. A velocidade na comunicação passou a interferir na vida social, no trabalho e até na política. Conforme a comunicação e o marketing evoluíram, a política os acompanhou em sua forma de propaganda. Desde então, nas últimas três eleições brasileiras, a mídia digital tem desempenhado um papel fundamental, que tende a crescer conforme a inclusão digital avança na sociedade.
O surgimento das novas formas de marketing digital e de difusão de conteúdo veio acompanhado de fenômenos de grande importância no mercado atual: o teleconsumo e as redes de distribuição de conteúdo, que revolucionaram o comércio digital por meio da venda direcionada e da realização de transações de forma mais específica para os públicos-alvo. Esse avanço comercial trouxe uma série de debates a respeito da transparência e da influência das grandes empresas de tecnologia, devido ao impacto que esse tipo de marketing pode exercer na vida dos consumidores.
Além do comércio, outra área que sofreu grande impacto foi a política. A primeira eleição mundial em que a influência digital foi observada de forma clara foram as eleições americanas de 2016, justamente em um dos primeiros países a iniciar o processo de inclusão digital. Foi nessa época que o termo fake news se popularizou, embora já fosse utilizado desde o início dos anos 2000. Durante as eleições de 2016, passou a ter um sentido mais específico, que se mantém até os dias atuais. Dentre as fake news que circularam nas eleições americanas de 2016, estavam relatos falsos de que o Papa Francisco endossava a candidatura de Donald Trump, candidato republicano que venceu a eleição. O boato foi desmentido pelo serviço oficial de notícias da Santa Sé. Outra notícia falsa que circulou foi a de que a candidata do Partido Democrata, Hillary Clinton, estaria envolvida em um esquema ilegal de venda de armas para grupos terroristas. O PolitiFact, site de checagem de fatos, desmentiu essa afirmação e a classificou como falsa.
O fenômeno da desinformação como forma de enganar o eleitorado não surgiu com as fake news, tampouco a difusão de notícias falsas e de má-fé começou com esse termo. Um exemplo ocorreu no século XIX, durante a Guerra Hispano-Americana, em 1898, quando alguns jornais americanos adotaram uma abordagem sensacionalista conhecida como "jornalismo amarelo". Publicavam manchetes exageradas, informações não verificadas e histórias inventadas para impulsionar a venda de jornais e influenciar a opinião pública a favor da guerra. Outro exemplo, mais recente e com consequências mais conhecidas, foi o "Protocolo dos Sábios de Sião", no século XX — um documento forjado que alegava a existência de um plano de conspiração judaica para dominar o mundo. Embora fosse uma falsificação, os protocolos foram amplamente publicados e difundidos por jornais em diversos países, alimentando o antissemitismo e a discriminação. Esse foi um dos conteúdos que ajudaram a impulsionar os eventos trágicos ocorridos durante o regime nazista na Europa.
Dito isso, é evidente que a desinformação e o compartilhamento de notícias falsas não surgiram com o avanço digital. Entretanto, o problema atual está na maneira como essas notícias são difundidas, o que está relacionado à forma como as grandes empresas de tecnologia, mídias sociais e serviços de mensageria operam. A disseminação de conteúdos digitais ocorre hoje de forma rápida, por meio de textos ou vídeos curtos. Esse tipo de conteúdo é valorizado pelos algoritmos das plataformas digitais, pois é mais atrativo e menos cansativo para o público. Contudo, esse fenômeno, aliado às formas de compartilhamento de informação, tornou a difusão de conteúdos falsos mais eficaz, visto que o compartilhamento em massa pode reforçar uma opinião pré-existente ou modificar a opinião do receptor com base em desinformação. Isso pode influenciar decisões políticas do indivíduo, que, por sua vez, compartilha a desinformação com mais usuários, gerando um ciclo. A correção da desinformação, quando ocorre, geralmente se dá de forma tardia.
O fenômeno das fake news também se repetiu no contexto brasileiro. Presentes desde as eleições federais de 2018, a disseminação de conteúdo fraudulento se tornou pauta não só na internet, mas também no Congresso Nacional, sendo votada, inclusive, a Lei nº 13.834/2019, sancionada no Brasil em 4 de junho de 2019. Essa lei tem como objetivo combater a divulgação de informações falsas durante as eleições, especialmente aquelas que visam prejudicar a imagem de candidatos. Ela alterou o Código Eleitoral Brasileiro para incluir um novo crime eleitoral: a divulgação de notícias falsas com o objetivo de influenciar o pleito. De acordo com a legislação, aqueles que criarem ou disseminarem informações comprovadamente falsas sobre candidatos durante o período eleitoral podem ser punidos com multa e até cinco anos de prisão.
É nesse contexto que o Projeto de Lei nº 2630/2020, a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, foi apresentado no Senado Federal em 30 de junho de 2020 pelo senador Alessandro Vieira, do partido Cidadania, junto a outros senadores. O projeto teve como objetivo combater a disseminação de notícias falsas, desinformação e conteúdos nocivos nas redes sociais e em plataformas digitais. Foi elaborado como uma resposta ao crescente impacto negativo causado pelas fake news no contexto político, social e eleitoral. O referido projeto de lei ficou conhecido popularmente como “PL das Fake News” ou “PL da Censura”, dependendo do ponto de vista do cidadão.
Contudo, o foco e o objetivo da lei não são criminalizar ou definir o que é fake news, tampouco se limitar exclusivamente ao tema. O projeto tem por finalidade estabelecer normas, diretrizes e mecanismos de transparência para provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada, a fim de garantir segurança e ampla liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento (Art. 1º, PL 2630/2020), como forma de se adequar aos tempos atuais e à influência da tecnologia na vida dos brasileiros.
2. Conceitos e definições fundamentais
O Projeto de Lei nº 2630/2020 aborda, em seu texto, conceitos e definições oriundos dos serviços e da mídia digitais, tais como redes de distribuição artificial de conteúdo, redes sociais e serviços de mensageria. Dito isso, é de suma importância, para uma melhor compreensão do projeto, a definição clara dos principais conceitos abordados na proposta. Também é fundamental analisar, de forma objetiva, o histórico da legislação sobre conteúdo digital no Brasil, a fim de compreender melhor o alcance desta proposta.
2.1. Visão histórica
A visão histórica da responsabilidade e transparência digital no Brasil é marcada por uma evolução gradual, em resposta aos desafios apresentados pelas tecnologias digitais e sua influência na sociedade. Essa evolução ocorreu ao longo da última década, acompanhando os avanços legislativos também observados no exterior. Em ordem cronológica, a legislação brasileira passou pelas seguintes etapas:
2.1.1. Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011)
Promulgada em 2011, essa lei estabeleceu o direito dos cidadãos brasileiros de acessar informações públicas, ampliando a transparência governamental e incentivando a prestação de contas.
2.1.2. Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014)
O Marco Civil da Internet, sancionado em 2014, estabelece princípios, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Aborda questões como neutralidade da rede, privacidade, responsabilidade dos provedores de serviços online e liberdade de expressão.
2.1.3. Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018)
Aprovada em 2018, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estabelece regras para o tratamento de dados pessoais, incluindo consentimento, transparência e segurança. A LGPD visa garantir a privacidade e a proteção dos dados dos cidadãos brasileiros.
2.1.4. Lei nº 13.834/2019
Já mencionada anteriormente, essa lei acrescentou ao Código Eleitoral o crime de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral, prevendo pena de detenção de dois a oito anos e multa.
2.2. Serviços de mensageria, redes sociais e ACDN
Popularmente, o PL 2630/2020 ficou conhecido como "PL das Fake News". Entretanto, o objetivo do projeto de lei não é definir, por si só, o que é uma notícia falsa ou criminalizar sua prática, mas sim tornar mais fácil a localização de fontes propagadoras de desinformação, responsabilizar diretamente os provedores e tornar mais transparente o marketing digital. Dito isso, as definições são:
2.2.1. Serviços de mensageria
Serviços de mensageria são plataformas que permitem a troca de mensagens entre indivíduos ou grupos. Esses serviços se tornaram uma das formas de comunicação mais utilizadas no Brasil e no mundo. Sua influência e agilidade impactaram profundamente a comunicação na vida pessoal, no trabalho e na política — este último não apenas pela rápida difusão de notícias entre usuários de forma direta, mas também pelos grupos, que podem variar de 1.024 até 200.000 pessoas, dependendo do aplicativo. Esse vetor de informações é utilizado para diversos fins, inclusive políticos.
Na letra do projeto, está definido como: “provedores de aplicação que prestam serviços de mensagens instantâneas por meio de comunicação interpessoal, acessíveis a partir de terminais móveis com alta capacidade de processamento ou de outros equipamentos digitais conectados à rede, destinados, principalmente, à comunicação privada entre seus usuários, inclusive os criptografados.” (Art. 4º, inciso XI).
2.2.2. Redes sociais
Redes sociais são plataformas online que permitem que indivíduos, grupos e organizações se conectem, interajam e compartilhem conteúdo virtualmente. Essas plataformas oferecem recursos que facilitam a criação de perfis pessoais ou comerciais, a busca e adição de contatos, a troca de mensagens e a publicação de conteúdo como textos, fotos e vídeos, além da participação em comunidades virtuais.
A principal diferença em relação aos serviços de mensageria está nas funcionalidades das redes sociais, que vão além da simples troca de mensagens. Atualmente, elas são um dos meios mais eficazes de propagação de ideias, de forma mais ampla e menos pessoal.
No projeto de lei, redes sociais são definidas como: “aplicação de internet que se destina a realizar a conexão de usuários entre si, permitindo e tendo como centro da atividade a comunicação, o compartilhamento e a disseminação de conteúdo em um mesmo sistema de informação, por meio de contas conectadas ou acessíveis entre si de forma articulada.” (Art. 4º, inciso X).
2.2.3. Redes de distribuição artificial de conteúdo (ACDN)
Uma Rede de Distribuição Artificial de Conteúdo, do inglês Artificial Content Distribution Network (ACDN), refere-se a um sistema automatizado projetado para disseminar conteúdo de forma não orgânica. Essas redes são geralmente utilizadas para manipular a exposição e a visibilidade de determinados conteúdos online, com o objetivo de aumentar sua disseminação e impacto.
Uma ACDN geralmente envolve o uso de bots (programas de computador que automatizam tarefas) e contas falsas para amplificar artificialmente a distribuição de conteúdos como notícias falsas, propaganda política ou spam. Essas redes podem ser usadas para influenciar opiniões, criar tendências artificiais ou ampliar o alcance de informações enganosas.
Apesar de ser considerada uma prática desonesta, o uso de ACDNs não é necessariamente ilegal, exceto quando associado a práticas criminosas, como a denunciação caluniosa. Na prática, é difícil rastrear o uso dessas redes, pois, embora muitas vezes seja perceptível a atividade de contas inativas e bots, provar essa correlação não é simples, devido às políticas de proteção ao usuário de cada plataforma. A autorregulação, portanto, é um dos objetivos centrais do PL 2630/2020.
Na letra da lei, as ACDNs são definidas como: “conjunto de disseminadores artificiais cuja atividade é coordenada e articulada por pessoa ou grupo de pessoas, conta individual, governo ou empresa, com o fim de impactar de forma artificial a distribuição de conteúdo com o objetivo de obter ganhos financeiros e/ou políticos.” (Art. 4º, inciso VI).
2.3. A influência digital sobre a tomada de decisões
Com o avanço da inclusão social no meio digital, a influência das grandes empresas de tecnologia sobre a tomada de decisões e sobre a opinião individual tornou-se cada vez mais forte. Sendo empresas privadas, essas corporações possuem ampla liberdade para escolher quais conteúdos são mais ou menos recomendados pelos algoritmos das redes sociais. Esse poder é capaz de influenciar diretamente a opinião pública em diversos assuntos social e politicamente relevantes.
A problemática do poder de uma empresa privada — especialmente quando estrangeira — está relacionada à sua capacidade de influenciar a população nacional. O alcance dessas plataformas e sua capacidade de divulgação de conteúdo podem interferir em decisões importantes na política e na economia do país, seja ao reforçar opiniões pré-existentes, seja ao selecionar, de forma específica, conteúdos mais alinhados aos interesses da própria plataforma.
Pesquisas reforçam essa preocupação, como o estudo "Information Contagion: An Empirical Study of the Spread of News on Digg and Twitter Social Networks" (Contágio de informação: Um estudo empírico sobre a propagação de notícias nas redes sociais Digg e Twitter, tradução livre), conduzido por Lerman, K., e Ghosh, R., em 2010. O estudo concluiu que as escolhas algorítmicas têm um impacto significativo na popularidade e visibilidade de um conteúdo.
Outra pesquisa relevante é "Exposure to ideologically diverse news and opinion on Facebook" (Exposição a notícias e opiniões ideologicamente diversas no Facebook, tradução livre), conduzida por Bakshy, E., Messing, S., e Adamic, L., em 2015. Essa pesquisa revelou que o algoritmo do Facebook tende a apresentar aos usuários conteúdos que reforçam suas visões políticas pré-existentes, criando câmaras de eco e limitando a exposição a perspectivas divergentes.
3. O projeto de Lei
O Projeto de Lei nº 2630/2020 passou por alterações, inclusões e exclusões desde sua proposta em 2020. Entretanto, seu objetivo e proposta principal de autorregulação ainda se sustentam nos mesmos princípios.
3.1. Objetivos do projeto
A Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência estabelece diretrizes e mecanismos de transparência para provedores de redes sociais — ou seja, empresas e plataformas que hospedam e oferecem serviços de interação social online — e para os serviços de mensageria privados com mais de dois milhões de usuários registrados, caso ofereçam serviço ao público brasileiro ou haja, ao menos, um integrante do grupo econômico com estabelecimento no Brasil.
Tem por objetivos o combate ao comportamento inautêntico, às redes de distribuição artificial de conteúdo (ACDN) e o fomento ao acesso à diversidade de informações na internet brasileira. Além disso, busca a transparência nas práticas de moderação de conteúdo postado por terceiros, com garantia ao contraditório, a adoção de mecanismos de informação sobre conteúdos impulsionados e publicitários (referentes ao algoritmo de publicação), a defesa da liberdade de expressão e o impedimento da censura no ambiente online. Importante destacar que estão excluídos do conceito de provedor de internet os provedores de conteúdo jornalístico.
A ênfase no combate ao comportamento inautêntico visa impedir a criação de uma falsa percepção de popularidade ou apoio, especialmente em contextos políticos. Na prática, contas falsas ou automatizadas (não informadas) podem inflar artificialmente o engajamento em torno de determinado tema ou figura pública, transmitindo uma ideia distorcida do apoio real existente.
O Art. 6º do projeto impõe aos provedores o dever de adotar, nos limites técnicos, medidas para vedar o funcionamento de contas inautênticas e de contas automatizadas não comunicadas, com o objetivo de impedir e combater as redes de distribuição artificial de conteúdo.
É importante destacar que contas automatizadas não são, necessariamente, uma forma de uso inautêntica da plataforma. Muitas vezes, elas são utilizadas por empresas para fins de marketing ou comunicação, aumentando sua produtividade. O foco da lei está na vedação de contas automatizadas não comunicadas.
Também é essencial salientar que as vedações previstas na lei não implicam em restrições a manifestações artísticas, intelectuais, satíricas, religiosas, políticas, ficcionais ou literárias, ou a qualquer outra forma de expressão cultural. Esses direitos são assegurados pela Constituição Federal de 1988, conforme o Art. 5º, inciso IX, e o Art. 220, que trata da liberdade de imprensa.
O Art. 6º também estabelece a obrigação de identificação dos conteúdos impulsionados por pagamento ao provedor da rede social. Embora essa prática não seja irregular, sua identificação proporciona mais transparência, evitando a falsa impressão de que o conteúdo foi postado de forma espontânea. Esse inciso busca promover a transparência nos serviços prestados pelos provedores.
As formas de fiscalização e atuação previstas incluem o desenvolvimento de técnicas para identificar contas que operam de forma incompatível com a capacidade humana, além do limite no número de contas controladas por um mesmo usuário. O objetivo é identificar contas inativas e automatizadas não comunicadas.
3.2. Da identificação de contas falsas ou automatizadas
O projeto busca tornar mais difícil o uso de contas falsas e de contas automatizadas não comunicadas. Para isso, propõe limitar o compartilhamento de informações e mensagens. Essa limitação tem como objetivo dificultar a atuação das redes de distribuição artificial de conteúdo. O projeto estabelece um limite de cinco compartilhamentos da mesma mensagem para usuários ou grupos, sendo esse número ainda menor durante o período eleitoral.
3.3. Remoção de conteúdo
Os conteúdos denunciados por descumprirem os termos da lei deverão ser notificados aos usuários antes da remoção. Entretanto, o projeto prevê a possibilidade de remoção sem prévia notificação nos casos de:
Dano imediato de difícil reparação;
Risco à segurança da informação ou do usuário;
Violação aos direitos de crianças e adolescentes;
Crimes resultantes de preconceito de cor ou raça, conforme a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989.
3.4. Da publicidade e da fiscalização
3.4.1. Da publicidade
No que diz respeito à publicidade paga, a identificação dos conteúdos impulsionados tem por objetivo tornar mais clara a razão pela qual determinado conteúdo está sendo apresentado ao público, evitando a falsa impressão de que se trata de uma publicação espontânea. O projeto impõe aos provedores o dever de identificar os conteúdos impulsionados, os impulsionadores e a página dos impulsionadores, que deve ser acessível ao usuário.
No caso de propaganda eleitoral impulsionada, os provedores devem fornecer à Justiça Eleitoral informações como: o valor total gasto pelo candidato no anúncio, a identificação dos anunciantes, CPF ou CNPJ, tempo de veiculação e a confirmação de que o conteúdo se relaciona à propaganda eleitoral.
Os provedores desses conteúdos devem requerer a confirmação da identidade dos responsáveis pelas contas que estão realizando o impulsionamento. Entretanto, essa identidade deve ser mantida em sigilo, sendo exigível apenas mediante ordem judicial, conforme previsto no Marco Civil da Internet.
No caso de agentes políticos, o uso de impulsionamento não é vedado — assim como ocorre com outros grupos —, mas todos os gastos realizados devem constar no portal da transparência, assim como ocorre em outras situações envolvendo recursos públicos. Será exigido dos agentes políticos a divulgação de informações sobre a contratação de serviços de publicidade e propaganda, incluindo:
Valor do contrato;
Dados da empresa contratada;
Conteúdo da campanha;
Mecanismos de distribuição dos recursos;
Critérios de definição do público-alvo;
Lista de ambientes digitais onde os recursos foram aplicados;
Número de aparições da publicidade.
3.4.2. Da fiscalização
Além das obrigações de fiscalização atribuídas aos provedores, o projeto prevê o acompanhamento dessas medidas por meio da elaboração de relatórios. Os provedores terão o dever de fiscalizar, checar e impedir o funcionamento de contas inativas ou automatizadas não informadas.
Para esse acompanhamento, o projeto impõe a obrigação de produzir relatórios trimestrais de transparência, informando:
As decisões relativas ao tratamento dos conteúdos;
As medidas adotadas para o cumprimento da lei;
Número de usuários brasileiros ativos;
Quantidade de medidas adotadas para cumprimento da lei e seus respectivos motivos;
Número de medidas decorrentes de ordens judiciais;
Número total de contas automatizadas e de redes de distribuição artificial detectadas;
Casos de conteúdos impulsionados e publicitários não identificados e as medidas adotadas;
Número de medidas revertidas por erro (indicador da eficácia das ações de moderação);
Médias de tempo entre a detecção da irregularidade e a adoção da medida;
Dados de engajamento das contas identificadas;
Atualizações na política de uso e nos termos dos relatórios, que também devem ser informadas.
3.5. Do Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet
O Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet será instituído no prazo de 60 dias após a publicação da lei. Terá como objetivo realizar estudos, pareceres e recomendações sobre liberdade, responsabilidade e transparência na internet. O conselho também deverá:
Acompanhar as medidas previstas na lei;
Elaborar um código de conduta para redes sociais e serviços de mensageria privada, a ser avaliado e aprovado pelo Congresso Nacional;
Basear suas ações nos princípios e objetivos estabelecidos pela lei;
Avaliar os relatórios trimestrais;
Analisar os procedimentos de moderação adotados pelos provedores;
Certificar que a entidade de autorregulação esteja cumprindo a legislação;
Promover debates, educação digital e autogestão.
3.6. Sanções e responsabilização
A responsabilização das plataformas pelo cumprimento das obrigações previstas na lei será feita mediante a imposição de sanções em caso de descumprimento. As penalidades variam desde advertência até multa de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil, com base no último exercício fiscal.