As licitações envolvendo aquisição de medicamentos sempre foram desafiadoras, seja pela infinidade de itens licitados, seja pelos descontos mínimos de cada rodada, seja pelo uso de tabelas de preços especializadas e aplicação de descontos.
As tabelas como referenciais de preços sempre facilitaram o processo de aquisição de medicamentos, o desconto sobre itens da tabela é uma alternativa interessante.
Historicamente, o TCE/SP entendia pela possibilidade de se utilizar itens da tabela como referência de preços para aplicação do critério de julgamento, inclusive, orientava o uso da tabela CMED. Nos últimos 6 anos, essa posição do TCE/SP foi sendo alterada, e é possível localizar diversos posicionamentos do Tribunal em sentido negativo ao uso da tabela CMED, com recomendações de que sejam utilizadas outras fontes. Essa tese negativa se concentra no fato de que a CMED regula preços teto de mercado, não podendo a Administração Pública licitar ampara no preço máximo, em linhas gerais, os preços de referência das licitações são baseados na média de mercado, e não no máximo.
Apesar das críticas construídas pelo Tribunal e do posicionamento negativo ao uso da tabela CMED que tomava forma, tudo indica que o TCE/SP esteja revendo essa posição, admitindo, novamente, que a tabela seja utilizada como referência, já que, em exame prévio de edital recente, o Tribunal não insurgiu quanto ao uso da tabela.
E mais, além de readmitir o uso da tabela, o Tribunal também tem alterado outra posição já consolidada sobre o tema: a regularidade do uso da tabela como critério de pagamento/registro de preços dos medicamentos. Isso porque já era posição batida do Tribunal a admissão de tabelas referenciais somente para fins de “julgamento”, após a apuração do melhor preço, o Tribunal entendia que o valor contratado/registrado deveria aquele obtido da aplicação dos descontos na tabela, ou seja, não era compreendida como regular a aplicação do desconto no momento da compra, registrar descontos ou contratar descontos, pois o que se contratava/registrava eram os preços licitados, o desconto sobre tabela seria mero mecanismo de seleção/julgamento.
Cita-se a decisão:
PROCESSO: 001292.989.23-3
EMENTA
EXAME PRÉVIO DE EDITAL. PREGÃO ELETRÔNICO. REGISTRO DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS. CRITÉRIO DE JULGAMENTO. MAIOR DESCONTO SOBRE A TABELA CMED DA ANVISA. POSSIBILIDADE QUE NÃO AFASTA O DEVER DA ADMINISTRAÇÃO DE CONFERIR CONFIABILIDADE AOS VALORES OFERTADOS EM FACE DOS PARADIGMAS DE MERCADO. COMPOSIÇÃO DESARRAZOADA DOS LOTES. AUSÊNCIA DE MÍNIMA PREVISÃO ESTIMATIVA. INSUFICIÊNCIA. ART. 15 DA LEI FEDERAL N° 8.666/93. CORREÇÕES DETERMINADAS. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA REPRESENTAÇÃO
[...]
Evolução jurisprudencial sobrevinda na Sessão Plenária de 26 de outubro de 2022, quando do julgamento da Representação tratada no TC 19583.989.22-3, conferiu o mais recente entendimento sobre o tema, passando-se, doravante, a admitir tal critério de adjudicação e aquisição de medicamentos, seja à luz da sistemática da Leis Federais n°s 8.666/93 e 10.520/2022, seja sob a nova modelagem advinda com a Lei Federal n° 14.133/2021, desde que observadas cautelas e diretrizes incidentes sobre os procedimentos administrativos voltados à licitações públicas, com destaque para a necessária pesquisa de preços.
Nesse contexto, é de rigor reconhecer a improcedência da crítica direcionada ao critério de julgamento adotado.
Nada obstante, seguindo a sintonia Jurisprudencial já estabelecida, ressalvo que a viabilidade de utilização de percentual de desconto sobre a Tabela da CMED, não só como critério de adjudicação, mas também de pagamento, com vistas à manutenção do equilíbrio econômico do ajuste, não afasta o dever da Administração de conferir confiabilidade aos valores ofertados em face dos paradigmas de mercado, o que se presume apartir da adoção de ferramentas complementares de pesquisa, tais como o Banco de Preços em Saúde – BPS do Ministério da Saúde, a fim de excluir indesejável viés de referenciação única e isolada.
O Tribunal não deixou de destacar que, apesar da admissão do “desconto sobre tabela” como critério de pagamento, uma medida que visa permitir que os contratos/atas públicos(as) acompanhem as flutuações desse mercado, não está o Poder Contratante dispensado de verificar os preços de mercado, buscando outras fontes para verificar a adequação dos valores que serão contratados.
Também é destacado pelo Tribunal que essa interpretação é aplicável tanto no regime licitatório de 1993, como no regime de 2021.
A nova lei e a pesquisa de preços - Tabelas
De todo modo, analisando o contexto das posições do TCE/SP e especialmente tratando sobre o uso de tabelas como referência de preços, é possível entender que, sob à ótica da Nova Lei de Licitações, e através de seu poder regulamentar, o Poder Público poderia elencar determinada tabela como fonte de preços.
É o que se extrai do art. 23, §1º e §5º, veja:
Art. 23. O valor previamente estimado da contratação deverá ser compatível com os valores praticados pelo mercado, considerados os preços constantes de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contratadas, observadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto.
§ 1º No processo licitatório para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, conforme regulamento, o valor estimado será definido com base no melhor preço aferido por meio da utilização dos seguintes parâmetros, adotados de forma combinada ou não:
I - composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente no painel para consulta de preços ou no banco de preços em saúde disponíveis no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP);
II - contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços, inclusive mediante sistema de registro de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente;
III - utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenham a data e hora de acesso;
IV - pesquisa direta com no mínimo 3 (três) fornecedores, mediante solicitação formal de cotação, desde que seja apresentada justificativa da escolha desses fornecedores e que não tenham sido obtidos os orçamentos com mais de 6 (seis) meses de antecedência da data de divulgação do edital;
V - pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, na forma de regulamento.
[...]
§ 3º Nas contratações realizadas por Municípios, Estados e Distrito Federal, desde que não envolvam recursos da União, o valor previamente estimado da contratação, a que se refere o caput deste artigo, poderá ser definido por meio da utilização de outros sistemas de custos adotados pelo respectivo ente federativo.
[destacamos]
Portanto, além de contar com a nova chancela do TCE/SP sobre o uso da tabela CMED, há a possibilidade de que ao regulamentar a sua forma de efetivar pesquisa de preços na Lei Federal nº 14.133/2021, cada ente/poder/órgão preveja quais são as fontes que irá utilizar, e as tabelas podem ser inseridas como fontes, isso porque, apesar do art. 23, §1º, inciso III, da Nova Lei prever o uso de tabelas aprovadas pelo Governo Federal, o §3º do mesmo artigo autoriza que outras fontes de custos sejam adotadas.
Cabe destacar também, sobre o processo de pesquisa de preços na Nova Lei, que o ideal de cesta de preços, já apregoado pelo TCU e que vem sendo replicado pelo TCE/SP, deve ser priorizado, ou seja, optar, sempre que possível, por mesclar as fontes de preços, para que se alcance preço confiável.
Conclusão
O TCE/SP tem revisto posições anteriores e admitido o uso da tabela CMED como referência de preços em licitações de medicamentos, além disso, tem compreendido a possibilidade de se utilizar desconto sobre a tabela como critério de pagamento/registro de preços, além de aconselhar que sempre haja pesquisa adequada de preços no momento de aquisição.
Referências