No cenário tributário brasileiro, a recente não conversão em lei da Medida Provisória 1.160, que restabelecia o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), tem gerado uma significativa insegurança jurídica. A MP, que perdeu a validade em 2 de junho de 2023, tinha como objetivo reintroduzir o mecanismo do voto de qualidade, que determina que, em caso de empate nos julgamentos do Carf, o voto de desempate seja dado pelo presidente do tribunal administrativo, um representante da Fazenda Nacional.
Antes dessa MP, o voto de qualidade havia sido revogado pela Lei 13.988/20, aprovada pelo Congresso Nacional em 2020. Essa alteração legislativa determinou que, em caso de empate nos julgamentos do Carf, a decisão seria sempre favorável ao contribuinte. No entanto, a validade dessa mudança tem sido discutida no Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6.399, 6.403 e 6.415. Embora o Plenário do STF tenha formado maioria para validar a lei, o julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques. Apesar de ter devolvido os autos recentemente, ainda não há uma data definida para a retomada do julgamento.
Paralelamente, o governo apresentou um Projeto de Lei (PL) que visa restabelecer definitivamente o voto de qualidade no Carf. Essa medida é considerada fundamental para aumentar a arrecadação e fornecer suporte ao arcabouço fiscal proposto pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O texto do PL, que substituirá a MP 1.160, foi enviado ao Congresso Nacional em 5 de maio. Enquanto isso, com o término da vigência da medida provisória, o critério que beneficia os contribuintes voltará a ser aplicado pelo Carf.
Ou seja, com a perda de validade da MP 1.160, volta a vigorar o artigo 28 da Lei 13.988/2020, estabelecendo que empates nos julgamentos devem ser resolvidos favoravelmente ao contribuinte. Isso quer dizer, que até que nova lei altere o assunto, valerá o disposto no artigo 28, a ser aplicado já nas próximas sessões de julgamento das turmas do Conselho.
Além da incerteza gerada pela mudança de critério, o funcionamento do Carf tem sido afetado pelos adiamentos frequentes de sessões, motivados por uma greve dos servidores da Receita Federal.
Na prática, com o adiamento das sessões de julgamento do Carf, o fisco tem embaraçado o cumprimento de uma regra legal vigente, daí a necessidade de se restabelecer o funcionamento do órgão julgador de forma plena o quanto antes, evitando-se assim, prejuízo aos contribuintes de todo país.
Esse cenário de insegurança jurídica tem preocupado os setores produtivos, uma vez que a mudança nas regras pode impactar significativamente as disputas fiscais em andamento. A Constituição Federal estabelece a necessidade de um decreto legislativo para regular a não conversão em lei de uma medida provisória, uma vez que a jurisprudência do STF é clara ao afirmar que a medida provisória não revoga leis anteriores, apenas as suspende.
A atuação do Congresso Nacional na edição de um decreto legislativo pode inclusive interferir nos julgamentos ocorridos durante a vigência da MP e que foram decididos pelo voto de qualidade. Durante os próximos 60 dias, as decisões tomadas durante a vigência da MP seguirão válidas, mas poderão ser modificadas por meio de decreto legislativo. Após esse prazo, elas serão consolidadas de acordo com o teor da MP que perdeu a validade, conforme previsto na Constituição.
Em um contexto de constantes alterações legislativas e discussões judiciais, é fundamental continuarmos acompanhando de perto os desdobramentos relacionados ao voto de qualidade no Carf. A decisão final do STF e possíveis novas medidas legislativas poderão impactar significativamente a relação entre contribuintes e Fazenda Nacional, influenciando tanto as empresas quanto a arrecadação tributária do país.