4. Controvérsias do projeto
O PL 2630/2020 ficou popularmente conhecido por dois nomes: "PL das Fake News" e "PL da Censura". A controvérsia em torno do projeto decorre da preocupação com a manutenção da liberdade de expressão na internet. Isso porque a proposta traz um modelo de autorregulação por parte das provedoras, sem, na maioria dos casos, o envolvimento direto do governo nas ações regulatórias.
Entretanto, na prática, conteúdos considerados controversos poderiam ser removidos exclusivamente pelas próprias empresas, sem interferência governamental. Essa possibilidade levanta questionamentos quanto ao equilíbrio entre a liberdade de expressão e o controle exercido pelas plataformas privadas.
Conforme disposto no Art. 12 do projeto, existe a previsão de remoção de conteúdo sem notificação prévia ao usuário. Para os críticos, esse poder concedido às plataformas pode abrir espaço para excessos, já que, no intuito de cumprir as exigências legais, os provedores poderiam remover conteúdos com base apenas na possibilidade de enquadramento nas penalidades da lei.
Outra crítica frequente refere-se à obrigatoriedade de comprovação de identidade. O projeto impõe essa exigência às contas suspeitas de se enquadrarem como automatizadas não informadas ou perfis falsos. Para os críticos, essa medida representa um maior acesso do Estado aos dados pessoais dos cidadãos, o que poderia configurar uma violação da privacidade.
Além disso, a investigação em busca de comportamento inautêntico pode comprometer o direito ao anonimato, já que contas secundárias poderiam ser interpretadas como "bots", exigindo comprovação de identidade por parte do usuário e, assim, quebrando o sigilo de sua identidade.
É importante salientar que o PL 2630/2020 tem, entre seus objetivos expressos, a garantia da ampla liberdade de expressão. Esse princípio está presente nos Artigos 1º, 3º, 4º e 12º do projeto. No entanto, para os críticos, o aumento do poder das provedoras no controle e nas exigências pode representar um risco à liberdade de expressão, caso não haja mecanismos claros de garantia e proteção dos direitos dos usuários.
5. Leis estrangeiras
Semelhante ao processo legislativo brasileiro, outros países também levaram a discussão sobre a problemática da disseminação de fake news ao âmbito legislativo. Entre as leis estrangeiras que entraram em vigor fora do Brasil, destacam-se:
5.1. União Europeia: Lei de Serviços Digitais (Digital Services Act – DSA)
A lei inclui requisitos para que as plataformas online adotem medidas de combate à desinformação, removam conteúdos ilegais e prejudiciais, e forneçam maior transparência em relação aos algoritmos e aos processos de moderação. Além disso, a DSA propõe a criação de um sistema de cooperação entre as autoridades nacionais e a Comissão Europeia para monitorar o cumprimento das regras.
Outro objetivo da lei é a criação de um conselho para tratar da disseminação de notícias. A DSA entrou em vigor em 16 de novembro de 2022 e será diretamente aplicável em toda a União Europeia até 17 de fevereiro de 2024.
5.2. Alemanha: Lei de Cumprimento da Rede (Netzwerkdurchsetzungsgesetz – NetzDG)
A Lei de Cumprimento da Rede exige que as plataformas implementem processos eficazes para lidar com denúncias de conteúdo ilegal. As plataformas devem disponibilizar canais de denúncia e contar com equipes dedicadas para revisar e, se necessário, remover rapidamente o conteúdo reportado.
Além disso, as plataformas são obrigadas a publicar relatórios anuais de transparência, informando como estão cumprindo suas obrigações quanto à remoção de conteúdo ilegal.
A legislação alemã se assemelha ao projeto brasileiro em dois pontos principais: (1) a exigência de atuação reguladora direta dos provedores — ou seja, vigilância interna por parte da própria empresa — e (2) a obrigatoriedade de relatórios de transparência, que na Alemanha são anuais, enquanto na proposta brasileira são trimestrais.
5.3. Índia: Lei de Tecnologia da Informação
Uma das principais áreas reguladas pela Lei de Tecnologia da Informação na Índia é a remoção de conteúdo ilegal ou prejudicial. A legislação estabelece disposições para a remoção rápida de informações consideradas difamatórias, obscenas, ameaçadoras ou que violem a privacidade de indivíduos.
Além disso, a lei trata de temas como segurança cibernética, proteção de dados pessoais, criptografia, crimes cibernéticos e outras atividades ilícitas na esfera digital.
5.4. Reino Unido: Projeto de Lei dos Danos Online (Online Harms Bill)
O projeto de lei prevê a criação de um órgão regulador independente com poderes para aplicar penalidades às empresas que descumprirem as obrigações estabelecidas. Essas obrigações incluem:
Remoção rápida de conteúdo prejudicial;
Implementação de medidas de segurança e proteção à privacidade dos usuários;
Divulgação transparente das políticas e práticas de moderação de conteúdo.
O Online Harms Bill também visa promover a transparência e a responsabilização das plataformas online, exigindo que estas divulguem informações sobre os processos de moderação de conteúdo, bem como sobre a abordagem adotada em questões relacionadas à segurança e proteção dos usuários.
Até o dia 23 de maio de 2023, o projeto encontrava-se em fase de comitê na Câmara dos Lordes.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim como ocorreu em outros países, a regulação e autorregulação da disseminação de conteúdo na internet tornou-se, naturalmente, tema de discussão no Poder Legislativo brasileiro, gerando debates a respeito da liberdade de expressão e da regulação digital. Independentemente de sua implementação, o projeto teve a importância de trazer à tona questões relevantes sobre liberdade de expressão, plataformas de internet e redes de distribuição artificial de conteúdo.
A urgência do projeto foi rejeitada: foram contabilizados 239 votos a favor e 207 votos contra, sendo necessários 257 votos para a aprovação do regime de urgência. Apesar da rejeição, o debate recente trouxe mais visibilidade aos temas abordados no projeto, que poderão impactar positivamente as futuras eleições.
No site oficial do Senado Federal, a consulta pública sobre o projeto foi encerrada, revelando uma votação popular de 424.819 votos contrários e 353.204 votos favoráveis ao projeto. Isso demonstra uma maioria da população não favorável à proposta, o que revela certa desconfiança em relação à ideia de interferência regulatória — neste caso, autorregulatória — nas redes sociais e na internet de forma geral.
A proposta representa uma observação prática da realidade brasileira no que diz respeito às redes sociais e aos desafios contemporâneos que elas impõem. No entanto, a função delegada às provedoras de serviços, conforme previsto no projeto, pode se revelar excessiva e impactar negativamente a forma como a população utiliza essas plataformas. Isso porque, sendo empresas privadas, caso haja imposição de medidas autorregulatórias, essas companhias podem passar a exercer uma vigilância excessiva sobre os usuários, com o objetivo de evitar as sanções previstas em caso de descumprimento da lei.
REFERÊNCIAS
Camara.leg.br, Projeto de Lei, PL 2630/2020 e seus apensados, Disponível em <https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2256735 >
BMJ, Regras contra o ódio na Internet - o Network Enforcement Act, 21/12/2022, Disponível em <https://www.bmj.de/DE/Themen/FokusThemen/NetzDG/NetzDG_node.html >
UOL, Entenda o PL das Fake News, inspirado em lei alemã, 28/04/2023 <https://www.uol.com.br/tilt/ultimas-noticias/deutschewelle/2023/04/29/entenda-o-pl-das-fake-news-inspirado-em-lei-alema.htm >
Abstract: The present work aims to conduct an analysis of the Bill 2630/2020 or the Brazilian Law on Freedom, Responsibility, and Transparency on the Internet. It aims to present the concrete facts that led to its proposal, the theoretical basis behind its formulation, and the concepts addressed in the bill in order to elucidate the theme of digital interference in the democratic process and the influence of big technology companies on society's choices. To achieve this, a deductive method and bibliographic research are employed with the objective of formulating a clear understanding of the goals and importance of the Bill and its controversies.
Key words : Democracy, ACDN, Big Techs, and Fake News.